Imitar os efeitos da cafeína no cérebro para combater e tratar a

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ID: 59640075
09-06-2015
Tiragem: 33425
Pág: 31
País: Portugal
Cores: Cor
Period.: Diária
Área: 25,70 x 30,48 cm²
Âmbito: Informação Geral
Corte: 1 de 2
Imitar os efeitos da cafeína no cérebro
para combater e tratar a depressão
Descoberta liderada por cientista português abre o caminho a futuros tratamentos de sintomas psiquiátricos
induzidos pelo stress crónico, um dos principais “gatilhos” da depressão e das perturbações do humor
PAULO AMARAL/UNIVERSIDADE DE COIMBRA
Saúde
Ana Gerschenfeld
O facto de ser constantemente
submetido(a) a situações altamente stressantes pode desencadear
sérias perturbações mentais, tais
como depressão ou perda de memória. Agora, pela primeira vez,
uma equipa internacional de cientistas, liderada por Rodrigo Cunha,
da Universidade de Coimbra (UC),
descobriu um mecanismo molecular
que poderá explicar por que é que o
stress crónico provoca uma deterioração do humor. Os seus resultados
foram publicados ontem na revista
Proceedings of the National Academy
of Sciences (PNAS).
A explicação prende-se com... o
consumo de cafeína. Como escrevem
estes cientistas na PNAS, estudos anteriores realizados em grandes grupos de pessoas já tinham concluído
que, em situações de stress repetitivo — um dos principais “gatilhos” da
depressão —, as pessoas aumentam o
seu consumo de cafeína, o que tem
por efeito uma redução da incidência
dos estados depressivos.
Mas, até aqui, ninguém sabia explicar este efeito protector da cafeína sobre o estado mental — efeito
que se verifica não apenas nos seres
humanos, mas também em animais
como o ratinho. Numa primeira fase,
os cientistas estudaram, portanto,
no ratinho, os efeitos do consumo
de cafeína.
Para isso, explica a UC em comunicado, submeteram dois grupos de
ratinhos, durante três semanas, a situações ditas de “stress crónico imprevisível”, ou seja, a situações negativas sucessivas e por vezes extremas
(tais como privação de água ou exposição a baixas temperaturas). Um
dos grupos de animais recebeu, ao
mesmo tempo, doses diárias de cafeína equivalentes a quatro a cinco chávenas de café para um ser humano.
“Apesar de todas as situações
negativas a que foram sujeitos, [os
ratinhos que consumiram cafeína]
apresentavam menos sintomas do
que os do outro grupo, que registou
as cinco alterações comportamentais
típicas da depressão: imobilidade,
ansiedade, perda de prazer, menos
interacções sociais e deterioração da
memória”, explica Rodrigo Cunha,
citado no mesmo documento. Em
A cafeína surte um efeito protector contra a depressão e a perda de memória em caso de stress crónico
particular, os cientistas constataram que a cafeína impedia certas
alterações, provocadas pelo stress,
ao nível da comunicação entre os
neurónios.
A segunda fase da experiência consistiu em identificar o mecanismo
molecular responsável por este efeito protector. Mais precisamente, os
cientistas analisaram o que acontecia
ao nível dos chamados “receptores
A2A da adenosina”, presentes à superfície dos neurónios e que se sabe
serem alvos da cafeína no cérebro.
Estes receptores, que regulam a
libertação de certos neurotransmissores, são considerados como um potencial alvo terapêutico no caso da
depressão, da toxicodependência e
da doença de Parkinson. E, justamente, um estudo realizado nos EUA em
doentes com Parkinson já mostrara
que um composto capaz de bloquear
esses receptores A2A, a istradefilina,
produzia melhorias significativas no
estado mental dos doentes.
Esta não era a única pista, declarou ao PÚBLICO Rodrigo Cunha: “A
minha colega e amiga Luísa Lopes
(do Instituto de Medicina Molecular
em Lisboa) já tinha mostrado que, no
rato, o bloqueio [desses] receptores
confere um benefício terapêutico face à deterioração cognitiva resultante
de uma separação maternal durante
a infância.”
De facto, quando a equipa administrou istradefilina a ratinhos deprimidos, em apenas três semanas “o
fármaco foi capaz de reverter os efeitos provocados pela exposição inicial
ao stress crónico imprevisível e os
animais [tornaram-se] semelhantes
aos ratinhos saudáveis”, frisa Rodrigo Cunha. Ou seja, não só a cafeína
tinha um efeito preventivo contra a
depressão, mas também o bloqueio
selectivo dos receptores A2A pelo fármaco permitiu cancelar os sintomas
depressivos já manifestos.
“[Tanto quanto sei], este é o primeiro estudo que avalia o efeito do
consumo regular de cafeína em modificações de humor causadas por
stress crónico”, disse-nos ainda Rodrigo Cunha. “Julgo também ser este
o primeiro estudo a apresentar [provas] experimentais de que o bloqueio
parcial dos receptores A2A para a
adenosina é o provável mecanismo
de acção da cafeína na prevenção da
deterioração do humor resultante da
exposição ao stress crónico. Finalmente, é a primeira demonstração
causal de que o bloqueio de receptores A2A para a adenosina confere
um benefício terapêutico em animais
com modificações do humor.”
“Os antidepressivos disponíveis
têm uma eficiência limitada e representam um custo socioeconómico significativo”, diz-nos ainda o
cientista. Por isso, os bloqueadores
de receptores A2A para a adenosina “poderão representar uma nova
oportunidade terapêutica.” E embora ainda seja necessário realizar
ensaios clínicos com o fármaco em
questão, “a transposição para a prática clínica pode ser bastante rápida
(...) porque estamos perante um fármaco seguro, já utilizado nos EUA e
no Japão para o tratamento da doença de Parkinson”.
ID: 59640075
09-06-2015
Tiragem: 33425
Pág: 48
País: Portugal
Cores: Preto e Branco
Period.: Diária
Área: 5,03 x 3,72 cm²
Âmbito: Informação Geral
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Imitar efeitos da
cafeína no cérebro
contra a depressão
Descoberta abre caminho
a terapias de sintomas com
origem no stress crónico p31
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