efeitos do ato administrativo inválido em face de terceiros

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EFEITOS DO ATO ADMINISTRATIVO INVÁLIDO
EM FACE DE TERCEIROS DE BOA -FÉ
Nagib Slaibi Filho
Livre-Docente pela UGF
Desembargador do TJRJ
Professor – EMERJ e UNIVERSO
Em relação aos terceiros de boa -fé, a ilegalidade do ato administrativo não
implica automaticamente a ineficácia g eral e absoluta dos efeitos deste mesmo ato.
Exemplos correntios são os efeitos em face de terceiros de boa -fé quanto aos
atos jurídicos praticados por notário ou registrador, a quem incumbe a interveniência na
realização de ato jurídicos privados, ou qua nto aos casamentos celebrados por quem se
apresentou como Juiz de Paz e cuja investidura na função tenha sido posteriormente anulada:
1 – substituto de serventia, alegando direito á efetivação pelo art. 208 da
Constituição revogada, com a redação dada pe la Emenda Constitucional nº 22/82, obtém
provimento judicial cautelar que lhe concede a provisória investidura na titularidade de
serventia, recebendo, a final, decisão improcedente ou extintiva do mérito;
2 – a investidura de serventuário é anulada pela própria Administração, ou por
ato jurisdicional, com fundamento na Súmula 473 do Supremo Tribunal Federal;
3 – o serventuário obtém liminar para continuar o exercício das funções em
ação contra o Estado em que pretende a declaração de ineficácia de ato d e aposentação por
implemento da idade, resultando, depois, vencido na respectiva demanda; e
4 – aquele que exerceu durante mais de uma década a nobre função de Juiz de
Paz, celebrando centenas de casamentos, na verdade nunca fora regularmente investido e
estava em conluio com o oficial do registro civil que também se beneficiara com a situação
irregular.
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A partir daí, muitos interessados pretendem a automática invalidade ou
ineficácia dos atos praticados ao tempo do período, alegando que a ilegalidade do exercício da
função contamina, de forma absoluta, o ato praticado naquele período.
O exame de tal pretensão exige cognição profunda dos fatos em exame, pois
são diversos os campos de atuação dos efeitos jurídicos.
Inicialmente, devem ser distinguidas dua s relações jurídicas:
a) a relação jurídica entre o servidor e o Poder Público, que está subordinado às
regras de direito público e, assim, vinculativa e indisponível; e
b) a relação jurídica entre as partes interessadas no ato jurídico privado objeto
da atividade, como o testamento, o registro imobiliário, o protesto, a celebração do casamento
e tantos outros que podem ocorrer e em que se exige a atividade pública como essencial para a
sua realização.
Justamente por representarem manifestações de vontad e de pessoas públicas,
os atos estatais, inclusive os praticados por notários e por registradores no exercício da
delegação administrativa a que se refere o art. 236 da Constituição, produzem, por si só,
efeitos erga omnes, pois a executoriedade que deles emana é suficiente para serem
presumidos como válidos e eficazes.
Aliás, a presunção de veracidade ou legitimidade dos atos estatais é, em nosso
País, norma formal constitucional, como se vê no art. 19, II, da vigente Lei Maior, princípio
denominado por Raul Machado Horta de princípio constitucional estabelecido ou, na
terminologia da doutrina americana, vedação constitucional.
Por tal presunção, que admite prova em contrário (juris tantum, e não iure et de
juris), é que a decisão, administrativa ou judic ial, que invalida o ato administrativo produz
efeitos ex nunc (a partir do ato) e não efeitos ex tunc, ao menos na parte dos efeitos que
alcançam terceiros.
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Em se tratando de provimento judicial cautelar, o art. 808 do Código de
Processo Civil prevê as di versas hipóteses em que cessa a eficácia da medida cautelar,
anotando-se, ainda, na mesma linha, a Súmula nº 405 do Supremo Tribunal Federal:
Denegado o mandado de segurança pela sentença, ou no julgamento do agravo dela
interposto, fica sem efeito a limin ar concedida, retroagindo os efeitos da decisão contrária.
A orientação decorrente do mencionado dispositivo legal e da súmula da
jurisprudência dominante opera com extremo vigor não só no campo judicial como também
no processo administrativo de todos os Poderes da República e de todas as esferas
governamentais, pois o processo decisório previsto na Constituição é uno e aplicável a todos
os procedimentos por força da cláusula do devido processo legal (art. 5º, LIV, e seguintes).
Pode, também, a Adminis tração Pública (no caso, a Administração Judiciária
Superior, através de seus órgãos de atuação como a Presidência do Tribunal de Justiça, a
Corregedoria Geral da Justiça, o Conselho da Magistratura e o Tribunal Pleno ou órgão
especial) invalidar a investi dura do serventuário aplicando as mencionadas Súmulas 346 e
473, por ato dotado de autoexecutoriedade, no exercício da denominada “tutela
administrativa”:
Em regra, nas relações entre particulares, ninguém pode, sem o seu
consentimento, ver a sua situação jurídica modificada por simples vontade de outrem... Em
direito administrativo, pelo contrário, a Administração pode modificar as situações jurídicas
por sua única vontade, sem o consentimento dos interessados. Essa é uma prerrogativa
característica do poder público. A decisão executória é o ato no qual a Administração
emprega esse poder de modificação unilateral das situações jurídicas. É o processo típico da
ação administrativa, o mais corrente na prática, o mais característico do ponto de vista
doutrinal.
Muitas vezes, o ato da administração é mandado fazer por decisão judicial,
como, por exemplo, a desinvestidura de determinado servidor para que outro seja posto em
seu lugar.
O desfazimento do ato administrativo de investidura somente pode ser feit o por
anulação, em caso de ilegalidade, e nunca por revogação (fundada na oportunidade ou
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conveniência, o que os tratadistas denominam de “mérito administrativo”), justamente porque
a ordem jurídica, para casos tais, somente prevê casos estritamente vincul ados, como, por
exemplo, a aposentação e a demissão, assim nenhum alvedrio concedendo ao administrador.
Veja-se a expressiva dicção do enunciado sumular:
A administração pode anular seus próprios atos quando eivados de vícios que
os tornam ilegais, porque deles não se originam direitos; ou revogá -los, por motivo de
conveniência ou oportunidade, respeitados os direitos adquiridos, e ressalvada, em todos os
casos, a apreciação judicial (Súmula 473).
Note-se: dos atos nulos não se originam direitos, deven do-se, no entanto,
ressalvar os efeitos em face do terceiro de boa -fé.
O tema da distinção entre revogação e anulação do ato administrativo é
tormentoso em nossa doutrina, o que decorre da instabilidade decorrente da inexistência de
uma teoria geral de validade dos atos administrativos aceita por todos, inclusive no direito
comparado.
A instabilidade também tem fonte na diversidade normativa que a Constituição
da República permite aos diversos entes federativos, assim lhes assegurando a necessária
autonomia, desde que preservados os princípios e valores estabelecidos na Carta Federativa, e
alcança a própria terminologia, como noticia mestre Miguel Seabra Fagundes:
Não são encontradas, na prática administrativa brasileira, as palavras
"revogação" e "anulamento", significando o desfazimento de atos do poder executivo. Os atos
revocatórios ou anulatórios usam freqüentemente das expressões cassar, cancelar ou tornar
sem efeito. Assim, diz-se comumente que um ato é tornado sem efeito, uma licença é cassada
ou um débito é cancelado.
É usual que os atos administrativos de invalidação usem a expressão “tornar
sem efeito”, o que, no entanto, não deixa dúvidas de que se trata de anulação, que se funda em
ilegalidade, e não de revogação, decorrente da conveniênci a ou oportunidade.
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Diz a Súmula 473 que os atos ilegais não geram efeitos.
Contudo, o ato administrativo, em face do pré -falado princípio de veracidade,
por si só produz efeitos e situações que não podem ser desconsideradas. Não se estranhe que o
Direito dê a atos nulos determinados efeitos como até mesmo faz no casamento anulável,
pois, como norma de adaptação da conduta do indivíduo à sociedade, a norma jurídica oferta
necessariamente um suporte fático para deflagrar a incidência dos efeitos jurídicos
pretendidos e não mera previsão de conseqüência.
Nos exemplos em foco não se admite que a anulação do provimento de
investidura na serventia alcance a nulidade de todos os atos praticados pelo servidor em razão
de sua competência – protege-se o administrado, o terceiro de boa-fé, aquele que não
integrava a relação administrativa viciosa.
O ato administrativo é ato jurídico e por si só, caso existente e ainda que
inválido, produz alteração no mundo jurídico e fático.
Sob o título O negócio jurídico como r egulamentação de conseqüências
jurídicas e como "situação de fato", ensinou Karl Larenz:
Os negócios jurídicos, como já se acentuou anteriormente, não são situações de
fato “neutrais” a respeito de suas conseqüências jurídicas, mas situações de fato a que é
inerente o sentido de visarem produzir essas conseqüências jurídicas. Não alcançam
significado jurídico só através da circunstância de poderem ser subsumidos à previsão duma
norma jurídica, mas possuem uma significação jurídica, em virtude do sentido do ato que
incorporam, independentemente de como devam ser apreciados com fundamento numa norma
jurídica.
José Cretella Junior também anotou que administrado de boa -fé que não tenha
concorrido para o ato ilegal, como qualquer outro atingido por efeitos do ato, investe-se no
direito subjetivo público de manutenção do ato, porque o dever da Administração é zelar para
que os atos administrativos penetrem no mundo jurídico integralmente perfeitos.
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A anulação ou ineficácia do ato administrativo, assim, soment e alcança a
relação de direito público entre o servidor e a Administração Pública, deixa intangíveis os
efeitos dos atos praticados no exercício da função com relação aos terceiros de boa -fé, porque
estes são estranhos àquela relação publicística e, nos ex emplos, integram a relação de direito
privado submetida ao crivo do notário ou do registrador e do oficiante do casamento:
Reconhecida e declarada a nulidade do ato, pela Administração ou pelo
Judiciário, o pronunciamento de invalidade opera ex tunc, des fazendo todos os vínculos entre
as partes e obrigando-as à reposição das coisas ao status quo ante, como conseqüência natural
e lógica da decisão anulatória. Essa regra, porém, é de ser atenuada e excepcionada para com
os terceiros de boa-fé alcançados pelos efeitos incidentes do ato anulado, uma vez que estão
amparados pela presunção de legitimidade que acompanha toda atividade da Administração
Pública. Mas, ainda aqui é necessário que se tomem os conceitos de parte de terceiro no
sentido próprio e específ ico do Direito Administrativo, isto é, de beneficiário direto ou
partícipe do ato (parte) e de estranho ao seu objeto e à sua formação, mas sujeito aos seus
efeitos reflexos (terceiro). Assim, por exemplo, quando anulada uma nomeação de
funcionário, deverá ele repor os vencimentos percebidos ilegalmente, mas permanecem
válidos os atos por ele praticados no desempenho de suas atribuições funcionais, porque os
destinatários de tais atos são terceiros em relação ao ato nulo.
Neste sentido, na preservação d o interesse de boa-fé em decorrência de ato da
Administração Pública, colhem -se os seguintes precedentes:
Acórdão: RESP 417478/PR; RESP 2002/0023690 -1
Fonte: DJ DATA:23/09/2002 PG:00255
Relator: Min. LUIZ FUX (1122)
Ementa: TRIBUTÁRIO. IMPOSTO DE IMPO RTAÇÃO. VEÍCULO USADO
IMPORTADO. APREENSÃO DE MERCADORIA ADQUIRIDA NO MERCADO
INTERNO. PENA DE PERDIMENTO. TERCEIRO DE BOA -FÉ. PRECEDENTES DESTA
CORTE.
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- A aquisição, no mercado interno, de mercadoria importada, mediante nota
fiscal, gera a presunção de b oa-fé do adquirente, cabendo ao Fisco a prova em contrário.
- A pena de perdimento não pode desconsiderar a boa -fé do adquirente,
máxime, quando o veículo fora adquirido, originariamente, em estabelecimento comercial
sujeito à fiscalização, desobrigando -se o comprador a investigar o ingresso da mercadoria no
País.
- Aplicar-se ao comprador a perda de perdimento da mercadoria, em razão de a
vendedora não ter comprovado o pagamento dos tributos devidos pela importação, revela
solução deveras drástica para q uem não importou e nem é responsável tributário, quiçá
inconstitucional, à luz da cláusula pétrea de que a sanção não deve passar à pessoa do infrator
(CF, art. 5º, XLV).
- Precedentes da 1ª Seção.
- Recurso desprovido.
Data da Decisão: 13/08/2002
Órgão Julgador: T1 - PRIMEIRA TURMA
Decisão: Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da
Primeira Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas
taquigráficas a seguir, por unanimidade, negar provimento ao recurso, nos termos do voto do
Sr. Ministro Relator. Os Srs. Ministros Garcia Vieira, Humberto Gomes de Barros e Francisco
Falcão votaram com o Sr. Ministro Relator. Ausente, ocasionalmente, o Sr. Ministro José
Delgado.
Outro exemplo já corrente de eficá cia de ato jurídico nulo é quando, em se
tratando de norma inconstitucional (e a inconstitucionalidade é a suprema invalidade pela
incompatibilidade da norma ou do ato em face da Lei Maior), é o poder que a Lei nº 8.968, de
10 de novembro de 1999, concedeu ao Supremo Tribunal Federal em seu art. 27:
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Ao declarar a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo, e tendo em vista
razões de segurança jurídica ou de excepcional interesse social, poderá o Supremo Tribunal
Federal, por maioria de dois terços de seus membros, restringir os efeitos daquela declaração
ou decidir que ela só tenha eficácia a partir de seu trânsito em julgado ou de outro momento
que venha a ser fixado.
Observe-se que a mencionada disposição legal afirma que, mesmo havendo
incompatibilidade do ato em exame com a Constituição, as razões de segurança jurídica ou de
excepcional interesse social (que devem ser verificadas em cada caso em julgamento)
autorizam que sejam diferidos os efeitos da declaração de inconstitucionalidade.
Conclui-se que os interessados nos atos praticados pela Administração Pública
somente poderão pretender a anulação ou ineficácia de tais atos com fundamento nos vícios
que invalidam os atos jurídicos em geral desde que se vejam preservados os interesses dos
terceiros de boa-fé.
E assim é pelo caráter ético que neste século XXI já se afirma não como
instância diversa da aplicação do Direito, mas como fonte e fato da legitimidade de sua
aplicação.
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