DEMANDAS FEMINISTAS E AÇÕES POLÍTICAS NO ESTADO DE

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XXX CONGRESO DE LA ASOCIACÍON LATINOAMERICANO DE SOCIOLOGÍA
(ALAS)
29 de noviembre al 4 de diciembre del 2015, San José – Costa Rica
DEMANDAS FEMINISTAS E AÇÕES POLÍTICAS NO ESTADO DE
BEM-ESTAR SOCIAL BRASILEIRO
Juliane Rocha Lara
[email protected]
Doutoranda no Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais da Universidade Federal de Juiz
de Fora (PPGCSO / UFJF) – Bolsista Capes
Trabajo preparado para su presentación en el XXX Congreso de la
Asociación Latinoamericana de Sociología (ALAS).
Costa Rica, 29 de noviembre al 4 de diciembre del 2015.
Juiz de Fora – Minas Gerais / Brasil
2015
DEMANDAS FEMINISTAS E AÇÕES POLÍTICAS NO ESTADO DE BEM-ESTAR SOCIAL BRASILEIRO
Mestra Juliane Rocha Lara – Brasil – Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais da Universidade Federal de Juiz de Fora.
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RESUMO
Na compreensão de muitos autores pode-se destacar o Welfare State como um fenômeno também
vivenciado em solo brasileiro. Tomando o conceito como efetivamente implantado no Brasil, em
meio ao conjunto de políticas que fazem parte do Estado de Bem-Estar Social, destaca-se aqui as
ações políticas voltadas para as mulheres, nas questões de desigualdade de gênero. Visto que na
Europa a corrente crítica feminista apontou o Welfare State como baseado em ideais tradicionais
de gênero e conduzido por homens, a proposta deste artigo é analisar a necessidade de diálogo
entre as políticas implantadas e a demanda feminista. Visto sua importância no cenário atual, a
Secretaria de Políticas para as Mulheres do Governo Federal brasileiro é alvo desta análise, de
forma que se pretende também verificar se há diálogo entre as políticas dessa secretaria com as
demais políticas que englobam o dito Estado de Bem-Estar Social no Brasil. Uma vez que, para
considerar um avanço do país nas questões de equidade de gênero, os ideais que servem de
alicerce para a construção e implantação das políticas em geral do Estado de Bem-Estar, devem
estar alinhados com as políticas voltadas para a mulher. Em termos metodológicos, este artigo
apresenta revisão bibliográfica e discussão teórica, levantamentos de perspectivas quanto à
construção de um Estado de Bem Estar no Brasil pautando-se nas políticas de igualdade de
gênero. Frente à discussão pretendida, o presente artigo tem como objetivos: uma breve
apresentação das perspectivas feministas e o pilar de gênero na construção desse Sistema de
Bem-Estar; apresentação das principais correntes teóricas do Welfare State e suas singularidades
no Brasil; discussão sobre a Secretaria de Políticas para as Mulheres como provedora de políticas,
e um case sobre empoderamento e políticas transversais. Por fim, serão apresentados
apontamentos dos possíveis avanços alcançados com as políticas de gênero no país, bem como os
que ainda devem ser perseguidos.
Palavras-chave: Feminismo, Estado de Bem-Estar Social, Bolsa-Família, Brasil.
DEMANDAS FEMINISTAS E AÇÕES POLÍTICAS NO ESTADO DE BEM-ESTAR SOCIAL BRASILEIRO
Mestra Juliane Rocha Lara – Brasil – Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais da Universidade Federal de Juiz de Fora.
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INTRODUÇÃO
Assumindo a existência de políticas de Bem-Estar Social no Brasil, ainda que se encontre
aqui um misto de modelos de Welfare State é possível lançar um olhar geral para o contexto
brasileiro e, ainda, analisar frente a qual modelo se encontra o conjunto de políticas específicas
para a questão de gênero. Além disso, compreender se tais políticas tem sido ou não um avanço
estrutural na questão da opressão do feminino no país é um exercício interessante, visto que a
demanda por melhorias, reconhecimento, espaço no mercado de trabalho e equidade continuam
sendo requisitadas e necessárias inclusive para o desenvolvimento do país.
Na Europa, no período pós-guerra, o que se produzia teoricamente a respeito sobre BemEstar mencionava pouco ou nada sobre a questão da mulher nas sociedades como um alvo de
políticas. Assim como a opressão feminina, o Welfare foi sendo baseado, em muitos países
europeus, em ideias tradicionais sobre homem e mulher dentro da concepção conservadora de
família. Além disso, a crítica feminista às políticas de Bem-Estar se deu em função de serem
homens a conduzir os programas de Welfare na Europa.
Quando se propõe verificar qual o estado da arte das políticas voltadas para as mulheres
no Brasil, se conservadoras ou se em diálogo com demandas feministas, não é pretensão manter
uma análise dicotômica da realidade, a busca por uma aproximação em um dos dois polos, por
assim dizer, é para verificar os avanços frente a um conjunto de ações que podem significar
manutenção/continuidade ou mudança no que se refere à mulher na sociedade brasileira.
E quando se fala em demandas feministas, não se trata de uma linha semelhante àquela na
Europa com críticas ao modelo de Welfare instalado, uma vez que o contexto histórico não é
mesmo. Além disso, cabe ressaltar que, ainda que não tenha sido de uma forma completamente
satisfatória, as mulheres têm conseguido conquistar seus espaços no mercado de trabalho, seus
direitos, etc, mas a busca pela equidade de gêneros ainda é uma agenda a ser perseguida.
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Mestra Juliane Rocha Lara – Brasil – Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais da Universidade Federal de Juiz de Fora.
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DESENVOLVIMENTO
a) As Perspectivas Feministas: Gênero, Identidade e Equidade
“Gênero” é um substantivo utilizado para agrupar por semelhança e, ao mesmo tempo,
estabelecer as diferenças entre os grupos. No que concerne a este tópico, o propósito é esclarecer
sobre o conceito de gênero quando aplicado às diferenças entre masculino e feminino
estabelecidas social e culturalmente. Estas diferenças passaram a ser reconhecidas como um
problema social no decorrer do século XX, quando as mulheres começaram a reivindicar direitos
iguais aos dos homens. Na década de 1940, Simone de Beauvoir (1967) deu mais fôlego às
discussões ao escrever “ninguém nasce mulher: torna-se mulher”, frase com a qual ela buscava
descartar qualquer determinação “natural” da conduta feminina.
Fez parte dos movimentos de luta da mulher pelo direito ao próprio corpo, pelo direito de
defesa em relação ao sexo forçado e ao estupro pelo próprio marido. Nesse momento, a luta por
igualdade se justificava especialmente na questão do voto, cujo objetivo era fazer valer a
proporção de 1 individuo, independente do sexo, para 1 voto. Essa bandeira, que parecia
absurdamente destrutiva para a ordem social na época, hoje parece óbvia e justa. O movimento
evoluiu, e na década de 1960, começou a luta pelo combate à discriminação e acesso ao mercado
de trabalho. Sem a possibilidade de trabalhar, era impossível sair da guarda de maridos violentos
e da opressão doméstica. A luta pela mudança da submissão feminina para uma participação mais
igualitária no mercado de trabalho marcou a agenda política no tema por mais duas décadas.
Começa a se questionar a ideia de que as mulheres só poderiam ter como plano de vida e carreira
o casamento e a criação de filhos.
O livro "Mística Feminina", de Betty Friedan (1971), criticava a ideia de que as mulheres
poderiam encontrar satisfação apenas através da criação dos filhos e das atividades do lar. Esse
livro foi considerado um dos mais influentes do século XX pela forma como revoluciona a
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relação entre os gêneros. Ela aponta a força da relação existente entre sexo feminino e a ideia de
que as mulheres precisariam necessariamente construir sua identidade na relação com maridos e
filhos. Isso negava às mulheres a possibilidade de construir uma identidade, a não ser com base
em uma relação de dependência e subordinação. Depois desses esforços iniciais, inúmeros
estudos sobre subjetividade, identidade e escolhas femininas foram e ainda são realizados.
Há uma diferença crucial entre mulheres e homens, por exemplo, corporalmente marcada
pelo processo de reprodução da vida, por isso é importante ressaltar a necessidade de equidade e
não somente de igualdade, uma vez que marcar as diferenças se torna importante para se alcançar
direitos “iguais”, respeitando as particularidades dos sexos.
Dessa forma, segundo Lewis (1998), a análise feminista recente acerca da política social
tem sublinhado o quão importante é a concepção de gênero (entendendo gênero como a
construção social da masculinidade e da feminilidade) como variável na análise de políticas e
estados de bem-estar social. Lewis apontou, ainda, que as primeiras análises feministas atacaram
justamente a construção de um Welfare State baseado na concepção tradicional de família e os
papéis dos homens e das mulheres.
Para Orloff e Palier (2009), estudar ideias feministas, bem como estudos de gênero é de
suma importância para a compreensão das transformações dos sistemas de bem-estar na
contemporaneidade, tanto pelas mudanças nas relações de gênero, como pelas mudanças de
ideias políticas influenciadas por feminismos, na academia e fora dela, implicando na alteração
de ações políticas.
b) Estado de Bem-Estar Social em Debate: correntes teóricas do Welfare
Segundo Flora e Heidenheimer (1981), pode-se compreender o Welfare State como uma
resposta aos problemas oriundos do desenvolvimento/modernização, onde suas políticas servem
para resolver ou amenizar os aspectos negativos que surgiram nas sociedades modernas. Dessa
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forma, o surgimento do capitalismo e a burocracia como uma forma de organização racional,
universalista e eficiente são motivadores de um dito Estado de Bem-Estar Social emergente.
Para Marshall (1967) o Welfare é um resultado de ampliação progressiva de direitos: dos
civis aos políticos, dos políticos aos sociais. Já para Ewald (1986), Welfare State seria o resultado
de um acordo entre capital e trabalho organizado, dentro do capitalismo. Para Offe (1972), o
Welfare seria uma tendência para compensar os novos problemas criados por estas sociedades
(capitalistas avançadas). Segundo essa visão exposta acima, a origem dos programas sociais é
explicada como uma resposta funcional à necessidade de constituição da classe operária,
condição essencial para o desenvolvimento do capitalismo.
Na controvérsia sobre o tema, Potyara Pereira (2008) aponta que muitos marxistas,
observam o Welfare como ações do Estado sob a forma de impedimento à revolta do
proletariado, buscando atender às demandas mais emergenciais. Porém, seguindo uma abordagem
mais pluralista, o Estado de Bem-Estar se desenvolveu justamente em função da ação política do
proletariado e dos pobres, como uma resposta inevitável frente às lutas dos menos favorecidos em
relação ao capital. Há ainda, segundo a autora, interpretações como a institucionalista, que
ressaltam que o Estado de Bem-Estar Social surge mais facilmente em contextos de democracias
ou lugares onde há organizações sindicais fortes. E seguindo uma linha interpretativa mais
intervencionista do Estado, o Welfare passou a existir para ampliar uma demanda já existente.
Esping-Andersen (1990) delimitou o debate sobre o tema, somente para países com
capitalismo avançado, segundo a proposta de modelos de bem-estar, nas "três economias políticas
do Welfare". A proposta de apresentar brevemente esses modelos é revelar o quanto deste debate
pode ser aproveitado no caso brasileiro, uma vez que diversas políticas se encaixam em
perspectivas distintas. As “variedades de estados de bem-estar” em um mesmo Estado se
justificam pelo fato de que as políticas vão se moldando às necessidades, aos governos e aos
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cenários de cada momento. Recorrendo também ao debate estabelecido por Titmuss (1974), o
Brasil, pode se encaixar no meio termo de algumas classificações do Welfare, uma vez que possui
políticas voltadas à meritocracia, e outras universalistas. É importante frisar que, em certa
medida, a maneira pela qual o país se instala na economia mundial, faz com que o tipo de modelo
de bem-estar seja afetado no próprio país.
No modelo liberal de Esping-Andersen (onde se encaixam Estados Unidos, Inglaterra e
Austrália) compreende-se que o auxílio estatal somente se justifica nos casos onde os cidadãos
não podem se sustentar no mercado de trabalho; os benefícios são poucos e de menor
“qualidade”.
O modelo conservador de Welfare State, associado à Alemanha, Itália, França, Espanha,
considera instituições específicas (famílias, classe, religião, governo) que demarcam ações como:
(1) a crença de que são as famílias que devem garantir o bem-estar, sendo que a concepção de
família também se apresenta conservadora, rígida, tradicional; (2) são poucos benefícios para a
mulher trabalhadora, de forma que políticas de equidade de gênero não são prioritárias; (3) os
benefícios são mais focados aos trabalhadores empregados e diferenciados de acordo com a
categoria profissional. É aceita aqui a necessidade de mudança, desde que seja de caráter gradual
e evolutivo, e ainda, que repouse sobre o consenso mais amplo possível.
Por fim, o modelo Social Democrata, associado pelo autor aos países nórdicos, entende
os benefícios como uma substituição da família e do mercado, o Estado como elemento de um
processo de ampla “desmercadorização”, sendo esses benefícios universalistas e financiados por
impostos pagos pela sociedade. No caso brasileiro, a política do Sistema Único de Saúde (SUS) é
um exemplo de política universalista, ainda que com características muito particulares.
Nesse pequeno esboço, refletindo sobre o caso brasileiro, percebe-se que não há um
princípio único que rege a orientação das políticas sobre um dito Estado de Bem-Estar. Isso não
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significa que aqui este formato da organização de políticas não se sustente, nem que aqui existam
somente medidas necessárias em cada momento ou mesmo oportunistas.
É neste sentido que Draibe (1993) defende a ideia de que o Brasil desenvolveu um tipo
particular de Estado de Bem-Estar Social, ou Sistema de Bem-Estar Social, como se prefere
denominar, composto das seguintes fases: (1) 1930/1964 – Introdução e Expansão Fragmentada;
(2) 1964/1985 – Consolidação Institucional e Reestruturação Conservadora; (3) 1985/1988 –
Reestruturação Progressista e não estável; (4) Pós 1988 – Definição do novo perfil, a partir da
definição da nova Constituição. Seguindo essa linha, para Kerstenetzky (2012), o Estado de BemEstar Social no Brasil pode ser compreendido como um “misto” de modelos pré-definidos
(podendo ser universalista, institucionalizado e estatizado).
Há um processo de construção de um Sistema Brasileiro de Proteção Social, porém a
diferença crucial para o sistema montado na Europa é a alta desigualdade e a necessidade de levar
cidadania aos rincões do país. Nos países de social-democracia na Europa no período da
constituição dos modelos de bem-estar, o pleno emprego foi sempre a base política e material dos
direitos sociais universais e a pobreza nunca foi um problema estrutural.
Políticas sociais voltadas para o gênero podem ser criticadas, particularmente à esquerda,
como políticas focalizadas, afirmando a não necessidade em realizar políticas somente para um
grupo na sociedade. Porém, a necessidade das políticas voltadas para as mulheres, foco do
presente trabalho, se dá justamente pela correção das lacunas deixadas por políticas universalistas
insuficientes. A aplicação de políticas como as de gênero, visa promover mais equilíbrio em uma
situação antes favorável somente a certos grupos, promovendo justiça e equidade entre homens e
mulheres na sociedade.
c) A Secretaria de Políticas Para as Mulheres
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No Brasil, desde 2003, a questão de políticas voltadas para as mulheres como uma
questão de Estado, ficou evidenciada na criação da Secretaria de Políticas para as Mulheres da
Presidência da República (SPM-PR), que reflete a pressão de movimentos feministas articulados
e a importância de se tratar do pilar de gênero dentro dos parâmetros da construção de um
Sistema de Bem-Estar, construindo políticas de promoção da igualdade entre homens e mulheres,
além de combater todas as formas de preconceito e discriminação herdadas da formação da
sociedade brasileira, patriarcal e excludente. A SPM se desdobra em três linhas de ação,
conforme é apresentado em seu site oficial: 1) Políticas do Trabalho e da Autonomia Econômica
das Mulheres; 2) Enfrentamento à Violência contra as Mulheres; 3) Programas e Ações nas áreas
de Saúde, Educação, Cultura, Participação Política, Igualdade de Gênero e Diversidade. Hoje, a
SPM tem como Ministra Eleonora Menicucci, figura emblemática, no sentido em que ela
representa um grupo na luta por causas feministas, tanto na militância quanto na vida acadêmica.
A luta da SPM é pela valorização da mulher e sua inclusão no processo de
desenvolvimento social, econômico, político e cultural do Brasil. Nos três níveis de governo há
uma inserção da questão de gênero em suas políticas, e hoje, há também uma mobilização da
sociedade civil na busca por direito iguais, ou equânimes, entre homens e mulheres, mas para que
isso se tornasse possível, foi e ainda é necessário um empenho da SPM em um processo contínuo
de cooperação entre os demais Ministérios, sociedade civil e comunidade internacional. Essa
cooperação revela uma busca por: atingir os pontos referentes às mulheres nas Metas do Milênio,
definidas pela ONU; alcançar melhor indicadores no que tange a desigualdade de gêneros;
atender as demandas de grupos organizados da sociedade na luta por igualdade.
d) Empoderamento Feminino: Bolsa-Família como um case de políticas transversais
A condição salarial inferior da mulher no mercado de trabalho, apresentada anteriormente,
advém e é retroalimentada por valores patriarcais e conservadores disseminados, que reforçam a
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submissão feminina aos homens e um enquadramento de tarefas ligadas às “características
femininas”. É neste sentido que emerge a noção de empoderamento que, associado à questão de
gênero, concebe não somente a emancipação feminina por meio da superação da dependência
financeira, mas também, e através desta primeira superação, garante que as mulheres ultrapassem
a manutenção dos privilégios de gênero e a dominação tradicional masculina. A partir da
concepção do conceito de empoderamento, duas correntes são destacadas: (1) uma que entende
que empoderamento não pode ser fornecido e/ou realizado para as pessoas, mas sim realizado por
meio de processos onde pessoas ou grupos são os próprios agentes de empowerment, como
entende Friedmann (1996); e outra (2) que se refere às ações, de cunho assistencial, destinadas a
promover a integração/emancipação de pessoas excluídas e que necessitam de bens e serviços
elementares à sobrevivência, segundo Gohn (2004). Aqui se entende a importância de se mesclar
as duas concepções do conceito, a fim de se alcançar a igualdade entre os gêneros, umas vez que
dificilmente há condições “espontâneas” de empoderamento feminino, visto a lógica paternalista
de nossa sociedade.
Um exemplo de empoderamento feminino observável e que pode ser destacado é o caso
do programa Bolsa Família no Brasil. O programa é tratado aqui também como um case de
políticas transversais. Ainda que não seja um consenso, é válido destacar alguns pontos do
programa. Para a Organização Internacional do Trabalho (OIT), segundo o relatório Global
Employment Trends for Women, tanto o Bolsa Família quanto o Progresso / Oportunidades, do
México, reforçam as divisões de gênero, uma vez que no geral, as mães recebem diretamente as
transferências de renda do governo para melhorar o bem-estar no nível doméstico, mas, ao
mesmo tempo, há um reforço na divisão de gênero convencional de pagamento e trabalho não
remunerado, segundo International Labour Organization, (2012).
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Porém, há outra perspectiva com relação ao Programa que, implantado já há dez anos no
Brasil, teve como resultado inesperado o empoderamento feminino, mais especificamente em
regiões mais pobres do país com maior propensão à dominação masculina e características das
sociedades patriarcais mais incrustadas. O Programa Bolsa Família reduziu a desigualdade de
renda no Brasil entre 15% a 20%, e também reduziu as discrepâncias entre as regiões brasileiras.
A política liberal de transferência de renda tem conseguido resultados e avanços no campo da
redução da desigualdade, que outras políticas sociais ainda não tiveram.
Pinzani e Rêgo (2013) apresentaram dados sobre o impacto do programa no sertão
brasileiro. Quanto ao empoderamento feminino, com a posse do cartão que dá direito ao
benefício, as mulheres passaram a ter direito de escolha, tanto na lista do supermercado quanto no
divórcio, o que muitas vezes desejavam e era de realização muito difícil dada a dominação
financeira e simbólica. Estas mulheres descobriram que poderiam desejar mais, ir além do que
foram ensinadas a acreditar. O benefício, mesmo com um valor baixo, se mostra muito
importante para essas populações extremamente pobres, mas o maior ganho com essa política foi
o efeito simbólico, a “revolução” feminina silenciosa que vem ocorrendo nos rincões, onde a
mulher passou a ser, em alguma medida, dona de si e detentora das decisões que interferem no
seu dia-a-dia e de seus filhos. Ainda que este tenha sido um efeito inesperado, é importante
destacar esse empoderamento, uma vez que pode representar uma referência na construção de
políticas sociais de gênero: empoderar as mulheres na sociedade, significa também, dotá-las de
poder e igualdade. Se o Programa Bolsa Família tivesse seu cartão de benefícios na posse dos
homens e não das mulheres, haveria um reforço adicional na condição paternalista e
conservadora da sociedade. O que se espera é que as políticas sociais que compõem o Sistema de
Proteção Social sejam coerentes entre si, ou seja, se existem políticas voltadas para as mulheres,
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há uma necessidade de que as demais políticas, ainda que indiretamente, corroborem para o
mesmo objetivo de igualdade/equidade da mulher na sociedade.
CONCLUSÕES
A construção de um Estado de Bem-Estar Social requer empenho e articulação dos
governos, as políticas que o constituem precisam dialogar entre si, de tal forma que não se
anulem ou contradigam, e no que tange a discussão de políticas de gênero mais ainda, pois não
basta criar políticas e mecanismos capazes de orientar uma mudança na desigualdade de gênero,
se as demais políticas que compõem o Welfare são contrárias a essa questão. O que se pôde
evidenciar neste artigo é que existe um movimento do governo pró-eliminação de desigualdades,
mais especificamente, de gênero, movimento esse que desembocou na criação da SPM, por
pressão dos movimentos feministas e suas demandas, e vem construindo políticas que atinjam o
objetivo de garantir equidade de gênero e eliminação dessa desigualdade ainda existente no país.
A articulação com os demais Ministérios que compõem o Governo foi percebida como essencial
para não só a implantação das políticas, mas também para a efetividade e eficiência das mesmas,
que articuladas conseguem reduzir os “gaps” que as políticas de gênero isoladas podem produzir.
Foi possível verificar que há um diálogo com as demandas feministas, não só pela figura
da Ministra, mas também pelos propósitos que orientam as políticas de gênero no Brasil, havendo
um empenho do governo em garantir essa mudança, que corresponderá à emancipação da mulher
no sentido mais amplo. Sendo assim, há avanços das políticas de gênero dentro do escopo do
Welfare State no Brasil e há um caminho a ser percorrido continuamente, para o aprimoramento e
a continuidade dessas políticas, que garantem espaços para as mulheres na sociedade, com
equidade para respeitar as diferenças e igualdade para atender as semelhanças, e também um
ambiente democrático com a participação de todos e todas, sem essa distinção de sexos
irrelevante para uma sociedade avançada.
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Mestra Juliane Rocha Lara – Brasil – Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais da Universidade Federal de Juiz de Fora.
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