TESTES DE TRIAGEM NEONATAL O termo triagem, que se origina do vocábulo francês triage, significa seleção, separação de um grupo, e define, em Saúde Pública, a ação primária dos programas de Triagem, ou seja, a detecção – através de testes aplicados numa população – de um grupo de indivíduos com probabilidade elevada de apresentarem determinadas patologias. Desde a década de 60, a Organização Mundial da Saúde (OMS) preconiza a importância da realização dos programas populacionais de Triagem Neonatal, especialmente nos países em desenvolvimento, além de criar critérios para a realização dos mesmos. No Brasil, desde 2001 foi implementado o Programa Nacional de Triagem Neonatal. Para que um defeito metabólico seja considerado importante para um procedimento de triagem, certos critérios devem ser observados, como orientado por documento da OMS: • não apresentar características clínicas precoces • permitir a realização de um teste de identificação com especificidade e sensibilidade altas • ser um programa economicamente viável • estar associado a uma doença cujos sintomas clínicos possam ser reduzidos ou eliminados através de tratamento • ter estabelecido um programa de acompanhamento clínico com disponibilização dos quesitos mínimos necessários ao sucesso do tratamento TESTE DO PEZINHO Inicialmente, foi implementado o Teste do Pezinho. Trata-se de ação preventiva que visa facilitar o diagnóstico precoce de certas doenças, reduzindo ou eliminando o risco de sequelas associadas ao atraso no reconhecimento e tratamento dessas condições. Toda criança nascida em território nacional tem o direito à triagem neonatal (Teste do Pezinho). Mas, para que este alcance o seu objetivo primordial de detectar algumas doenças que podem causar seqüelas graves ao desenvolvimento e crescimento, o teste deve ser feito no momento e da forma adequados. O momento para a coleta, preferencialmente, não deve ser inferior a 48 horas de alimentação protéica (amamentação) e nunca superior a 30 dias, sendo o ideal entre o 3º e o 5º dia de vida. As gestantes devem ser orientadas, ao final de sua gestação, sobre a importância do teste do pezinho e procurar um posto de coleta ou um laboratório indicado pelo pediatra dentro deste prazo. Os diferentes estados brasileiros encontram-se em distintas fases de implantação. Quanto maior a fase, maior o número de doenças triadas. Fase I:Hipotireoidismo congênito e fenilcetonúria; Fase II:Hipotireoidismo congênito, fenilcetonúria e hemoglobinopatias; Fase III:Hipotireoidismo congênito, fenilcetonúria, hemoglobinopatias e fibrose cística. Fase IV: Hipotireoidismo congênito, fenilcetonúria, hemoglobinopatias, fibrose cística e hiperplasia adrenal congênita Os laboratórios privados realizam testes para outras doenças, cabendo ao pediatra selecionar as que são de interesse. Nos casos com resultados de triagem alterados, o laboratório central deve acionar o posto de coleta para que entre em contato com a família e trazer a criança para a realização de exames confirmatórios. Esse processo precisa ser ágil e eficaz para que a terapêutica precoce adequada possa ser instituída. Importante: o Teste do Pezinho é apenas um teste de triagem. Um resultado alterado não implica em diagnóstico definitivo de qualquer uma das doenças, necessitando, de exames confirmatórios. Fenilcetonúria Doença genética em que a criança não é capaz de metabolizar o aminoácido fenilalanina existente em todas as formas de proteína da nossa alimentação (carne, leite, ovos, etc.). Com isso, a fenilalanina se acumula no sangue e em todos os tecidos. Este excesso provoca lesões graves e irreversíveis no sistema nervoso central (inclusive o retardo mental) e o seu tratamento precoce pode prevenir estas seqüelas. O tratamento consiste em uma dieta pobre em fenilalanina. Hipotireoidismo congênito Distúrbio causado pela produção deficiente de hormônios da tireóide, geralmente devido a um defeito na formação da glândula, ou a um problema bioquímico que ocorre na síntese dos hormônios tireoidianos. Os hormônios tireoidianos são fundamentais para o adequado desenvolvimento do sistema nervoso. A sua deficiência pode provocar lesão grave e irreversível, levando ao retardo mental grave. Se instituído bem cedo, o tratamento é eficaz e pode evitar estas seqüelas. Deve ser tratado através da administração oral de levotiroxina. Anemia falciforme e outras hemoglobinopatias Alterações estruturais na hemoglobina que prejudicam o transporte de oxigênio através das artérias e veias. Isso pode levar à oxigenação deficiente do organismo. Em geral, são classificadas em dois grupos: doença falciforme e talassemias. As principais complicações clínicas da anemia falciforme são tratadas com as seguintes medidas profiláticas: antibióticos, suplementação de ácido fólico, nutrientes e rastreio de complicações. Os pacientes talassêmicos podem ser tratados através de um regime de transfusões, terapia quelante intensiva e esplenectomia, na tentativa de reduzir as necessidades de transfusão. Hiperplasia adrenal congênita As glândulas adrenais produzem diversos hormônios essenciais para o organismo. Para isso, elas dependem de enzimas específicas. Quando uma destas enzimas está ausente, ocorre um desbalanço na produção dos hormônios levando a insuficiência adrenal e hiperandrogenismo. A enzima que mais freqüentemente é deficiente é a 21-hidroxilase. Quando isso acontece, o cortisol é o hormônio que se torna deficiente e os hormônios andrógenos (masculinizantes) aumentam seus níveis. Em meninas, isso pode levar ao aparecimento de caracteres sexuais masculinos (pêlos, aumento do clitóris) e, em ambos os sexos, podendo levar ou não a uma perda acentuada de sal e ao óbito. O tratamento com corticóides pode reverter estes quadros, quando instituído precocemente. No caso da perda de sal, o tratamento requer a administração de hormônios mineralocorticóides com a máxima urgência. A suplementação de cortisona provoca a diminuição da síntese de hormônios androgênicos, relacionados à virilização. Medidas cirúrgicas auxiliam a recompor o aspecto anatômico da genitália nas meninas afetadas. Na forma perdedora de sal, a administração de mineralocorticóides deve ser continuamente monitorizada. O tratamento deve ser feito por toda a vida. Fibrose cística É uma doença genética, também conhecida como mucoviscidose, que causa mau funcionamento do transporte de cloro e sódio nas membranas celulares. Esta alteração faz com que se produza um muco espesso nos brônquios e nos pulmões, facilitando infecções de repetição e causando problemas respiratórios e digestivos, entre outros. Outra manifestação é o bloqueio dos ductos pancreáticos, causando problemas no sistema digestivo. Apesar de ainda não ter cura, diversas medidas terapêuticas têm melhorado a qualidade de vida e a sobrevida dos pacientes afetados. TESTE DA ORELHINHA Tecnicamente chamado de teste de emissão otoacústica, foi implementado em 2010. Sua função é detectar deficiência auditiva. É feito com equipamento especial que emite sons e verifica a resposta dos ouvidos ao estímulo. É um teste indolor, com duração de três a cinco minutos, que algumas vezes tem que ser repetido ou complementado. É realizado por um fonoaudiólogo e se o exame for normal assegura a mãe que o bebê não apresenta deficiência auditiva ao nascer e não por toda a vida. Não é fornecido pelo governo em todos os estados brasileiros. Pode ser realizado logo no segundo dia de nascimento, e de preferência ainda no primeiro mês de vida. Caso seja confirmado um problema permanente de surdez, não espere. A criança precisa começar tratamento especializado imediatamente ou, no máximo, até os três meses de vida. A reabilitação inclui aparelho auditivo, terapia fonoaudiológica e, a depender da decisão familiar, o aprendizado da língua brasileira de sinais (Libras). Já existe, inclusive, a indicação de cirurgia em alguns casos: o implante coclear, que já é realizado pelo SUS e tem cobertura obrigatória dos planos de saúde. TESTE DO OLHINHO É a verificação da coloração naturalmente vermelha do fundo do olho do recém-nascido. É um teste rápido que pode ser realizado pelo pediatra na própria maternidade. Por vezes há necessidade que seja repetido por um especialista em caso de exame duvidoso. A criança não nasce sabendo enxergar, ela vai aprender assim como aprenderá a sorrir, falar, engatinhar e andar. Para isso, as estruturas do olho precisam estar normais, principalmente as que são transparentes. O “Teste do Olhinho” pode detectar qualquer alteração que cause obstrução no eixo visual, como catarata, glaucoma congênito e outros problemas cuja identificação precoce possibilita o tratamento no tempo certo e o desenvolvimento normal da visão. Ele deve ser feito nas primeiras 24 horas de vida do bebê e se trata de uma luz direcionada ao olho da criança a uma distância de 20 centímetros, que deve refletir um tom vermelho semelhante ao observado em fotografias com flash. Caso a cor seja opaca, branca ou amarelada, significa que o recém-nascido possui alguma patologia e que deve ser tratada. TESTE DO CORAÇÃOZINHO Através de um equipamento especial, o oxímetro de pulso, de forma indolor é estimada a concentração de oxigênio no sangue, dessa forma sendo capaz de detectar problemas cardíacos congênitos complexos que desde o nascimento afetam a concentração sanguínea de oxigênio. Deve-se realizar a aferição da oximetria de pulso, em todo recém-nascido aparentemente saudável com idade gestacional > 34 semanas, antes da alta da Unidade Neonatal. Local de aferição: membro superior direito e em um dos membros inferiores. Para a adequada aferição, é necessário que o recémnascido esteja com as extremidades aquecidas e o monitor evidencie uma onda de traçado homogêneo. Momento da aferição: Entre 24 e 48 horas de vida, antes da alta hospitalar. Resultado normal: Saturação periférica maior ou igual a 95% em ambas as medidas (membro superior direito e membro inferior) e diferença menor que 3% entre as medidas do membro superior direito e membro inferior. Resultado anormal: Caso qualquer medida da SpO2 seja menor que 95% ou houver uma diferença igual ou maior que 3% entre as medidas do membro superior direito e membro inferior, uma nova aferição deverá ser realizada após 1 hora. Caso o resultado se confirme, um ecocardiograma deverá ser realizado dentro das 24 horas seguintes. De acordo com dados da Sociedade Brasileira de Pediatria, cerca de 10 em cada mil nascidos podem apresentar alguma malformação congênita e, entre esses, dois podem ter cardiopatias graves e precisar de intervenção médica urgente. Cerca de 30% desses pacientes recebem alta sem diagnóstico. TESTE DA LINGUINHA É eficaz, rápido e não dói. Língua presa é uma alteração comum, mas muitas vezes ignorada. Ela está presente desde o nascimento, e ocorre quando uma pequena porção de tecido, que deveria ter desaparecido durante o desenvolvimento do bebê na gravidez, permanece na parte de baixo da língua, limitando seus movimentos. O teste da linguinha é um exame padronizado que possibilita diagnosticar e indicar o tratamento precoce das limitações dos movimentos da língua causadas pela língua presa que podem comprometer as funções exercidas pela língua: sugar, engolir, mastigar e falar. O teste da linguinha deve ser realizado por um profissional da área da saúde qualificado, como por exemplo, o fonoaudiólogo. Ele deve elevar a língua do bebê para verificar se a língua está presa, e também observar o bebê chorando e sugando. O exame não tem contraindicações. Recomenda-se que a avaliação do frênulo da língua seja inicialmente realizada na maternidade. Daniel Luis S. Gilban Comitê de Pediatria Ambulatorial da SOPERJ