Imitar os efeitos da cafeína no cérebro para combater e tratar a

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Imitar os efeitos da cafeína no
cérebro para combater e tratar a
depressão
ANA GERSCHENFELD
09/06/2015 - 08:30
Descoberta liderada por cientista português abre o caminho a futuros
tratamentos de sintomas psiquiátricos induzidos pelo stress crónico,
um dos principais "gatilhos" da depressão e das perturbações do
humor.
A cafeína surte um efeito protector contra a depressão e a perda de memória em caso de
stress crónico PAULO AMARAL/UNIVERSIDADE DE COIMBRA
O facto de ser constantemente submetido(a) a situações altamente
stressantes pode desencadear sérias perturbações mentais, tais como
depressão ou perda de memória. Agora, pela primeira vez, uma equipa
internacional de cientistas, liderada por Rodrigo Cunha, da Universidade
de Coimbra (UC), descobriu um mecanismo molecular que poderá
explicar por que é que o stress crónico provoca uma deterioração do
humor. Os seus resultados foram publicados na segunda-feira na revista
Proceedings of the National Academy of Sciences (PNAS).
A explicação prende-se com… o consumo de cafeína. Como escrevem
estes cientistas na PNAS, estudos anteriores realizados em grandes
grupos de pessoas já tinham concluído que, em situações de stress
repetitivo – um dos principais "gatilhos" da depressão –, as pessoas
aumentam o seu consumo de cafeína, o que tem por efeito uma redução
da incidência dos estados depressivos.
Mas até aqui, ninguém sabia explicar este efeito protector da cafeína
sobre o estado mental – efeito que se verifica não apenas nos seres
humanos, mas também em animais como o ratinho. Numa primeira fase,
os cientistas estudaram
(http://www.pnas.org/cgi/doi/10.1073/pnas.1423088112) portanto, no
ratinho, os efeitos do consumo de cafeína.
Para isso, explica a UC em comunicado, submeteram dois grupos de
ratinhos, durante três semanas, a situações ditas de “stress crónico
imprevisível”, ou seja a situações negativas sucessivas e por vezes
extremas (tal como privação de água ou exposição a baixas
temperaturas). Um dos grupos de animais recebeu, ao mesmo tempo,
doses diárias de cafeína equivalentes a quatro a cinco chávenas de café
para um ser humano.
«Apesar de todas as situações negativas a que foram sujeitos, [os ratinhos
que consumiram cafeína] apresentavam menos sintomas do que os do
outro grupo, que registou as cinco alterações comportamentais típicas da
depressão: imobilidade, ansiedade, perda de prazer, menos interacções
sociais e deterioração da memória”, explica Rodrigo Cunha, citado no
mesmo documento. Em particular, os cientistas constataram que a cafeína
impedia certas alterações, provocadas pelo stress, ao nível da
comunicação entre os neurónios.
A segunda fase da experiência consistiu em identificar o mecanismo
molecular responsável por este efeito protector. Mais precisamente, os
cientistas analisaram o que acontecia ao nível dos chamados "receptores
A2A da adenosina", presentes à superfície dos neurónios e que se sabe
serem alvos da cafeína no cérebro.
Estes receptores, que regulam a libertação de certos neurotransmissores,
são considerados como um potencial alvo terapêutico no caso da
depressão, da toxicodependência e da doença de Parkinson. E justamente,
um estudo realizado nos EUA em doentes com Parkinson já mostrara que
um composto capaz de bloquear esses receptores A2A, a istradefilina,
produzia melhorias significativas do estado mental dos doentes.
Esta não era a única pista, referiu ao PÚBLICO Rodrigo Cunha: “A minha
colega e amiga Luísa Lopes (do Instituto de Medicina Molecular em
Lisboa) já tinha mostrado que, no rato, o bloqueio [desses] receptores
confere um benefício terapêutico face à deterioração cognitiva resultante
de uma separação maternal durante a infância.”
De facto, quando a equipa administrou istradefilina a ratinhos deprimidos,
em apenas três semanas “o fármaco foi capaz de reverter os efeitos
provocados pela exposição inicial ao stress crónico imprevisível e os
animais [tornaram-se] semelhantes aos ratinhos saudáveis”, frisa Rodrigo
Cunha. Ou seja, não só a cafeína tinha um efeito preventivo contra a
depressão, mas o bloqueio selectivo dos receptores A2A pelo fármaco
permitiu cancelar os sintomas depressivos já manifestos.
“[Tanto quanto sei], este é o primeiro estudo que avalia o efeito do
consumo regular de cafeína em modificações de humor causadas por
stress crónico”, disse-nos ainda Rodrigo Cunha. “Julgo também ser este o
primeiro estudo a apresentar [provas] experimentais de que o bloqueio
parcial dos receptores A2A para a adenosina é o provável mecanismo de
acção da cafeína na prevenção da deterioração do humor resultante da
exposição ao stress crónico. Finalmente, é a primeira demonstração
causal de que o bloqueio de receptores A2A para a adenosina confere um
benefício terapêutico em animais com modificações do humor.”
“Os anti-depressivos disponíveis têm uma eficiência limitada e
representam um custo sócio-económico significativo”, diz-nos ainda o
cientista. Por isso, os bloqueadores de receptores A2A para a adenosina
"poderão representar uma nova oportunidade terapêutica.” E embora
ainda seja necessário realizar ensaios clínicos com o fármaco em questão,
“a transposição para a prática clínica pode ser bastante rápida (…) porque
estamos perante um fármaco seguro, já utilizado nos EUA e no Japão para
o tratamento da doença de Parkinson”.
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