Otite – Pediatria Definições - Otite Média Aguda (OMA): presença de secreção no ouvido médio associada ao início rápido de um ou mais sinais ou sintomas de inflamação. - Otite Média Recorrente (OMR): ocorrência de 3 episódios de OMA em seis meses ou 4 episódios em 12 meses. - Otite Média Serosa (OMS): é inflamação do ouvido médio em que há uma coleção líquida no seu espaço e a membrana timpânica está intacta. Não há sinais e sintomas de infecção aguda. - Secreção ou efusão do ouvido médio: é o liquido resultante da otite média. Esta secreção pode ser serosa (fina e liquida), mucóide (espessa e viscosa) ou purulenta. A efusão pode resultar de uma OMA ou de uma OMS. Dados epidemiológicos A OMA afeta, predominantemente, lactentes e crianças pequenas. Estudos nos EUA e Escandinávia mostram que 90% das crianças tem pelo menos 1 episódio de OMA antes dos 5 anos. A OMS tem um curso muitas vezes assintomático. A incidência cumulativa do primeiro episódio de OMS é de 95% até 24 meses de vida. A Otite Média é o resultado da interação de múltiplos fatores de risco: - Do hospedeiro: idade, predisposição familiar, sexo masculino, raça (brancos), imaturidade e deficiência imunológica (deficiências seletivas de IgA, e de subclasses de IgG). - Ambientais e sociais: ambiente de creche (principalmente em ambientes superlotados), exposição ao ambiente com fumantes, estação do ano (inverno-51%, outono e primavera- 48%, verão 27%), desmame precoce, uso de chupetas, baixo nível sócioeconômico. Diagnóstico de OMA Os principais elementos para o diagnóstico são provenientes da otoscopia. O diagnóstico de certeza de OMA é estabelecido quando há presença de três critérios: início abrupto, sinais de efusão na orelha média e sinais e sintomas de inflamação na orelha média. São considerados sinais e sintomas de doença severa: otalgia moderada a severa e febre ≥ 39°C. Principais achados semiológicos indicativos de OMA - Membrana timpânica pode estar: abaulada, hiperemiada, opaca, com aumento da vascularização, presença de otorréia purulenta e, na pneumotoscopia, com diminuição da mobilidade. - A perfuração da membrana timpânica, quando presente é pequena e de difícil visualização devido ao edema e à presença de secreção. Figura 1. Quatro imagens do tímpano A: membrana timpânica normal B: otite média aguda C: otite média com efusão D: paciente com tubo de ventilação Fonte: Rovers, MM; Schinder, AGM; Zielhuis, GA; Rosenfeld, RM Otitis Media. The Lancet, 2004 363:465-73 Valor dos achados semiológicos no diagnóstico de OMA Quadro 1. Sinais e LH para diagnóstico de OMA Sinal *LR (95%) para o diagnóstico de OMA Cor da Membrana • Opaca 34 (28-42) • Hemorrágica 8,4 (6,7-11) • Hiperemia 1,4 (1,1-1,8) • Normal 0,2 (0,19-0,21) Posição da Membrana • Abaulada 51 (36-73) • Retraída 3,5 (2,9-4,2) • Normal 0,5 (0,49-0,51) Mobilidade • Imóvel 31 (26-37) • Prejudicada 4,0 (3,4-4,7) • Normal 0,2 (0,19-0,21) *LR (likelihood ratio= razão de verossimilhança) + significa a chance de ter a doença em presença de teste positivo. Quando é alta ajuda o diagnóstico quando é próxima de zero afasta o diagnóstico. Quando estes achados estão associados, modificam a probabilidade de OMA: Quadro 2. Achados semiológicos e probabilidade de OMA Achados Probabilidade de OMA Abaulamento da MT: 94% 94% Abaulamento + Hemorragia: 99% 99% Abaulamento + opaca: 100% 100% Abaulamento + imóvel: 100% 100% Abaulamento + coloração ou mobilidade normal: 76% 76% Diagnóstico diferencial entre otite média aguda e otite serosa Quadro 3. Diagnóstico diferencial Otite Média Aguda Dor Queixa Principal Outros Sintomas Membrana timpânica Perfuração de MT Febre, irritabilidade, cefaléia, anorexia, vômitos, diarréia. Abaulada, hiperemiada, opaca, com aumento da vascularização, presença de otorréia purulenta e, na pneumotoscopia, com diminuição da mobilidade. Pequena, difícil de visualizar devido ao edema e secreção. vídeo Observação: Perfuração timpânica contra indica lavagem otológica. Otite Serosa Diminuição da audição, sensação de orelha entupida, ouvido cheio ou zumbido. Indolor e afebril. Membrana timpânica retraída, protrusão do cabo do martelo de coloração amarelada e azulada e com mobilidade diminuída. Não há sinais de inflamação. vídeo Ausente Técnica adequada de otoscopia A criança deve ser examinada, preferencialmente, sentada ou em pé para possibilitar a identificação de líquido no ouvido médio. Para o exame otoscópico, incline a cabeça do paciente para o lado oposto. Segure o pavilhão auricular firme, mas delicadamente, enquanto o puxa para cima, para trás e um pouco para fora. Introduza no canal auditivo, um pouco para baixo e para diante, o maior especulo otológico que o canal acomodar. Caso ache necessário, você pode apoiar a mão com a qual está segurando o otoscópio na cabeça do paciente, desse modo é menos provável que movimentos inesperados lesem o canal auditivo. Tratamento a) Papel da terapia com antibióticos na evolução da OMA em crianças: - Crianças não tratadas não têm resolução da dor em 24hs em 41% dos casos, e entre o 2º E o 7º dia em 13%. A recorrência, a timpanometria e as complicações não têm diferenças significativas (Evidência A). - Os antibióticos reduzem o curso da OMA e a progressão para otite bilateral (Evidência A). - Crianças não tratadas têm piora clínica em 4-7 dias em 22% dos casos (Evidência A), isto significa que aproximadamente 80% das crianças com Otite Média Aguda melhoram sem uso de antibioticoterapia. - As crianças que não são tratadas para otite imediatamente com antibióticos tendem a não desenvolver doença grave. - A observação clínica sem o uso de antibioticoterapia pode ser usada em casos leves, não complicados e acima de dois anos de idade, desde que a criança seja acompanhada a cada 48-72 horas, enquanto persistirem os sintomas. b) Quando usar antibióticos no tratamento da Otite média aguda? - Seis meses de idade ou menos – Em casos de suspeita ou diagnóstico de certeza OMA. (+) - Entre seis meses e dois anos de idade – Diagnóstico de certeza ou em casos de suspeita diagnóstica de OMA associada à doença severa. (+) *Observação é uma opção em casos suspeitos ou incertos de OMA sem sinais de severidade. - Dois a doze anos de idade – Diagnóstico de certeza de OMA associada à doença severa. Observação é uma opção para casos suspeitos ou não severos de OMA. Crianças com Síndrome de Down, malformações craniofaciais e Otite Média Recorrente devem fazer uso de antibiótico. Antibióticos e como usar no tratamento da OMA Os antibióticos devem cobrir os germes mais freqüentes nas Otites Médias Agudas que são: Streptococcus pneumoniae, Haemophilus influenza e Moraxella catarrhalis. Amoxicilina: - Dose: 60mg/Kg/d dividida em 2 ou 3 doses por 5 a 7 dias. Crianças menores dois anos e as que não respondem adequadamente nas primeiras 48 horas de tratamento devem usar ATB por pelo menos 10 dias. - A amoxicilina é o fármaco de escolha para o tratamento da OMA. - A resposta clínica da OMA ao tratamento com amoxicilina (60mg/kg/d) é superior ao tratamento com placebo. - Há menor incidência de febre e dor nos primeiros dois dias, em pacientes tratados com amoxicilina. - Há melhor resposta clínica ao tratamento com amoxicilina (90mg/kg/d) nos casos de associação de S. pneumoniae e H influenzae. - Em casos de falha terapêutica após 48-72 horas com uso de amoxicilina 60mg/Kg/d devemos aumentar a dose da medicação para 80-90mg/Kg/d. - Não há diferença entre a resposta clínica ao tratamento com amoxicilina (90mg/kg/d) e amoxicilina (40-45 mg/kg/d), em crianças maiores que 3 meses. Amoxicilina-Clavulanato: - Dose: 75mg/Kg/d. - Na presença de falha terapêutica a amoxicilina-clavulanato deve ser empregada com vistas a eliminar o H. influenza e a M. Catarralis resistentes. - Pacientes com doença severa devem iniciar tratamento com amoxicilina-clavulanato (90mg/6,4mg/kg/d). A medicação deve ser divida em duas doses. - Em crianças de três meses a três anos com IVAS e história prévia de OMA: é necessário tratar 15 crianças com amoxiclavulanato (75mg/kg/d) para se evitar uma OMA, quando comparado ao placebo. - Não há diferença entre a resposta clínica ao tratamento com amoxiclavulanato (90mg/6,4mg/kg/d) e azitromicina (20mg/kg/d), nas primeiras 2 semanas após tratamento. - Não há diferença entre a resposta clínica ao tratamento com amoxiclavulanato (45mg/kg/d) e azitromicina (10mg/kg/d). Azitromicina: - Dose: 10mg/Kg/d no primeiro dia seguida 5mg/Kg/d por mais 4 dias. - Nos primeiros três dias de tratamento, a azitromicina tem maior falha terapêutica do que a amoxicilina. - A azitromicina está associada à menor falha terapêutica em relação à amoxicilina após 30 dias do tratamento. - A azitromicina apresenta menos eventos adversos do que a amoxicilina. - Deve-se evitar uso de macrolídeos como segunda alternativa nos casos de otites resistentes a amoxicilina, pois a cobertura dessas drogas para haemophilus é pobre. Ceftriaxone: - Dose: 50mg/Kg/d por 3 dias consecutivos, endovenoso ou intramuscular em caso de vômitos persistentes ou outras situações que não permitam uso de antibióticos por via oral. - Pacientes sem resposta ao tratamento com amoxicilina-clavulanato devem receber 3 dias de ceftriaxone endovenoso. Tratamento OMA recorrente Para avaliação de qual o medicamento é o mais adequado para tratar um paciente com Otite Média Aguda recorrente, deve-se analisar se o paciente tem um maior risco de recorrência e/ou maior dificuldade de curar a infecção do ouvido médio. Os critérios de risco para recorrência de otite média aguda são: primeiro episódio de OMA antes dos seis meses de idade; história familiar de otite média aguda recorrente; usuários de creches ou berçários com mais de dez crianças na sala; utilização de antibiótico no último mês; mais do que três episódios de otite média aguda nos últimos seis meses e idade inferior a dois anos. A antibioticoterapia de curta duração não está indicada para crianças com fatores de risco para OMA recorrente. Na maioria dos casos de otite média aguda de repetição basta tratar cada episódio isolado adequadamente além de tratar qualquer condição predisponente associada. Os fatores predisponentes para otite média aguda de repetição incluem tabagismo passivo, uso de mamadeira deitado, obstrução nasal, freqüentar creches ou berçários, principalmente no inverno. Nas otites recorrentes com mais de três episódios bem confirmados em um período de seis meses, antes de cogitar medidas cirúrgicas, deve-se tentar um tratamento supressivo prolongado ou com amoxicilina em uma dose única diária de 20mg/Kg, por três a seis meses ou com sulfametoxazol-trimetoprim um terço da dose terapêutica por três meses, à noite. Nos casos de persistência das recorrências dos quadros de otite aguda associados com otite serosa persistente e disfunção tubária pode estar indicada a colocação de um tubo de ventilação. A indicação de adeinodectomia concomitante é controversa. Complicações da OMA - Mastoidite – infecção purulenta de células da mastóide, por contigüidade com o ouvido médio, geralmente causada por Streptococcus pneumoniae ou Streptococcus do grupo A. Manifestações clínicas: dor retro auricular, calor, edema e hiperemia local, desviando o pavilhão auditivo para fora. Há risco de meningite e abscesso cerebral como complicações. - Otite Média Crônica – está geralmente associada à perfuração timpânica e otorréia persistente por mais de quatro semanas. Os agentes mais freqüentes são: Pseudomonas aeruginosa, S. aureus, anaeróbios, gram negativos entéricos e cepas resistente ao pneumococo. - Efusão persistente – coleção serosa por até três semanas. Geralmente é assintomática, a perda auditiva é discreta ou moderada. Como em até 50% dos casos são encontradas bactérias típicas da otite média no aspirado, o uso de um segundo ciclo de antibiótico visando cepas resistentes pode ser tentado. O tratamento dos casos que persistem é controverso e geralmente reservado para os casos que não regridem espontaneamente após dois ou três meses. O uso de descongestionantes sistêmicos, antiinflamatórios, corticoterapia sistêmica e tópica (nasal) é ainda controverso. Encaminhamento para especialista - Pacientes com mastoidite. - Otite Média Crônica assintomática que não melhora com tratamento clínico e que persiste por mais de três meses quando bilateral e por mais de seis meses quando unilateral. - Crianças com deficiência auditiva de qualquer etiologia e que tem piora da audição devido à otite média secretora. - Crianças com indicação de colocação de tubo de ventilação devido ao número excessivo de episódios de Otite Média Aguda (mínimo três episódios em seis meses ou quatro ou mais episódios em um ano). - Pacientes com efusão persistente nos quais esteja indicada a colocação de tubo de ventilação. Saiba mais Artigos recomendados - What is new in otitis media? Eur J Pediatr., March 16, 2007; 166:511-519. - Trends in doctor consultations, antibiotic prescription, and specialist referrals for otitis media in children: 1995-2003. Pediatrics, June 1, 2006; 117(6): 1879 - 1886. - Otitis Media: Review of the 2004 Treatment Guidelines. Ann. Pharmacother., November 1, 2005; 39(11): 1879 - 1887. - Diagnosis and Management of Acute Otitis Media. ClinicalPractice Guidelines PEDIATRICS Vol. 113 No. 5 May 2004, pp. 1451-1465. - Watchful Waiting for Acute Otitis Media: Are Parents and Physicians Ready? Pediatrics, August 1, 2006; 118(2): 849 - 850. - Consistency of Diagnostic Criteria for Acute Otitis Media: A Review of the Recent Literature. Clinical Pediatrics, March 1, 2007; 46(2): 99 - 108. O que o novo guideline da Academia Americana de Pediatria e da Academia Americana de Medicina de Família recomenda? 1. Diagnóstico preciso de otite média aguda e diferenciação entre OA e OME, as quais requerem manejos diferentes. 2. Alívio da dor com ibuprofeno e acetaminofem, especialmente nas primeiras 24 horas. 3. Minimizar os efeitos colaterais do antibiótico dando aos pais de algumas crianças a opção de aguardar 48-72 horas após o início da infecção sem uso de antibióticos e, posteriormente se não houver melhora iniciar o tratamento com antibióticos. 4. Prescrever antibióticos no início da infecção para as crianças que tendem a ser mais beneficiadas pelo tratamento. 5. Encorajar as famílias a prevenir a otite média aguda reduzindo os fatores de risco. Para bebês e crianças pequenas isso inclui aleitamento materno por pelo menos seis meses, evitar uso de mamadeiras e eliminar a exposição passiva ao cigarro. 6. Caso haja necessidade de tratamento com antibióticos, para a maior parte dos casos deve ser prescrita amoxicilina. Referências bibliográficas 1. Bates B. Propedêutica Médica. 4a. ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan S.A.;1990. 2. American Academy of Pediatrics, American Academy of Family Physicians. Diagnosis and Manegement of Acute Otitis Media. Clinical Practice Guideline. 2004. 3. Duncan BB, Schmidt M, Giugliani ER. Medicina Ambulatorial: Condutas de Atenção Primária Baseadas em Evidências. Terceira ed. São Paulo: Artmed S.A;2004. 4. de Oliveira RG. Black Book Pediatria Medicamentos e Rotinas Médicas. 3a. ed. Belo Horizonte Black Book;2005. 5. Sakano E, Weckx LLM, Bernardo WM, Saffer M. Otite Média Aguda na Infância: Tratamento. Projeto Diretrizes Associação Médica Brasileira e Conseho Federal de Medicina 2005. 6. Sakano E, Weckx LLM, Bernardo WM, Saffer M. Otite Média Aguda na Infância: Diagnóstico. Projeto Diretrizes Associação Médica Brasileira e Conseho Federal de Medicina 2005. 7. Otitis Media: Review of the 2004 Treatment Guidelines. Ann. Pharmacother., November 1, 2005; 39(11): 1879 - 1887. 8. Watchful Waiting for Acute Otitis Media: Are Parents and Physicians Ready? Pediatrics, August 1, 2006; 118(2): 849 - 850. 9. Diagnosis and Management of Acute Otitis Media. ClinicalPractice Guidelines PEDIATRICS Vol. 113 No. 5 May 2004, pp. 1451-1465. 10. Sih T, Moura R, Caldas S, Schwartz B. Prophylaxis for recurrent acute otitis media: a Brazilian study. Int J Pediatr Otorhinolaryngol. Jan 1993; 25(1-3):19-24