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J. Bras. Nefrol. 1996; 18(4): 389-392
F. S. Thomé - Infecções relacionadas a cateter: um desafio em CAPD
Comentário Editorial
Infecções relacionadas a cateter: um desafio
em CAPD
O maior problema para pacientes em diálise peritoneal
ambulatorial contínua (CAPD) sempre foi a ocorrência de
peritonites. A evolução de novas técnicas permitiu uma grande
diminuição da contaminação intra-luminal provocada pela abertura
do sistema durante as trocas. Entretanto, as chances de infecção
associada a CAPD per manecem elevadas se considerarmos as
infecções relacionadas a cateter. Desde o grande avanço trazido
por Henry Tenckhoff, que permitiu um acesso relativamente seguro
à cavidade peritoneal, todas as modificações introduzidas para
diminuir as complicações infecciosas não conseguiram suplantar o
fato evidente de que o cateter é um corpo estranho que rompe as
defesas cutâneas e torna o abdômen suscetível à ação dos
microorganismos. As infecções relacionadas a cateter (infecções de
óstio - ou orifício de saída ou de túnel e peritonites a elas
associadas) são causa importante de falha do tratamento, remoção
do cateter e transferência para hemodiálise. 1,2 Além da
biocompatibilidade do material sintético e de fatores pessoais
relacionados à “tolerância” ao cateter, inúmeras variáveis
influenciam na ocorrência de ag ressão microbiana: técnica
cirúrgica, cuidados pós-operatórios, rotinas de cuidados do óstio,
hábitos do paciente, etc. Há uma grande dificuldade de se estudar
as infecções relacionadas a cateter, pois além das variáveis acima,
existem múltiplos tipos de cateteres, com diferentes protocolos de
inserção, mas, principalmente, há dificuldade em definir-se o
grande espectro clínico que envolve as infecções de orifícios de
saída. 3 Diferentemente das peritonites, que logo tiveram uma
definição prática aceita, as infecções relacionadas a cateter podem
variar quanto às manifestações inflamatórias e sintomas locais,
duração, importância da cultura, etc. Além disso, a definição de
termos descritivos é subjetiva e imprecisa, o local da infecção pode
ser variado (óstio externo, feltro, túnel). Outra dificuldade é a
diferenciação de um episódio agudo, do recidivante ou do crônico.
Com todas estas disparidades, não é de surpreender que, na
literatura, a incidência de infecções associadas a cateter variem de
0,05 a 1,02 episódios por paciente-ano. 2
Neste sentido, os estudos exaustivos de Twardowski e cols. 4 foram
fundamentais. Usando lupas e fotos ampliadas como instrumentos,
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ele classificou as diversas situações dos orifícios de saída: óstio
perfeito, óstio bom, óstio duvidoso, infecção do feltro externo sem
infecção de óstio, infecção aguda de óstio, infecção crônica de
óstio, óstio traumatizado.
Outro aspecto importante é a associação de infecções relacionadas
a cateter com o estado de portador nasal de Staphylococcus
aureus. 2,5,6 Há diferenças na literatura sobre a definição de
“portador”, alguns autores acreditando que “portadores crônicos”
(pelo menos mais do que uma cultura nasal positiva, em geral)
teriam risco aumentado de infecções estafilocócicas de óstio em
relação aos portadores ocasionais ou não portadores. Piraino 5 demonstrou que uma única cultura nasal positiva ocasional para S.
aureus já seria fator de risco. Discute-se ainda, com resultados
conflitantes, se o estado de portador nasal de S. aureus seria fator
de risco para peritonites.
Face ao exposto, o artigo de Moreira e col., 7 publicado neste
número do Jornal é uma importante contribuição para quem
trabalha em CAPD no Brasil. Ao definir infecção de orifício de
saída como presença de pus ou eritema maior ou igual a 13 mm,
e excluindo episódios recorrentes (provavelmente crônicos), os
autores obtiveram uma incidência de 0,64 episódios por pacienteano, não diferente, por exemplo, do que a obtida com a técnica de
sepultamento de Moncrief. 2 Aproximadamente 2/3 destas infecções
foram ocasionadas por Staphylococcus aureus. Os autores tentaram
correlacionar estas infecções com o estado de portador nasal de S.
aureus, mas não obtiveram significância estatística. Isto pode ter
ocorrido por falta de poder estatístico (erro tipo II). Por outro lado,
o critério de uma única cultura nasal positiva para S. aureus pode
não representar bem o estado de portador crônico, embora tenha
sido usado por outros autores. 5 Quem acompanha pacientes em
CAPD tem a impressão de que infecção de óstio abrevia o tempo
da técnica, provocando transferências para hemodiálise diretamente
(por remoção de cateteres com infecções não controladas) ou
indiretamente (por peritonites graves ou freqüentes associadas a
infecção de óstio). Esta impressão fica comprovada nos dados de
Moreira e col.: 17,3% das transferências para hemodiálise foram
causadas por infecções de orifício de saída. Quase um quarto dos
pacientes que apresentaram tais infecções abandonaram CAPD.
O manejo das infecções associadas a cateter pode ser abordado de
duas maneiras: prevenção (mais eficaz e eficiente) e tratamento. A
prevenção passa por diferentes aspectos: escolha do cateter,
técnica de implantação, cuidados rotineiros do cateter, antibióticos
profiláticos. Dados convincentes que demonstrem a superioridade
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de um cateter sobre outro não são disponíveis. 8 A adaptação e a
experiência da equipe com um determinado tipo de cateter e com
determinado tipo de implantação são mais importantes. O cateter
deve per manecer rigorosamente imobilizado até sua perfeita
cicatrização, o curativo estéril deve ser feito menos freqüentemente
(para evitar contaminação e movimentação do cateter) e por
pessoal treinado, e o feltro externo deve estar a uma distância
segura da pele para evitar extrusão. Em relação ao cuidado
rotineiro do cateter o paciente deve seguir os princípios
fundamentais ditados por Barbara Prowant. 9
O uso de antibióticos profiláticos tem sido aventado em algumas
situações, como após trauma do óstio 10 e, mais discutivelmente,
no período de implantação do cateter, bem como quando a
cicatrização pós-operatória é lenta. O tratamento do S. aureus
nasal com mupirocin tópico 11 cotrimoxazol oral ou rifampicina
oral em diferentes protocolos tem sido recomendado por alguns. 10
Em relação ao tratamento das infecções relacionadas a cateter,
recomendamos a revisão recente e objetiva publicada por Khanna
e Twardowski. 10
Dada a importância do tema, especialmente no Brasil, onde
peritonites por S. aureus são muito incidentes, é importante tomarse medidas preventivas, padronizar o tratamento e monitorar os
resultados dos programas, conforme preconizado por Nolph e cols.
12
Neste sistema, o tempo cumulativo de ocorrência dos diferentes
tipos de óstio são descritos como um percentual do tempo de
experiência total do programa. Além disso, taxas de remoção de
cateteres e de peritonites devem ser regular mente calculadas,
relacionando-as às infecções associadas a cateter.
Fernando
Saldanha
Thomé
Ser viço de Nefrologia do Hospital de Clínicas de Porto Alegre
Departamento de Medicina Inter na da Faculdade de Medicina da
Universidade Federal do Rio Grande do Sul
Referências
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of CAPD patients to hemodialysis. Am J Kidney Dis. 1989; 13 (5): 356-9
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4 . Twardowski ZJ, Prowant BF. Classification of normal and diseased exit sites.
Perit Dial Int. 1996; 16 (suppl. 3): S32-50
5. Piraino B, Perlmutter JA, Holley JL, Bernardini J. Staphylococcus aureus
peritonites is associated with Staphylococcus aureus nasal carriage in peritoneal
dialysis patients. Perit Dial Int. 1993; 13 (suppl. 2): S332-4
6. Piraino B. S. aureus nasal carriage: importance and approaches. Perit Dial Int.
1995; 15 (8): 301-2
7. Moreira PRR, Ferreira S, Almas ACG, Peralva LEL. Infecção do orifício de saída;
uma complicação importante na diálise peritoneal ambulatorial contínua. J Bras
Nefrol. 1996; 18 (4): 348-355
8 . Piraino B. Which catheter is the best buy? Perit Dial Int. 1995; 15(8):303-4
9 . Prowant BF, Twardowski ZJ. Recommendations for exit care. Perit Dial Int.
1996; 16 (suppl.3): S94-9
10. Khanna R, Twardowski ZJ. Recommendations for treatment of exit-site
pathology. Perit Dial Int. 1996; 16 (suppl.3): S100-4
11. Coles GA. The Mupirocin Study Group. The effect of intra-nasal mupirocin on
CAPD exit site infections (Abstract). J Am Soc Nephrol. 1994; 5:439-45
12. Nolph KD, Twardowski ZJ, Prowant BF, Khanna R. How to monitor and report
exit/tunnel infections. Perit Dial Int. 1996; 16 (suppl.3): S115-7
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