Séries de Fourier Matemática Aplicada Artur Miguel Cruz Escola Superior de Tecnologia Instituto Politécnico de Setúbal 2014/2015 1 1 versão 21 de Novembro de 2014 Séries de Fourier Definição. Uma função real f diz-se periódica se existe um número real T > 0 tal que, para todo o x ∈ R se tem f (x + T ) = f (x). O número T diz-se um perı́odo de f . O menor perı́odo T chama-se perı́odo fundamental. 1.5 1.0 0.5 5 10 15 -0.5 -1.0 -1.5 Período T Exemplo. 1. As funções trigonométricas sen x e cos x, são periódicas de perı́odo 2π. Mais geralmente, as funções sen nx e cos nx, em que n é um inteiro positivo, são periódicas 2π pois de perı́odo n 2π sen n x + = sen (nx + 2π) = sen nx n e 2π = cos (nx + 2π) = cos nx. cos n x + n 2. Dadas duas funções f e g com perı́odo T , então a função af + bg, em que a e b são constantes reais, também tem perı́odo T . O primeiro problema que se põe na teoria das séries de Fourier, é o de representar funções periódicas de perı́odo 2π em termos das funções 1, cos x, sen x, cos 2x, sen 2x, . . . , cos nx, sen nx, . . . Definição. Chama-se série trigonométrica à série ∞ a0 X + (an cos nx + bn sen nx) , 2 n=1 em que a0 , a1 , a2 , . . . , b1 , b2 , . . . são números reais que se designam por coeficientes da série. 2 Observação. Todos os termos da série têm perı́odo 2π e se a série convergir, a soma será uma função com perı́odo 2π. Definição. Seja f uma função integrável em [−π, π]. A série trigonométrica com os coeficientes an e bn dados por Z 1 π f (x) cos (nx) dx, n = 0, 1, 2, . . . an = π −π e 1 bn = π Z π f (x) sen (nx) dx, n = 1, 2, . . . . −π diz-se a série de Fourier de f. Escreve-se então ∞ a0 X + (an cos nx + bn sen nx) f (x) ∼ 2 n=1 em que o sı́mbolo “∼” se lê “tem associada a série de Fourier”. Os coeficientes an e bn dizem-se os coeficientes de Fourier de f. Nem sempre a série de Fourier de uma função é igual a esta, daı́ a utilização do sı́mbolo “∼” para relacionar f e a sua série de Fourier. Exemplo (Onda quadrada). Descubra-se os coeficientes de Fourier da função de perı́odo 2π se x ∈ [−π, 0[ −1 f (x) = 1 se x ∈ [0, π[ cuja representação gráfica é 1.0 0.5 -6 -4 2 -2 4 6 -0.5 -1.0 an 1 = π Z 1 = − π = 0 π f (x) cos (nx) dx −π 0 1 cos (nx) dx + π −π Z 3 Z 0 π cos (nx) dx e similarmente bn = 0 4 nπ A série de Fourier de f é 4 π se n é par se n é ı́mpar. 1 1 sen x + sen 3x + sen 5x + . . . 3 5 e compare-se os gráficos das somas parciais com o gráfico de f 1.0 1.0 0.5 0.5 x x SquareWaveA 2 Π E SquareWaveA 2 Π E Out[62]= Out[63]= -6 -4 2 -2 4 4 sinHxL Π 6 -6 -4 2 -2 -0.5 4 6 4 sinHxL Π + 4 sinH3 xL 3Π -0.5 -1.0 -1.0 1.0 0.5 x SquareWaveA 2 Π E Out[64]= -6 -4 2 -2 4 6 4 sinHxL Π + 4 sinH3 xL 3Π + 4 sinH5 xL 5Π -0.5 -1.0 Funções com perı́odo 2π Definição. Seja f uma função real definida no intervalo [a, b] ⊂ R (excepto eventualmente num número finito de pontos) e representemos respectivamente por f (x+ ) e f (x− ) os seus limites laterais direito e esquerdo num ponto x. Então: 1. Diz-se que f é seccionalmente contı́nua em [a, b] se existe uma partição de [a, b], a = x0 < x1 < x2 < . . . < xN = b, tal que: (a) f é contı́nua em cada intervalo ]xi−1 , xi [, ∀i ∈ {1, . . . , N}; + (b) existem os limites f (x− i ) = lim− f (x) , para i = 1, . . . , N bem como f (xi ) = x→xi lim+ f (x) , para i = 0, . . . , N − 1. x→xi 2. Diz-se que f é seccionalmente suave (ou seccionalmente diferenciável) em [a, b] se f for seccionalmente contı́nua em [a, b] e a sua função derivada f ′ for também uma função seccionalmente contı́nua em [a, b]. 4 Teorema (Teorema de Fourier). Seja f uma função seccionalmente suave no intervalo [−π, π] e periódica de perı́odo 2π. Então, a sua série de Fourier converge em cada ponto x do intervalo [−π, π] e a sua soma é dada por f x+ +f x− ∞ ( )2 ( ) se x ∈ ]−π, π[ a0 X + (an cos nx + bn sen nx) = 2 f (−π)+f (π) n=1 se x ∈ {−π, π} 2 Observação. Uma série de funções +∞ X fn diz-se convergente para x ∈ I, com I intervalo n=0 real, se, uma vez fixado x, a série numérica +∞ X fn (x) é convergente. n=0 Corolário. Seja f uma função definida em R, periódica de perı́odo 2π e seccionalmente suave em [−π, π]. Então, a série de Fourier de f é convergente para qualquer x ∈ R e a f (x+ ) + f (x− ) sua soma é igual a . E se, além disso, f for contı́nua num ponto x, então 2 ∞ a0 X + (an cos nx + bn sen nx) . f (x) = 2 n=1 Funções com um perı́odo T=2L Até agora considerámos funções periódicas de perı́odo 2π a fim de obtermos fórmulas simples. Se se usar uma mudança de variável, estas fórmulas podem ser generalizadas a qualquer função com um perı́odo qualquer T > 0. Na secção anterior uma função g com perı́odo 2π tinha a seguinte representação em série de Fourier ∞ a0 X g(u) ∼ + (an cos nu + bn sen nu) 2 n=1 com coeficientes e 1 an = π Z π 1 bn = π Z π g(u) cos (nu) du, n = 0, 1, 2, . . . g(u) sen (nu) du, n = 1, 2, . . . . −π −π 2πx Se se usar uma mudança de variável u = e definirmos a função f em [−L, L] por T T u , esta vai ser periódica de perı́odo T = 2L e obtemos f (x) = g 2π 5 A série de Fourier de f , função periódica de perı́odo T = 2L ∞ nπ nπ i a0 X h + an cos x + bn sen x f (x) ∼ 2 L L n=1 com coeficientes de Fourier Z nπ 1 L an = f (x) cos x dx, L −L L e 1 bn = L Z L f (x) sen −L n = 0, 1, 2, . . . nπ x dx, L n = 1, 2, . . . . Observação. O Teorema de Fourier e respectivo corolário continuam a ser aplicavéis para funções de perı́odo T > 0. Exemplo. Descubra-se a série de Fourier da função de perı́odo 2 definida por se x ∈ [−1, 0[ 1 f (x) = 2 se x ∈ [0, 1[ cuja representação gráfica é 2.0 1.5 1.0 0.5 -1.0 0.0 -0.5 0.5 1.0 Como T = 2, então a0 = = Z 1 −1 Z 0 −1 f (x) dx Z 1dx + 1 2dx 0 = 3 e para n = 1, 2, . . . an = = Z 0 cos (nπx) dx + 2 1 cos (nπx) dx 0 −1 sen (nπx) − nπ Z 0 1 sen (nπx) +2 − nπ −1 0 = 0 6 e bn = Z 0 sen (nπx) dx + 2 Z 1 sen (nπx) dx 0 −1 0 1 cos (nπx) cos (nπx) +2 − = − nπ nπ −1 0 n 1 − (−1) = nπ se n é par 0 = 2 se n é ı́mpar. nπ Uma vez que a função é seccionalmente diferenciável, então pelo Teorema de Fourier tem-se que +∞ 3 2 X sen [(2n + 1) πx] + se x ∈ ]−1, 1[ \ {0} 2 π 2n + 1 n=0 f (x) ∼ 3 se x ∈ {−1, 0, 1} . 2 No gráfico seguinte está a representação gráfica da função e das somas parciais de ordem 100 da série de Fourier obtida 2.0 1.5 1.0 0.5 -1.0 -0.5 0.0 0.5 1.0 Funções pares e ı́mpares Definição. Uma função f : D ⊆ R → R diz-se par se para todo o x ∈ D verifica-se f (−x) = f (x) e diz-se ı́mpar se f (−x) = −f (x). Observação. Uma função par tem o gráfico simétrico em relação ao eixo vertical e uma função ı́mpar tem o gráfico simétrico em relação à origem. 7 Uma vez que a função coseno é par e a função seno é ı́mpar, não é de estranhar que uma função par seja dada por uma série de cosenos e uma função ı́mpar por uma série de senos. A série de Fourier de f , uma função par com perı́odo T = 2L, é ∞ nπ a0 X f (x) ∼ + an cos x 2 L n=1 com coeficientes 2 an = L L Z 0 nπ f (x) cos x dx, L n = 0, 1, 2, . . . A série de Fourier de f , uma função ı́mpar com perı́odo T = 2L, é f (x) ∼ ∞ X bn sen n=1 nπ x L com coeficientes 2 bn = L Z L f (x) sen 0 nπ x dx, L n = 1, 2, . . . Exemplo (Onda Triangular). Calcule-se a série de Fourier da função periódica de perı́odo 1 definida no intervalo [− 12 , 21 ] por f (x) = |x| e cujo gráfico é 0.5 0.4 0.3 0.2 0.1 -1.0 0.5 -0.5 1.0 Como f é par tem-se que bn = 0. Os coeficientes an são dados por Z 1 2 1 a0 = 4 |x|dx = 2 0 e para n = 1, 2, . . . an = 4 Z 1 2 |x| cos(2nπx)dx 0 = 1 n2 π 2 [cos (nπ) − 1] Uma vez que a função é seccionalmente diferenciável, então pelo Teorema de Fourier tem-se que 8 2 1 1 1 f (x) = − 2 cos(2πx) + 2 cos(6πx) + 2 cos(10πx) + . . . 4 π 3 5 No gráfico seguinte está a representação gráfica da função e das somas parciais de ordem 3 da série de Fourier obtida 0.5 0.4 0.3 0.2 0.1 -0.4 0.2 -0.2 0.4 Exemplo (Onda dente de serra). Calcule-se a série de Fourier da função periódica de perı́odo 2π definida no intervalo [−π, π[ por f (x) = x e cujo gráfico é 3 2 1 5 -5 -1 -2 -3 Como f é ı́mpar tem-se que an = 0. Os coeficientes bn são dados por Z 2 π x sen(nx)dx bn = π 0 2 = − cos(nπ) n Uma vez que a função é seccionalmente diferenciável, então pelo Teorema de Fourier tem-se que 2 2 sen(3x) + . . . + sen(nx) + . . . 3 n No gráfico seguinte está a representação gráfica da função e das somas parciais de ordem 3 da série de Fourier obtida f (x) ∼ 2 sen x − sen 2x + 3 2 1 5 -5 -1 -2 -3 9 Propriedades das séries de Fourier Teorema. Sejam f e g duas funções e seja c um número real. Então: 1. Os coeficientes de Fourier da soma de funções f + g são as somas dos correspondentes coeficientes de Fourier de f e g; 2. Os coeficientes de Fourier de cf são dados pelo produto de c pelos coeficientes de Fourier de f . Exemplo. Determine-se a série de Fourier da função f definida por f (x) = x + π se x ∈ [−π, π[ e f (x + 2π) = f (x). Note-se que esta função é a soma das funções onda dente de serra e de g(x) = π. Como a série de Fourier de uma função constante é a própria função, então a função f tem a seguinte série de Fourier 2 2 f (x) ∼ π + 2 sen x − sen 2x + sen(3x) + . . . + sen(nx) + . . . 3 n 6 5 4 3 2 1 5 -5 Funções não periódicas O desenvolvimento em séries de Fourier é para funções periódicas. Assim, para desenvolvermos uma função não periódica teremos de a estender de maneira que a sua extensão seja uma função periódica. Por exemplo a função com o seguinte gráfico 0.20 0.15 0.10 0.05 1 2 3 4 pode ser estendida periodicamente de forma a obter-se uma função par 0.20 0.15 0.10 0.05 -4 2 -2 10 4 ou ı́mpar 0.2 0.1 -4 2 -2 4 -0.1 -0.2 Série de Fourier complexa A fórmula de Euler é eit = cos t + i sen t. Então, de e−it = cos t − i sen t. conclui-se que cos t = Como 1 it 1 it e + e−it e sen t = e − e−it . 2 2i 1 = −i, então ao fazer-se t = nx obtém-se i 1 1 an einx + e−inx + bn einx − e−inx 2 2i 1 1 = (an − ibn ) einx + (an + ibn ) e−inx . 2 2 an cos (nx) + bn sen (nx) = Sejam c0 = 1 1 a0 , cn = (an − ibn ) e kn = (an + ibn ). Então, 2 2 2 +∞ a0 X f (x) = + (an cos nx + bn sen nx) 2 n=1 +∞ a0 X = + cn einx + kn e−inx 2 n=1 onde e 1 1 cn = (an − ibn ) = 2 2π Z π 1 1 kn = (an + ibn ) = 2 2π Z π 1 f (x) (cos nx − i sen nx) dx = 2π −π 1 f (x) (cos nx + i sen nx) dx = 2π −π Z π f (x) e−inx dx −π Z π f (x) einx dx. −π Se se fizer kn = c−n , podemos finalmente obter a forma complexa da série de Fourier f (x) = +∞ X −∞ 11 cn einx em que 1 cn = 2π Z π f (x) e−inx dx, com n = 0, ±1, ±2, . . . −π Por exemplo, o cálculo da série de Fourier da função f (x) = ex com x ∈] − π, π[ e f (x + 2π) = f (x) torna-se mais simples se se utilizar a forma complexa. 20 15 10 5 -3 -2 1 -1 12 2 3