Curso de Medicina Seminário de Pediatria IVAS (Rinossinusite, Faringite, Amigdalite, Adenoidite, Otite) Autor: Brunna Cintra de Azevedo Orientador: Profª Dra Carmen Lívia Martins Brasília - DF Brasília, 9 de março de 2016 www.paulomargotto.com.br RINOSSINUSITE INTRODUÇÃO Também chamado de resfriado comum, é uma doença viral de quadro benigno e autolimitado causado pela inflamação da mucosa do nariz, seios paranasais e faringe. São muito frequentes nos primeiros anos de vida, em que a criança pode apresentar de 6 a 8 resfriados no ano. Essa elevada frequência tem explicação a associação de vários fatores como: falta de imunidade a vários vírus causadores, higiene pessoal limitado e contato com outras crianças doentes. ETIOLOGIA E EPIDEMIOLOGIA Cerca de 50% dos casos são causados por Rinovírus (mais de 100 sorotipos). Outros agentes são o coronavírus, vírus sincicial respiratório e metapneumovírus, e ainda menos comuns os vírus influenza, parainfluenza, adenovírus, enterovírus e bocavírus. O rinovírus e os adenovírus são encontrados em todas as épocas do ano. Já o coronavírus, influenza e o vírus sincicial respiratório são mais frequentes no inverno. Uma curiosidade: a infecção pelo rinovírus é um dos principais gatilhos infecciosos para uma exacerbação asmática. TRASMISSÃO E IMUNIDADE Há 3 fontes de transmissão: aerossóis, grandes partículas e fômites (ou contato pessoal). Este último é a principal forma de contato! PATOGÊNESE Resposta inflamatória aguda é responsável, em parte, por vários sintomas associados ao resfriado. CLÍNICA Início dos sintomas costumam ser entre 1 e 3 dias com dor de garganta, seguido de coriza e obstrução nasal. Esses dois últimos estão sempre presentes! A coriza é abundante e muda de característica com o decorrer dos dias. Além disso, pode apresentar espirros e tosse (devido a gotejamento pós-nasal). A tosse pode persistir por 1-2 semanas após o desaparecimento dos outros sintomas. Febre é incomum em adultos, porém pode apresentar-se em lactentes e pré-escolares, além de linfadenomegalia cervical. Ao exame físico não encontraremos nada muito marcante. Ausência de taquipnéia e estridor. Porém podemos detectar edema e hiperemia dos cornetos e presença de roncos pela obstrução nasal. DIAGNÓSTICO DIFERENCIAL Rinite alérgica e corpo estranho nasal. TRATAMENTO Essencialmente de suporte: Solução salina para desobstrução nasal e antipiréticos quando há febre. Antitussígenos e remédios para resfriado não são indicados para menores de 6 anos. Manter a criança hidratada. Antipiréticos usados: Paracetamol (1 gota/ Kg/ dose) até um limite de 35 gotas, por 4 ou 5x/dia. Crianças acima de 12 anos (35 a 55 gotas 3 a 5 vezes/dia). Dipirona 500mg/ml acima de 15 anos: 20 a 40 gotas 4x/dia. 5 a 8kg (2 a 5 gotas), 9 a 15 kg (3 a 10 gotas x4/d), 16 a 23 kg (5 a 15 gotas), 24 a 30 kg ( 8 a 20 gotas 4x/dia), 31 a 45 Kg (10 a 12 gotas 4x/dia), 46 a 53 ( 15 a 35 gotas 4x/dia). AAS deve ser evitada, pois pode precipitar Síndrome de Reye (infecção por vírus influenza). PREVENÇÃO Lavagem frequente das mãos. Vacina anti-influenza previne somente o resfriado por este vírus. COMPLICAÇÕES As duas principais são: Otite Média Aguda (30%) e Sinusite Bacteriana Aguda. Outra possível é a exacerbação da asma brônquica. OTITE MÉDIA AGUDA (OMA) INTRODUÇÃO Se refere a infecção supurativa de início súbito desta região. Os fatores de risco são idade (após 2 anos a incidência cai bastante pela imaturidade imunológica e anatomia da trompa de Eustáquio), sexo masculino, raça (índios americanos e aborígenes australianos), perfil socioeconômico (pobreza), tabagismo passivo, anomalias congênitas (fenda palatina, Sd. De Down). Fatores de proteção seriam alimentação (amamentação materna exclusiva) e vacinação (antipneumocócica e contra influenza) PATOGÊNESE Infecção viral das VAS -> disfunção tubária -> acúmulo de secreção na orelha média -> refluxo de bactérias patogênicas -> otite média aguda ETIOLOGIA Os mais comuns são Streptococcus pneumoniae, Haemophillus influenzae não tipável e Moraxella catarrhalis. Os vírus também podem causar otite média aguda como o vírus sincicial respiratório e o rinovírus (mas eles são mais comumente encontrados em associação com patógenos bacterianos). CLÍNICA História típica é de uma criança com IVAS que, agudamente, desenvolve febre, otalgia e hipoacusia. Essa é a apresentação clássica, porém, na maior parte dos casos, não está tão exuberante. Nas crianças menores, o que irá sugerir otalgia são sintomas inespecíficos como irritabilidade, choro intenso, mudança dos hábitos alimentares ou de sono, vômitos, ou o ato de puxa o pavilhão auricular. A febre pode ou não estar presente. Avaliação é feita pela otoscopia. As características de uma membrana timpânica normal são transparente, brilhante, levemente côncava, móvel à insuflação pneumática. Na otite média aguda, a membrana timpânica poderá estar hiperemiada e opaca (cuidado! Algum grau de opacificação pode ser encontrado nos primeiros meses de vida), abaulada (dado de maior especificidade), sem mobilidade à insuflação pneumática. DIAGNÓSTICO ( pela Academia Americana de Pediatria) DEVE ser estabelecido em criança com abaulamento moderado a grave da membrana timpânica OU otorréia de início agudo que não seja causada por otite externa PODE ser estabelecido em criança com abaulamento leve da membrana timpânica E início recente de otalgia OU hiperemia intensa da membrana. OBS: A hiperemia isoladamente é um dado pouco específico. TRATAMENTO - 6 MESES A 2 ANOS: Otorréia com OMA (antibioticoterapia), presença de sintomas graves (antibioticoterapia), OMA bilateral sem otorréia (antibioticoterapia), OMA unilateral sem otorréia (antibioticoterapia OU observação inicial) - Maiores de 2 anos: Otorréia com OMA (antibioticoterapia), presença de sintomas graves (antibioticoterapia), OMA bilateral sem otorréia (antibioticoterapia OU observação inicial), OMA unilateral sem otorréia (antibioticoterapia OU observação inicial). OBS: sintomas graves -> otalgia moderada a grave, febre > ou igual a 39°C ou otalgia por mais de 48 horas. OBS1: Nos menores de 6 meses, havendo suspeita de OMA, o tratamento sempre será instituído. ANTIBIOTICOTERAPIA Primeira linha de tratamento: AMOXICILINA. A resposta clínica ocorre dentro de 48-72 horas. Dose de 40-45 mg/kg/dia, o que não é eficaz contra os pneumococos de resistência intermediária. Aumento para 80-90 mg/kg/dia é possível cobrir estes últimos. Já iniciar a dose mais alta em pacientes de áreas geográficas com cepas mais resistentes, uso de antibiótico recente, ou permanência em creches, além de anomalias craniofaciais, imunossupressão e menores de 2 anos. Duração de 10 dias. Uso de amoxicilina + clavulanato é considerado na recorrência de OMA após uso de antibiótico em menos de 30 dias. Se houver alergia a penicilina, usar cefalosporina (para alergias não graves), ou macrolídeos (alergias graves) FALHA TERAPÊUTICA Quando não há melhora em 48-72h deve-se pensar em resistência. Conduta: se já amoxicilina +clavulanato (doença grave) prescrever ceftriaxona. COMPLICAÇÕES E SEQUELAS A maior parte das complicações está relacionada à disseminação da infecção para estruturas vizinhas ou à cronificação do quadro. Exemplos são perfuração da membrana timpânica, dermatite infecciosa, otite média crônica supurativa, mastoidite aguda, paralisia facial, entre outras. Otite média aguda recorrente: mesmos fatores de risco que a OMA. É definida pela presença de 3 ou mais episódios nos últimos 6 meses ou 4 ou mais em 1 ano. OTITE EXTERNA A flora normal do canal auditivo externo consiste, principalmente, em bactérias aeróbias e inclui estafilococos coagulase-negativos, o difteróide, o micrococcus e ocasionalmente o Staphylococcus aureus, Streptococcus virirdans e Pseudomona aeruginosa. A umidade excessiva (natação, banho, aumento da umidade ambiental), o ressecamento (pele do meato seca e falta de cerume), a presença de outra doença de pele (infecção prévia, eczema, outras dermatites) e o trauma (digital ou corpo estranho, hastes flexíveis de algodão) tornam a pele do canal vulnerável às infecções pela flora normal e pelas bactérias exógenas. ETIOLOGIA Causada, na maioria das vezes, pela P. aeruginosa, mas S. aureus, o Enterobacter aerogenes, o Proteus mirabilis, Klebsiella, estreptococos, fungos (Candida e Aspergillus) também podem ser isolados. A otite externa resulta de irritação e maceração crônicas devida a umidade excessiva do canal. CLÍNICA Predomina otalgia aguda. A dor pode ser desproporcional ao grau de inflamação. O prurido é precursor da dor. A perda auditiva condutiva pode resultar de edema da pele e da membrana timpânica. Sinais poeminente de doença aguda são edema, eritema e otorréia espessa e com grumos. O cerume é geralmente mais branco e macio. Os achados físicos podem incluir linfonodos palpáveis e dolorosos na região periauricular. Pode ser confundida com furunculose, otite média e mastoidite. TRATAMENTO Tópico: neomicina (gram + e alguns gram -) + colistina ou a polimixina (gram -) + corticoides. Soluções mais modernas que não são ototóxica: ofloxacina, ciprofloxacina. Se o edema estiver muito intenso, opta-se por um curativo para diminuir o edema. Para dor, usa-se ibuprofeno e codeína. Infecções por fungos, opta-se por clotrimazol ou nistadina. PREVENÇÃO Instilar álcool diluído após natação e banho. FARINGITE ETIOLOGIA Os mais importantes são os vírus (adenovírus, coronavírus, enterovírus, rinovírus, vírus sincicial respiratório, vírus Epstein-Barr, vírus herpes simples, metapneumovirus) e o estreptococos beta-hemolítico do grupo A (EBHGA) EPIDEMOLOGIA A faringite estreptocócica é rara antes dos 2 a 3 anos de idade, tem pico de incidência nos primeiros anos escolares e declina no final da adolescência. CLÍNICA A faringite estreptocócica geralmente tem início rápido com dor de garganta e febre alta. Cefaleia e sintomas gastrintestinais (dor abdominal e vômitos) são frequentes. Além disso há exsudato amigdaliano, hiperemia de pilar anterior, petéquias no palato e adenomegalia cervical. Não há tosse. A maior parte de faringite viral são quadros brandos e incluem rinorréia, tosse e diarreia. A etiologia viral é sugerida pela presença de conjuntivite, coriza, rouquidão e tosse. DIAGNÓSTICO O diagnóstico clínico não permite a discriminação segura dos quadros de etiologia estreptocócica dos quadros virais. A cultura de orofaringe é o padrão-ouro. Uma forma mais rápida de identificação bacteriana é fazer o teste rápido para detecção do antígeno estreptocócico (são mais caros que o primeiro, mas não é tão sensível, ou seja: se der negativo, não afasta possibilidade de infecção). Em casos de teste rápido negativo, recomenda-se a coleta de cultura. Se o teste rápido der positivo, não impede da faringite dele ser viral, mas mesmo assim o tratamento estará recomendado. TRATAMENTO Objetivos: Mesmo sem tratamento, a faringite estreptocócica evolui quase sempre com resolução espontânea. A condição só não é considerada benigna pelo risco de febre reumática, GNPE, complicações supurativas e grande transmissibilidade. Esquemas possíveis: - Penicilina G benzatina: IM, dose única. Para < 27 Kg (600.000 U) e >27 Kg (1.200.000 U) - Penicilina V: via oral, 2 a 3 vezes por dia, por 10 dias. Para < 27 Kg (250 mg/dose) e >27Kg (500 mg/dose) - Amoxicilina: 50 mg/kg/dia, dose máxima 1g, por 10 dias. - Para alérgicos à penicilina: Eritromicina (Etil succinato de eritromicina 40 mg/Kg/dia divididos 2,3 ou 4 vezes / dia por 10 dias. Ou Estolato de eritromicina 20 a 40 mg/kg/dia). Azitromicina 12 mg/Kg 1x/dia, por 5 dias. Dose máxima diária de 500mg. FARINGITE RECORRENTE Sugere-se o uso de penicilina G. Pode ocorrer em pacientes tratados com Eritromicina, cepas diferentes e novas exposições. COMPLICAÇÕES Complicações supurativas locais (periamigdaliano e retrofarígeo), parafaríngeo, febre reumática aguda e a glomerulonefrite aguda pós-infecciosa. abscesso Abscesso periamigdaliano – adolescentes e adultos jovens com disfagia, sialorreia e trismo Abscesso retrofaríngeo - < 5 anos com disfagia e torcicolo. DIAGNÓSTICOS DIFERENCIAIS Mononucleose infecciosa, febre faringoconjuntival, herpangina e difteria. AMIGDALITE Tecido linfoide localizado entre os pilares amigdalianos anterior e posterior. O tecido linfoide de Waldeyer é mais ativo entre 4 e 10 anos. PATOLOGIA INFECÇÃO AGUDA Causada, na maioria das vezes, por vírus. O EBHGA é a causa mais comum de infecção bacteriana na faringe. TRATAMENTO 1) CLÍNICO: Já discutido na faringite 2) CIRÚRGICO: amigdalectomia. Usada quando é recorrente ou crônica. Critérios: 7 ou + infecções tratadas com antibiótico no ano precedente; 5 ou + infecções tratadas em cada um dos 2 anos precedentes ou 3 ou mais infecções tratadas com antibióticos em cada um dos 3 anos precedentes. ADENOIDITE A adenoide é uma agregação singular de tecido linfoide, que ocupa o espaço entre o septo nasal e a parede posterior da faringe. INFECÇÃO CRÔNICA Inclui organismos anaeróbios e anaeróbios OBSTRUÇÃO DAS VIAS RESPIRATÓRIAS Distúrbios respiratórios do sono secundários à obstrução adenoamigdaliano (apnéia obstrutiva do sono) são uma causa de falha no crescimento. Outros sintomas são hiposmia, respiração bucal crônica, baixo desempenho escolar, roncos... ADENOIDECTOMIA - Isolada: indicada em adenoidite crônica, crises recorrentes de otite média aguda, para tratar respiração bucal crônica. - Adenotonsilectomia: para infecções recorrentes são os mesmos critérios utilizados na amidalectomia isolada. Outra grande indicação é a obstrução de vias aéreas superiores secundária a hipertrofia adenotonsilar. BIBLIOGRAFIA - KLIEGMAN, Robert M, et al. Nelson: tratado de pediatria. 19. ed. Rio de Janeiro, RJ: Guanabara Koogan, 2014 - Amaral JJF, Cunha AJLA, Silva MAFS. Manejo de infecções respiratórias agudas em Crianças. Brasília: Ministério da Saúde; 2000 -