Valor 5 de Março de 2015 Custos coletivos e benefÃcios

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Goiânia, 5 de Março de 2015.
Valor Econômico > Brasil
Custos coletivos e benefícios privados na
guerra fiscal
Por Alípio Ferreira Cantisani / de São Paulo
Das
5/3/2015
várias entrevistas que o economista Thomas Piketty concedeu quando de sua
visita ao Brasil, uma mensagem fica como mínimo denominador comum: o sistema
tributário brasileiro é escandalosamente opaco. O segredo tributário, frequentemente
defendido por juristas bem-intencionados, é também o escudo de grupos que se
beneficiam alegremente de incentivos tributários sem que ninguém fique sabendo. O
caso mais sistemático desse desvio de recursos públicos é a guerra fiscal do ICMS entre
Estados brasileiros.
A guerra fiscal faz mal ao Brasil: induz decisões econômicas ineficientes, fragiliza a
situação fiscal dos Estados e privilegia os "amigos do rei". Mesmo assim,
lamentavelmente, ainda prospera em muitos fóruns a visão ingênua de que a guerra
fiscal é um processo salutar de redução da carga tributária e indutor do desenvolvimento
econômico regional. Na verdade, nessa luta há ganhadores e perdedores: quem ganha
são alguns empresários e políticos; quem perde é o Brasil.
Em um instigante artigo publicado pelo Insper em 2013 ("Democracy and Growth in
Brazil"), os economistas Marcos Lisboa e Zeina Latif jogam luz sobre esse aspecto nada
admirável da economia política brasileira: uma vasta rede de instituições desenhadas
para capturar recursos públicos e transferi-los a determinados grupos. São mecanismos
frequentemente legais, travestidos de um discurso benevolente, mas imbuídos de uma
lógica perversa: privilégio, patrimonialismo, protecionismo, em suma, ineficiência.
São os "caçadores de renda": grupos de interesse que buscam canais privilegiados para
se apropriar de recursos extraídos da coletividade. A lógica é simples: se os benefícios
são concentrados, e os custos são difusos, ninguém há de reclamar...
Lisboa e Latif observam que na ancestral tradição brasileira dos "caçadores de renda",
uma das formas utilizadas largamente para garantir renda aos "caçadores" é o nosso
complexo sistema tributário, com uma rede de "transferências caracterizadas por
diversas regras de isenções que mascaram os beneficiários dos privilégios". Quanto
menos transparência houver, mais facilmente o recurso do contribuinte anônimo cairá no
bolso do empresário amigo (no caso da guerra fiscal, em geral o dinheiro do contribuinte
anônimo compensará a não-contribuição do empresário amigo).
O discurso básico não muda: os Estados brasileiros, ao conceder privilégios a
determinadas empresas, têm sempre o intuito de "promover o desenvolvimento
regional". É o mesmo objetivo, aliás, do Fundo de Participação dos Estados, da Sudene,
Zona Franca de Manaus e se bobear até mesmo da sobre-representação dos Estados
do Norte e Nordeste no Congresso Nacional. Toda distorção do nosso sistema político e
econômico vem acompanhada de uma bela e vaga retórica redistributiva. A competição
por empresas tende a beneficiar grandes companhias, aquelas capazes de negociar
com governos, fazer as malas e partir para outro canto do país. As pequenas firmas ou
as firmas intensivas em mão-de-obra têm de se contentar em pagar a conta daqueles
que partem para outro Estado ou daqueles que pagam menos no mesmo Estado. No
caso de transações interestaduais com mercadorias, nosso sistema de alíquotas
interestaduais de ICMS transfere para o Estado de destino os custos dos benefícios
fiscais. No Brasil, um Estado é capaz de roubar recursos de outro, dando-os de presente
a empresários.
É compreensível que Estados concedam benefícios para que empresas venham se
instalar em seus territórios: é praticamente um almoço grátis, pois amiúde quem paga é
o Estado de destino. Mas essa lógica subverte o propósito do sistema tributário, e não
pode prosperar como modelo de desenvolvimento. Impostos são arrecadados para
garantir serviços públicos à população e não para engordar balanços de empresas.
O Brasil precisa crescer e para isso urge tomar
ciência de que crescimento econômico é o
resultado da construção de bases sólidas de
competitividade, e não da simulação de uma falsa
competitividade. Crescimento é fruto de menores
custos de logística, de maior produtividade, de
métodos produtivos inovadores, e todas essas
variáveis exigem investimentos públicos em
infraestrutura, educação básica e técnica, inovação
e pesquisa. Infelizmente, investimentos de
qualidade não dão frutos no curto prazo, o que
explica que muitos governadores prefiram dilapidar
recursos de seu Estado (e de outros) atraindo
empresas à custa do contribuinte e estimulando um
modelo de desenvolvimento que passa ao largo das
variáveis corretas.
Afora as inúmeras questões jurídicas envolvidas, entre elas a patente ilegalidade da
maior parte dos benefícios de guerra fiscal, é a corrosão da competitividade da
economia brasileira que mais preocupa e se faz sentir. Vivemos num país caro, não só
devido à carga tributária, senão especialmente à fraca concorrência, à baixa qualificação
de mão de obra, à dubiedade na garantia da lei e à letal permissividade com relação a
privilégios e benefícios espúrios.
O desenvolvimento econômico é um processo complexo, mas antes de chegarmos lá,
precisamos aprender a fazer bem o simples: garantir regras iguais para todos e focar em
competitividade. É preciso eliminar os benefícios aos "amigos do rei" e usar os recursos
legitimamente arrecadados pelo Estado para qualificar trabalhadores, aprimorar
infraestrutura e garantir serviços básicos. Se não trilharmos esse caminho, não haverá
Sudam, SUDENE, Zona Franca, FPE nem guerra fiscal que resolvam nossos crônicos
problemas de baixa renda e disparidades regionais.
Alípio Ferreira Cantisani é economista pela EESP-FGV e cofundador do site
Terraço Econômico (www.terracoeconomico.com).
Leia mais em: http://www.valor.com.br/opiniao/3938298/custos-coletivos-ebeneficios-privados-na-guerra-fiscal
Alípio Ferreira Cantisani
Perfil:
Formou-se em economia pela EESP-FGV, onde desenvolveu
sua paixão por números primos e poesia alemã.
Foi editor-chefe da revista Gazeta Vargas, associação cultural
formada por alunos das escolas de Administração, Economia
e Direito da FGV-SP.
Escreveu um artigo sobre plebiscitos suíços no Valor
Econômico e foi funcionário público. Almeja glória e poder
para todo o sempre.
Hoje é mestrando em economia na Universidade de Tilburg,
nos Países Baixos.
Fonte: http://terracoeconomico.com/a-equipe/
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