monografia versao final corrigida

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA
CENTRO SÓCIO ECONÔMICO
DEPARTAMENTO DE CIÊNCIAS ECONÔMICAS E RELAÇÕES INTERNACIONAIS
GRADUAÇÃO EM RELAÇÕES INTERNACIONAIS
JULIA DAMBRÓS
A RESTRIÇÃO DA AUTONOMIA BRASILEIRA PERANTE A NECESSIDADE DE
CAPITAL EXTERNO: UMA ANÁLISE A PARTIR DO PLANO REAL
Florianópolis, 2013
JULIA DAMBRÓS
A RESTRIÇÃO DA AUTONOMIA BRASILEIRA PERANTE A NECESSIDADE DE
CAPITAL EXTERNO: UMA ANÁLISE A PARTIR DO PLANO REAL
Monografia submetida ao curso de Relações
Internacionais da Universidade Federal de Santa
Catarina, como requisito obrigatório para a obtenção
do grau de Bacharelado.
Orientadora: Profª. Drª. Patrícia Fonseca Ferreira Arienti
______________________________
FLORIANÓPOLIS, 2013
UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA
CURSO DE GRADUAÇÃO EM RELAÇÕES INTERNACIONAIS
A Banca Examinadora resolveu atribuir a nota 10 à aluna Julia
Dambrós na disciplina CNM 7280 – Monografia pela apresentação do
trabalho
A
RESTRIÇÃO
DA
AUTONOMIA
BRASILEIRA
PERANTE A NECESSIDADE DE CAPITAL EXTERNO: UMA
ANÁLISE A PARTIR DO PLANO REAL.
Banca Examinadora:
___________________________
Profª. Drª. Patricia Fonseca Ferreira Arienti
___________________________
Prof. Dr. Helton Ricardo Ouriques
___________________________
Prof. Dr. Jaime César Coelho
FLORIANÓPOLIS, 18 de novembro de 2013.
Dedico este trabalho ao estudo das Relações Internacionais e da Economia Política
Internacional.
AGRADECIMENTOS
À minha orientadora, Profª. Drª. Patrícia Fonseca Ferreira Arienti, cuja integridade, sabedoria
e comprometimento sempre me serviram de inspiração e cuja paciência e tempo que me
foram concedidos permitiram a realização deste trabalho. Sem a senhora, nada disso seria
possível.
Aos meus pais, Ivanete e Osmar, cujo apoio e amor incondicionais, desde os primeiros passos
e palavras, me incentivaram a tentar alçar um voo mais alto sem ter medo de cair.
À minha irmã Joana pela cumplicidade, apoio e sinceridade com os quais me ajudou a ampliar
meus horizontes e buscar sempre ser uma pessoa melhor.
Ao Antônio, pelo carinho e companheirismo nos últimos 2 anos e pela paciência nos últimos
6 meses.
Aos membros da banca, Prof. Dr. Helton Ricardo Ouriques e Prof. Dr. Jaime César Coelho
pela atenção dispensada.
Especialmente à Pauli e Beatriz pela ajuda e atenção.
A todos os que contribuíram direta e indiretamente para que fosse possível realizar este
trabalho, meus sinceros agradecimentos.
"Nossa política externa deve ser reorientada para esse imenso desafio de promover
nossos interesses comerciais e remover graves obstáculos impostos pelos países mais ricos às
nações em desenvolvimento”
Lula
RESUMO
A Ordem Econômica Internacional que se firmou no pós-Bretton Woods constituiu-se em
uma estrutura assentada nos princípios neoliberais, pautados na maior abertura e liberalização
comercial e financeira. Neste cenário, foi aceita a hegemonia do dólar como moeda
internacional. Em consequência deste arranjo, desenvolveu-se uma hierarquia monetária em
que o dólar situa-se no topo e as moedas de países subdesenvolvidos, na base. Assim, uma
série de países passou a enfrentar dificuldades para manter sua autonomia na condução de
políticas macroeconômicas mediante a necessidade de capital externo para executar seu
processo de crescimento, uma vez que precisam ajustar seus desequilíbrios no Balanço de
Pagamentos. Sendo o Brasil um destes países, o estudo se propõe a analisar, sob a ótica da
Economia Política Internacional, a relação inversa histórica entre a necessidade de capital
externo do Brasil e o grau de autonomia interna do governo desde o Plano de Metas, passando
pelo II PND para, por fim, analisar se as gestões Fernando Henrique Cardoso e Lula
obtiveram êxito na redução da necessidade de capital externo e se essa redução contribuiu de
fato para o aumento da autonomia interna.
Palavras-chave: autonomia interna, capital externo, hierarquia monetária.
ABSTRACT
The World Economic Order established after the Bretton Woods treaties was based in a
structured characterized by neoliberal principals, related to a more opened commercial and
financial liberalization. In this scenario, it was accepted and constituted the monetary
hegemony of the dollar as the international currency to be used. As a result of this agreement,
a monetary hierarchy was developed in which the dolar is placed at the top, and the currencies
of underdeveloped countries are placed at the base. This way, a series of countries started
facing difficulties to keep their independence in the management of their macroeconomic
policies when faced to their need for external capital flows to execute and finance their
national growth, since these flows are need for adjustments in any instabilities of their
Balance of Payments. This paper proposes to analyse the inverse historic relation between the
Brazilian need for foreign capital flows and its internal autonomy levels in its government
since the “Plano de Metas”, going through the “II PND”, and in the end analyzing the
administrations of Fernando Henrique Cardoso e Lula. The analysis shall be based on the
preceipts of the International Political Economy theories, and it shall also be employed to
check the success of the strategies used by FHC and Lula.
Key-words: internal autonomy, foreign capital flows, monetary hierarchy.
LISTA DE ABREVIATURAS
BALANCO DE PAGAMENTOS – BP
BANCO CENTRAL DO BRASIL – BCB
ESTADOS UNIDOS DA AMÉRICA – EUA
FERNANDO HENRIQUE CARDOSO – FHC
FUNDO MONETÁRIO INTERNACIONAL – FMI
GENERAL AGREEMENT ON TARIFFS AND TRADE – GATT
INVESTIMENTO EXTERNO DIRETO – IED
MERCADO COMUM DO SUL – MERCOSUL
ORDEM ECONÔMICA INTERNACIONAL – OEI
ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DO COMÉRCIO – OMC
POUPANÇA EXTERNA – PE
POUPANÇA INTERNA – PI
PLANO NACIONAL DE DESENVOLVIMENTO – PND
SISTEMA INTERNACIONAL – SI
TRANSAÇÕES CORRENTES – TC
LISTA DE TABELAS
TABELA 1 - Balanço de Pagamentos, Reservas Internacionais (em US$ milhões) e Taxa de
crescimento (%) Brasil: 1967-1873 .......................................................................................... 37
TABELA 2 - Balanço de Pagamentos, Reservas Internacionais (em US$ milhões) e Taxa de
crescimento (%) Brasil: 1974-1979 .......................................................................................... 38
TABELA 3 - Balanço de Pagamentos, Contas Selecionadas (US$ milhões) – Brasil: 19952002 .......................................................................................................................................... 42
TABELA 4 - Balanço de Pagamentos, Contas Selecionadas (US$ milhões) – Brasil: 20032010 .......................................................................................................................................... 46
TABELA 5 – Exportações Brasileiras por Fator Agregado - 1995 a 2010 (valores em US$
milhões FOB) ........................................................................................................................... 52
TABELA 6 – Indicadores de Vulnerabilidade Externa - 1994-2010 ...................................... 54
LISTA DE GRÁFICOS
GRÁFICO 1 – Volume de Exportações Brasileiras por País de Destino (US$ milhões FOB) –
1995-2010 ................................................................................................................................. 49
GRÁFICO 2 - Variação (%) do Volume de Exportações Brasileiras por País de Destino
2003-2008 ................................................................................................................................ 51
GRÁFICO 3 - Necessidade de Financiamento Externo, Transações Correntes, IED e
Investimento de Portfólio (US$ milhões) ................................................................................. 56
GRÁFICO 4 – Composição da dívida líquida do setor público (% PIB) – 1991-2009 .......... 58
SUMÁRIO
1
2
INTRODUÇÃO ............................................................................................................... 13
1.1
TEMA ........................................................................................................................ 13
1.2
PROBLEMA .............................................................................................................. 14
1.3
OBJETIVOS .............................................................................................................. 15
1.3.1
Geral .................................................................................................................. 15
1.3.2
Específicos ......................................................................................................... 15
1.4
JUSTIFICATIVA ...................................................................................................... 15
1.5
METODOLOGIA ...................................................................................................... 16
ABORDAGENS TEÓRICAS E DEFINIÇÕES ........................................................... 17
2.1
A ORDEM ECONÔMICA INTERNACIONAL ...................................................... 17
2.1.1
Conceituação da Ordem Econômica Internacional....................................... 17
2.1.2
O histórico dos regimes das OEI ..................................................................... 20
2.1.3
O papel do dólar como moeda internacional ................................................. 26
2.2
O PODER MONETÁRIO ......................................................................................... 28
3 A NECESSIDADE DE CAPITAL EXTERNO DA ECONOMIA BRASILEIRA E A
AUTONOMIA ECONÔMICA INTERNA .......................................................................... 33
3.1
AS IMPLICAÇÕES DAS ASSIMETRIAS MONETÁRIAS PARA PAÍSES EM
DESENVOLVIMENTO ....................................................................................................... 33
3.2
O CASO BRASILEIRO – PLANO DE METAS E II PLANO NACIONAL DE
DESENVOLVIMENTO ....................................................................................................... 36
4
5
A MANIFESTAÇÃO DA AUTONOMIA A PARTIR DO PLANO REAL .............. 41
4.1
UM BALANÇO DAS CONTAS EXTERNAS ......................................................... 41
4.2
A REALIDADE DA AUTONOMIA BRASILEIRA ................................................ 48
CONSIDERAÇÕES FINAIS ......................................................................................... 62
REFERÊNCIAS ..................................................................................................................... 66
APÊNDICE ............................................................................................................................. 70
13
1
INTRODUÇÃO
1.1 TEMA
A evolução da ordem econômica internacional (OEI) resultou em uma configuração, a
partir dos anos 70, na qual o dólar assume o papel de moeda chave internacional, uma vez que
ele cumpre todas as funções de moeda (meio de troca, unidade de conta e reserva de valor) na
esfera internacional. O dólar torna-se, então, a moeda de plena conversibilidade e, assim,
ocupa o topo da “hierarquia monetária”, seguido por moedas de conversibilidade
intermediária e, por fim, moedas não conversíveis, emitidas por países em desenvolvimento.
As consequências das assimetrias entre as moedas se manifestam por meio do poder
monetário, ou seja, pela capacidade de evitar os custos dos ajustes no Balanço de Pagamentos
(BP). A autonomia interna na condução de políticas externas é uma das faces deste poder e é
tanto maior quanto mais conversível a moeda de um determinado país.
Os países emissores de moedas não conversíveis enfrentam restrições internas e
externas quando buscam acelerar o seu desenvolvimento econômico.
No que diz respeito à dimensão interna, o desenvolvimento econômico necessita de
capital externo. Esta necessidade convencionalmente provém da distinção entre a estrutura
produtiva de países centrais e periféricos. Nos primeiros, há uma estrutura intensiva em
capital, que gera maiores ganhos de produtividade e não depende de oscilações da demanda
internacional, enquanto nos segundos, esta estrutura é intensiva em trabalho e especializada
em bens primários, com menor produtividade, menor preço e maior dependência da demanda.
As diferenças entre as receitas de um e outro evidenciam a necessidade de executar um catch
up que garanta um fluxo constante de capital externo através de exportações, que não tem
como contrapartida o aumento da vulnerabilidade externa pelo endividamento externo.
Com relação à dimensão externa, considerando que as relações econômicas entre os
países manifestam-se através do Balanço de Pagamentos, a necessidade de capital externo
para o processo de desenvolvimento pode levar a desequilíbrios no BP, forçando o país a
adequar suas políticas macroeconômicas às necessidades de saldar seus compromissos
externos. Assim, essas restrições podem reduzir a autonomia interna do país, condicionando
suas políticas de crescimento econômico.
Neste sentido, na medida em que um país em desenvolvimento possui um poder
relativo interno afetado pelo condicionamento ao ajuste no balanço de pagamentos, que por
sua vez é pautado pela necessidade de capital externo, as alternativas possíveis que o fazem
14
gozar de maior autonomia para priorizar políticas de desenvolvimento se refletem, de maneira
mais imediata, no acúmulo de reservas na moeda-forte, na obtenção de empréstimos em
âmbito internacional e na busca pelo aumento das exportações, todas as alternativas
condicionadas à disponibilidade de liquidez internacional.
Por outro lado, desde 1990, a partir do retorno do Brasil aos mercados financeiros
internacionais, o país tem obtido diferentes fontes de financiamento externo, sejam elas (i) o
investimento em portfólio (ii) o investimento estrangeiro direto (IED) e (iii) os empréstimos e
financiamentos através de governos e outras instituições estrangeiras. Neste sentido, a
vulnerabilidade externa adquire uma dimensão muito mais ampla ao considerar a volatilidade
e magnitude destes fluxos, que normalmente incorrem em um engessamento das políticas
monetária e fiscal e na consequente restrição a políticas que promovam os interesses do país.
Assim, este trabalho busca analisar em que medida a inserção do Brasil nessa nova
ordem econômica internacional alterou a relação histórica entre necessidade de financiamento
externo e restrição a autonomia de condução de política econômica interna nas gestões de
Fernando Henrique Cardoso (1995-2002) e Lula (2003-2010).
1.2 PROBLEMA
Sob as condições citadas anteriormente, a maneira como se manifesta a Ordem
Econômica Internacional atualmente acabou se tornando perversa para as economias em
desenvolvimento, uma vez que estas economias necessitam de capital externo para crescer, ao
mesmo tempo em que não possuem uma moeda conversível internacionalmente.
As consequências disso são a manutenção de políticas econômicas que visam à atração
de capitais externos, notadamente políticas de altas taxas de juros e obtenção de superávits
primários, em detrimento de políticas que promovam o crescimento sustentado da economia
através do aumento do investimento produtivo e do catch up tecnológico, perpetuando, assim,
a condição de dependência da economia de capitais externos. Ou seja, a atual estratégia de
inserção internacional, pautada em políticas liberais e condicionada pela não conversibilidade
da moeda, reduz a autonomia interna do país na condução de políticas macroeconômicas e
condiciona os ciclos de crescimento da economia aos ciclos de liquidez internacional.
Desde a década de 90 e, mais especificamente, da implementação do Plano Real, a
economia brasileira se submete a este arranjo de atração de capitais, tendo uma margem de
manobra muito limitada na execução de políticas de estímulo ao investimento e crescimento.
Com a eleição do governo Lula e um excelente cenário de liquidez, houve uma redução da
15
necessidade de financiamento externo da economia brasileira, sem que, no entanto, seja
possível afirmar que esta redução tenha se manifestado em um aumento real da autonomia
interna. Nestas condições, busca-se responder à seguinte pergunta de pesquisa: A redução da
necessidade de recursos externos ampliou a autonomia interna brasileira?
1.3 OBJETIVOS
1.3.1
Geral
Investigar, sob a ótica da Economia Política Internacional, se a gestão econômica
brasileira, entre 1995-2010, obteve êxito na redução da necessidade de capital externo,
contribuindo para o aumento da autonomia interna na condução de políticas econômicas.
1.3.2
Específicos
- Analisar a evolução e a configuração atual dos regimes internacionais econômicos e seus
desdobramentos (papel do dólar/poder monetário), como condicionantes da autonomia dos
países em desenvolvimento.
- Demonstrar a relação inversa histórica entre a necessidade de capital externo do Brasil e o
grau de autonomia interna do governo para a condução de suas políticas econômicas.
- Analisar se, nas gestões do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso (1995-2002) e do expresidente Luiz Inácio Lula da Silva (2003-2010), ocorreram mudanças no padrão histórico da
relação entre a necessidade de capital externo do Brasil e o grau de autonomia interna.
1.4 JUSTIFICATIVA
O estudo da distribuição do poder monetário e de seus reflexos na autonomia interna
de uma economia é importante na medida em que possibilita uma análise mais profunda sobre
os impactos da não conversibilidade das moedas e do modelo de inserção internacional
vigente sobre economias em desenvolvimento, em especial, o Brasil. Sendo assim, o trabalho
contribui para o campo da Economia Política Internacional conforme evidencia as
consequências dos atuais arranjos internacionais e traz um ponto de reflexão sobre a
necessidade de alterações estruturais que possibilitem uma menor vulnerabilidade externa
estrutural da economia, em consonância com mais autonomia interna para a priorização de
políticas que contemplem os interesses nacionais.
16
1.5 METODOLOGIA
Para analisar a redução da necessidade de capital externo e seus efeitos na autonomia
interna da economia brasileira entre 1995 e 2010, objetivo do estudo, considerar-se-á o capital
sob a ótica da conta financeira, uma vez que as alternativas mais imediatas de acesso ao
capital externo para cobrir os déficits no Balanço de Pagamentos estão condicionadas ao
acúmulo de reservas internacionais e acesso a empréstimos.
A primeira etapa consiste na revisão da teoria, sob a perspectiva de autores no campo
da economia politica internacional, relativa à formação e atual configuração da ordem
econômica internacional e seus desdobramentos no que tange à distribuição de poder
econômico entre as nações e as assimetrias das quais advêm as restrições externas ao
crescimento neste sistema.
Na sequência, através da análise de dados do balanço de pagamentos brasileiro
retirados dos sítios do Banco Central do Brasil (BCB) e Instituto de Pesquisa Econômica
Aplicada (IPEADATA) busca-se esclarecer as bases sobre as quais se desenvolveu a
necessidade de capital externo brasileira da metade do século XX ao início da década de 1990
e como esta necessidade condicionou a autonomia interna.
Por fim, com base na análise das políticas econômicas dos governos Fernando
Henrique Cardoso e Lula, bem como de diversos dados econômicos obtidos principalmente
junto aos bancos de dados do Banco Central do Brasil, IPEADATA e Ministério do
Desenvolvimento Indústria e Comércio (MDIC), objetiva-se diagnosticar se houve
transformações significativas que permitam afirmar um caráter de alteração da
vulnerabilidade externa através da redução da necessidade de capital externo e,
consequentemente, da autonomia interna na condução de políticas econômicas no Brasil.
17
2
ABORDAGENS TEÓRICAS E DEFINIÇÕES
Este capítulo tem como objetivo descrever a evolução da Ordem Econômica
Internacional, os diferentes regimes que a constituem, assim como ressaltar o papel do dólar
na configuração atual dos regimes e o poder monetário, que é uma consequência desta
configuração.
2.1 A ORDEM ECONÔMICA INTERNACIONAL
À luz das constantes transformações sistêmicas que ocorrem mundialmente desde o
início século XIX, assumindo características econômicas que definem cenários adversos,
torna-se cada vez mais relevante observar a evolução da ordem econômica internacional como
forma de entender a distribuição do poder na dimensão econômica e a atuação dos agentes e
instituições no sistema internacional.
2.1.1
Conceituação da Ordem Econômica Internacional
A definição do que seja uma Ordem Econômica Internacional é uma tarefa complexa,
uma vez que sua manifestação é, simultaneamente, evidente e difusa. De acordo com Sato
(2012), a OEI pode ser considerada um conjunto de mecanismos coordenadores dos interesses
de nações, grupos empresariais e indivíduos na esfera internacional. Dentro desta concepção,
as transações econômicas internacionais não se dão aleatoriamente, mas seguem determinados
padrões. Ao mesmo tempo, não respondem unicamente aos estímulos econômicos, mas se
estendem para os domínios político e social. Isso torna árdua a tarefa de estabelecer os limites
e captar com exatidão fenômenos neste campo, cujas normas não são abrangentes, nem
precisas e tampouco possuem o poder vinculante para determinar todas as possibilidades.
Nesse sentido, pressupõe-se que a ordem orienta o padrão econômico em determinados
momentos, mas não é imutável ou definitiva (SATO, 2012).
O bom funcionamento de uma OEI pode ser avaliado, conforme Paul Streeten (1982),
em função dos seguintes aspectos: a geração de superávits no balanço de pagamentos; a
existência de instituições financeiras que invistam estes superávits em países em
desenvolvimento; a existência de indústrias que produzam e vendam bens de capital
necessários para o desenvolvimento, no qual os recursos são gastos; e o poder militar que
sustenta o poder econômico advindo dos três primeiros aspectos. Até 1970, foi possível
observar um Estado dominante que reunia todos os elementos – a Grã-Bretanha até o início da
Primeira Guerra Mundial, configurando o sistema internacional sob a Pax Britannica, e os
18
Estados Unidos da América (EUA) pelo quarto de século pós Segunda Guerra, com a
imposição da Pax Americana1.
Outros autores questionam se de fato existe uma OEI. Segundo Lopes e Ramos
(2009), a caracterização de uma ordem provém de um padrão ou disposição que pode ser
observado a partir de um determinado ponto de vista. Nas relações internacionais, a ordem
pode ser assumida por um equilíbrio dinâmico que, embora em movimento, é perfeitamente
identificável. Com base em uma vasta gama de teóricos2, os autores sugerem debates sobre
quais padrões3 realmente observáveis são indicativos da existência de uma ordem
internacional essencialmente econômica. Relatam, ao fim da análise, que definir o que se
observa hoje como uma Ordem Econômica Internacional, na amplitude do termo, não
contempla uma verdade teórica. E embora existam indícios observáveis de concertação da
conjuntura internacional, como a coordenação mundial de bolsas de valores e a integração em
blocos regionais, não é recomendável aderir ao universalismo do termo.
Assim, mesmo que haja divergências sobre uma definição mais concreta do que seria
uma OEI, admite-se a ideia de que exista uma ordem reguladora, embora seus processos
estejam condicionados a certas parcelas de individualidade e aleatoriedade.
De acordo com Sato (2012), uma OEI é composta tanto por elementos tangíveis como
intangíveis. Os elementos tangíveis de uma determinada OEI são os seus regimes
internacionais comercial, monetário e financeiro, destinados a regulamentar as transações e
operações internacionais. No que diz respeito aos elementos intangíveis, eles refletem uma
estratégia de crescimento implícita na ordem econômica e o padrão da distribuição da riqueza
e do poder na esfera internacional4. Os movimentos dos Estados em busca da consolidação
dos interesses nacionais por meio do crescimento alteram a distribuição de riqueza e de poder
dos mesmos no sistema, provocando crises e rearranjo da OEI5.
1
O autor trabalha, no decorrer do artigo, o que na época vinha se concretizando como a fragmentação destes
sistemas sem ser possível considerar um só Estado como detentor das características e controlador da ordem
econômica internacional. Retrata um cenário em que os países em desenvolvimento demandam a persecução de
uma nova ordem econômica internacional. Esta demanda tem como bases a insatisfação com a ajuda; com a
independência política e o sucesso da OPEP (STREETEN, 1982, p. 3).
2
Os autores baseiam suas análises em Marx, Bourdieu, Weber, Giddens, Durkheim, Cox, Ruggie, Polanyi, entre
outros.
3
Lopes e Ramos (2009) fazem uma análise de elementos como a divisão internacional do trabalho, o substrato
liberal da economia internacional, o peso das instituições internacionais na regulação da economia internacional
e a “lógica” do mercado internacional.
4
Em seus estudos, o autor argumenta que a ordem econômica internacional sofre mudanças quando as condições
intangíveis de manutenção da ordem se encontram em colapso.
5
Uma manifestação deste fenômeno pode ser observada no movimento político dos anos 70 junto à Organização
das Nações Unidas, que trouxe à tona uma demanda pela renovação dos padrões e clamava por uma nova OEI.
Esta demanda consistia em um movimento articulado que, nas palavras de Streeten (1982), tinha suas raízes “na
insatisfação com a ordem antiga na qual, se percebe, contém vieses que perpetuam desigualdades em poder,
19
A definição de OEI oferecida por Sato (2012) introduz no debate tanto os regimes
(comercial, financeiro e monetário) que delineiam o funcionamento da economia
internacional, assim como o aprofundamento nos mecanismos de crescimento e distribuição
da riqueza no Sistema Internacional (SI). Sob esta perspectiva, considera-se que são as
relações nas esferas monetária e financeira que estabelecem as formas como ocorrerão a
distribuição dos custos dos ajustes no balanço de pagamentos dos Estados e a sua relação com
a autonomia e a influência de cada um no sistema, conceitos que terão lugar em seções
posteriores do estudo.
Sendo os regimes comercial, monetário e financeiro internacionais partes
fundamentais na configuração da OEI, faz-se necessário esclarecer a definição de regimes. De
acordo com Krasner (1983, p. 2, tradução da autora) os regimes são constituídos por
“conjuntos de princípios, normas, regras e procedimentos de tomada de decisão, explícitos ou
implícitos, em torno dos quais convergem as expectativas dos atores em dada área das
relações internacionais”6. Regimes não são estáticos e, portanto, suas mudanças ao longo do
tempo refletem também a redistribuição de poder e assimetrias entre os países.
De acordo com Sato (2012, p.27), o “regime de comércio compreende o conjunto de
normas, práticas e instituições formalmente estabelecidas que orientam as transações
comerciais”. Assim, um regime comercial está intimamente relacionado com a divisão
internacional do trabalho, na medida em que o comércio retrata o que é produzido, por quem e
para quem. Ainda é importante destacar que fazem parte do regime não apenas instituições
como a Organização Mundial do Comércio (OMC), mas também outras organizações e
tratados, além de blocos regionais que interagem na formação do regime. O princípio que
norteia as relações é baseado no livre-comércio, porém não se pode considerar que não
existam exceções à sua prática, tendo em vista as contradições que vigoram até os dias de hoje
e que são vistas como concorrentes ao liberalismo comercial.
Para Roberts (2000), o regime financeiro internacional é a estrutura de acordos,
convenções e instituições em que os mercados e firmas internacionais operam. O regime
financeiro internacional deve executar três funções: (i) realizar pagamentos correspondentes
às transações efetuadas, (ii) prover unidade estável de valor e (iii) estabelecer normas para
pagamentos diferidos. Ou seja, é a estrutura que opera com os fluxos de fundos, que,
convencionalmente, são determinados pelas taxas de juros, através de bancos centrais,
riqueza e crescimento, impedindo os esforços de desenvolvimento dos países em desenvolvimento” 5
(STREETEN, 1982, p. 2, tradução da autora).
6
“Regimes can be defined as sets of implicit or explicit principles, norms, rules, and decision-making procedures
around which actors’ expectations converge in a given area of international relations” (KRASNER, 1983, p.2).
20
comerciais públicos e privados, de investimento e fomento nacionais e internacionais, fundos
de pensão, bolsas de valores, dentre outros (SATO, 2012).
Segundo Eichengreen (2000), um regime monetário internacional deve ser capaz de
executar as seguintes funções: (i) dar ordem e estabilidade aos mercados cambiais, (ii)
promover a eliminação de problemas no Balanço de Pagamentos e (iii) proporcionar acesso a
créditos internacionais em caso de abalos desestruturantes. Geralmente, as diferentes fases
deste regime contemplam três elementos: a forma da moeda internacional, o regime de
câmbio e o grau de mobilidade dos capitais. Além destas, Prates (2005) ressalta como
fundamental na análise uma quarta característica: a dimensão hierárquica do sistema
monetário, ou seja, a distribuição da autonomia entre os países, de acordo com sua posição,
esteja ela mais próxima ou distante da hegemonia monetária.
2.1.2
O histórico dos regimes das OEI
Partindo da definição do que seja uma OEI e seus diferentes regimes, busca-se
descrever a evolução dos regimes que definiram o padrão-ouro, Bretton Woods e, por fim, os
regimes vigentes na atual OEI.
Durante o padrão-ouro (1816-1933), o regime monetário internacional estava baseado
no lastreamento da moeda em quantidades reais de ouro7. O papel-moeda era emitido
rigorosamente de acordo com as quantidades de ouro correspondentes às reservas
internacionais do país. A Grã-Bretanha, reconhecida então como maior potência da época,
iniciou esta política através da libra esterlina. A competência do Banco da Inglaterra e o
prestígio do país infundiram confiança ao regime (ROBERTS, 2000). Na época, como as
transações e pagamentos eram realizados não apenas com a libra, mas igualmente com a real
movimentação de ouro, os déficits e superávits conectados a esta mercadoria influenciavam
direta e respectivamente na contração e expansão da massa monetária. Sendo assim, em caso
de déficit, seguia-se uma deflação, gerada por uma contração da demanda e da produção,
desemprego e redução de preços (FAUGÈRE, 1994). Dessa forma, a prioridade das maiores
economias mundiais, sejam elas Grã-Bretanha, Alemanha e França, centrava-se em manter, a
qualquer custo, a conversibilidade da moeda e as reservas de ouro.
No que diz respeito ao sistema financeiro internacional, a mobilidade de capitais era
desregulamentada e presumia-se que os balanços de pagamentos se ajustavam
7
Em 1816, a Grã-Bretanha adotou oficialmente o padrão-ouro com paridade definida em 123,27 grãos de ouro
(medida de peso da época) por libra esterlina. Quando o sistema foi abandonado pelos EUA em 1933, a onça de
ouro valia US$35.
21
automaticamente, mesmo na ausência de uma instituição internacional formal que
administrasse a oferta de liquidez internacional (SATO, 2012).
Eichengreen (2000) atribui o bom funcionamento do sistema monetário e financeiro
internacional do período ao fato de que a Grã-Bretanha, no centro do sistema, foi capaz de
equilibrar seus balanços através dos fluxos comerciais, ou seja, promovia exportações de bens
de capital e empréstimos e importava, sem restrições, commodities de países menos
desenvolvidos.
Mesmo antes da Primeira Grande Guerra, já era possível observar que as
incongruências entre a realidade complexa que se apresentava e as instituições comerciais,
monetárias e financeiras provocariam a necessidade de transformação das normas do padrãoouro, cujas premissas vinham sendo adotadas até então (SATO, 2001). A crise de 1929
desencadeou-se como uma resposta a esta necessidade.
A falta de credibilidade que se instaurou no sistema no entre-guerras transformou o
movimento de capitais de modo que, se antes da Primeira Guerra os fluxos se deslocavam no
sentido estabilizador, ao fim da década de 20, o sentido se inverteu e as perturbações
provocaram fugas. Este é um dos elementos que, conforme Eichengreen (2000),
caracterizaram o período. Além dele, o cenário histórico revelava a derrocada do domínio
britânico, enquanto os Estados Unidos, neste momento, já se concretizavam como a maior
economia do mundo, deslocando o centro de gravidade do sistema internacional para o seu
espaço. Por último, a crescente tensão entre objetivos conflitantes da política econômica,
advindas do maior papel político da população em suas demandas, exigia que o governo
passasse a priorizar outros pontos além da paridade cambial.
Com o fim da Segunda Guerra Mundial estabelece-se o reconhecimento explícito do
papel de liderança que os EUA vinham desempenhando. Imediatamente antes, em 1944, foi
firmado o acordo de Bretton Woods – que instituía o dólar como moeda forte através do seu
lastro em ouro – cujas bases o distinguiam do padrão-ouro em três principais aspectos: (i) o
câmbio fixo tornou-se ajustável8; (ii) foram implementados controles para limitar os fluxos de
capitais internacionais e conter a especulação e, além disso (iii) o Fundo Monetário
Internacional (FMI) foi criado, com a função de monitorar as políticas econômicas nacionais e
oferecer financiamentos para equilibrar os balanços de pagamentos em países que ofereciam
riscos (EICHENGREEN, 2000).
8
O mecanismo de câmbio ajustável exigia que os países fixassem valores ao par entre suas moedas expressos em
ouro ou em uma moeda conversível em ouro, ou seja, o dólar, e mantivessem suas taxas de câmbio dentro de
uma banda de 1% em torno daqueles patamares. Os valores de paridade poderiam ser ajustados em até 10% para
corrigir um eventual “desequilíbrio fundamental” após consultas com o FMI (EICHENGREEN, 2000).
22
O estabelecimento das regulamentações nas esferas financeira e monetária também
servia ao propósito de construir uma base segura que possibilitasse, no futuro, acordos de
comércio (SATO, 2001). Entende-se, portanto, que, naquele momento, os países participantes
da guerra, como Inglaterra e França, estavam mais interessados em obter auxílio financeiro
que os ajudasse a retomar a trajetória de crescimento. Nos países periféricos, o incremento do
comércio ficava igualmente relegado ao plano secundário e buscavam-se recursos externos
que financiassem o desenvolvimento. Ademais, ao mesmo tempo em que se procurava a
disciplina monetária imposta por mecanismos como o FMI em Bretton Woods, esperava-se
que as práticas comerciais pudessem gerar equilíbrio no balanço de pagamentos. Em outras
palavras, a maioria dos países não estava pronta para assumir uma organização de regulação
do comércio, uma vez que a fase era de reconstrução para alguns e proteção da indústria
nascente para outros.
O termo “embedded liberalism” cunhado por John Ruggie (1982) ilustra bem a
situação do pós-guerra, na medida em que a ideia de reconstrução das instituições estava
pautada na conjugação de políticas a serem formuladas sob a configuração de um cenário que,
simultaneamente, conciliasse os extremos de estabilidade doméstica, através de certo
intervencionismo, e o multilateralismo na esfera internacional. De fato, para Sato (2012), em
Bretton Woods, o objetivo era evitar, a todo custo, que se repetisse a profunda recessão vivida
durante a crise de 1929, que estava associada a um caráter explosivo do mercado financeiro
como “aprofundador” da crise, sendo prudente mantê-lo sob controle. Nesse sentido, o
mercado de capitais ficou condicionado à administração dos governos nacionais e de
instituições como o Banco Mundial.
Tendo em conta este cenário, os principais momentos que marcam os rumos do regime
comercial à época se concentraram na tentativa de criar a Organização Internacional do
Comércio9 sob o que versava a Carta de Havana10, a partir de 1946, fato que não se
concretizou principalmente pelo momento econômico em contexto. Posteriormente, em 1947,
se deu a assinatura do Acordo Geral sobre Tarifas e Comércio11 – GATT12, cujas regras
9
A OIC não foi ratificada pelo Congresso americano. Os interesses estadunidenses, no caso, prezavam pela
bilateralidade nas rodadas de negociação ao invés do engessamento em estatutos que limitassem suas ações.
Assim sendo, cada país poderia utilizar seu poder de barganha de maneira ampla, e, sob estas circunstâncias, o
país tinha muito a ganhar (SATO, 2001)
10
Havia também muitos pontos da Carta da OIC que dificultavam a obtenção de consenso. As divergências, de
fato, se relacionavam a quatro aspectos principais: 1) a abrangência do poder da nova organização; 2) as práticas
comerciais a serem abolidas; 3) os níveis para os quais as barreiras comerciais existentes deveriam ser
rebaixadas; 4) o horizonte de tempo para que as cláusulas da Carta fossem postas em prática (SATO, 2001).
11
Tradução para General Agreement at Tariffs and Trade.
23
vigoraram nos 40 anos seguintes13. O fato é que o comércio como um todo cresceu muito no
período compreendido entre a década de 50 e 90. De maneira geral, a expansão do comércio
mundial que vigorou nestes anos não pode ser atribuída unicamente a esse acordo, contudo,
há que se considerar que o GATT estava em sincronia com uma ordem econômica e política
internacional que gravitava em torno dos Estados Unidos, e o bom desempenho no comércio,
de certa forma, legitimou o acordo como agente da cooperação comercial (SATO, 2001).
Paralelamente, com o estímulo ao crescimento econômico gerado pelo aumento de
trocas comerciais entre países, o dólar torna-se a moeda referência internacional, responsável,
portanto, pela liquidez internacional. Em consequência, a partir dos anos 50, o déficit no
balanço de pagamentos dos Estados Unidos se torna constante na medida em que é
importador de grandes volumes e exportador de divisas. Os demais países industrializados
conseguiam constituir reservas em dólares através do vasto mercado de eurodólares e, em
1958, restabeleceram a conversibilidade de suas moedas (ROBERTS, 2000).
A partir dos anos 60 o déficit tornou-se problemático e a deterioração das reservas e
dos passivos dos EUA anunciava que manter a plena conversibilidade do dólar era
impossível. Os crescentes déficits no balanço de pagamento norte-americano trouxeram à tona
o que se convencionou chamar de dilema de Triffin14: se os Estados Unidos tentassem
reequilibrar o saldo do balanço de pagamentos, privariam o restante do mundo da liquidez que
era necessária e se não o fizessem, os sucessivos déficits poderiam gerar desconfiança por
parte dos investidores e governos estrangeiros, iniciando uma corrida aos estoques de ouro. A
confirmação do encerramento da paridade foi anunciada em 1971 e as taxas de câmbio
começaram a flutuar a partir de 1973 (FAUGÈRE, 1994). Até então, os controles de capital
12
Estabeleceu-se que o GATT entraria em vigor a partir de janeiro do ano seguinte, tendo uma secretaria na
cidade de Genebra e tendo por objetivo servir de fórum para a negociação de acordos específicos visando à
redução de tarifas e outras barreiras não alfandegárias a fim de estimular o desenvolvimento do comércio
internacional (SATO, 2001).
13
Dentre os motivos pelos quais entende-se que o GATT foi adequado à época, segundo Sato, estão (i) a
cobertura de uma esfera menor da política comercial; (ii) seus signatários não se comprometiam tão firmemente
com os mecanismos e orientações estabelecidos, assim, (iii) a solução de controvérsias dependia muito da
disposição das partes, uma vez que os meios de implementação de decisões não dispunham de instrumentos de
sanção suficientemente eficazes e (iv) o acordo não requeria ação legislativa dos signatários, apenas
compromissos do poder executivo, sendo que em uma OI seria necessária a aprovação do legislativo (SATO,
2001).
14
O argumento de Triffin (1960, 1972) é o de que o sistema monetário internacional com conversibilidade
dólar/ouro padecia de uma inconsistência básica. O crescimento do comércio internacional incorre no
crescimento de reservas internacionais. Ao mesmo tempo, a acumulação da moeda-chave só poderia ocorrer
através de déficits globais do BP dos EUA. No entanto, quanto mais o país central acumula sucessivos déficits
no BP financiados em sua própria moeda, maior tenderá a ser a razão entre a quantidade de moeda-chave em
circulação e as reservas de ouro do país central. A continuidade do processo culmina com a falta de lastro em
ouro da moeda-chave e o rompimento da conversibilidade (SERRANO, 2002).
24
tinham assegurado alguma imunidade aos governos que sentiam necessidade de desviar a
política monetária face às pressões nos balanços de pagamentos (EICHENGREEN, 2000).
A mudança para o câmbio flutuante foi também um reflexo do permanente
desenvolvimento dos mercados financeiros, amparados no progresso das tecnologias de
informações, fenômeno que tornava mais difícil e dispendiosa a contenção dos mesmos.
Ainda em 1973, deflagrou-se o primeiro choque do petróleo. Os países desenvolvidos
enfrentaram processos inflacionários e, de um ano para o outro, passaram do superávit ao
déficit15. Os países menos desenvolvidos sofreram um impacto ainda maior. Vale destacar
que, neste momento, a grande maioria dos países em desenvolvimento ainda mantinha suas
moedas atreladas ao dólar, ou seja, as taxas de câmbio eram fixadas. No contexto, o FMI toma
empréstimos dos países produtores de petróleo, cujos superávits alcançaram níveis
exorbitantes, e os transmite em linhas de crédito para os países menos desenvolvidos, que
caracterizava a reciclagem dos petrodólares (ROBERTS, 2000). Ainda assim, a década de 70
se mostrou menos problemática do que a seguinte, pois convivia com uma intervenção mais
ordenada, um uso maior de controles de capital e também mais disposição para adaptar as
políticas aos imperativos dos mercados de câmbio (EICHENGREEN, 2000).
Relativamente ao caráter comercial, a partir da década de 70 começava a manifestar-se
a configuração de uma nova distribuição de riqueza no SI. Enquanto no imediato pós-guerra
as economias em desenvolvimento não representavam qualquer ameaça ao sistema e não
possuíam poder de barganha, esta nova distribuição se tornava mais evidente na medida em
que estas economias cresciam e começavam a pleitear espaço no debate. Em consequência, as
questões discutidas no âmbito do GATT passaram de controvérsias sobre limites territoriais a
discussões sobre subsídios agrícolas, barreiras tarifárias, políticas de investimentos, proteção
ambiental, propriedade intelectual, dentre outros, cuja complexidade e carência de bons
indicadores ultrapassavam o escopo do acordo.
As décadas de 80 e 90 foram palco do surgimento de um grande mercado financeiro
globalizado, bem como da consolidação de blocos regionais que abrangiam países em todos
os continentes. No que tange aos sistemas financeiro e monetário, a crescente mobilidade do
capital aumentou a pressão sobre os países de moedas fracas que procuravam defender suas
âncoras, ao mesmo tempo em que se tornava difícil obter auxílio dos países desenvolvidos.
Em consequência, apesar de a flutuação cambial não ser a melhor opção para muitos
países, em 1984, em torno de um quarto dos membros do FMI já tinham adotado o câmbio
15
Dentre eles o Japão, que em 1973 possuía um superávit em conta corrente de US$ 100 milhões, e no ano
seguinte, apresentou um déficit de US$ 4,5 bilhões (ROBERTS, 2000).
25
flexível (EICHENGREEN, 2000). Para os países em desenvolvimento, com as variações do
dólar, os serviços da dívida se tornaram extremamente custosos, fato que se manifestou
durante toda a década de 80 nos países devedores por meio da crise da dívida. A década foi
marcada pelas moratórias de vários países latino-americanos, demandantes da renegociação
da dívida.
Nesse sentido, o regime de câmbio flutuante, associado à liberalização dos fluxos de
capitais, não implicou em mais estabilidade das taxas de câmbio ou menores desequilíbrios no
balanço de pagamentos, mas sim na especulação financeira dos fluxos de capitais de curto
prazo, acentuando a instabilidade do sistema como um todo. Assim, a lógica que predominou
nos 30 anos posteriores ao fim de Bretton Woods e se manifesta até os dias de hoje passou a
considerar a variação do valor de mercado de ativos no curto prazo em detrimento de
investimentos produtivos (PRATES, 2005).
Dentro deste contexto se desenvolveram as crises financeiras e cambiais dos anos 90,
ocasionadas principalmente pela junção de mercados financeiros inconsistentes, moedas não
conversíveis e dívidas externas muito significativas, características imprimidas em países
emergentes como o México, os tigres asiáticos, a Rússia e também o Brasil.
Concomitantemente, sob a perspectiva comercial, a maior complexidade advinda da
redistribuição de riqueza no sistema internacional – reflexo dos recorrentes déficits na balança
comercial dos EUA em contraposição aos superávits de Japão e Alemanha, do fim da União
Soviética e da reunificação da Alemanha – a postura dos EUA com relação à busca por mais
competitividade e sua visão sobre o regime de comércio se modificam. Nas palavras de Sato
(2001, p. 30):
“[...] o desenvolvimento do comércio, entendido como um bem público
16
internacional, deveria deixar de ser uma responsabilidade dos Estados Unidos . Os
custos da manutenção de práticas e instituições necessárias a um ambiente propício
ao desenvolvimento do comércio deveriam ser compartilhados com outras nações.
Dessa forma, os Estados Unidos passavam a ser, primordialmente, um ator com
interesses distintos, com enorme poder de barganha, reduzindo substancialmente o
seu papel de provedor de um bem público internacional”.
16
Tanto em função do papel da moeda norte-americana quanto do tamanho da economia estadunidense no pósguerra, o desenvolvimento do comércio acabou se tornando uma “responsabilidade” dos Estados Unidos na
medida em que o comércio internacional dependia da injeção de dólares no sistema e, no imediato pós-guerra,
entendia-se que tanto os países em reconstrução quanto os emergentes necessitavam de medidas que
protegessem suas indústrias e fomentassem seu comércio. Conforme estes países foram se restabelecendo e
desenvolvendo, os Estados Unidos começaram adotar uma postura mais competitiva, que distribuísse os custos
da manutenção do regime e eliminasse os free-riders.
26
Na década de 90, o ambiente, portanto, configurou-se mais favorável à instituição da
Organização Mundial do Comércio17 (dentre os elementos principais, a nova configuração da
economia política retira dos EUA o poder de arbitrar disputas e demanda, em contraposição,
uma maior institucionalização da atividade econômica).
Desde então, a OEI tem seguido as mesmas condições delineadas ao longo dos anos
90. Os regimes monetário e financeiro são regidos pelo dólar, sob um mecanismo de câmbio
flutuante e livre mobilidade de capitais, e o regime comercial é pautado, em teoria, pelo
multilateralismo e igualdade perante as instituições que regulamentam o comércio e sob a
regência da OMC.
Mais recentemente, no ano de 2008, o mundo atravessou uma crise financeira
profunda ao ponto de ser comparada à crise de 29. Apesar da necessidade de um maior
distanciamento temporal para analisar seu impacto no funcionamento dos atuais regimes
internacionais, é possível proferir que a mesma seja um prenúncio de reformas e da
necessidade de um rearranjo da OEI.
Na próxima seção, busca-se delinear o papel do dólar na OEI e sua consolidação como
moeda-reserva nos sistemas financeiro e monetário contemporâneos, realçando os
pressupostos que fazem dele um elemento definidor das assimetrias monetárias e,
consequentemente, das diferentes distribuições de riqueza no sistema internacional.
2.1.3
O papel do dólar como moeda internacional
O dólar começa a desempenhar um papel importante no sistema monetário
internacional a partir do momento em que o Reino Unido, em virtude da Primeira Guerra
Mundial, abandona o padrão-ouro e a moeda americana passa a ocupar a posição da libra
esterlina como moeda forte (ROBERTS, 2000). O entre guerras, no entanto, foi marcado pela
grande depressão de 29, a deterioração do comércio internacional e dos fluxos de capitais na
medida em que os países impunham barreiras tarifárias. Com as conquistas comerciais e
financeiras dos Estados Unidos no período, o país superou a Inglaterra e definiu o
reposicionamento do centro de gravidade do SI a seu favor (EICHENGREEN, 2000).
No final da II Guerra Mundial, os EUA eram, incontestavelmente, a economia
predominante e detinham 70% das reservas mundiais de ouro. O dólar americano tinha papel
central nos novos arranjos. No contexto, a moeda foi ancorada ao ouro na proporção de
US$35 por uma onça e as autoridades dos EUA incumbiram-se de sustentar sua
17
A OMC surgiu oficialmente em 1 de janeiro de 1995, com o Acordo de Marrakech, em substituição ao Acordo
Geral de Tarifas e Comércio (GATT).
27
conversibilidade (ROBERTS, 2000). No entanto, a posição do dólar como moeda-chave se
deu efetivamente com o colapso de Bretton Woods e o fim da paridade ouro/dólar, quando o
dólar passou a ser uma moeda flexível e de caráter fiduciário, respaldada na consolidação do
poder financeiro dos Estados Unidos em consonância com a importância das instituições
financeiras americanas e a dimensão do seu mercado financeiro doméstico.
De acordo com Prates (2005), a aceitação de uma moeda em nível internacional está
condicionada às mesmas premissas convencionalmente adotadas para a aceitação de uma
moeda no âmbito doméstico, a saber, meio de liquidação das transações e contratos, unidade
de conta e reserva de valor. Na ausência da institucionalização de uma moeda internacional
formal, existe o compromisso informal no sistema econômico internacional da aceitação do
dólar como sendo a moeda-chave internacional, o qual reflete na distribuição de poder
vigente.
Com o colapso de Bretton Woods instaurou-se um momento de insegurança sobre a
hegemonia norte-americana. A economia mundial entrou em um período de grande
turbulência, encarando ondas especulativas dentro de um contexto em que a demanda e a
liquidez internacional aumentavam como resposta ao crescimento da economia americana e
do mercado de eurodólares (SERRANO, 2002). Este momento de instabilidade sistêmica teve
fim com o choque dos juros de 1979, que reafirmou o posicionamento da economia americana
e inaugurou a política do “dólar forte”, acompanhada da desregulamentação e liberalização
financeira. Mediante a aceitação dos demais países centrais, estabelece-se o padrão dólar
flexível.
Neste sistema, o dólar torna-se moeda financeira18 e executa as funções de meio de
pagamento internacional e unidade de conta nos contratos e preços, tornando-se também a
principal reserva de valor no sistema econômico internacional (SERRANO, 2002).
No
padrão dólar flexível também ficam evidenciadas duas características do sistema, quais sejam:
o caráter continuamente deficitário do BP estadunidense e a natureza fiduciária do dólar.
Uma vez que não há mais conversibilidade ao ouro, o déficit no BP norte-americano
acaba sendo contínuo, principalmente em função da demanda do comércio internacional por
divisas denominadas em dólar. Ou seja, os Estados Unidos passam a adquirir um caráter de
devedor líquido por serem os emissores da moeda-chave.
Observe-se que, na medida em que o dólar admite um caráter fiduciário, pois deixa de
estar atrelado a qualquer mercadoria, os Estados Unidos assumem um grau de autonomia
18
Fornece liquidez instantânea; garante segurança em operações de risco e serve como unidade de conta da
riqueza financeira virtual.
28
política ainda mais representativo, já que a moeda está sujeita à política monetária doméstica
(e portanto à taxa de juros) sob sua ingerência, e o funcionamento da OEI se baseia no valor
vinculado ao dólar (PRATES, 2005).
Tendo em vista o papel do dólar como moeda-chave, ressalta-se que existe uma
hierarquia na qual as moedas se posicionam a partir da posição do dólar, denominada de
“Pirâmide Monetária” (COHEN, 2009). Sendo assim, no contexto atual, o dólar se situaria no
topo desta pirâmide, uma vez que cumpre as três funções da moeda em âmbito internacional.
Após o dólar, estão algumas moedas conversíveis no SI, que, embora sejam meio de troca e
unidade de conta, desempenham um papel secundário como reserva de valor. A base, então,
seria constituída pela grande maioria das moedas não conversíveis. O poder monetário na
pirâmide se distribui do topo para a base.
Portanto, de maneira geral, o dólar dispõe, ao menos desde o início de Bretton Woods,
de uma posição fundamental como meio de troca, reserva de valor e unidade de conta no
cenário internacional. A partir dele, as outras moedas se posicionam na Pirâmide Monetária,
de acordo com o grau de conversibilidade de cada moeda. A hierarquia monetária reflete as
assimetrias do poder monetário e os diferentes níveis de autonomia na formulação de políticas
econômicas aos Estados, traduzidas em assimetrias macroeconômicas. Os desdobramentos
advindos deste poder monetário serão explorados na próxima seção.
2.2 O PODER MONETÁRIO
Conforme visto na seção anterior, no topo da Pirâmide Monetária está o dólar, moeda
com plena conversibilidade internacional. Abaixo, encontram-se as moedas que podem ser
utilizadas para efetuar transações internacionais e, de maneira secundária, como ativo de
reserva. Finalmente, na base da pirâmide, posicionam-se aquelas moedas não conversíveis,
cujos países emissores não conseguem emitir dívidas em sua própria moeda, portanto, ficam
restritos ao acúmulo de divisas sob a denominação da moeda-forte (PRATES, 2005).
Sob a premissa de que existe uma hierarquia monetária internacional baseada na
conversibilidade das moedas no meio internacional, a consequência lógica é que as
assimetrias relativas a este processo definam diferenças na autonomia dos países emissores e,
portanto, atribuam poder monetário aos países que possuem moedas fortes.
De acordo com Cohen (2006, p. 32, tradução da autora), o poder nas relações
internacionais pode ser definido, de maneira geral, como “[...] a habilidade de controlar, ou ao
29
menos influenciar, o resultado de eventos”19. O conceito, todavia, é desdobrado em duas
perspectivas20 distintas: a influência e a autonomia. Enquanto a primeira corresponde à
capacidade de um país de fazer com que outros o sigam em determinado objeto, a segunda
denota a capacidade de um país de não ser constrangido por outro(s).
As relações econômicas entre os países manifestam-se através do Balanço de
Pagamentos. Sendo assim, evidencia-se a importância da esfera monetária, na medida em que
desequilíbrios no BP se constituem em constantes ameaças à autonomia de um Estado,
forçando-o a recorrer a recursos externos como forma de saldar seus compromissos e,
consequentemente, obrigando-o a submeter-se à prática de políticas macroeconômicas que
restringem seu crescimento. A ameaça à autonomia é tão maior quanto menor for a
conversibilidade da moeda do país.
O poder monetário, segundo Cohen (2006), consiste, principalmente, na capacidade de
evitar os custos advindos da necessidade de ajustar os desequilíbrios no BP21, sob a
prerrogativa de adiá-los ou desviá-los. Tais custos estão vinculados à realocação de recursos
no meio interno de maneira a conformar os desequilíbrios através de políticas econômicas
restritivas ao crescimento22.
Importante destacar que, no atual regime de câmbios flutuantes, em vigência desde os
anos 70 e que vem sendo adotado pela maioria dos países, os custos do ajuste não estão mais
unicamente restritos a políticas macroeconômicas recessivas, que impactam diretamente na
renda e no emprego no meio doméstico. Alternativamente, a flutuação das taxas de câmbio
permite aos governos efetuar valorizações/desvalorizações do câmbio que podem ser menos
custosas em termos macroeconômicos.
Considerando a hierarquia monetária, quanto mais alta for a posição de um Estado na
Pirâmide, maior é o seu poder monetário, pois possui mais autonomia para evitar os custos do
ajuste. Cohen (2006) estipula dois tipos de custos: (i) contínuos, na medida em que se
relacionam com um reposicionamento permanente de um país que registra um déficit e (ii) de
transição, de caráter temporário, vinculados aos encargos com o reposicionamento imediato
perante um déficit. Os países lidam com estes custos de acordo com a conversibilidade de
19
“[...] the ability to control, or at least influence, the outcome of events” (COHEN, 2006, p. 32)
As duas faces, contudo, não representam a mesma importância na manifestação do poder. Enquanto a dotação
de autonomia em dado aspecto possibilita uma nação de praticar influência sobre outras, a recíproca não se
concretiza, pois influenciar tem por prerrogativa a liberdade dos policymakers de constrangimentos relativos a tal
aspecto.
21
Na definição de Cohen (2006), “The capacity to avoid the burden of adjustment required by payments
imbalance” (p. 33).
22
Segundo Cohen (2006): “A marginal reallocation of productive resources and exchanges of goods and services
under the influence of changes in relative prices, incomes, and Exchange rates” (p. 37).
20
30
suas moedas através da capacidade de adiá-los (Power to Delay) ou desviá-los (Power to
Deflect).
O Power to Delay refere-se à capacidade de atrasar os custos do ajuste contínuo
mediante variáveis financeiras, tais como a posse de reservas internacionais e o acesso ao
crédito externo23, dependentes da liquidez internacional no momento. Em outras palavras, é
possível cobrir o déficit no balanço de pagamentos por meio do uso de reservas internacionais
ou de empréstimos no exterior, atrasando o custo contínuo do ajuste (COHEN, 2006).
Cohen (2006) ressalta que, para países menos desenvolvidos, o empréstimo
convencionalmente provém de governos nacionais ou agências como o FMI, cuja concessão
normalmente está condicionada a um programa de estabilização. Para países em
desenvolvimento, a principal fonte de crédito externo costuma ser o mercado global de
capitais, que exige do país uma grande capacidade de manter sua reputação uma vez que os
movimentos no mercado financeiro estão atrelados a ela e qualquer sintoma de problema pode
se tornar um grande risco. Os limites de aderir ao capital externo não são estabelecidos pelos
tomadores, mas sim pelos emprestadores, que baseiam suas decisões na percepção da
qualidade política do referido país:
“Se um país atualmente é capaz de evitar uma redução de déficit devido ao
pronto acesso ao crédito, isso se dá porque os mercados lhe concederam seu ‘Selo de
aprovação de boa gestão doméstica’. Por outro lado, se um país se encontra incapaz
de ajustar suas dívidas devido a uma interrupção dos empréstimos, então os
mercados estão limitando seu ‘Power to Delay’”24 (COHEN, 2006, p. 44, tradução
da autora).
Portanto, fica evidente que a distribuição dos custos contínuos do ajuste nos países
deficitários tende a ser moldada pela percepção da capacidade de pagamento que os
emprestadores observam. Assim, embora não se possa afirmar em definitivo que exista um
padrão de distribuição dos custos de ajuste, segundo Cohen (2006):
“Ceteris paribus, o ‘Power to Delay’ deveria ser maior nas economias
industriais avançadas – as nações que encontram-se nos mais altos escalões dos
credores internacionais. O ‘Power to Delay’ será menor em países mais pobres e
23
É importante destacar que tanto os recursos em reservas quanto em empréstimos possuem um nível ótimo de
utilização, ou seja, não é desejável que se busque um volume cada vez maior de ambos, pois sua manutenção
também se faz custosa: “These costs include not just the direct debt-service payments that would be required by
foreign loans; even more critically, they include possible policy compromises that could become necessary if the
country finds itself overextended to foreign creditors.” (COHEN, 2006, p. 43).
24
“If a country is currently able to avoid a deficit reduction owing to ready access to credit, it is because the
markets have given it their Good Housekeeping Seal of Approval. Conversely, if a country finds itself no longer
able to put off an adjustment owing to a cessation of lending, it is the markets that are enforcing a limit on its
Power to Delay” (COHEN, 2006, p. 44).
31
economias menos desenvolvidas que tem acesso limitado às finanças estrangeiras”25
(p. 45, tradução da autora).
O Power to Deflect lida com aspectos mais estruturais de sensibilidade e
vulnerabilidade26 com relação à maneira como uma economia recebe impactos de eventos que
ocorrem em outros países (impulso) e como responde a estes eventos (resposta), acomodando
seus efeitos internamente.
Neste sentido, o nível de abertura econômica é um indicativo de sensibilidade na
medida em que países que possuem um grau de abertura maior estão mais suscetíveis às
oscilações em outros países, pois uma grande parte do setor interno depende deste comércio,
tornando difícil evitar os custos do ajuste. Também em economias mais abertas, a pressão dos
grupos de interesse no meio interno é maior e, portanto, conter a repercussão de políticas de
austeridade e inflação é mais desafiador. Nos termos da vulnerabilidade, o autor ressalta a
capacidade de adaptação da economia local de acordo com o perfil dos mercados internos. Se
estes mercados não forem muito rígidos, ou seja, se forem mais flexíveis, conseguem se
adaptar mais facilmente aos eventos27. Tendo em vista os dois conceitos, é possível concluir
que quanto maiores, mais diversificadas e menos abertas as economias, maior o poder de
desviar os custos do ajuste. (COHEN, 2006).
As assimetrias decorrentes da hierarquia monetária também se refletem na formulação
das taxas de juros, que remuneram os capitais e acabam influenciando na autonomia dos
países por meio da mobilidade dos fluxos de capitais. Tendo em vista que o dólar é a moeda
que proporciona mais liquidez e segurança aos investidores, a taxa de juros que remunera
investimentos neste ativo é muito baixa. A regra de formulação das taxas para moedas de
outros países acrescenta à taxa remuneradora do dólar uma margem que serve como prêmio
pelo risco adicional do país. Assim, quanto mais próxima da base da Pirâmide Monetária a
posição de um dado país, maior terá que ser a taxa de juros que remunera o investimento em
uma moeda com tão pouca liquidez e segurança (CARNEIRO, 1999). Ou seja, em termos de
25
“Ceteris paribus, the Power to Delay should be greatest in the advanced industrial economies --- the nations
that enjoy the highest standing as international borrowers. The Power to Delay will be least in poorer and less
developed economies that have limited access, at best, to foreign finance.” (COHEN, 2006, p. 45)
26
Cohen utiliza as definições de Keohane e Nye (1977) para sensibilidade e vulnerabilidade. “[...] sensitivity[...]
involves the susceptibility of an economy to impacts from the outside – the degree to which conditions in one
country are liable to be affected, positively or negatively, by events occurring elsewhere. Vulnerability, by
contrast, involves the reversibility of impacts from the outside – the degree to which (or, in other words, the cost
at which) a country is capable of overriding or accommodating to the effects of events occurring elsewhere”
(COHEN, 2006, p. 46-47).
27
O autor coloca que economias maiores e mais diversificadas se adaptam mais facilmente: “Large size, as a
measure of GDP, generally means a relatively lower degree of opennes. Greater diversification in production
means that the economy offers more opportunities for alternative employment when adaptations are required”
(COHEN, 2006, p. 48).
32
fluxos financeiros, os países com moedas mais fracas também são limitados em sua
autonomia, já que com a livre mobilidade de capitais não conseguem desenvolver políticas
anticíclicas para reduzir os impactos destes fluxos no seu desempenho econômico (PRATES,
2005).
Diante do exposto, coloca-se que as assimetrias monetárias e financeiras categorizam
diferentes graus de autonomia interna: (i) a maior abertura econômica reduz a autonomia, pois
o alto grau de interdependência dos setores externos e internos limita a capacidade de uma
economia de resistir a eventos desestabilizadores em outras economias; (ii) o acesso à liquidez
internacional disponível – por meio de reservas internacionais ou acesso ao crédito –
possibilita mais autonomia aos países para que consigam cobrir seus déficits no balanço de
pagamento e adiar os custos macroeconômicos do ajuste28 e (iii) a maior adaptabilidade e
flexibilidade dos mercados de uma economia aumentam sua autonomia como resposta a um
evento externo.
Assim, defende-se a hipótese de que (i) a autonomia interna, como manifestação do
poder monetário, constitui-se em uma base de poder, já que possibilita às economias que
atrasem ou desviem a outros os custos dos ajustes no balanço de pagamentos e (ii) que o
déficit no balanço de pagamentos pode ser um fator limitador da autonomia interna do país,
pois, para eliminar o déficit no seu BP, um país pode precisar executar políticas econômicas
pautadas pela necessidade de recursos externos.
O próximo capítulo tratará das consequências das assimetrias monetárias e da
distribuição do poder monetário para um país em desenvolvimento e de como se deram,
historicamente, a necessidade de capital externo e a manifestação da autonomia no caso do
Brasil.
28
Vale lembrar que o uso destas ferramentas possui um nível ótimo, ou seja, possuir mais reservas ou
empréstimos incorre em custos elevados que, em certa medida, também se constituem em restrições à autonomia
de um Estado.
33
3
A NECESSIDADE DE CAPITAL EXTERNO DA ECONOMIA BRASILEIRA E A
AUTONOMIA ECONÔMICA INTERNA
Este capítulo está destinado a demonstrar, primeiramente, as implicações das
assimetrias monetárias para países em desenvolvimento e, em seguida, a relação inversa
histórica entre a necessidade de capital externo do Brasil e o grau de autonomia interna do
governo para a condução de suas políticas econômicas.
3.1 AS IMPLICAÇÕES DAS ASSIMETRIAS MONETÁRIAS PARA PAÍSES EM
DESENVOLVIMENTO
A existência de uma moeda reserva no âmbito internacional, à qual as relações de
troca entre as diversas economias estão sujeitas, configura uma assimetria na autonomia dos
diversos países para a execução de políticas econômicas de acordo com o posicionamento da
moeda de cada país na pirâmide monetária. Os países centrais usufruem de maior grau de
autonomia interna na condução de suas políticas, pois suas moedas possuem maior
conversibilidade e se encontram mais próximas do topo da pirâmide. Já os países como o
Brasil, cujas moedas não são conversíveis, estão situados na base da pirâmide. Sendo assim, a
autonomia do governo para formular e executar políticas econômicas que busquem estimular
o crescimento interno pode, em diversos momentos, ficar bastante prejudicada, uma vez que a
política econômica do país torna-se subordinada ao ajuste no balanço de pagamentos e à
necessidade de capital externo.
Considerando que o ajuste do Balanço de Pagamentos envolve sempre políticas
econômicas recessivas, as alternativas disponíveis para conciliar maior autonomia interna para
execução de políticas econômicas expansivas e a necessidade de capital externo são (a) o
acúmulo de reservas na moeda-forte, (b) a obtenção de empréstimos em âmbito internacional
e (c) a busca pelo aumento das exportações. Ressalta-se, no entanto, que todas estas
alternativas estão condicionadas tanto à disponibilidade de liquidez internacional
(determinada pela condução da política econômica doméstica dos Estados Unidos), como pelo
crescimento da renda internacional.
Assim, quando das fases ascendentes dos mercados financeiros mundiais e, portanto,
de alta liquidez internacional, a incerteza relativa à capacidade de pagamento das economias
em desenvolvimento é amenizada, aumentando os fluxos de capitais para economias com
moedas não conversíveis. O aumento da entrada de divisas externas nesses países melhora a
oferta de finance e corrige possíveis desequilíbrios no balanço de pagamentos, afastando os
34
custos do ajuste e a restrição externa ao crescimento. Em contrapartida, nas fases
descendentes, a reversão das expectativas provoca uma fuga massiva de capitais destes
mercados (RESENDE et al, 2012).
Países em desenvolvimento, que estão na base da pirâmide monetária e que optaram
por uma estratégia de crescimento através da abertura comercial e financeira, de forma a
substituir Poupança Interna (PI) pela Poupança Externa (PE), enfrentam uma perda maior de
autonomia na gestão de sua política macroeconômica devido às características do atual regime
financeiro e monetário internacional, baseado no dólar flexível como determinante da liquidez
internacional e na volatilidade do capital financeiro internacional.
Nesse sentido, a atração de recursos de curto prazo associada à necessidade de captar
recursos externos para ajustar o BP, encaminha o país à perda de autonomia na condução da
política econômica29 e ao aumento da fragilidade externa da economia30 (OREIRO, 2004).
De acordo com Bresser-Pereira (2006), a transferência de recursos de países com uma
alta relação entre capital e trabalho para países em desenvolvimento, com uma razão menor
deste indicador, poderiam eliminar a restrição ao crescimento aumentando a poupança total
dos países emergentes e ajudando-os a ampliar suas taxas de acumulação de capital e
crescimento. O crescimento com PE seria possível, segundo o autor, se no país receptor o
déficit em Transações Correntes (TC), financiado pela PE, fosse amplamente convertido em
investimento, ao invés de consumo de importados. Além disso, a apreciação cambial
decorrente da entrada massiva de capital externo provoca o aumento artificial de salários reais
e consumo e também a redução das exportações, diminuindo oportunidades de investimentos
lucrativos propulsores (BRESSER-PEREIRA, 2006).
Assim, Bresser-Pereira descreve o processo de substituição da PI pela PE em três
estágios:
(i)
O surgimento dos déficits em conta corrente, financiados pela PE, reflete o
efeito da substituição da poupança;
(ii)
Com a sucessão de déficits em TC, o endividamento (financeiro ou
patrimonial) aumenta e o país se torna fragilizado, endividado e ainda mais
dependente do exterior. Ou seja, a suspensão da rolagem de dívida pode
levar a uma crise no BP.
Para evitar a crise, o país acaba adotando
recomendações que garantam a entrada de fluxos externos, mas, ao mesmo
29
Uma vez que há uma limitação de execução de políticas com a pretensão de atingir objetivos domésticos,
como estabilidade de preços e altos níveis de emprego.
30
Na medida em que a reversão no fluxo dos capitais de curto prazo pode ocorrer a partir da mudança nas
expectativas dos investidores e não apenas em relação à solvência de um país.
35
tempo, sofre severas restrições na condução de suas políticas econômicas
visando ao interesse nacional;
(iii)
Por último, manifesta-se a crise, seja pela alta relação dívida externa/PIB,
dívida externa/exportações ou pela suspensão da rolagem da dívida ou dos
fluxos financeiros.
Outro ponto importante na questão de vulnerabilidade estrutural da economia consiste
na subordinação da captação de recursos via altas taxas de juros. Com o fenômeno da
“financeirização” econômica nos anos 90, a necessidade de capitais externos passa a ser
condicionada pela manipulação da taxa de juros. Bruno (2010) destaca que a consequência
deste mecanismo de captação é que a dívida do setor público aumenta em virtude do
pagamento dos altos juros31.
A perversidade do mecanismo reside no fato de que o aumento dos gastos públicos e
do endividamento está voltado à alocação da poupança em ativos improdutivos32. Ou seja, o
aumento dos gastos está relacionado à remuneração de ativos financeiros33 e não terá como
contrapartida a conversão desta poupança em investimentos no longo prazo.
Consequentemente, quando os déficits e a dívida pública se perpetuam como resposta
ao mecanismo de atração de capitais, pautado pela remuneração de ativos financeiros e
através de taxas de juros muito acima da media internacional, o endividamento público acaba
servindo à revalorização dos ativos, dando sequência à desconexão histórica entre recursos
privados e o setor produtivo no que tange aos financiamentos de longo prazo do investimento
e investimentos em infraestrutura, cujo efeito de acréscimo na riqueza da nação cobriria tais
déficits no longo prazo (BRUNO, 2010).
31
O autor coloca, sob uma análise neoinstitucionalista, que a partir da implantação do Plano Real e da
estabilização da moeda, houve um rearranjo das formas institucionais no Brasil que passaram a priorizar a
inserção internacional e o regime monetário.
32
A poupança produtiva concerne a recursos que financiam o investimento produtivo, ou seja, a formação bruta
de capital fixo. A poupança improdutiva refere-se a recursos já disponíveis que são alocados nas transferências
de propriedades sobre ativos já existentes, operação que não contribui para elevar as taxas de crescimento
econômico no longo prazo (BRUNO, 2010).
33
Ressalta que, a despeito do que se observava no período do “milagre econômico” e do II PND, em que a forma
institucional do Estado prevalecia e os recursos captados eram direcionados à acumulação industrial, a partir dos
anos 1990 constituiu-se uma forma institucional hierarquicamente superior que privilegia a inserção
internacional e o regime monetário-financeiro. Esta composição, resultante da estabilização monetária do Plano
Real, tornou-se dominante a partir da criação de determinados ativos financeiros que concorrem com os ativos
produtivos com uma grande margem de vantagens relativas à liquidez, risco e rentabilidade e, assim, tornam-se
mais atraentes e substituem a alocação de capital em setores diretamente ligados à produção.
36
3.2 O CASO BRASILEIRO – PLANO DE METAS E II PLANO NACIONAL DE
DESENVOLVIMENTO
Como esclarecido nas seções anteriores, a não conversibilidade monetária e o
crescimento pautado pela necessidade de capital externo são características de uma série de
países que têm sua autonomia restringida em função deste sistema. Levando em conta que o
Brasil se enquadra nesta categoria de países, esta seção tem como objetivo mostrar a escalada
da dependência de recursos externos para financiar os ciclos de crescimento econômico e
poupança interna em relação ao período que abrange do Plano de Metas ao início dos anos 90,
ressaltando, também, as consequências do mecanismo de crescimento com poupança externa.
O padrão de financiamento da economia brasileira está assentado em uma inadequação
do sistema financeiro nacional em prover financiamentos de longo prazo (STUDART, 2005).
Neste sentido, quando o país se lançou a projetos mais ambiciosos de desenvolvimento, ficou
condicionado à tomada de recursos externos. Também a fragilidade produtiva da economia,
mediante a industrialização tardia, aumentou a dependência do ciclo de crescimento em
relação à receita de divisas externas, e, portanto, à oscilação do sistema financeiro
internacional (RESENDE et al, 2012).
O resultado deste padrão de financiamento na economia brasileira é refletido em
planos de desenvolvimento como o Plano de Metas e o II Plano Nacional de Desenvolvimento
(PND), em que a necessidade de recursos externos é patente e ilustra a fragilidade associada à
postura do Estado em prover, ou mesmo estimular, a entrada de recursos.
Neste sentido, a composição das transações correntes dos anos 1950 e 1960 refletiu
duas características principais: o pequeno hiato de recursos34, advindo de uma economia em
pleno crescimento, e as características dos fluxos de capitais, bastante restritos pelas
condições da época. Os recursos entrantes financiavam principalmente IED e priorizavam
divisas necessárias para aquisição de bens de capital. Ou seja, o endividamento externo não é
excessivo e é uma consequência quase direta do padrão de crescimento (STUDART, 2005).
Mesmo sob as condições descritas acima, observa-se que no período houve uma
restrição à autonomia interna. Isto se explica dado que, sob as restrições às tradicionais linhas
de crédito externo, o governo precisa recorrer ao endividamento externo justamente para não
esgotar o plano de crescimento. De acordo com Corazza (2004), na medida em que o padrão
de industrialização estava voltado para o consumo interno, não foi possível gerar divisas que
34
O hiato de recursos pode ser considerado como a necessidade de divisas relativas à cobertura do déficit na
balança comercial e de serviços.
37
saldassem os compromissos externos, fato que foi agravado nos períodos seguintes. Com
relação à substituição de poupança no período, Bresser-Pereira e Nakano (2003, apud
CORAZZA, 2004) mencionam que a poupança externa foi utilizada, essencialmente, para
financiar consumo, não incrementando a capacidade produtiva do país e agravando a situação
de seu BP.
No período posterior (1967-1973), sob o regime militar, busca-se a consolidação das
instituições financeiras nacionais35, em um contexto de ampliação do grau de abertura da
economia ao capital externo. Mediante a falta de fontes de financiamento de longo prazo, a
necessidade de grandes quantidades de recursos fomentou a reedição do sistema financeiro
pelo governo, que criou entre 1968 e 1974 oito novos bancos de investimento. Estes fatos se
deram em consonância com a ascensão do ciclo de liquidez internacional, proporcionando
extraordinárias taxas de crescimento e a acumulação de substanciais reservas internacionais
até 1973, quando se dá a reversão do ciclo.
TABELA 1 - Balanço de Pagamentos, Reservas Internacionais (em US$ milhões) e Taxa de crescimento (%)
Brasil: 1967-1873
ANO
Balança
Comercial
1967
1968
1969
1970
1971
1972
1973
213
26
378
232
-341
-244
7
Exportações
1654
1881
2311
2739
2904
3991
6199
Importações
1441
1855
1993
2507
3245
4235
6192
ContaCorrente
Contas
Capital e
Financeira
Balanço de
Pagamentos
Reservas
Internacionais
Taxa de
crescimento
do PIB
-237
-508
-281
-562
-1037
-1489
-1688
27
541
871
1015
1846
3492
3512
-245
32
549
545
530
2439
2179
198
257
656
1187
1723
4183
6416
4,2
9,8
9,5
10,4
11,3
11,9
14
Fonte: Elaboração Própria com base em dados do Banco Central do Brasil e ABREU, 1990 apud RESENDE et al,
2012.
De acordo com os dados da Tabela 1, pode-se observar que em todos os anos deste
ciclo houve déficit em conta corrente acompanhado de superávit no Balanço de Pagamentos
(exceto 1967). Ao mesmo tempo, foi registrado um aumento substancial no nível de comércio
internacional e expansão da liquidez internacional. Neste sentido, pode-se dizer que “a
vulnerabilidade externa da economia, evidenciada pelos déficits em transações correntes [...]
ficava camuflada pelos sucessivos superávits no balanço de pagamentos” (RESENDE et al,
2012, p. 216).
35
A ideia era que a reforma financeira fosse pautada nos bancos públicos, mas com um viés privado que
agregasse mais competitividade, sendo as principais fontes de financiamento de LP os bancos de investimento e
as instituições do mercado de capitais. Entretanto, isto não foi possível já que havia um elevado grau de
concentração no setor financeiro, proveniente dos bancos comerciais, e grande parte das instituições que
surgiram neste período ou foram criadas por estes bancos ou, mais tarde, incorporadas a eles (STUDART, 2005).
38
TABELA 2 - Balanço de Pagamentos, Reservas Internacionais (em US$ milhões) e Taxa de crescimento (%)
Brasil: 1974-1979
Ano
BC
Exportações
Importações
Conta
Corrente
Contas
capital e
financeira
Balanço de
Pagamentos
Reservas
Internacionais
Taxa de
crescimento
do PIB
1974
-4690
7951
12641
-7122
6254
-936
5269
8,2
1975
-3540
8670
12210
-6700
6189
-950
4040
5,2
1976
-2255
10128
12383
-6017
6594
1192
6544
10,3
1977
97
12120
12023
-4037
5278
630
7256
4,9
1978
-1024
12659
13683
-6990
11891
4262
11895
5
1979
-2840
15244
18083
-10742
7657
-3215
9689
6,8
Fonte: Elaboração Própria com base em dados do Banco Central do Brasil e ABREU, 1990 apud RESENDE et al,
2012.
Os dados da Tabela 2 revelam as consequências da desaceleração e da redução da
liquidez internacional em virtude da crise do Petróleo de 1973 e do ajuste recessivo das
economias mais desenvolvidas. O aumento das importações fazia parte das pretensões do II
PND e observa-se que, entre 1974 e 1975, houve substanciais déficits em TC advindos,
principalmente, do aumento destas importações, que passaram de um patamar de US$6
bilhões em 1973 para US$12 bilhões em 1975. No biênio, foram perdidos aproximadamente
US$2 bilhões em reservas. A partir de 1974 a economia brasileira começa a dar os primeiros
sinais de reversão do ciclo expansivo de crescimento. À época, acreditava-se que os
problemas eram de curto prazo e seriam revertidos em um futuro próximo. Assim, o Estado
brasileiro continuou se endividando em níveis extraordinários. Nesse momento, os limites
financeiros da autonomia brasileira começam a comprometer a capacidade de crescimento da
economia, uma vez que o Estado se sobreendividava em condições financeiras de alto risco
sem desenvolver correspondente capacidade de geração de divisas. (GOLDENSTEIN, 1994).
Sendo assim, ao longo dos anos 70 os pilares do financiamento do desenvolvimento
eram endividamento externo e instituições financeiras públicas36, cujos recursos provinham
basicamente de empréstimos bancários e como resultado da liquidez dos petrodólares desde
1973.
36
Goldenstein (1994) explica que a necessidade de recursos externos neste período aumenta tanto com as
importações e problemas na balança comercial como com os custos financeiros do endividamento anterior, e
exatamente neste momento os tomadores e recursos externos se retraem obrigando o governo a utilizar as
estatais como instrumento de captação de recursos externos. Em paralelo, a aceleração da inflação e a queda no
crescimento acabam fazendo com que os títulos públicos, com o risco nulo e a proteção da correção monetária,
tornem-se os ativos mais visados e também a fonte de captação de recursos externos do governo. Assim,
elevavam-se as taxas internas de juros para atrair recursos, que expandiam a liquidez ao entrar, mas que
precisava ser enxugada para garantir as altas taxas. Ao mesmo tempo, a liquidez era ampliada pelos subsídios
distribuídos aos setores mais carentes, o que obrigada o governo a vender mais títulos para financiar o esquema,
ou seja, o governo comprava dinheiro caro para emprestar barato, que levou ao endividamento exacerbado do
setor publico e acarretaria a sua falência junto com a ruptura do padrão de financiamento nacional.
39
Nos anos relativos à Marcha Forçada (1964-1979), o que se observa remonta à
abertura de capital, mecanismo que ampliaria a poupança externa necessária ao
desenvolvimento econômico brasileiro do período. Na prática, o que ocorre, principalmente
nos anos 70, é um crescimento da demanda por capitais externos superior ao hiato de recursos
e o consequente aumento do endividamento, tanto em virtude do amplo acesso aos recursos
externos quanto do choque de preços (STUDART, 2005). Assim, de acordo com Resende et
al (2012), na transição dos anos 70 para 80 tem lugar o fim da funcionalidade do arranjo
financeiro que vinha sendo utilizado até então. Com a escassez de liquidez, não foi mais
possível controlar os desequilíbrios no balanço de pagamentos nem continuar o ciclo do II
PND e a drástica redução dos investimentos mantidos pelas estatais provocou o uso de
políticas econômicas recessivas, configurando uma redução da autonomia interna.
A crise da dívida dos anos 80 reflete de maneira singular a dependência do país de
recursos externos e a diminuição de sua autonomia. As rígidas restrições externas provocadas
pelos choques do petróleo de 1973 e 1979 e a elevação da taxa de juros americana no fim dos
anos 70, sendo que o país possuía um grande montante de dívidas denominadas em dólar,
agravam a fragilidade do endividamento e inauguram um período de crise da dívida no
Brasil37. A desconfiança, gerada pela falta de capacidade de pagamentos das dívidas, tanto do
Brasil quanto de uma série de países na América Latina, provoca a inversão do fluxo de
capitais, que deixam de ser investidos no país, ao passo que o mesmo passa a enviar capitais
para pagamento da dívida. Este é um quadro característico dos anos 80 para grande parte das
economias em desenvolvimento (STUDART, 2005).
O fim da década, em contraposição, reflete o acelerado crescimento da liquidez dos
mercados de títulos, que passam a incluir ativos de alto risco em suas preferências, como os
de mercados emergentes. A abertura e liberalização dos ativos financeiros locais e o evento da
renegociação dos prazos da dívida externa, no fim dos anos 80, proporcionaram mais liquidez
a estes ativos em âmbito internacional, e as altas taxas de juros decorrentes trouxeram ao país
substanciais influxos de capitais.
As economias subdesenvolvidas que optaram por efetuar a abertura financeira e
comercial passam a participar de um mercado financeiro internacional em amplo crescimento
e disposto a tomar riscos. A administração de Collor (1990-92) se baseia em um novo
modelo, pautado por maior abertura da conta de capital, liberalização financeira doméstica e a
37
Neste momento desenvolve-se o mecanismo de tentar evitar ao máximo os efeitos desta crise através da
incorporação da dívida do setor privado pelo governo e pelas empresas estatais, que gerou ainda mais
deterioração financeira.
40
proposta de um Estado menos participativo economicamente. Em consequência desta
liberalização, de acordo com Studart (2005), a demanda por ativos externos aumenta, mas não
necessariamente como reflexo de uma demanda por hiato de recursos, ou seja, aumenta-se a
vulnerabilidade externa com (i) a geração de um passivo externo sensível a variações na taxa
de cambio e (ii) a dependência da oferta de recursos externos condicionada às suas oscilações.
Também é importante destacar que, nos anos 90, a maior parte dos fluxos de capitais
provinha de investimentos de portfólio, cuja representação no total dos fluxos chegou a atingir
50%. Por sua vez, os IEDs, advindos dos processos de privatização, estavam diretamente
associados à aquisição de empresas e não em financiamentos de longo prazo. Ou seja, os
capitais, de maneira geral, não eram direcionados a investimento e crescimento no país
(STUDART, 2005).
Portanto, em relação ao período que abrange do Plano de Metas ao início dos anos 90,
percebe-se uma escalada da dependência em relação aos recursos externos para financiar
ciclos de crescimento econômico e de poupança interna. O efeito que se observa é uma ilusão
da autonomia, uma vez que tais ciclos são possíveis na medida em que o capital externo está
disponível. Nestas condições, perante a necessidade de capital externo, o ajuste do balanço de
pagamentos tornou-se tanto menos custoso quanto maior a disponibilidade de liquidez
internacional, aumento do comércio ou facilidade de tomar empréstimos. Em contrapartida, as
políticas macroeconômicas ficaram também cada vez mais subordinadas ao ajuste do BP, em
detrimento de investimento e crescimento. Assim, conclui-se que o crescimento brasileiro
durante o período esteve restrito aos ciclos de liquidez internacional, conforme a
disponibilidade de capital externo barato aumentava a autonomia interna do país para executar
políticas voltadas ao crescimento. Por outro lado, o preço desta estratégia é, e sempre foi, o
aumento da vulnerabilidade externa.
41
4
A MANIFESTAÇÃO DA AUTONOMIA A PARTIR DO PLANO REAL
O processo de inserção no ambiente internacional globalizado e a política de
liberalização financeira tiveram início no Brasil ao fim dos anos 1980. Esta política se
baseava, principalmente, na desregulamentação do sistema financeiro – sobretudo no âmbito
bancário, e na liberalização da conta de capitais relativa a empréstimos e investimentos de
portfólio. Neste sentido, faziam-se necessárias medidas relativas à liberalização financeira e
comercial, ao ajuste fiscal (incluindo privatizações) e estabilização seguida de manutenção de
preços (HERMANN, 2010). Em teoria, tal combinação proporcionaria o ambiente financeiro
necessário para oferecer crédito de longo prazo e desenvolvimento econômico. Como
caracterização deste momento da economia mundial, pode-se dizer que a restrição externa já
não é delineada pela limitação à questão comercial, em que os países em desenvolvimento
promovem exportações para que consigam cobrir as importações necessárias ao seu
crescimento, mas que, ao recorrerem à esfera financeira, os capitais internacionais passam a
desempenhar um papel importante na superação à restrição de divisas.
Partindo, então, do pressuposto de que um país em desenvolvimento necessita de
capital externo para efetuar seu desenvolvimento e diante das consequências que advêm da
opção pelo padrão de financiamento via poupança externa, objetiva-se, neste capítulo, analisar
as contas externas relativas aos dois mandatos de Fernando Henrique Cardoso (1995-2002) e
aos dois mandatos de Lula (2003-2010) em que se mostre, dado o quadro atual da economia
brasileira, a existência de uma redução da vulnerabilidade externa e da aderência dos ciclos de
crescimento à disponibilidade de liquidez no sistema internacional. Ou seja, se houve ou não
um aumento da autonomia interna perante a redução da necessidade de recursos externos.
Para tanto, será feita uma análise de contas selecionadas do balanço de pagamentos
brasileiro em conjunto com outros indicadores de análise no período, ressaltando as
circunstâncias em que fica mais evidente a falta de autonomia como manifestação da
dependência de capital externo para o ajuste do balanço de pagamentos.
4.1 UM BALANÇO DAS CONTAS EXTERNAS
O processo inflacionário pelo qual passou a economia brasileira ao longo dos anos 80
e da primeira metade da década de 90 culminou com a implantação do Plano Real em 1994,
que foi bem sucedido na manutenção da estabilidade de preços. Através de reformas
liberalizantes nos planos comercial e financeiro – da flexibilização da mobilidade de capitais,
42
inclusive de curto prazo, e por meio da ancoragem cambial, o país conseguiu controlar o
quadro inflacionário, meta da candidatura de Cardoso. Paralelamente, no entanto, agravavamse o endividamento e também a vulnerabilidade externa da economia.
A estratégia de inserção internacional com base no tripé neoliberal, no entanto, não se
mostrou sem consequências adversas. Ao mesmo tempo em que tais reformas concederam ao
país o acesso à liquidez internacional, também colaboraram para que as decisões do governo
brasileiro, no que diz respeito à sua política econômica, ficassem limitadas pela dependência
de financiamento externo, o que representa uma perda de autonomia política para o país.
TABELA 3 - Balanço de Pagamentos, Contas Selecionadas (US$ milhões) – Brasil: 1995-2002
1995
1996
1997
1998
Transações Correntes
-18.384 -23.502 -30.452 -33.416
Balança comercial
-3.466
-5.599
-6.753
-6.575
Importações
49.972 53.346 59.747 57.714
Exportações
46.506 47.747 52.994 51.140
Serviços
-7.483
-8.681 -10.646 -10.111
Rendas
-11.058 -11.668 -14.876 -18.189
Lucros e Dividendos
-2.951
-2.830
-5.443
-6.855
Juros
-7.946
-8.778
-9.483 -11.437
3.622
2.446
1.823
1.458
Transferências unilaterais
Conta Capital e
29.095 33.968 25.800 29.702
Financeira
Investimento Direto
3.309
11.261 17.877 26.002
Estrangeiros no país
4.405
10.792 18.993 28.856
Brasileiros no exterior
-1.096
469
-1.116
-2.854
Investimentos em carteira
9.217
21.619 12.616 18.125
Estrangeiros
10.372 22.022 10.908 18.582
Brasileiros
-1.155
-403
1.708
-457
Saldo do BP
12.919
8.666
-7.907
-7.970
Fonte: elaboração própria com base em dados do Banco Central
1999
-25.335
-1.199
49.210
48.011
-6.977
-18.848
-4.115
-14.876
1.689
2000
-24.225
-698
55.783
55.086
-7.162
-17.886
-3.316
-14.649
1.521
2001
-23.215
2.650
55.572
58.223
-7.759
-19.743
-4.961
-14.877
1.638
2002
-7.637
13.121
47.240
60.362
-4.957
-18.191
-5.162
-13.130
2.390
17.319
19.326
27.052
8.004
26.888
28.578
-1.690
3.802
3.542
259
-7.822
30.498
32.779
-2.282
6.955
8.651
-1.696
-2.262
24.715
22.457
2.258
77
872
-795
3.307
14.108
16.590
-2.482
-5.119
-4.797
-321
302
Os efeitos mais visíveis de tal opção podem ser observados no balanço de pagamentos
(Tabela 3). O primeiro mandato de Fernando Henrique Cardoso (FHC) (1995-1998) foi
marcado pela tentativa de manter a paridade Real/Dólar, pouco comprometimento com
restrição de gastos do governo e, em consequência, a deterioração da balança comercial, fatos
que demandaram uma politica monetária bastante restrita, sob altas taxas de juros (ABREU;
WERNECK, 2005). A busca pela manutenção da estabilidade da moeda manteve a taxa de
câmbio sobrevalorizada até 1999. Em consequência, houve um incentivo considerável às
importações, que não foram acompanhadas por um crescimento rápido das exportações, tanto
pela apreciação da moeda quanto pelo efeito das privatizações, que, apesar de inicialmente
terem um impacto positivo, garantindo a entrada dos investimentos estrangeiros e na redução
43
dos gastos públicos, representavam, basicamente, uma transmissão de patrimônio que não
consistia em investimento produtivo.
Mediante este cenário de déficit da balança comercial, somado à entrada de
investimentos diretos e à captação de recursos externos de curto prazo, estabeleceu-se um
cenário em que o próprio déficit em conta corrente se retroalimentava, uma vez que o ajuste
era feito através de endividamento e da entrada de IED, cujas contrapartidas por meio do
pagamento de juros e de lucros e dividendos pesavam sobre a conta de rendas e pressionavam
as contas externas, aumentando o déficit.
A continuidade do arranjo deteriorou tanto as contas públicas quanto as contas
externas. A opção pelo financiamento externo fez com que a taxa de juros fosse amplamente
utilizada no período como mecanismo de atração de capitais no mercado financeiro e teve
efeitos devastadores sobre o endividamento externo. Estes efeitos ainda sofreram agravo com
as crises financeiras na Ásia e na Rússia, que obrigaram as autoridades monetárias a manter as
taxas elevadas para proteger o Real da especulação, na medida em que se buscava conservar a
estabilidade monetária sob o sistema de bandas cambiais ora vigente. Neste sentido, coloca-se
que o primeiro mandato de FHC foi caracterizado pela submissão da política econômica à
defesa da taxa de câmbio, servente não à lógica de acumulação de divisas via exportação, mas
à estabilidade cambial e inflacionária.
Em decorrência desta opção feita pelo governo, foi gerada uma série de
desequilíbrios econômicos, refletidos nos déficits comerciais, que se transpunham para as
transações correntes e eram sustentados pelo endividamento externo crescente. Também, a
necessidade de conservação do mecanismo cambial se dava através da captação de recursos
externos, por meio da manipulação da taxa de juros, o que aumentava a dívida pública e o
passivo do Estado brasileiro, engessando a política fiscal e restringindo sua manobra com
relação às políticas de crescimento. O retrato deste cenário de perda da autonomia na gestão
da política econômica é demonstrado pelo que Carcanholo (2010) identifica como sendo “as
quatro armadilhas” do processo de captação de recursos externos para financiar o Balanço de
Pagamentos:
1)
A restrição externa estrutural ao crescimento, que se manifesta na
obrigação do estabelecimento de uma taxa de juros muito alta como forma
de garantir a entrada de capitais que possibilitem o encerramento das
contas;
2)
A questão das contas externas, relativa ao crescimento do déficit em TC,
oriundo do processo de abertura externa, que acarreta o aumento do
44
passivo externo38 necessário para financiar tal déficit. Concomitantemente,
isso implica no maior pagamento do serviço deste passivo, o que volta a
elevar o déficit da balança de serviços e gera um círculo vicioso de
endividamento externo;
3)
Em consequência das altas taxas de juros, há o aumento do serviço da
dívida pública, que acaba sendo refinanciado através de um novo
endividamento, ou seja, por intermédio do lançamento de novos papeis da
dívida pública. Assim, produz-se uma “armadilha fiscal”, definida pelo
aumento do estoque e do serviço da dívida pública;
4)
Por último, estabelece-se um mecanismo de stop and go, definido pelas
oscilações conjunturais da atividade econômica. Quando há o crescimento
do nível de atividade econômica e da renda, há também uma elevação da
demanda por importações, e, portanto, do déficit em TC. Para financiar o
déficit, incorre-se no aumento das taxas de juros, o que acaba
interrompendo o processo de crescimento.
Mediante os efeitos das crises asiática e russa, os déficits públicos se acumularam de
tal maneira que se tornaram insustentáveis. Neste contexto, o empréstimo coletado junto ao
FMI, em setembro de 1998, foi concedido como uma forma de garantir a solvência do
governo com relação a papeis brasileiros em posse de diversas instituições financeiras fora do
país. A condicionalidade, portanto, requeria que o sistema de bandas cambiais continuasse
operante (IMF, 2003).
Os resultados na economia brasileira podem ser entendidos tanto como fruto da
adoção de um pacote de políticas neoliberais que não foi seguido à risca, pois a taxa de
câmbio tornou-se flutuante no início de 1999, quanto da dependência em relação às divisas
estrangeiras. As contas do balanço de pagamentos estavam de tal maneira atreladas ao capital
externo que, na manifestação das crises financeiras de 1997 e 1998, a desestabilização dos
mercados financeiros e a retração de liquidez culminaram com uma crise no balanço de
pagamentos, evidenciando um efeito de aderência entre o desenvolvimento da economia
brasileira e os ciclos de liquidez em âmbito internacional.
38
Este conceito sinaliza não apenas o total da remuneração do capital de empréstimos, como o conceito de
credor ou devedor internacional o faz, mas também pode indicar valores de remuneração de capital de risco
(ALMEIDA, 2004).
45
O mandato seguinte, iniciado em 1999, começou com o rompimento da sustentação da
âncora cambial39. Este rompimento é uma manifestação da pressão da sobrevalorização
cambial sobre as contas externas brasileiras como consequência da necessidade de divisas
externas. A busca pela manutenção do câmbio elevado, no contexto em que a moeda
brasileira não é conversível, teve um custo muito alto em termos macroeconômicos, expresso
no desincentivo à exportação e na necessidade da manutenção de altas taxas de juros como
ferramenta de conservação da entrada de capitais, ao passo que desestimulou o investimento.
Nesse sentido, a autonomia política do governo para priorizar políticas de desenvolvimento
foi extremamente restringida, assim como o crescimento brasileiro.
No novo governo, como forma de ampliar a autonomia da gestão de política
monetária, no lugar da âncora cambial foi adotado um novo tripé macroeconômico, composto
pelo regime de câmbio flexível, superávit primário e sistema de metas de inflação. Em termos
de balança comercial, presume-se um impacto positivo advindo da desvalorização da moeda
brasileira, que de fato se observou a partir da redução do déficit comercial já ao fim de 1999,
embora a balança só tenha começado a apresentar superávits a partir de 2001. Em termos de
política econômica, o governo manteve sua opção de flexibilização financeira. Desta maneira,
a economia brasileira continuou sendo financiada por recursos externos e restringida em sua
autonomia, uma vez que continuava a direcionar sua política econômica na busca por meios
pelos quais pagaria suas dívidas, mesmo que, para tanto, precisasse reduzir o investimento,
aumentar o desemprego e realizar cortes de recursos destinados à redistribuição de renda.
Apesar de a desvalorização cambial ter possibilitado melhora na balança comercial, as contas
externas do governo continuaram deficitárias, exigindo a captação de recursos externos para o
fechamento do BP.
A transição do governo FHC para o governo Lula acabou sendo um momento de
grande turbulência para a economia brasileira. As eleições presidenciais de 2002, com a
previsão de vitória do candidato representante do partido de orientação esquerdista,
suscitaram incertezas entre os investidores internacionais, temerosos da ruptura da adesão
brasileira aos princípios do Consenso de Washington. A declaração40 do governo Lula, sob a
39
Em janeiro de 1999 o decreto de moratória da dívida externa do estado de Minas Gerais anunciou o fim do
regime de bandas cambiais. Foram feitas tentativas de manter o câmbio sob controle, mesmo com sua constante
desvalorização e a perda de 8 bilhões em reservas entre dezembro de 1998 e janeiro de 1999 para cobrir os
prejuízos. Em 15 de janeiro foi oficialmente adotado o regime de taxas de câmbio flutuantes.
40
Em declaração ao comprometimento do governo Lula com os compromissos internacionais, a Carta ao Povo
Brasileiro, assinada pelo candidato, versava: “Premissa dessa transição será naturalmente o respeito aos contratos
e obrigações do país. As recentes turbulências do mercado financeiro devem ser compreendidas nesse contexto
de fragilidade do atual modelo e de clamor popular pela sua superação” (PARTIDO DOS TRABALHADORES,
46
qual o candidato se comprometia a adotar uma postura mais conservadora, não foi suficiente
para acalmar os mercados. Ao assumir a presidência, em 2003, Lula manteve a palavra com
relação à manutenção do pagamento dos compromissos brasileiros e também as bases da
política econômica do governo anterior, tendo até mesmo aprofundado alguns de seus
aspectos como o superávit primário e a liberalização financeira (CARCANHOLO, 2010).
Gradualmente, os fluxos de capitais regressaram ao país.
Com a especulação contra o Real, entre 2001 e 2002, fica evidente a forte dependência
da economia brasileira dos capitais externos. Assim, a despeito das expectativas de uma
parcela do Partido dos Trabalhadores, o presidente Lula, declaradamente oposto ao regime
neoliberal, reconheceu que não seria possível abandonar o tripé liberal naquele momento, sob
pena de crise no BP, dado o nível de imersão da economia brasileira à abertura e liberalização
financeira.
TABELA 4 - Balanço de Pagamentos, Contas Selecionadas (US$ milhões) – Brasil: 2003-2010
2003
2004
2005
2006
Transações Correntes
4.177
11.679 13.985 13.643
Balança comercial
24.794
33.641 44.703 46.457
Importações
48.290
62.835 73.606 91.351
Exportações
73.084
96.475 118.308 137.807
Serviços
-4.931
-4.678
-8.309
-9.649
Rendas
-18.552 -20.520 -25.967 -27.480
Lucros e Dividendos
-5.640
-7.338 -12.686 -16.369
Juros
-13.020 -13.364 -13.496 -11.289
Conta Capital
498
372
663
869
Conta Financeira
4.613
-7.895 -10.127 15.430
Investimento Direto
9.894
8.339
12.550 -9.380
Estrangeiros no país
10.144
18.146 15.066 18.822
Brasileiros no exterior
-249
-9.807
-2.517 -28.202
Investimentos em carteira
5.308
-4.750
4.885
9.081
Estrangeiros
5.129
-3.996
6.655
9.076
Brasileiros
179
-755
-1.771
6
Saldo do BP
8.496
2.244
4.319
30.569
Fonte: elaboração própria com base em dados do Banco Central
2007
2008
2009
1.551
-28.192 -24.302
40.032
24.836
25.290
120.617 173.107 127.705
160.649 197.942 152.995
-13.219 -16.690 -19.245
-29.291 -40.562 -33.684
-22.435 -33.875 -25.218
-7.305
-7.232
-9.069
756
1.055
1.129
88.330
28.297
70.172
27.518
24.601
36.033
34.585
45.058
25.949
-7.067 -20.457 10.084
48.390
1.133
50.283
48.104
-767
46.159
286
1.900
4.125
87.484
2.969
46.651
2010
-47.273
20.147
181.768
201.915
-30.835
-39.486
-30.375
-9.610
1.119
98.793
36.919
48.506
-11.588
63.011
67.795
-4.784
49.101
Observa-se na Tabela 4 que, já nos primeiros anos do governo Lula, há um aumento
substancial do superávit na balança comercial, resultado que aparece principalmente como
função da fase de ascensão do comércio internacional e como consequência da desvalorização
cambial. Após pelo menos 8 anos de déficits, a conta corrente brasileira passa a ser positiva e
assim se mantém até 2008. A percepção de contas nacionais mais saudáveis reafirmou a
2002, p. 2).
47
segurança no mercado financeiro. A evolução do comércio internacional também surtiu
efeitos sobre o volume e os preços das exportações brasileiras, em cuja categoria de
predominância eram as commodities.
Também de acordo com a Tabela 4, é possível perceber que os fluxos de investimento
em carteira apresentaram uma trajetória de oscilação. Em 2003, estes fluxos foram de US$5,3
bilhões, regredindo de maneira acentuada no ano seguinte, quando houve uma saída deste
fluxo de US$4,7 bilhões. A partir de então, iniciou-se um período de aumento até 2007, com o
investimento em portfólio aumentando em 10 vezes entre 2005 e 2007. Em 2008, a crise
econômica e a retração da liquidez internacional reduziram drasticamente estes fluxos, cujo
saldo foi de apenas US$1 bilhão. Também o aumento do investimento direto entre 2003 e
2008 teve como contrapartida uma remessa crescente de lucros e dividendos para o exterior,
que passou de US$5,6 bilhões em 2003 para US$33,6 bilhões em 2008.
Em 2005, em virtude da conjuntura favorável e do acúmulo de reservas internacionais,
que chegava a US$64 bilhões em novembro, o governo toma a decisão de quitar a dívida
junto ao FMI. Durante o período que seguiu, houve crescimento expressivo das reservas
internacionais, que passaram de US$49 bilhões, em 2003, para US$ 288 bilhões, em 2010. A
retenção de reservas permitiu um afrouxamento da restrição ao balanço de pagamentos, muito
importante para a manutenção da taxa de juros em um patamar estável e relativamente baixo
durante o período. A redução do passivo externo e também das taxas de juros reduziram os
valores desembolsados com os custos do mesmo.
Em virtude da aceleração do crescimento brasileiro, acompanhada pela elevada taxa de
juros doméstica e a expectativa de apreciação do Real, o Brasil se tornou um polo de atração
de capitais ao longo da década de 2000. Com a crise financeira de 2008 veio a retração no
mercado financeiro internacional e a restrição de liquidez. Sob este contexto, há uma queda na
demanda internacional, as exportações são contraídas e os preços das commodities diminuem.
Em números, o resultado da balança comercial reduziu-se à metade do ano anterior, os
investimentos em carteira sofreram um déficit de US$760 milhões e, assim, o saldo em conta
corrente no ano foi negativo em US$28 bilhões. Os resultados da crise evidenciam que, a
despeito do acúmulo de reservas e da redução da dívida externa, não foram executadas
medidas que alterassem estruturalmente a vulnerabilidade externa da economia brasileira.
Nesse sentido, com a reversão do cenário internacional, ressurge a necessidade estrutural de
financiamento externo para o fechamento do BP.
No que tange ao pós-crise, a taxa de juros, mesmo que baixa em comparação com
outros períodos, encontrava-se em um patamar mais elevado com relação à taxa de juros
48
internacional (CARCANHOLO, 2010). Sendo assim, em 2009 e 2010, o país voltou a atrair
entradas massivas de investimentos externos. Em 2010, a conta financeira atingiu o valor de
US$98 bilhões, suficiente para cobrir o expressivo déficit em transações correntes, que
alcançou US$47 bilhões.
De maneira geral, o primeiro mandato do governo Lula foi caracterizado pela adesão à
doutrina neoliberal característica do governo anterior. A economia começou a se beneficiar da
flutuação cambial e os saldos em conta corrente finalmente se tornaram superavitários, muito
em função do aumento no comércio internacional e da liquidez como um todo. Barbosa e
Souza (2010) ressaltam que houve um ponto de inflexão no governo, relativamente ao início
do segundo mandato, em que o governo Lula passa a adotar políticas de cunho
desenvolvimentista que visam à redistribuição de renda, aumento de salários mínimos,
superávits fiscais mais modestos e maiores gastos com investimentos públicos, que
possibilitem taxas de crescimento mais expressivas e maior estabilidade econômica.
Os efeitos destas políticas, no entanto, são contestáveis. Com a deflagração da crise,
em 2008, manifesta-se a saída dos fluxos de capitais do Brasil, além da contração do crédito e
da redução no nível de comércio internacional e liquidez. O acúmulo de reservas que o
governo vinha realizando nos anos anteriores, ajudou a combater os efeitos da crise, embora
não tenha sido suficiente para manter saudáveis as contas externas. Ao mesmo tempo, nem as
políticas ditas de cunho mais desenvolvimentista permitiram uma resposta à altura da crise.
Ou seja, não há indícios de que tenham sido efetuadas mudanças estruturais internas ao longo
do período suficientemente representativas para a conquista de maior autonomia interna
brasileira, inclusive em momentos de retração do capital externo. Os motivos que sustentam
esta interpretação terão lugar na próxima seção.
4.2 A REALIDADE DA AUTONOMIA BRASILEIRA
Nesta seção, busca-se avaliar sob quais aspectos houve alterações na dependência de
capital externo na economia brasileira e em que dimensão estas alterações são indicativas de
que houve um aumento real da autonomia interna na condução de políticas macroeconômicas.
Apesar de os pilares do modelo de condução das políticas macroeconômicas terem
sido mantidos da primeira para a segunda gestão de Lula, algumas mudanças são indicativas
de que houve uma redução da vulnerabilidade externa e, portanto, certa retomada da
autonomia nas decisões políticas do Brasil. Entre estas mudanças está a passagem de déficits
para superávits na conta corrente a partir de 2003, ocasionada pelo considerável aumento das
49
exportações, que provocou um afrouxamento importante das restrições ao balanço de
pagamentos.
O sucesso das exportações foi impulsionado, principalmente, por dois elementos: a
estratégia de ação externa voltada para a diversificação dos parceiros comerciais e mercados
consumidores intensificada no governo Lula e a evolução do cenário internacional com
relação aos preços das commodities, que serão analisados posteriormente. Se por um lado, a
mensuração dos impactos do aumento do comércio mundial e dos preços das commodities nas
exportações brasileiras é mais efetiva, não se pode ignorar que a política de diversificação das
parcerias tenha sido um fator, não apenas de ampliação do comércio, como também de
diversificação dos riscos de se manter relações limitadas com um número restrito de países
(SALES, 2012).
GRÁFICO 1 – Volume de Exportações Brasileiras por País de Destino (US$ milhões FOB) – 19952010
50000
45000
40000
35000
30000
25000
20000
15000
10000
5000
0
MERCOSUL
CHINA
BRICS
AFRICA
Estados Unidos
União Europeia
Fonte: Elaboração própria com base em dados Aliceweb/MDIC.
No Gráfico 1, destaca-se o aumento gradual e generalizado do volume de exportações
brasileiras, mais evidente a partir de 2003. No período anterior a 2003, o volume de
exportações
manteve-se
relativamente
constante,
principalmente
em
virtude
da
sobrevalorização cambial, que foi prejudicial às exportações, ao mesmo tempo em que
incentivou as importações. Ademais, predominava uma lógica direcionada à adesão do Brasil
a organismos multilaterais e à prioridade de aderir a protocolos que acabavam por estreitar as
relações com os países centrais, relegando ao segundo plano relações com outros parceiros
comerciais, como os países da África.
50
Ao longo do período, houve a tentativa de fomentar o processo de integração regional
através do fortalecimento de relações com o Mercado Comum do Sul (Mercosul), embora a
partir de 1998 as exportações para o bloco tenham declinado, principalmente em função dos
desequilíbrios na Argentina, o país para o qual as importações do Brasil são mais
significativas no bloco. De maneira geral, o período foi caracterizado por uma aproximação
com os parceiros tradicionais, notadamente a Europa e os Estados Unidos, sem uma iniciativa
muito consistente na busca pela ampliação das parcerias.
Desde 2000 a balança comercial demonstrava sinais de recuperação, resultado
gradualmente adquirido sob os efeitos tardios da mudança de regime cambial vigente a partir
de 1999 e da consequente desvalorização do Real. No cenário internacional, alguns dos
principais parceiros comerciais do Brasil, como a economia argentina e a economia
americana, recuperavam-se. Também houve o crescimento da economia chinesa, que passou a
importar muito do Brasil.
Por um lado, uma parcela significativa do aumento das exportações brasileiras pode
ser explicada pela ascensão de um novo ciclo de liquidez internacional, uma componente
conjuntural da restrição externa. Por outro, pode-se dizer que a política externa mais ativa e
com vistas à ampliação dos parceiros comerciais na nova gestão é uma tentativa de
“autonomia pela diversificação”, que significa alterar estruturalmente a dependência da
balança comercial de um número restrito de parceiros comerciais em prol de variações que
teriam por característica diversificar o comércio brasileiro.
A iniciativa do governo estava pautada na orientação de parcerias não apenas com a
finalidade comercial, mas estrategicamente estabelecidas para aumentar o poder de barganha
do Brasil e de outros blocos e países junto às tomadas de decisão, tanto no âmbito da OMC
como em foros de diversas naturezas. Neste sentido, como orienta o ex-Ministro de Relações
Exteriores Celso Amorim:
“A consolidação do G-20 demonstra que existe um espaço diplomático que merece
ser melhor explorado na interação com outros grandes países e regiões em
desenvolvimento. Por vários séculos, dependemos de percepções colhidas por
observadores europeus e norte-americanos sobre sociedades geograficamente
distantes das nossas, como as da Ásia e do Oriente Médio, e até mesmo em relação a
outras mais próximas, na vizinha África. A intensificação do diálogo e do
intercâmbio direto com essas e outras regiões, para além da retórica já esgotada do
terceiro-mundismo, exige, sobretudo, vontade política de parte a parte” (AMORIM,
2003, p. 260).
51
GRÁFICO 2 - Variação (%) do Volume de Exportações Brasileiras por País de Destino 2003-2008 *
300
250
200
150
100
50
0
MERCOSUL
CHINA
BRICS
AFRICA
Estados Unidos União Europeia
*método de cálculo: exportações 2008 - exportações 2003/ exportações 2003 *100
Fonte: elaboração própria com base em dados Aliceweb/Mdic
Assim, o Gráfico 2 mostra que, embora Estados Unidos e União Europeia tenham se
mantido, ao menos até 2008, como os principais importadores de mercadorias brasileiras
(vide Gráfico 1), variações muito significativas estão concentradas em parceiros comerciais
que não eram tradicionais, como China, África e países do BRICS, alvos da estratégia
comercial brasileira. Ademais, as relações com o Mercosul também foram estreitadas. Um dos
resultados mais positivos desta política, direcionada à redução da vulnerabilidade perante
cenários de crise econômica internacional, notadamente no ano de 2008, manifesta-se na
conservação de parceiros que, diferentemente de Estados Unidos e União Européia, no
epicentro da crise, continuaram aumentando suas importações do Brasil, mesmo a partir de
2008. Ou seja, as ações de política externa para a melhoria do desempenho exportador
brasileiro, por meio do estreitamento das relações do Brasil com seus vizinhos sul-americanos
e países não tradicionais em sua agenda de política externa, bem como através da
aproximação com outros países emergentes, possibilita inferir que houve certa redução da
vulnerabilidade externa estrutural.
Também a partir dos anos 2000, o elevado crescimento da economia chinesa e demais
nações asiáticas converteu-se em uma elevada demanda por commodities de naturezas
agrícola e mineral, que beneficiou países com inserção comercial baseada nestes produtos,
como o Brasil. O aumento da demanda e, consequentemente, dos preços das commodities
representou um forte impulso às exportações e à manutenção do superávit nas transações
correntes. De acordo com os dados da Tabela 5, o crescimento de exportações de bens
básicos, categoria que enquadra também as commodities, registrou, em 2001, um crescimento
de 22,1% em relação ao ano anterior e, a partir daí, não registrou taxas menores que 16%
(exceto em 2002) até 2009, atingindo no ano anterior uma taxa de 40%.
52
TABELA 5 – Exportações Brasileiras por Fator Agregado - 1995 a 2010 (valores em US$ milhões
FOB)
BÁSICOS
ANO
1995
1996
1997
1998
1999
2000
2001
2002
2003
2004
2005
2006
2007
2008
2009
2010
SEMIMANUFATURADOS
MANUFATURADOS
Valor
Var. %
(*)
Part./Total
(**)
Valor
Var. %
(*)
Part./Total
(**)
Valor
Var.
% (*)
10969
11900
14474
12977
11828
12562
15342
16952
21179
28518
34721
40285
51596
73028
61957
90005
-0,8
8,5
21,6
-10,3
-8,9
6,2
22,1
10,5
24,9
34,7
21,8
16,0
28,1
41,5
-15,2
45,3
23,6
24,9
27,3
25,4
24,6
22,8
26,4
28,1
29,0
29,6
29,3
29,2
32,1
36,9
40,5
44,6
9146
8613
8478
8120
7982
8499
8244
8964
10943
13431
15961
19523
21800
27073
20499
28207
32,7
-5,8
-1,6
-4,2
-1,7
6,5
-3,0
8,7
22,1
22,7
18,8
22,3
11,7
24,2
-24,3
37,6
19,7
18,0
16,0
15,9
16,6
15,4
14,2
14,9
15,0
13,9
13,5
14,2
13,6
13,7
13,4
14,0
25565
26413
29194
29387
27329
32528
32901
33001
39654
52948
65144
75018
83943
92682
67349
79563
2,4
3,3
10,5
0,7
-7,0
19,0
1,1
0,3
20,2
33,5
23,0
15,2
11,9
10,4
-27,3
18,1
Part./Total
(**)
55,0
55,3
55,1
57,5
56,9
59,0
56,5
54,7
54,3
54,9
55,1
54,4
52,3
46,8
44,0
39,4
(*) Variação % sobre o período anterior
(**) Participação % da categoria sobre o total
Fonte: Elaboração própria com base em dados SECEX/MDIC.
A evolução relativa à participação por fator agregado no total das exportações
brasileiras traz à tona uma questão que, a despeito das vantagens do aumento na demanda
internacional por commodities, requer uma análise detalhada sobre a recente “reprimarização”
da pauta de exportações. Esta mudança de caráter estrutural nas exportações brasileiras, que
reflete o aumento de vendas de bens básicos em sobreposição aos bens manufaturados, sugere
que possa haver uma tendência à reprimarização da pauta, assunto abordado por autores como
Filgueiras e Gonçalves (2007) e Carcanholo (2010). Com relação ao valor representado pelas
manufaturas, houve uma queda significativa entre 2005, em que a categoria representava 55%
do total, e 2010, que atingia 39,4%. Filgueiras e Gonçalves (2007) chamam a atenção para o
fato de que a diversidade dos produtos manufaturados é muito pequena no Brasil e o valor das
exportações se deve, principalmente, a um produto em especial: “o conhecido caso dos aviões
– que assume grande destaque exatamente porque é exceção” (p. 83).
Em consonância com a perspectiva estruturalista, a característica da alta elasticidadepreço dos bens primários faz com que estes tenham seus preços atrelados às variações da
53
demanda (PREBISCH, 1973, apud RODRIGUEZ, 2009). Neste sentido, a priori, há uma
tendência de desvalorização destes bens em caso de desaceleração do crescimento econômico
mundial. Como sugerem Resende e Jayme Jr. (2009, p. 23):
“O alívio de curto prazo da restrição externa só possibilita garantir o crescimento de
longo prazo com equilíbrio no balanço de pagamentos se a estratégia de crescimento
baseado na demanda lograr êxito em garantir o catch up tecnológico. Estudos
recentes demonstram que o país não obteve êxito em fazer o catch up, tampouco
rompeu a restrição externa”.
Sendo assim, a reprimarização da pauta, em detrimento de produtos de mais alto teor
tecnológico, cujos preços são mais altos e a demanda mais estável, pode ser considerada um
elemento de aumento da vulnerabilidade externa estrutural brasileira, já que as exportações
daqueles bens estão condicionadas aos ciclos de demanda do comércio internacional. Mantida
a tendência, o país pode voltar a se confrontar com o problema da restrição de divisas para
fechar o balanço de pagamentos.
Com relação ao acúmulo de divisas, os sucessivos superávits comerciais obtidos pelo
Brasil no período permitiram ao país manter um alto nível de reservas internacionais, dotando
o Banco Central de capacidade para influir sobre o câmbio sem a necessidade de desvalorizálo. Importante ressaltar que, embora este acúmulo de reservas tenha sido resultado do
aumento das exportações, o que significa uma redução da vulnerabilidade, uma vez que não
criaram contrapartidas futuras em saída de moeda estrangeira, a melhora deste indicador ainda
está condicionada a um cenário internacional favorável para as exportações.
Há também que se dizer que os indicadores da dívida externa brasileira seguiram uma
trajetória decrescente a partir do governo Lula.
54
TABELA 6 – Indicadores de Vulnerabilidade Externa - 1994-2010
Data
Serviço da
Dívida
Dívida
Reservas
Dívida externa
dívida*/
externa** externa
/dívida
/exportações
/ PIB (%) líquida*** total (%)
exportações
(%)
/ PIB (%)
38,2
27,3
16,2
26,2
3,4
1994
44,5
20,7
12
32,6
3,4
1995
54,7
21,4
12
33,4
3,8
1996
72,6
23
15
26,1
3,8
1997
87,4
28,6
21,6
18,4
4,7
1998
126,5
41,2
32,4
15,1
5
1999
88,6
36,6
29,5
14
4,3
2000
84,9
37,9
29,4
17,1
3,6
2001
82,7
41,8
32,7
18
3,5
2002
72,5
38,8
27,3
22,9
2,9
2003
53,7
30,3
20,4
26,3
2,1
2004
55,8
19,2
11,5
31,7
1,4
2005
41,3
15,9
6,9
49,7
1,3
2006
32,4
14,1
-0,9
93,3
1,2
2007
19
12
-1,7
104,3
1
2008
28,5
12,2
-3,8
120,6
1,3
2009
22,9
12
-2,4
112,4
1,3
2010
Dívida externa
líquida /
exportações
2
2
2,1
2,5
3,6
4
3,5
2,8
2,7
2,1
1,4
0,9
0,5
-0,1
-0,1
-0,4
-0,3
*Relativo ao pagamento de juros e amortizações por empréstimos concedidos. Inclui os juros de remuneração de
capitais de curto prazo.
**Divida Externa Bruta: Compreende as dívidas registrada e não registrada deduzidas do crédito brasileiros no
exterior.
*** Dívida Externa Bruta deduzida das Reservas Internacionais e Créditos no Exterior.
Fonte: BCB, Boletim do Banco Central, Suplemento estatístico.
De acordo com a Tabela 6, é possível observar uma evolução dos indicadores de
vulnerabilidade externa41 de um governo para o outro.
Os dados mostram que, ao longo do primeiro governo FHC até 1999, houve um
aumento considerável da vulnerabilidade externa conjuntural da economia brasileira. Este
aumento foi um reflexo da estrutura de financiamento que se instituiu na década de 1990 com
a liberalização financeira e o tripé de políticas conservadoras visando à manutenção da
inflação e do sistema de bandas cambiais. Esta estrutura imputava ao governo que mantivesse
as taxas de juros em um nível bem acima da taxa internacional, como prêmio de risco pelo
financiamento de uma economia em desenvolvimento e de alto risco. Este evento não só
41
A vulnerabilidade externa pode ser dividida entre vulnerabilidade externa conjuntural, determinada pelas
opções e custos do processo de ajuste externo. Ela depende positivamente das opções disponíveis e
negativamente dos custos do ajuste externo. Essencialmente um fenômeno de curto prazo. Já a vulnerabilidade
externa estrutural é determinada, principalmente, pelos processos de desregulação e liberalização nas esferas
comercial, produtivo-real, tecnológica e monetário-financeira das relações econômicas internacionais do país,
fundamentalmente um fenômeno de longo prazo (FILGUEIRAS e GONÇALVES, 2007).
55
causou uma sobrevalorização cambial que reduziu o nível das exportações como
sobrecarregou o serviço da dívida até 1999. Observe-se que o serviço, como proporção das
exportações, sofreu um aumento de 38% em 1994 para 126,5% em 1999. Além disso, o
descontrole do resultado primário, que não ultrapassou a média de 0,1% do PIB em média, no
período (ALMEIDA, 2004), fez com que fosse necessário manter a taxa de juros elevada para
a proteção das bandas cambiais. Nesse sentido, a dívida pública elevou-se de 28,1% no início
do mandato para 47% no início de 1999.
De maneira geral, os indicadores mostram que, até 1999, tudo convergia para o
fracasso do modelo de bandas cambiais. A supervalorização da moeda, a redução das
exportações e a maior dependência de recursos externos, na indisponibilidade de
financiamento de longo prazo para cobrir os desequilíbrios no balanço de pagamentos, eram
superados pelo acesso a recursos de curto prazo. Estes deterioravam ainda mais as contas, na
medida em que aumentavam os custos com o serviço da dívida. As reservas internacionais
também se reduziram como reflexo da necessidade de manter o regime cambial.
Diante disso, pode-se dizer que no período FHC houve uma acentuada dependência de
capitais externos em virtude da tentativa do governo de seguir um modelo liberal periférico
(Filgueiras e Gonçalves, 2007) e um aumento da vulnerabilidade externa na medida em que a
necessidade de financiamento externo cresceu. Assim, diante de momentos críticos de
retração de liquidez internacional, como as crises de 1997 e 1998, os impactos nas contas
brasileiras foram tais que provocaram uma crise no balanço de pagamentos, que culminou
com a mudança do regime cambial e evidenciou as vulnerabilidades do modelo. Em
consequência da excessiva necessidade de capitais externos e do agravamento da
vulnerabilidade externa, houve uma perda de autonomia interna.
Nesse sentido, de acordo com Morais e Saad-Filho (2011), havia um consenso sobre
as insuficiências das políticas neoliberais, bem como sobre as suas consequências
macroeconômicas adversas, evidenciadas pelas baixas taxas de crescimento e pela contínua
vulnerabilidade das contas externas.
A transição para o governo Lula já confirmava uma melhora nos indicadores de
vulnerabilidade atrelados à dívida externa, muito em decorrência da mudança no regime
cambial. As taxas de juros experimentaram um período de certa estabilidade, abaixo dos 20%
desde 1999, alinhado a um incremento das reservas internacionais, que passaram de 16% do
total do PIB em 1999 para 23% em 2003.
56
Com o incremento das exportações e a reversão dos déficits em transações correntes, a
partir de 2003 a necessidade de financiamento externo42 tornou-se negativa e independente
dos investimentos diretos para atingir este resultado.
GRÁFICO 3 - Necessidade de Financiamento Externo*, Transações Correntes, IED e Investimento de
Portfólio (US$ milhões)
Transações correntes
Investimento Direto
Necessidade de Financiamento Externo
Investimento de Portfólio
70000
50000
30000
10000
-10000
1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010
-30000
-50000
*Diferença entre as Transações Correntes e o Investimento Direto Externo
Fonte: elaboração própria com base em dados do Banco Central
O movimento no Gráfico 3 evidencia, como já foi mencionado, que houve um período
de expansão da balança comercial, refletido nos superávits na conta corrente, que afrouxou a
restrição ao balanço de pagamentos. Segundo Carcanholo (2010), a situação favorável tanto
da necessidade de financiamento quanto da melhora nos indicadores de vulnerabilidade
externa, expostos na Tabela 6, refletem especificamente uma redução da vulnerabilidade
conjuntural da economia brasileira. Ou seja, diante de uma conjuntura internacional
extremamente favorável, em que pesam o crescimento da economia chinesa (que importa
principalmente produtos preponderantes na pauta brasileira) e consequente aumento dos
preços das commodities, além da alta no ciclo de liquidez internacional (que reduz as taxas
internacionais de juros e o risco-país e atrai o capital de curto prazo), foi possível que o Brasil
reduzisse sua necessidade externa de financiamento, estabelecesse taxas de juros menores,
reduzisse o serviço da dívida, acumulasse mais reservas e, finalmente, tivesse a restrição
externa ao seu crescimento diminuída e sua autonomia relativamente aumentada.
42
A necessidade de financiamento externo é representada pela diferença entre o déficit em transações correntes e
o investimento direto externo. Quando a necessidade é positiva, indica-se que o déficit no balanço de
pagamentos não foi suficientemente coberto pelos investimentos diretos e foi necessário recorrer a outras
categorias de recursos externos, geralmente de curto prazo (portfólio). De maneira geral, pode indicar uma
vulnerabilidade maior da economia conforme as autoridades recorrem a recursos de curto prazo altamente
voláteis.
57
Assim, a despeito da menor necessidade de capital externo, os impactos da crise
financeira de 2008 na economia brasileira reforçam o fato de que a redução da
vulnerabilidade externa no período imediatamente anterior não estava baseada na alteração de
condições estruturais, mas sim conjunturais. Ou seja, a redução da necessidade de capital
externo não aumentou a autonomia interna na condução de políticas no longo prazo.
A ilustração disso é que a retração da demanda, do comércio internacional e da
liquidez tornaram a desencadear déficits nas transações correntes e aumentar a necessidade de
financiamento externo da economia a partir de 2008. Também a necessidade de atração de
capitais externos, a partir do mesmo ano, tornou a pautar as políticas de aumento da taxa de
juros brasileira, como mencionado na seção anterior. Ou seja, com a reversão do cenário,
manifesta-se novamente a necessidade de recursos externos para cobrir o déficit no BP,
condicionando o governo a promover políticas em prol da arrecadação destes fundos e em
detrimento do crescimento interno.
Em contrapartida aos dados que refletem uma melhora na vulnerabilidade externa da
economia, vale ressaltar uma questão estrutural importante, manifesta no aumento da dívida
pública interna, que experimenta uma trajetória ascendente desde 1994 como consequência
das políticas de altas taxas de juros aplicadas para atração de capitais.
A constatação da evolução da dívida pública é importante porque mostra o fenômeno
da financeirização da economia brasileira ao longo do período. O aumento da dívida interna
pública líquida é condicionado pelas altas taxas de juros, decorrentes do padrão de
financiamento da economia, cujo reflexo perverso se dá na valorização de ativos improdutivos
em detrimento de um direcionamento de recursos que poderiam gerar investimentos,
crescimento e, no longo prazo, um retorno definitivo em termos de mais autonomia para a
economia. Neste sentido, o aumento da dívida interna também se constitui em um elemento
de vulnerabilidade estrutural, ao mesmo tempo que é também um reflexo da não
conversibilidade do Real.
58
GRÁFICO 4 – Composição da dívida líquida do setor público (% PIB) – 1991-2009
Dívida - total - setor público - líquida (% PIB)
Dívida externa - setor público - líquida (% PIB)
Dívida interna - setor público - líquida (% PIB)
Linear (Dívida interna - setor público - líquida (% PIB) )
60
50
40
30
20
10
-10
-20
1991.01
1991.08
1992.03
1992.10
1993.05
1993.12
1994.07
1995.02
1995.09
1996.04
1996.11
1997.06
1998.01
1998.08
1999.03
1999.10
2000.05
2000.12
2001.07
2002.02
2002.09
2003.04
2003.11
2004.06
2005.01
2005.08
2006.03
2006.10
2007.05
2007.12
2008.07
2009.02
0
Fonte: Elaboração própria com base em dados IPEADATA
O Gráfico 4 aponta esta evolução. A dívida pública interna segue uma trajetória
ascendente e passa de 18% do PIB, em 1994, a 49,6%, em 2009. Apesar de o país ter se
tornado credor internacional em 2006 e, em consequência, ter reduzido a dívida líquida total
do setor público nos últimos anos, isto ainda não corrige o fato de que as altas taxas de juros
no país restringem investimentos produtivos.
Outro destaque deste indicador para a questão estrutural da restrição externa ao
crescimento, imposta pelo modelo neoliberal, que é seguido também no governo Lula, é que o
crescimento econômico não acompanha o aumento da dívida interna, cujo financiamento
provém de um aumento na carga tributária sem reflexos diretos na qualidade do investimento
público em virtude da busca pelo superávit primário.
O foco da estratégia de inserção internacional atual na obtenção de superávits
primários tem se desvencilhado da preocupação com a alocação da poupança e do
investimento do governo43 (BRESSER-PEREIRA, 1992, apud BRUNO, 2010). No caso do
Brasil, as taxas de juros continuam sendo mais altas que a taxa de crescimento do produto, e
isto impede que a relação entre dívida pública e PIB atinja um nível estável e significativo no
longo prazo. Neste sentido, o aumento da dívida pública acaba sendo financiado pelo aumento
da carga tributária, sem uma contrapartida na melhoria da qualidade dos gastos com
investimentos públicos, que acaba reduzindo a riqueza da sociedade como um todo.
43
De acordo com Messemberg (2009, apud BRUNO, 2010) a intuição é de que não haveria a necessidade de um
controle tão profundo sobre a obtenção de superávits primários em detrimento do investimento produtivo e do
crescimento se as taxas de crescimento fossem maiores que as taxas de juros.
59
Assim, a estratégia de inserção atual na qual se baseia o tripé de políticas
macroeconômicas restringe o crescimento, pois limita as opções de política econômica e
reduz o volume de recursos públicos, recursos estes que poderiam ser alocados em
investimento e formação de poupança no governo44 em favor da acumulação rentista que
financia o atual modelo de crescimento da economia brasileira. Assim, este fato pode também
ser considerado como uma condição estrutural para a perpetuidade da necessidade de recursos
externos na medida em que prejudica a formação de um sistema de financiamento de longo
prazo e uma estrutura produtiva interna efetiva.
Como resultado desta análise, pode-se estabelecer algumas considerações que
permitem um parecer indicativo de que, ao longo do período estudado, com um enfoque na
transição do governo FHC para o governo Lula, houve uma redução relativa da necessidade
de capital externo, o que não proporcionou o aumento da autonomia brasileira referente à
priorização de políticas internas de desenvolvimento na mesma proporção. Ou seja, não se
pode afirmar que a maior autonomia seja uma conquista de caráter estrutural e não apenas
fruto da conjuntura internacional, corroborando com a condição de dependência registrada
nos 50 anos que precedem o período.
Apesar de a conta corrente ter sido positiva a partir de 2003 e ter possibilitado, em
consequência, a inversão da necessidade de financiamento externo para efetuar ajustes no
balanço de pagamentos, a redução da fragilidade associada ao capital de curto prazo e a
redução da dívida externa como proporção do PIB e das exportações, estes indicadores não
asseguram a estabilidade e a autonomia econômicas no longo prazo, já que não refletem uma
transformação das características estruturais da economia.
Neste sentido, é importante destacar que os fatores que mais influenciaram para a
melhora tanto dos indicadores da dívida, quanto dos superávits e do afrouxamento da restrição
ao balanço de pagamentos, foram o aumento do comércio internacional, o crescimento da
economia chinesa – com consequente aumento da demanda de commodities e de seus preços –
e a ascensão do ciclo de liquidez internacional, que foi tão positivo para o Brasil como foi
para uma série de países sob a mesma estrutura econômica de restrição ao crescimento. Podese dizer que os eventos reforçam o caráter de que economias com elevada vulnerabilidade
externa tendem a seguir e a absorver a disposição do sistema financeiro internacional em
financiar desequilíbrios em seus BPs.
44
De acordo com BRUNO (2010), caso a dívida publica estivesse em expansão como contrapartida do aumento
do investimento público, os déficits públicos que viessem a surgir do financiamento desses investimentos
tenderiam a ser dinamicamente cobertos a médio e longo prazo pelos acréscimos líquidos na riqueza da nação.
60
O elemento identificado como significativo em termos de uma mudança estrutural de
longo prazo foi a política externa voltada à diversificação dos parceiros comerciais do Brasil.
Ademais, como elemento que corrobora com a hipótese de que não houve uma melhora
estrutural, pode-se citar a evolução da composição da pauta de exportações, que acusa um
aumento da participação de bens primários exportados. Neste sentido, manifesta-se o
fenômeno da “reprimarização” das exportações, fato que aumenta a vulnerabilidade estrutural
da economia, pois torna os preços e a demanda de seus produtos mais suscetíveis a oscilações
na liquidez internacional.
Ainda em decorrência da reprimarização da pauta, pode-se dizer que não houve o
catch up da economia brasileira, o que significa que o país ainda não especializou sua
estrutura produtiva para ser intensiva em capital e, assim, produzir bens cujos preços sejam
altos e independentes da oscilação da demanda internacional. O avanço tecnológico pode
contribuir para reduzir a vulnerabilidade externa, já que o aumento de exportações de alto
valor agregado pode garantir um fluxo constante de capital externo através das exportações,
que não exigem contrapartidas em divisas estrangeiras. Esta é uma condição estrutural da
economia que não foi modificada, ou seja, ela ainda é vulnerável e pode vir a necessitar de
capital externo para cobrir seus desequilíbrios em cenários de queda da demanda por bens
primários.
Por sua vez, a falta de avanço tecnológico pode ser interpretada como uma das
consequências da necessidade de manutenção de altas taxas de juros para captação de recursos
externos. O modelo adotado pela economia brasileira, baseado nos princípios do Consenso de
Washington, incorre na obtenção de superávits primários e altas taxas de juros que fomentem
a entrada de capitais. O aumento da dívida interna pública em razão das altas taxas de juros é
um reflexo desta característica estrutural, que é agravada pelo efeito da “financeirização” da
economia, que consiste na substituição do incentivo ao investimento em recursos produtivos
pela valorização de ativos não produtivos. Esta entrada de capitais externos promove uma
substituição da poupança interna que não serve ao incentivo do investimento do governo,
medida que, no longo prazo, serviria para fortalecer a economia, reduzir a necessidade de
capital externo e aumentar a autonomia interna de maneira definitiva.
Neste sentido, Filgueiras e Gonçalves (2007) consideram o período relativo ao
governo Lula uma janela de oportunidade “perdida”, tendo em vista que a economia
vivenciou um momento de afrouxamento das restrições ao balanço de pagamentos em que o
país poderia ter sido colocado em uma trajetória estável de crescimento.
61
Conclusivamente, pode-se dizer que o modelo de inserção internacional, do qual faz
parte a economia brasileira, reduziu em muito a autonomia interna no governo FHC e não a
aumentou de maneira estrutural no governo Lula. O governo FHC sofreu restrições na
dinâmica de desenvolvimento do país em virtude das turbulências internacionais, ao passo que
o governo Lula atravessou uma conjuntura internacional muito mais favorável, que afrouxou
as restrições no balanço de pagamentos e, mesmo assim, não foram promovidas políticas que
alterassem a vulnerabilidade estrutural da economia e permitissem um aumento de longo
prazo na autonomia interna. Neste sentido, a despeito de a redução da necessidade de capital
externo propagar a imagem de que houve uma conquista da autonomia interna, ela não
contempla uma realidade na economia brasileira.
62
5
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A evolução da ordem econômica internacional (OEI) resultou em uma configuração, a
partir dos anos 70, na qual o dólar tornou-se a moeda chave internacional, uma vez que
cumpria todas as funções da moeda na esfera internacional. O padrão dólar flutuante refletia a
dominância econômica dos Estados Unidos nos 30 anos pós-Bretton Woods. A moeda
americana era a única que cumpria todas as funções monetárias, portanto, situava-se no topo
do que Cohen (2006) denominou de “Pirâmide Monetária”. A partir do dólar, as outras
moedas se posicionavam de acordo com seu grau de conversibilidade.
A existência desta hierarquia monetária internacional, baseada na conversibilidade das
moedas no meio internacional, estabelece assimetrias relativas à distribuição do poder
monetário. Considerando que as relações econômicas entre os países se manifestam através do
Balanço de Pagamentos, tal poder consiste na capacidade dos países de adiar ou desviar os
custos dos ajustes nos seus balanços, uma vez que estes custos sempre implicam em políticas
internas recessivas, prejudiciais ao crescimento econômico.
A não conversibilidade da moeda desencadeia restrições internas e externas aos países
em desenvolvimento que buscam acelerar seu processo de crescimento.
Internamente, o processo de desenvolvimento econômico requer capital externo, na
medida em que tais países não possuem uma estrutura produtiva desenvolvida e seus bens
exportáveis são de baixo valor agregado. Externamente, a necessidade de capital externo para
efetuar seu processo de desenvolvimento pode levar a desequilíbrios no balanço de
pagamentos. Sendo assim, a autonomia do governo para formular e executar políticas
econômicas que busquem estimular o crescimento interno pode, em diversos momentos, ficar
bastante prejudicada, uma vez que a política econômica do país torna-se subordinada ao ajuste
e à necessidade de capital externo.
Uma vez que as opções dos países em desenvolvimento para efetuar os ajustes são o
acúmulo de reservas, os empréstimos internacionais e o aumento de exportações, os ciclos de
crescimento destes países acabam limitados aos ciclos de liquidez internacional. As
implicações deste arranjo, portanto, concentram-se na contração de políticas que priorizem o
crescimento em favor de políticas que promovam a atração de capitais para que seja possível
ajustar o balanço de pagamentos.
O Brasil passou a desenvolver uma dependência mais significativa destes capitais com
a formulação do Plano de Metas, na década de 1950. Dadas as restrições às linhas de
financiamento convencionais na época, o endividamento passou a ser uma realidade
63
necessária para que o projeto de crescimento não fosse abandonado. A partir de então, com o
ciclo de liquidez ascendente, que pautou o período entre 1967 e 1973, o endividamento
aumentou com o acesso aos recursos externos que financiaram o “Milagre Econômico”. O
primeiro choque do petróleo, em 1973, foi o ponto de inflexão do ciclo. Apesar da retração
internacional em 1974 e 1975, acreditava-se que a crise seria temporária e, portanto, o Brasil
continuou se endividando cada vez mais. Com a escassez de liquidez, não foi mais possível
controlar os desequilíbrios no balanço de pagamentos nem continuar o ciclo do II PND, ou
seja, a falta de recursos externos provocou o uso de políticas econômicas recessivas,
configurando uma redução da autonomia interna. A crise da dívida nos anos 80 é um
resultado deste processo de endividamento e reflete a dependência do país de recursos
externos e a diminuição de sua autonomia mediante a falta de capital externo, que só voltaria
a fluir no fim da década, com a renegociação da dívida e as aberturas comercial e financeira
do mercado brasileiro.
Portanto, em relação ao período que abrange do Plano de Metas ao início dos anos 90,
percebe-se uma escalada da dependência em relação aos recursos externos para financiar
ciclos de crescimento econômico e de poupança interna, que ficaram condicionados aos ciclos
de liquidez internacional. Em contraposição à entrada de capital externo, as políticas
macroeconômicas ficaram cada vez mais subordinadas ao ajuste do BP em detrimento de
investimento e crescimento, configurando uma restrição à autonomia econômica brasileira.
O processo de abertura financeira e comercial ampliou as fontes de financiamentos
externos para as economias. O Brasil passa a fazer parte deste processo a partir do início dos
anos 90, participando de um mercado financeiro internacional em amplo crescimento, com
grande mobilidade de capitais e significativos fluxos de investimentos diretos e de portfólio,
inclusive para economias em desenvolvimento.
A implementação do Plano Real, em 1994, tinha como objetivo mais premente a
manutenção da âncora cambial e da estabilidade de preços. A orientação do governo FHC,
pautada nos princípios liberais, concentrava-se em manter o tripé composto por uma política
monetária determinada pelas metas de inflação, a âncora cambial e uma política fiscal que
visasse superávits primários. A estratégia de inserção internacional, no entanto, se mostrou
bastante custosa. Ao mesmo tempo em que tais reformas concederam ao país o acesso à
liquidez internacional, também colaboraram para que as decisões do governo brasileiro, no
que diz respeito à sua política econômica, ficassem limitadas pela dependência de
financiamento externo, o que representa uma perda de autonomia política para o país. Mostras
disso são a sobrevalorização cambial e os constantes déficits em conta corrente no governo
64
FHC, que culminaram com a falência do regime de âncora cambial mediante uma forte
especulação dos mercados contra o Real.
A entrada do governo Lula se deu também sob um forte ataque especulativo contra a
moeda brasileira, em que pesava o temor dos mercados financeiros com relação à posse de
uma gestão orientada “à esquerda”. Tal era a dependência da economia brasileira do capital
externo, que o candidato foi forçado a reconhecer que não seria possível efetuar uma reforma
no tripé neoliberal, sob pena de uma crise no BP. A partir de 2003, no entanto, o país começa
a colher os frutos da desvalorização do câmbio e da ascensão de um ciclo de liquidez
internacional. Os impactos para as contas externas brasileiras foram muito positivos,
revertendo o déficit em conta corrente e negativando a necessidade de financiamento externo
até 2008. Não obstante a melhoria deste indicador, bem como dos indicadores de
vulnerabilidade externa, como relação dívida/PIB, dívida externa/exportações e reservas
internacionais/dívida, observa-se que a economia brasileira não rompeu o problema estrutural
da vulnerabilidade externa, uma vez que todos estes indicadores revelam uma conjuntura
internacional extremamente favorável às exportações brasileiras (commodities).
Em que se pese um elemento com vistas a realizar alterações estruturais na economia
brasileira que aumentassem a autonomia interna no longo prazo, o governo Lula inseriu uma
estratégia de diversificação dos parceiros comercias do Brasil, reduzindo a vulnerabilidade
externa brasileira. Ademais, outros indicadores, como as exportações por fator agregado do
país e o aumento da dívida líquida do setor público, revelam que não ocorreram alterações
estruturais significativas que aumentem a autonomia da economia brasileira no longo prazo.
A reprimarização da pauta de exportações brasileira promove o aumento da
vulnerabilidade externa do país na medida em que condiciona suas exportações à demanda
internacional. Isto evidencia, também, que não houve o catch up tecnológico da economia, ou
seja, que não têm sido realizados investimentos que alterem a estrutura produtiva com vistas a
reduzir a dependência das exportações brasileiras da demanda internacional.
Ainda, o aumento da dívida líquida do setor público evidencia os constrangimentos do
atual modelo de inserção internacional ao aumento da autonomia interna brasileira. A despeito
do fato de o país ter se tornado um credor internacional a partir de 2006, as altas taxas de
juros que mantêm o influxo de capitais mostram o fenômeno da financeirização da economia,
que consiste na substituição do incentivo ao investimento em recursos produtivos pela
valorização de ativos não produtivos. Neste sentido, a entrada de capitais externos promove
substituição da poupança interna que não serve ao incentivo do investimento do governo,
elemento que, no longo prazo, mais que compensaria seu valor inicial com o retorno da
65
riqueza da nação como um todo, aumentando a blindagem da economia. A falta de avanço
tecnológico também pode ser interpretada como uma consequência da necessidade de
manutenção de altas taxas de juros para a atração de capitais externos.
Finalmente, como ficou evidenciado, a economia brasileira não rompeu com os
problemas estruturais que condicionam sua autonomia no longo prazo. Portanto, a despeito de
a redução da necessidade de capital externo propagar a imagem de que houve uma conquista
da autonomia interna na passagem para o governo Lula, ela não contempla uma realidade na
economia brasileira.
66
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70
APÊNDICE
TABELA 1 - Taxa de Investimento (%) e Taxa de Crescimento do PIB (%)
ANO
1990
1991
1992
1993
1994
1995
1996
1997
1998
1999
2000
2001
2002
2003
2004
2005
2006
2007
2008
2009
2010
FBKF*/PIB (%)
20,7
18,1
18,4
19,3
20,7
18,3
16,9
17,4
17,0
15,7
16,8
17,0
16,4
15,3
16,1
15,9
16,4
17,4
19,1
18,1
19,5
Taxa de Crescimento do PIB (%)
-4,3
1
-0,5
4,9
5,9
4,2
2,2
3,4
0
0,3
4,3
1,3
2,7
1,1
5,7
3,2
4
6,1
5,2
-0,3
7,5
*Formação Bruta de Capital Fixo
Fonte: Elaboração Própria com base em dados IPEADATA
TABELA 2 - Balanço de Pagamentos Geral – (US$ milhões) Brasil: 1995-2010
1995
Transações Correntes
Balança comercial
Importações
Exportações
Serviços
Rendas
Salários e Ordenados
Lucros e Dividendos
Juros
Transferências unilaterais
Conta Capital e Financeira
Conta Capital
Conta Financeira
Investimento Direto
Estrangeiros no país
Brasileiros no exterior
Investimentos em carteira
Estrangeiros
Brasileiros
Derivativos
Outros
Erros e Omissões
Saldo do BP
1996
1997
1998
1999
2000
2001
-18.384 -23.502 -30.452 -33.416 -25.335 -24.225 -23.215
-3.466 -5.599 -6.753 -6.575 -1.199
-698
2.650
49.972 53.346 59.747 57.714 49.210 55.783 55.572
46.506 47.747 52.994 51.140 48.011 55.086 58.223
2002
-7.637
13.121
47.240
60.362
2003
4.177
24.794
48.290
73.084
2004
21.619
22.022
-403
12.616
10.908
1.708
18.125
18.582
-457
3.802
3.542
259
6.955
8.651
-1.696
77
872
-795
17
16.200
2.207
12.919
-38
673
-1.800
8.666
-253
-460
-88
-197
-4.833 -14.285 -13.620 -18.202
-3.255 -4.256
194
2.637
-7.907 -7.970 -7.822 -2.262
-471
2.767
-531
3.307
Fonte: elaboração própria com base em dados do Banco Central
2006
2007
2008
2009
2010
11.679 13.985 13.643
1.551 -28.192 -24.302 -47.273
33.641 44.703 46.457 40.032 24.836 25.290 20.147
62.835 73.606 91.351 120.617 173.107 127.705 181.768
96.475 118.308 137.807 160.649 197.942 152.995 201.915
-7.483 -8.681 -10.646 -10.111 -6.977 -7.162 -7.759 -4.957 -4.931 -4.678
-11.058 -11.668 -14.876 -18.189 -18.848 -17.886 -19.743 -18.191 -18.552 -20.520
-160
-60
50
103
142
79
95
102
109
181
-2.951 -2.830 -5.443 -6.855 -4.115 -3.316 -4.961 -5.162 -5.640 -7.338
-7.946 -8.778 -9.483 -11.437 -14.876 -14.649 -14.877 -13.130 -13.020 -13.364
3.622
2.446
1.823
1.458
1.689
1.521
1.638
2.390
2.867
3.236
29.095 33.968 25.800 29.702 17.319 19.326 27.052
8.004
5.111 -7.523
352
454
393
320
338
273
-36
433
498
372
28.744 33.514 25.408 29.381 16.981 19.053 27.088
7.571
4.613 -7.895
3.309 11.261 17.877 26.002 26.888 30.498 24.715 14.108
9.894
8.339
4.405 10.792 18.993 28.856 28.578 32.779 22.457 16.590 10.144 18.146
-1.096
469 -1.116 -2.854 -1.690 -2.282
2.258 -2.482
-249 -9.807
9.217
10.372
-1.155
2005
-8.309
-25.967
214
-12.686
-13.496
3.558
-9.464
663
-10.127
12.550
15.066
-2.517
-9.640
-27.480
177
-16.369
-11.289
4.306
16.299
869
15.430
-9.380
18.822
-28.202
-13.219
-29.291
448
-22.435
-7.305
4.029
89.086
756
88.330
27.518
34.585
-7.067
-16.690
-40.562
545
-33.875
-7.232
4.224
29.352
1.055
28.297
24.601
45.058
-20.457
-19.245
-33.684
603
-25.218
-9.069
3.338
71.301
1.129
70.172
36.033
25.949
10.084
-30.835
-39.486
498
-30.375
-9.610
2.902
99.912
1.119
98.793
36.919
48.506
-11.588
-4.750
-3.996
-755
4.885
6.655
-1.771
9.081
9.076
6
48.390
48.104
286
1.133
-767
1.900
50.283
46.159
4.125
63.011
67.795
-4.784
-356
-151
-677
-1.062 -10.438 -10.806
-66
-793 -1.912
302
8.496
2.244
-40
-27.521
-201
4.319
41
15.688
628
30.569
-710
13.131
-3.152
87.484
-312
2.875
1.809
2.969
156
-16.300
-347
46.651
-112
-1.024
-3.538
49.101
-5.119
-4.797
-321
5.308
5.129
179
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