1 A PRODUÇÃO DO CONHECIMENTO CIENTÍFICO

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Revista Filosofia Capital
ISSN 1982 6613
Vol. 1, Edição 3, Ano 2006.
A PRODUÇÃO DO CONHECIMENTO CIENTÍFICO: UM DEBATE PRAGMÁTICO
PARTE I
Simone Lisniowski
[email protected]
Brasília-DF
2006
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Revista Filosofia Capital
ISSN 1982 6613
Vol. 1, Edição 3, Ano 2006.
A PRODUÇÃO DO CONHECIMENTO CIENTÍFICO: UM DEBATE PRAGMÁTICO
PARTE I1
Simone Lisniowski2
[email protected]
Resumo
A questão nesta parte I deste artigo se concentra na busca de definir ‘conhecimento científico’
e apresentar um debate acerca da ciência e sua problematização atual, concentrando-se no
problema do conhecimento para as ciências humanas. A fim de ordenar uma reflexão partirei
de uma breve exposição do pensamento positivista em torno da produção do conhecimento
científico baseado no método lógico-matemático, a seguir apresentar a crítica fenomenológica
da relação restrita imposta pelo positivismo do homem com a natureza, incluindo a
mundaneidade e a existência, e aspectos reflexivos do paradigma marxista acerca da
generalização teórica de Marx.
Palavras-Chave: Conhecimento científico – Mundaneidade – Existência – Paradigma
Marxista.
Abordando o Nascimento do Conhecimento Científico
No processo de produção do conhecimento estão envolvidos dois principais fatores:
o sujeito cognoscente e o objeto a ser conhecido. Até o século XVII a filosofia se concentrava
na busca da verdade e de conhecer o objeto, somente com Descartes a as ciências humanas se
voltaram para explicar como se dá o processo de produção do conhecimento. Thomas Kuhn
acredita que na ciência se representa uma visão de mundo, e que ao se expressar em uma
teoria os cientistas se utilizam de todo conhecimento acumulado para resolver problemas,
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Trabalho apresentado como parte da avaliação da disciplina de Metodologia ministrada pelo Prof. Dr. Pedro
Demo no Departamento de Pós-Graduação de Sociologia na Universidade de Brasília.
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Doutoranda na Pós-Graduação em Sociologia na UnB. Mestre em Direito e graduada em Psicologia pela
Universidade Federal do Paraná.
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lacunas ou para refutar certas teses. Portanto, o movimento da ciência é tanto de condensação
quanto de fragmentação.
Ao contrário da ciência moderna, os mitos gregos não tinham como objetivo alcançar
a verdade e não tratavam de causa e efeito, mas isto incomodava os pensados da época. Foi
somente com a filosofia grega que começaram as buscas de uma superação dos mitos, que
para eles representavam ilusões. Portanto a filosofia grega busca uma base com a razão e pela
razão, para separa o mito da realidade. A filosofia “teria surgido a partir do estranhamento do
homem frente ao mundo, um estranhamento que misturava medo e admiração, observação,
curiosidade e sentimento de distanciamento para com o mundo e, afinal, busca de sentido e
felicidade no bem viver”. (Ghiraldelli, 2001, p. 26). A filosofia colocou a questão: “O que é
realidade?” e a partir daí se diferenciou do mito por inferir uma dicotomia entre o real e o não
real. E chegou à conclusão que o real é a natureza, a essência, o imutável. Aqui começa a se
delinear uma nova perspectiva do homem, é preciso que o homem esteja em contato com sua
essência para viver o mundo real e não com a mitologia, pois viveria apenas de ilusões. Logo
começaram as diferenças de concepção sobre a busca desta verdade, com diferentes visões de
mundo e de homem.
Enquanto os sofistas acreditavam que tudo era fruto de convenções e que não existia
natureza, os phýsis buscavam o fundamento natural para o mundo, semelhante aos positivistas
e cientistas modernos. A idéia eleática é que a realidade é uma estrutura lógica e até
lingüística, e neste caso o ser é idêntico a si mesmo, o ser não se transforma. Esta concepção
está muito presente na metafísica, pois uma coisa é pensar o mundo na sua mutabilidade,
outra é pensá-lo na sua essencialidade, na sua racionalmente.
Parmênides afirmava que a realidade obedece à lógica do pensamento e Heráclito
dizia que somente a mudança é real. Platão tenta dar uma solução a esta disputa e formou um
campo de saber que engloba várias dualidades, dizendo que Heráclito estava certo em relação
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ao mundo sensível (aquele que percebemos através dos sentidos) e que Parmênides estava
certo em relação ao mundo supra-sensível (o mundo da identidade, da permanência e da
verdade). O mundo real é o mundo sensível, mas o mundo ideal é o mundo das essências e é o
verdadeiro real. Para Platão esta é a relação entre o original e a cópia, e é através da dialética
que a filosofia poderia distinguir o real do não-real.
Para Aristóteles este mundo ‘das sombras’ do Platão é o mundo real e as mutações e
multiplicidades seria a essência deste mundo. A ciência que alcançaria a verdade seria a
física. Mas ele admitia que a física dependia da filosofia primeira, de uma metafísica, “capaz
de distinguir que aquilo que a física pesquisa é algo real e verdadeiro – um fundamento”.
(GHIRALDELLI, 2001, p. 33).
Aristóteles foi buscar suas conclusões no mundo sensível, a metafísica deveria
buscar “a essência do mundo natural e de nós mesmos no próprio mundo natural e de nós
mesmos, e não em outro mundo, o mundo das coisas puras de Platão”. (Idem, p. 33). A
essência estaria nas próprias coisas, na experiência, e não em outro mundo, no mundo das
idéias.
Aristóteles admitiu diferentes essências para diferentes seres, o divino seria o ideal,
imutável, o homem e o mundo são mutáveis e estão separados do divino. Cada ciência teria
seu objeto e elas estariam unificadas pela filosofia. Este desenvolvimento do que é essência
ele chamou de ‘estudo do Ser enquanto Ser’, denominado posteriormente de ontologia ou
metafísica.
Mas, ao contrário do que defendia Aristóteles, o século XVII foi marcado pela crença
de que a filosofia dependia do avanço da física e da matemática para acessar o real, e não que
a matemática e a física dependiam de uma filosofia primeira.
A física é pensada como independente da filosofia, independente de uma moral,
como se não comportasse uma concepção de homem e de mundo, mas fosse a concepção que
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comportasse a realidade, a verdade absoluta.
A física moderna descobre relações entre objetos totalmente quantificáveis. A
natureza é estruturada matematicamente, e esta descoberta apaixonou filósofos e físicos nos
séculos XVII e XVIII. E para conhecer e usar o mesmo método era preciso saber como
executar esse processo, e a preocupação não é mais com o objeto, mas com o método, é real
aquilo que um método lógico-matemático é capaz de captar.
Os antigos tentavam separar e distinguir a verdade do mito para responder à
pergunta: “o que é real?”. Já os modernos tinham em mente outra pergunta: “como é possível
o conhecimento (do real)?” E assim iniciaram o processo de ‘subjetivação do mundo’ na
busca de um método adequado à ciência.
Antes o existente era algo que estava apresentado e a verdade deveria ser desvelada,
na modernidade entende-se o existente como o que é representado e é garantido pela certeza,
pelo ‘sentimento de evidência’. A pergunta moderna faz surgir algo entre o real e o
conhecimento: a subjetividade.
A ciência passa a se ocupar com os objetos considerando sua aparência como
provisória e, portanto, o dever da ciência, sua ética, era encontrar a essência imutável da
realidade. Assim, Ghiraldelli (2001, p. 39) nos apresenta uma síntese do processo de produção
do conhecimento na modernidade: “o existente como representação é atividade (como
descoberta ou como criação) do sujeito, a verdade como certeza é um aval dado pelo sujeito a
certos enunciados ou pensamentos. Mundo e verdade passaram, então, a ser subjetivados –
passaram a ser objetos (do conhecimento) enquanto postos pelo sujeito.”.
As ciências se voltaram para a montagem de modelos de subjetividade, pois quanto
melhor for apresentada a relação sujeito-objeto melhor se forneceria uma explicação sobre o
conhecimento e seus fundamentos.
No século XVIII, os estudos físicos e naturais influíam na visão de mundo da
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filosofia e foi a física de Galileu que influenciou o pensamento de Descartes. A filosofia de
Galileu era de que o mundo real estava dividido em virtudes primárias e secundárias. As
qualidades primárias eram absolutas e quantificáveis enquanto que as secundárias eram
subjetivas, relativas, que estão em nós e não nas coisas, assim tudo que nossos cincos sentidos
percebem pertencem aos cinco sentidos e não às coisas. As características sensíveis estão na
psique e não no mundo real, no mundo natural. E a ciência que desejasse estudar o mundo
como ele realmente era deveria tratar das quantidades e não das qualidades. Esta premissa
acompanha o pensamento científico, pois representa sua racionalidade.
Para Descartes o universo das qualidades sensíveis é na verdade qualidades
puramente subjetivas, ou seja, não são reais. Entre nós e o mundo real, objetivo tem uma
barreira, os sentidos do homem. Nós não temos a experiência do mundo, nós temos
experiência de nossas próprias representações. O corpo humano lida somente com qualidades
e conseqüentemente não é da ordem do real. Para que o homem tenha acesso ao real ele
precisa utilizar um método que ofereça dados quantificáveis, matemáticos. Somente o
raciocínio lógico-matemático levaria ao conhecimento científico. Outras formas de
pensamento são ilusórias.
O conhecimento científico, para a ciência positivista, não é a representação que os
sentidos têm da realidade, pois esta representação vai sendo construída na interação entre
sujeito e objeto. Como o objeto da ciência é a essência, o mundo é na verdade um conjunto de
partículas em movimento, portanto o conhecimento científico está nestas qualidades
quantificáveis e não na aparência dos objetos e nas experiências do sujeito.
Para o positivismo, sentir, imaginar, emocionar-se, também são formas de pensar,
mas de todas as formas de pensar a lógica é a única que pode produzir conhecimento
científico, as outras formas acessam somente a aparência dos objetos. O pensamento
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positivista conferiu ao pensamento científico o estatuto epistemológico de verdade,
estimulando uma classificação hierárquica entre os diferentes tipos de conhecimentos.
Para Descartes, o pensamento é um evento interno e que não é essencial da matéria,
que é um mero meio, instrumento. O pensar é um ato espiritual, este sim tem acesso à
essência da matéria e à verdade, e não o corpo, que também é aparência. Portanto o
conhecimento científico vem de Deus, fonte de toda verdade. Esta era a crença no século de
Descarte e que permanece na sua filosofia.
A experiência em si é uma experiência de imagem e produzir conhecimento é ter
acesso ao absoluto, e não se tem acesso ao absoluto através dos sentidos. Se o homem fosse
apenas sensibilidade, apenas o corpo, ele não teria nenhum acesso à verdade. Algum acesso só
é possível porque o homem tem o inteligível, deus não o fez apenas corpo, deu-lhe a alma.
Assim, a ciência positivista defende que alguns pensamentos, baseados em um método
matemático, podem ser testemunhos do mundo e da verdade, outros são falsos, são frutos da
representação do mundo e não do inteligível.
O conhecimento científico que se constrói na ciência cartesiana está longe da
concepção de conhecimento nas ciências humanas. Os positivistas queriam criar uma ciência
a partir da lógica, a verdade é o entendimento lógico-matemático, e as sensações são atos
perceptivos, os objetos são partículas em movimento, o modo absoluto, verdadeiro. E o que
dá movimento é o conhecimento essencial da matéria, e ela é de outra natureza (diferente dos
sentidos), é da ordem do inteligível, por isso todo conhecimento científico deve seguir o
método lógico-matemático.
Mas qual é a garantia de que seguindo a matemática se produz conhecimento
científico? A única maneira que nos foi apresentada por Descartes foi Deus. Ele é o garantidor
de que há em nós algo que corresponde a algo fora de nós.
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Críticas ao Positivismo e a Separação entre Ciências Natural-Exatas e Humanas
Até que a própria ciência trouxe uma evidência que fez a primeira lacuna no
pensamento moderno: o homem antes de racional era animal. Darwin fez o que Freud chamou
de segunda ferida narcísica: a constatação que a origem do homem é animal e não semente do
absoluto. A primeira ferida tinha sido a descoberta de Copérnico de que a Terra não era o
centro do Universo.
Por isso a morte de Deus declarada por Nietzsche é a declaração do fim de um
paradigma. Assim, se Deus morre, morre muita coisa com ele, morre a ciência positivista, e
com ela, morre também a possibilidade de uma verdade absoluta. Deus é o fundamento da
razão e do conhecimento científico, se ele morre a concepção de verdade tem que mudar,
assim como a concepção de mundo e de sujeito.
Descartes apenas expressa o pensamento da sua época, sua decodificação atende a
uma exigência que veio das ciências naturais. De forma alguma um pensador naquela época
faria uma filosofia que não se harmonizasse com a física. A ciência exata constrói outro
universo não captável pelos sentidos, a água é H2O, são moléculas, na verdade isso nós não
conhecemos pela experiência. O conhecimento científico revela a essência da coisa.
Mas quando o fenomenólogo começa a decodificar o sujeito como este estando em
relação direta com o mundo, o sujeito deixa de ser um contingente de um saber que vem de
Deus. Há na ciência cartesiana uma tomada da consciência tal como são as coisas, o mesmo
paradigma para se conhecer os objetos é utilizada para se conhecer o sujeito, a consciência. O
método científico cartesiano trabalha com o homem natural, mas as ciências humanas
questionam essa concepção de mundo, de homem e de método.
A observação, a experiência e o ser em si para Descartes estão impossibilitados de se
relacionar. Este projeto científico de eficácia e utilidade acarretou a concepção de sujeitoobjeto que serviu de base para a racionalidade moderna onde o conhecimento “é menos um
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saber (no sentido de que quem conhece é sábio) e mais a posse da tecnologia e da técnica”. 3A
partir daí surgiram diferentes correntes que se contrapõem ao modelo cartesiano e que exigem
um trabalho de redefinição do processo de produção do conhecimento.
Para Stein (2001, p. 22) “a condição humana sempre aponta para além de si mesma,
porque ela mantém a exigência contínua de abertura. Omite-se o fato de que, precisamente, a
busca do ilimitado é afirmação do limite, de que a necessidade do horizonte infinito é uma
imposição da radical finitude” A filosofia cartesiana compreendia a finitude como aspecto
negativo na produção do conhecimento, mas para Heidegger é a própria condição de finitude
que possibilita ao homem pensar, interrogar, compreender.
Para ilustrar como as posições em busca do conhecimento podem ser contrárias, para
Rousseau o sentimento de certeza era garantido pela ‘sinceridade do coração’, que é expresso
da seguinte forma: “Tendo em mim o amor à verdade como filosofia, e como método único
uma regra fácil e simples que me dispensa da vã sutileza dos argumentos, volto com esta
regra ao exame dos conhecimentos que me interessam, resolvido a admitir como evidentes
todos aos que na sinceridade do coração, não puder recusar meu assentimento, como
verdadeiros todos os que me parecem ter uma ligação necessária com os primeiros, e deixar
todos os outros na incerteza, sem os rejeitar nem admitir, e sem me atormentar com os
esclarecer desde que não me levem a nada de útil na prática. 4 Ou seja, a verdade é avaliada
por uma pessoa, uma subjetividade que é a consciência moral, organizada à base dos
sentimentos e que é um mundo interior. Este argumento de Rousseau levanta a questão da
ética na ciência, pois o bem está ligado à verdade. Posteriormente, Kant afirmou que a razão
(ciência) está a serviço do conhecimento científico a fim de distinguir o verdadeiro do falso, a
razão prática (ética) serve ao julgamento, isto é, à distinção entre o certo e o errado. Ambas
3
4
Heidegger, 1984, IN Ghiraldelli, 2001, p. 40.
Rousseau, 1979, p. 303/304, IN Ghiraldelli, 2001, p. 44.
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funcionam de modo lógico e o limite lógico da razão prática se resume da seguinte forma:
“age sempre de uma maneira tal que você possa erigir a máxima da tua ação em lei
universal”. Kant inclui a questão ética na construção da verdade pela ciência. Porém, constrói
uma concepção de verdade apoiada em um princípio moral universal, impossível na
experiência humana, ambígua e multifacetada. Seria possível universalizar os diferentes
paradigmas? Mesmo quando teoricamente pressupomos a aceitação de todos, quando se
pressupõem que apesar de todas as diferenças há uma concordância no relativismo da ciência,
este pressuposto exclui, por si só, a ciência positivista, que busca uma verdade absoluta. Para
a ciência positivista as leis que regem a natureza e o sujeito são as leis matemáticas, vindas de
Deus e buscar esta verdade é a ética do sujeito cartesiano.
Para a fenomenologia, a ciência positivista é uma falsificação de nossa percepção do
mundo, a aparência sensível é a apreensão da própria coisa. Esta teoria é uma crítica da
tradição científica positivista, e também tenta construir uma nova teoria da experiência, onde
a produção do conhecimento se dá na relação do sujeito com o mundo, e, portanto, outra
concepção de verdade. Para a fenomenologia é preciso captar o homem na sua expressão
banal, é preciso escrever o mundo na sua mundaneidade.
A consciência de Descartes é coisa, ele usa o paradigma do objeto para pensar o
sujeito, um contingente que tem conteúdos (conhecimento científico), e estes conteúdos vêm
de Deus. Para a fenomenologia, a consciência é a relação direta com o mundo, é preciso
considerar que o homem não é sujeito e depois veio ao mundo, ele não é um contingente, ele é
“ser no mundo”, e ao “estar no mundo” ele é capaz de produzir conhecimento. Ele está
inteiramente tomado pelo mundo, ele não é mais interior, não é uma substância oposta à outra
substância.
Para a fenomenologia não é possível ter representação do mundo sem ter acesso ao
mundo. A idéia de intencionalidade está vinculada a um papel ativo da consciência, do
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sujeito, do mundo e da experiência. Para a fenomenologia o ser humano está
permanentemente para fora de si, está no mundo. A experiência tem que ser primeiro sensível
para depois ser científica, a linguagem científica vai estar estruturada na experiência. O que é
esta intencionalidade? Nasce da necessidade de romper com o dualismo corpo e essência. Os
sentidos dão acesso ao mundo, e com eles se constrói o mundo, onde perceber é um
movimento permanente que dá sentido ao mundo. E apreendemos o mundo sempre de um
lugar, porque nós participamos da construção do mundo. É o ser humano que compõe o
mundo e o organiza diante de si, interpreta e produz conhecimento científico. O esquema
positivista é apenas um dos lugares subjetivos possíveis de apreensão da realidade, mas que
não pode ser universalizado. A teoria fenomenológica vai abrir o leque e diferenciar ciências
naturais de ciências humanas. A questão mudou do conhecimento da natureza para a
compreensão do mundo, e nesta relação a intersubjetividade é incluída, o que não acontecia
com o sujeito cognoscente, que sozinho refletia sobre um mundo abstrato.
Para a fenomenologia, o campo não pode ser confundido com a soma das partes,
como é a proposta metodológica lógico-matemática. A parte é sempre parte total, é sempre
um aspecto dentro de um horizonte. Toda apreensão é relacionante, não é só sensibilidade,
envolve também entendimento. Para Dussel trata-se de explicar e descrever o vivido. Trata-se
de vivenciar, explicar, descobrir, descrever a vivência tal como ela é vivida, pois o ser
humano se constitui o tempo todo. O vivido é inserido no tempo. Não se separa o sujeito do
objeto, a idéia dos fenomenólogos é romper com a interioridade, a maneira como uma pessoa
organiza o mundo é ela própria, é a maneira como ela é. A linguagem da ciência é uma entre
muitas linguagens. Para Heidegger não há verdades eternas, mas “essa ‘limitação’ não
significa, tampouco, uma diminuição do ser-verdadeiro dessas ‘verdades’”. 5
A ciência é invenção, ela constitui objetos, cria objetos, é um processo de
5
Apud Stein, 2001, p. 30.
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experiência e pensamento. Em Descartes o objeto é idêntico a si mesmo. Merleau-Ponty diz
que não existe só ciência, que há outro lado, o lado da subjetividade. Heidegger nos faz
perceber que a produção do conhecimento é um processo dinâmico, de alguém que se percebe
na existência e a objetificação só é possível quando a existência é negada.
No método cartesiano o sujeito é deixado de fora do conhecimento do mundo, não há
um sujeito que diz o que existe é a enunciação que vem de Deus, e com ela um conhecimento
pretenso universal. Segundo Dussel (2001, p. 523) este método “pode ter um critério de
inteligibilidade, mas nunca poderá ter um critério de verdade” que se refere à realidade
concreta de um sujeito concreto e mortal. Ou seja, o pesquisador ao produzir conhecimento
científico se relaciona com a natureza, com o mundo, com a sociedade, os grupos, o outro, e a
produção do conhecimento deve ser contextualizada, no espaço e no tempo.
No século XIX há a constituição das ciências humanas a partir do século XIX, e com
a diversidade surge, a querela dos métodos, de um lado a insuficiência do método das ciências
naturais para explicar o fenômeno humano, por outro, é este método que dá estatuto de
cientificidade a um conhecimento. A perspectiva objetivista não vai além do fato para se
manter científica. O mito positivista é insuficiente para explicar certos fenômenos do século
XIX, ocorrendo uma espécie de ruptura entre as ciências naturais e as ciências humanas. A
ciência positivista objetificou o sujeito, não o percebe como diferente de outros objetos das
ciências naturais.
Marx tratou disso quando fez sua crítica social em relação ao trabalhador como
objeto, a exploração da mais-valia como ação validada pela técnica ‘científica’. O
cientificismo fez do homem um objeto a serviço da técnica.
Para Marx o mercado tem uma capacidade de transformar tudo em coisificação, o
grande sujeito do capitalismo é o Senhor Capital. O conceito de trabalho em Marx é o
conceito de liberdade, de realização, mas sob o capital o trabalho se transforma em
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mercadoria, o trabalho é alienado quando está submetido à divisão do trabalho. E para
analisar como acontece este processo, Marx introduziu a idéia de ideologia, de ‘falsa
consciência’, o “homem age como falso sujeito, pois não é de fato senhor de seus
pensamentos nem responsável único pelos seus atos.” (Ghiraldelli, 2001, p. 52). Portanto,
para conhecer sua realidade o homem precisa conhecer o modo de organização de seu
trabalho e da sociedade e precisa estar consciente dos determinantes sociais.
Para ele, “o capitalismo em geral e o mercado em particular produzem os fenômenos
de reificação da consciência e do fetichismo da mercadoria, o que torna o homem alienado e
incapaz de autodeterminação”, (Ghiraldelli, 2001, p. 52/53) e esta capacidade de se autoesclarecer também é ideológica.
Esta forma de organização social, por sua vez, possibilitou a contribuição inventiva
daqueles que se voltaram às especialidades, gerando uma alta capacidade de inserção de
outras inovações que tem modificado continuamente as relações de trabalho, alienando ainda
mais o trabalhador. A busca por especializações criou abismos entre as ciências, e
ironicamente, dificultou a inovação, tão importante para o crescimento econômico. A
necessidade de inovação para garantir o crescimento econômico (mais produtividade, maior
consumo) envolveu a ciência em uma corrida para o desenvolvimento de inovações sem
criticidade. Ela abstrai os sujeitos e usa o modelo das ciências naturais para analisar o ser
humano, que é social e subjetivo. Mas este conhecimento é apenas técnico e serve à
dominação, o conhecimento da realidade social depende da autonomia do sujeito em relação
aos determinantes sociais, só é possível produzir conhecimento superando a ideologia
dominante.
Na sociedade capitalista, a ciência positivista e tecnicista é valorizada porque
apresenta os indivíduos como ‘objetos’ no processo de produção, e as práticas atuais tem
como objetivo discipliná-los e aliená-los para produzir as riquezas e garantir o crescimento
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econômico, que ideologicamente levaria o desenvolvimento e a riqueza para todos. Para Marx
o sujeito está submetido à ideologia e somente ao estar consciente dela é que poderá se
revoltar e assumir seu lugar de sujeito diante da história.
O conhecimento científico voltou-se para o aprimoramento técnico no capitalismo, e
as técnicas foram orientadas pelo avanço filosófico e cientifico, mas também pela luta de
classes, que conduziram...
(...) a uma seleção de técnicas aplicadas na produção entre outras técnicas
possíveis. Finalmente, na fase atual do capitalismo a pesquisa tecnológica é
planificada, orientada e explicitamente dirigida para os objetivos que se
propõem as camadas dominantes da sociedade... (por isso) a ampliação
contínua da gama de possibilidades técnicas e a ação permanente da
sociedade sobre seus métodos de trabalho, de comunicação, de guerra, etc.
refuta definitivamente a idéia da autonomia do fator técnico e torna
absolutamente explícita a relação recíproca, o retorno circular ininterrupto
dos métodos de produção à organização social e ao conteúdo total da cultura.
(CASTORIADIS, 2000, p. 32).
A consciência humana prática, que é um agente transformador e construída
historicamente, estaria anexada à uma consciência reflexiva teórica, aquela materializa
mudanças no mundo material, modificando as condutas e relações dos homens. As grandes
idéias pertencem à prática histórica (como as técnicas) e desenvolvem o conhecimento
científico, da realidade social. Mas é um idealismo quando Marx tenta transformar esta
análise em uma abstração, reduzindo o conjunto da realidade histórica a um único fator. Se as
idéias são técnicas e fazem a historia avançar, então, ou elas são o próprio motor da historia
ou são apenas um dos elementos retirados de um todo social mais complexo. E Castoriadis
compreende que as idéias são elementos de um todo muito mais complexo, incluindo a idéia
da determinação econômica da sociedade. Ou seja, “os fatos técnicos não são só idéias ‘em
atraso’ (significações que foram encarnadas), eles são também idéias ‘em avanço’ (significam
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ativamente tudo o que ‘resulta’ deles, e conferem um sentido determinado a tudo que os
cerca)”. (CASTORIADIS, 2000, p.34/35).
Se fizermos à afirmação de que as forças produtivas determinam as relações de
produção (e assim, as relações jurídicas, religiosas, políticas, etc.), estamos dizendo que há no
ser humano uma motivação econômica, ou seja, desde sempre o homem quer o crescimento
de sua produção e do consumo. Mas isto é negar que os valores humanos são criações sociais,
é absurdo querer fundamentar a historia da humanidade num instinto de conservação, numa
necessidade, é mais verdade é que o homem vai além de suas necessidades. Falar de
necessidades econômicas é falar da historia do capitalismo e não da historia da humanidade.
Para Castoriadis, o estatuto de conhecimento científico ao marxismo é valido, exceto na sua
afirmação de universalidade.
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