UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA CENTRO SÓCIO ECONÔMICO DEPARTAMENTO DE CIÊNCIAS ECONÔMICAS E RELAÇÕES INTERNACIONAIS GRADUAÇÃO EM RELAÇÕES INTERNACIONAIS JULIA DAMBRÓS A RESTRIÇÃO DA AUTONOMIA BRASILEIRA PERANTE A NECESSIDADE DE CAPITAL EXTERNO: UMA ANÁLISE A PARTIR DO PLANO REAL Florianópolis, 2013 JULIA DAMBRÓS A RESTRIÇÃO DA AUTONOMIA BRASILEIRA PERANTE A NECESSIDADE DE CAPITAL EXTERNO: UMA ANÁLISE A PARTIR DO PLANO REAL Monografia submetida ao curso de Relações Internacionais da Universidade Federal de Santa Catarina, como requisito obrigatório para a obtenção do grau de Bacharelado. Orientadora: Profª. Drª. Patrícia Fonseca Ferreira Arienti ______________________________ FLORIANÓPOLIS, 2013 UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA CURSO DE GRADUAÇÃO EM RELAÇÕES INTERNACIONAIS A Banca Examinadora resolveu atribuir a nota 10 à aluna Julia Dambrós na disciplina CNM 7280 – Monografia pela apresentação do trabalho A RESTRIÇÃO DA AUTONOMIA BRASILEIRA PERANTE A NECESSIDADE DE CAPITAL EXTERNO: UMA ANÁLISE A PARTIR DO PLANO REAL. Banca Examinadora: ___________________________ Profª. Drª. Patricia Fonseca Ferreira Arienti ___________________________ Prof. Dr. Helton Ricardo Ouriques ___________________________ Prof. Dr. Jaime César Coelho FLORIANÓPOLIS, 18 de novembro de 2013. Dedico este trabalho ao estudo das Relações Internacionais e da Economia Política Internacional. AGRADECIMENTOS À minha orientadora, Profª. Drª. Patrícia Fonseca Ferreira Arienti, cuja integridade, sabedoria e comprometimento sempre me serviram de inspiração e cuja paciência e tempo que me foram concedidos permitiram a realização deste trabalho. Sem a senhora, nada disso seria possível. Aos meus pais, Ivanete e Osmar, cujo apoio e amor incondicionais, desde os primeiros passos e palavras, me incentivaram a tentar alçar um voo mais alto sem ter medo de cair. À minha irmã Joana pela cumplicidade, apoio e sinceridade com os quais me ajudou a ampliar meus horizontes e buscar sempre ser uma pessoa melhor. Ao Antônio, pelo carinho e companheirismo nos últimos 2 anos e pela paciência nos últimos 6 meses. Aos membros da banca, Prof. Dr. Helton Ricardo Ouriques e Prof. Dr. Jaime César Coelho pela atenção dispensada. Especialmente à Pauli e Beatriz pela ajuda e atenção. A todos os que contribuíram direta e indiretamente para que fosse possível realizar este trabalho, meus sinceros agradecimentos. "Nossa política externa deve ser reorientada para esse imenso desafio de promover nossos interesses comerciais e remover graves obstáculos impostos pelos países mais ricos às nações em desenvolvimento” Lula RESUMO A Ordem Econômica Internacional que se firmou no pós-Bretton Woods constituiu-se em uma estrutura assentada nos princípios neoliberais, pautados na maior abertura e liberalização comercial e financeira. Neste cenário, foi aceita a hegemonia do dólar como moeda internacional. Em consequência deste arranjo, desenvolveu-se uma hierarquia monetária em que o dólar situa-se no topo e as moedas de países subdesenvolvidos, na base. Assim, uma série de países passou a enfrentar dificuldades para manter sua autonomia na condução de políticas macroeconômicas mediante a necessidade de capital externo para executar seu processo de crescimento, uma vez que precisam ajustar seus desequilíbrios no Balanço de Pagamentos. Sendo o Brasil um destes países, o estudo se propõe a analisar, sob a ótica da Economia Política Internacional, a relação inversa histórica entre a necessidade de capital externo do Brasil e o grau de autonomia interna do governo desde o Plano de Metas, passando pelo II PND para, por fim, analisar se as gestões Fernando Henrique Cardoso e Lula obtiveram êxito na redução da necessidade de capital externo e se essa redução contribuiu de fato para o aumento da autonomia interna. Palavras-chave: autonomia interna, capital externo, hierarquia monetária. ABSTRACT The World Economic Order established after the Bretton Woods treaties was based in a structured characterized by neoliberal principals, related to a more opened commercial and financial liberalization. In this scenario, it was accepted and constituted the monetary hegemony of the dollar as the international currency to be used. As a result of this agreement, a monetary hierarchy was developed in which the dolar is placed at the top, and the currencies of underdeveloped countries are placed at the base. This way, a series of countries started facing difficulties to keep their independence in the management of their macroeconomic policies when faced to their need for external capital flows to execute and finance their national growth, since these flows are need for adjustments in any instabilities of their Balance of Payments. This paper proposes to analyse the inverse historic relation between the Brazilian need for foreign capital flows and its internal autonomy levels in its government since the “Plano de Metas”, going through the “II PND”, and in the end analyzing the administrations of Fernando Henrique Cardoso e Lula. The analysis shall be based on the preceipts of the International Political Economy theories, and it shall also be employed to check the success of the strategies used by FHC and Lula. Key-words: internal autonomy, foreign capital flows, monetary hierarchy. LISTA DE ABREVIATURAS BALANCO DE PAGAMENTOS – BP BANCO CENTRAL DO BRASIL – BCB ESTADOS UNIDOS DA AMÉRICA – EUA FERNANDO HENRIQUE CARDOSO – FHC FUNDO MONETÁRIO INTERNACIONAL – FMI GENERAL AGREEMENT ON TARIFFS AND TRADE – GATT INVESTIMENTO EXTERNO DIRETO – IED MERCADO COMUM DO SUL – MERCOSUL ORDEM ECONÔMICA INTERNACIONAL – OEI ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DO COMÉRCIO – OMC POUPANÇA EXTERNA – PE POUPANÇA INTERNA – PI PLANO NACIONAL DE DESENVOLVIMENTO – PND SISTEMA INTERNACIONAL – SI TRANSAÇÕES CORRENTES – TC LISTA DE TABELAS TABELA 1 - Balanço de Pagamentos, Reservas Internacionais (em US$ milhões) e Taxa de crescimento (%) Brasil: 1967-1873 .......................................................................................... 37 TABELA 2 - Balanço de Pagamentos, Reservas Internacionais (em US$ milhões) e Taxa de crescimento (%) Brasil: 1974-1979 .......................................................................................... 38 TABELA 3 - Balanço de Pagamentos, Contas Selecionadas (US$ milhões) – Brasil: 19952002 .......................................................................................................................................... 42 TABELA 4 - Balanço de Pagamentos, Contas Selecionadas (US$ milhões) – Brasil: 20032010 .......................................................................................................................................... 46 TABELA 5 – Exportações Brasileiras por Fator Agregado - 1995 a 2010 (valores em US$ milhões FOB) ........................................................................................................................... 52 TABELA 6 – Indicadores de Vulnerabilidade Externa - 1994-2010 ...................................... 54 LISTA DE GRÁFICOS GRÁFICO 1 – Volume de Exportações Brasileiras por País de Destino (US$ milhões FOB) – 1995-2010 ................................................................................................................................. 49 GRÁFICO 2 - Variação (%) do Volume de Exportações Brasileiras por País de Destino 2003-2008 ................................................................................................................................ 51 GRÁFICO 3 - Necessidade de Financiamento Externo, Transações Correntes, IED e Investimento de Portfólio (US$ milhões) ................................................................................. 56 GRÁFICO 4 – Composição da dívida líquida do setor público (% PIB) – 1991-2009 .......... 58 SUMÁRIO 1 2 INTRODUÇÃO ............................................................................................................... 13 1.1 TEMA ........................................................................................................................ 13 1.2 PROBLEMA .............................................................................................................. 14 1.3 OBJETIVOS .............................................................................................................. 15 1.3.1 Geral .................................................................................................................. 15 1.3.2 Específicos ......................................................................................................... 15 1.4 JUSTIFICATIVA ...................................................................................................... 15 1.5 METODOLOGIA ...................................................................................................... 16 ABORDAGENS TEÓRICAS E DEFINIÇÕES ........................................................... 17 2.1 A ORDEM ECONÔMICA INTERNACIONAL ...................................................... 17 2.1.1 Conceituação da Ordem Econômica Internacional....................................... 17 2.1.2 O histórico dos regimes das OEI ..................................................................... 20 2.1.3 O papel do dólar como moeda internacional ................................................. 26 2.2 O PODER MONETÁRIO ......................................................................................... 28 3 A NECESSIDADE DE CAPITAL EXTERNO DA ECONOMIA BRASILEIRA E A AUTONOMIA ECONÔMICA INTERNA .......................................................................... 33 3.1 AS IMPLICAÇÕES DAS ASSIMETRIAS MONETÁRIAS PARA PAÍSES EM DESENVOLVIMENTO ....................................................................................................... 33 3.2 O CASO BRASILEIRO – PLANO DE METAS E II PLANO NACIONAL DE DESENVOLVIMENTO ....................................................................................................... 36 4 5 A MANIFESTAÇÃO DA AUTONOMIA A PARTIR DO PLANO REAL .............. 41 4.1 UM BALANÇO DAS CONTAS EXTERNAS ......................................................... 41 4.2 A REALIDADE DA AUTONOMIA BRASILEIRA ................................................ 48 CONSIDERAÇÕES FINAIS ......................................................................................... 62 REFERÊNCIAS ..................................................................................................................... 66 APÊNDICE ............................................................................................................................. 70 13 1 INTRODUÇÃO 1.1 TEMA A evolução da ordem econômica internacional (OEI) resultou em uma configuração, a partir dos anos 70, na qual o dólar assume o papel de moeda chave internacional, uma vez que ele cumpre todas as funções de moeda (meio de troca, unidade de conta e reserva de valor) na esfera internacional. O dólar torna-se, então, a moeda de plena conversibilidade e, assim, ocupa o topo da “hierarquia monetária”, seguido por moedas de conversibilidade intermediária e, por fim, moedas não conversíveis, emitidas por países em desenvolvimento. As consequências das assimetrias entre as moedas se manifestam por meio do poder monetário, ou seja, pela capacidade de evitar os custos dos ajustes no Balanço de Pagamentos (BP). A autonomia interna na condução de políticas externas é uma das faces deste poder e é tanto maior quanto mais conversível a moeda de um determinado país. Os países emissores de moedas não conversíveis enfrentam restrições internas e externas quando buscam acelerar o seu desenvolvimento econômico. No que diz respeito à dimensão interna, o desenvolvimento econômico necessita de capital externo. Esta necessidade convencionalmente provém da distinção entre a estrutura produtiva de países centrais e periféricos. Nos primeiros, há uma estrutura intensiva em capital, que gera maiores ganhos de produtividade e não depende de oscilações da demanda internacional, enquanto nos segundos, esta estrutura é intensiva em trabalho e especializada em bens primários, com menor produtividade, menor preço e maior dependência da demanda. As diferenças entre as receitas de um e outro evidenciam a necessidade de executar um catch up que garanta um fluxo constante de capital externo através de exportações, que não tem como contrapartida o aumento da vulnerabilidade externa pelo endividamento externo. Com relação à dimensão externa, considerando que as relações econômicas entre os países manifestam-se através do Balanço de Pagamentos, a necessidade de capital externo para o processo de desenvolvimento pode levar a desequilíbrios no BP, forçando o país a adequar suas políticas macroeconômicas às necessidades de saldar seus compromissos externos. Assim, essas restrições podem reduzir a autonomia interna do país, condicionando suas políticas de crescimento econômico. Neste sentido, na medida em que um país em desenvolvimento possui um poder relativo interno afetado pelo condicionamento ao ajuste no balanço de pagamentos, que por sua vez é pautado pela necessidade de capital externo, as alternativas possíveis que o fazem 14 gozar de maior autonomia para priorizar políticas de desenvolvimento se refletem, de maneira mais imediata, no acúmulo de reservas na moeda-forte, na obtenção de empréstimos em âmbito internacional e na busca pelo aumento das exportações, todas as alternativas condicionadas à disponibilidade de liquidez internacional. Por outro lado, desde 1990, a partir do retorno do Brasil aos mercados financeiros internacionais, o país tem obtido diferentes fontes de financiamento externo, sejam elas (i) o investimento em portfólio (ii) o investimento estrangeiro direto (IED) e (iii) os empréstimos e financiamentos através de governos e outras instituições estrangeiras. Neste sentido, a vulnerabilidade externa adquire uma dimensão muito mais ampla ao considerar a volatilidade e magnitude destes fluxos, que normalmente incorrem em um engessamento das políticas monetária e fiscal e na consequente restrição a políticas que promovam os interesses do país. Assim, este trabalho busca analisar em que medida a inserção do Brasil nessa nova ordem econômica internacional alterou a relação histórica entre necessidade de financiamento externo e restrição a autonomia de condução de política econômica interna nas gestões de Fernando Henrique Cardoso (1995-2002) e Lula (2003-2010). 1.2 PROBLEMA Sob as condições citadas anteriormente, a maneira como se manifesta a Ordem Econômica Internacional atualmente acabou se tornando perversa para as economias em desenvolvimento, uma vez que estas economias necessitam de capital externo para crescer, ao mesmo tempo em que não possuem uma moeda conversível internacionalmente. As consequências disso são a manutenção de políticas econômicas que visam à atração de capitais externos, notadamente políticas de altas taxas de juros e obtenção de superávits primários, em detrimento de políticas que promovam o crescimento sustentado da economia através do aumento do investimento produtivo e do catch up tecnológico, perpetuando, assim, a condição de dependência da economia de capitais externos. Ou seja, a atual estratégia de inserção internacional, pautada em políticas liberais e condicionada pela não conversibilidade da moeda, reduz a autonomia interna do país na condução de políticas macroeconômicas e condiciona os ciclos de crescimento da economia aos ciclos de liquidez internacional. Desde a década de 90 e, mais especificamente, da implementação do Plano Real, a economia brasileira se submete a este arranjo de atração de capitais, tendo uma margem de manobra muito limitada na execução de políticas de estímulo ao investimento e crescimento. Com a eleição do governo Lula e um excelente cenário de liquidez, houve uma redução da 15 necessidade de financiamento externo da economia brasileira, sem que, no entanto, seja possível afirmar que esta redução tenha se manifestado em um aumento real da autonomia interna. Nestas condições, busca-se responder à seguinte pergunta de pesquisa: A redução da necessidade de recursos externos ampliou a autonomia interna brasileira? 1.3 OBJETIVOS 1.3.1 Geral Investigar, sob a ótica da Economia Política Internacional, se a gestão econômica brasileira, entre 1995-2010, obteve êxito na redução da necessidade de capital externo, contribuindo para o aumento da autonomia interna na condução de políticas econômicas. 1.3.2 Específicos - Analisar a evolução e a configuração atual dos regimes internacionais econômicos e seus desdobramentos (papel do dólar/poder monetário), como condicionantes da autonomia dos países em desenvolvimento. - Demonstrar a relação inversa histórica entre a necessidade de capital externo do Brasil e o grau de autonomia interna do governo para a condução de suas políticas econômicas. - Analisar se, nas gestões do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso (1995-2002) e do expresidente Luiz Inácio Lula da Silva (2003-2010), ocorreram mudanças no padrão histórico da relação entre a necessidade de capital externo do Brasil e o grau de autonomia interna. 1.4 JUSTIFICATIVA O estudo da distribuição do poder monetário e de seus reflexos na autonomia interna de uma economia é importante na medida em que possibilita uma análise mais profunda sobre os impactos da não conversibilidade das moedas e do modelo de inserção internacional vigente sobre economias em desenvolvimento, em especial, o Brasil. Sendo assim, o trabalho contribui para o campo da Economia Política Internacional conforme evidencia as consequências dos atuais arranjos internacionais e traz um ponto de reflexão sobre a necessidade de alterações estruturais que possibilitem uma menor vulnerabilidade externa estrutural da economia, em consonância com mais autonomia interna para a priorização de políticas que contemplem os interesses nacionais. 16 1.5 METODOLOGIA Para analisar a redução da necessidade de capital externo e seus efeitos na autonomia interna da economia brasileira entre 1995 e 2010, objetivo do estudo, considerar-se-á o capital sob a ótica da conta financeira, uma vez que as alternativas mais imediatas de acesso ao capital externo para cobrir os déficits no Balanço de Pagamentos estão condicionadas ao acúmulo de reservas internacionais e acesso a empréstimos. A primeira etapa consiste na revisão da teoria, sob a perspectiva de autores no campo da economia politica internacional, relativa à formação e atual configuração da ordem econômica internacional e seus desdobramentos no que tange à distribuição de poder econômico entre as nações e as assimetrias das quais advêm as restrições externas ao crescimento neste sistema. Na sequência, através da análise de dados do balanço de pagamentos brasileiro retirados dos sítios do Banco Central do Brasil (BCB) e Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEADATA) busca-se esclarecer as bases sobre as quais se desenvolveu a necessidade de capital externo brasileira da metade do século XX ao início da década de 1990 e como esta necessidade condicionou a autonomia interna. Por fim, com base na análise das políticas econômicas dos governos Fernando Henrique Cardoso e Lula, bem como de diversos dados econômicos obtidos principalmente junto aos bancos de dados do Banco Central do Brasil, IPEADATA e Ministério do Desenvolvimento Indústria e Comércio (MDIC), objetiva-se diagnosticar se houve transformações significativas que permitam afirmar um caráter de alteração da vulnerabilidade externa através da redução da necessidade de capital externo e, consequentemente, da autonomia interna na condução de políticas econômicas no Brasil. 17 2 ABORDAGENS TEÓRICAS E DEFINIÇÕES Este capítulo tem como objetivo descrever a evolução da Ordem Econômica Internacional, os diferentes regimes que a constituem, assim como ressaltar o papel do dólar na configuração atual dos regimes e o poder monetário, que é uma consequência desta configuração. 2.1 A ORDEM ECONÔMICA INTERNACIONAL À luz das constantes transformações sistêmicas que ocorrem mundialmente desde o início século XIX, assumindo características econômicas que definem cenários adversos, torna-se cada vez mais relevante observar a evolução da ordem econômica internacional como forma de entender a distribuição do poder na dimensão econômica e a atuação dos agentes e instituições no sistema internacional. 2.1.1 Conceituação da Ordem Econômica Internacional A definição do que seja uma Ordem Econômica Internacional é uma tarefa complexa, uma vez que sua manifestação é, simultaneamente, evidente e difusa. De acordo com Sato (2012), a OEI pode ser considerada um conjunto de mecanismos coordenadores dos interesses de nações, grupos empresariais e indivíduos na esfera internacional. Dentro desta concepção, as transações econômicas internacionais não se dão aleatoriamente, mas seguem determinados padrões. Ao mesmo tempo, não respondem unicamente aos estímulos econômicos, mas se estendem para os domínios político e social. Isso torna árdua a tarefa de estabelecer os limites e captar com exatidão fenômenos neste campo, cujas normas não são abrangentes, nem precisas e tampouco possuem o poder vinculante para determinar todas as possibilidades. Nesse sentido, pressupõe-se que a ordem orienta o padrão econômico em determinados momentos, mas não é imutável ou definitiva (SATO, 2012). O bom funcionamento de uma OEI pode ser avaliado, conforme Paul Streeten (1982), em função dos seguintes aspectos: a geração de superávits no balanço de pagamentos; a existência de instituições financeiras que invistam estes superávits em países em desenvolvimento; a existência de indústrias que produzam e vendam bens de capital necessários para o desenvolvimento, no qual os recursos são gastos; e o poder militar que sustenta o poder econômico advindo dos três primeiros aspectos. Até 1970, foi possível observar um Estado dominante que reunia todos os elementos – a Grã-Bretanha até o início da Primeira Guerra Mundial, configurando o sistema internacional sob a Pax Britannica, e os 18 Estados Unidos da América (EUA) pelo quarto de século pós Segunda Guerra, com a imposição da Pax Americana1. Outros autores questionam se de fato existe uma OEI. Segundo Lopes e Ramos (2009), a caracterização de uma ordem provém de um padrão ou disposição que pode ser observado a partir de um determinado ponto de vista. Nas relações internacionais, a ordem pode ser assumida por um equilíbrio dinâmico que, embora em movimento, é perfeitamente identificável. Com base em uma vasta gama de teóricos2, os autores sugerem debates sobre quais padrões3 realmente observáveis são indicativos da existência de uma ordem internacional essencialmente econômica. Relatam, ao fim da análise, que definir o que se observa hoje como uma Ordem Econômica Internacional, na amplitude do termo, não contempla uma verdade teórica. E embora existam indícios observáveis de concertação da conjuntura internacional, como a coordenação mundial de bolsas de valores e a integração em blocos regionais, não é recomendável aderir ao universalismo do termo. Assim, mesmo que haja divergências sobre uma definição mais concreta do que seria uma OEI, admite-se a ideia de que exista uma ordem reguladora, embora seus processos estejam condicionados a certas parcelas de individualidade e aleatoriedade. De acordo com Sato (2012), uma OEI é composta tanto por elementos tangíveis como intangíveis. Os elementos tangíveis de uma determinada OEI são os seus regimes internacionais comercial, monetário e financeiro, destinados a regulamentar as transações e operações internacionais. No que diz respeito aos elementos intangíveis, eles refletem uma estratégia de crescimento implícita na ordem econômica e o padrão da distribuição da riqueza e do poder na esfera internacional4. Os movimentos dos Estados em busca da consolidação dos interesses nacionais por meio do crescimento alteram a distribuição de riqueza e de poder dos mesmos no sistema, provocando crises e rearranjo da OEI5. 1 O autor trabalha, no decorrer do artigo, o que na época vinha se concretizando como a fragmentação destes sistemas sem ser possível considerar um só Estado como detentor das características e controlador da ordem econômica internacional. Retrata um cenário em que os países em desenvolvimento demandam a persecução de uma nova ordem econômica internacional. Esta demanda tem como bases a insatisfação com a ajuda; com a independência política e o sucesso da OPEP (STREETEN, 1982, p. 3). 2 Os autores baseiam suas análises em Marx, Bourdieu, Weber, Giddens, Durkheim, Cox, Ruggie, Polanyi, entre outros. 3 Lopes e Ramos (2009) fazem uma análise de elementos como a divisão internacional do trabalho, o substrato liberal da economia internacional, o peso das instituições internacionais na regulação da economia internacional e a “lógica” do mercado internacional. 4 Em seus estudos, o autor argumenta que a ordem econômica internacional sofre mudanças quando as condições intangíveis de manutenção da ordem se encontram em colapso. 5 Uma manifestação deste fenômeno pode ser observada no movimento político dos anos 70 junto à Organização das Nações Unidas, que trouxe à tona uma demanda pela renovação dos padrões e clamava por uma nova OEI. Esta demanda consistia em um movimento articulado que, nas palavras de Streeten (1982), tinha suas raízes “na insatisfação com a ordem antiga na qual, se percebe, contém vieses que perpetuam desigualdades em poder, 19 A definição de OEI oferecida por Sato (2012) introduz no debate tanto os regimes (comercial, financeiro e monetário) que delineiam o funcionamento da economia internacional, assim como o aprofundamento nos mecanismos de crescimento e distribuição da riqueza no Sistema Internacional (SI). Sob esta perspectiva, considera-se que são as relações nas esferas monetária e financeira que estabelecem as formas como ocorrerão a distribuição dos custos dos ajustes no balanço de pagamentos dos Estados e a sua relação com a autonomia e a influência de cada um no sistema, conceitos que terão lugar em seções posteriores do estudo. Sendo os regimes comercial, monetário e financeiro internacionais partes fundamentais na configuração da OEI, faz-se necessário esclarecer a definição de regimes. De acordo com Krasner (1983, p. 2, tradução da autora) os regimes são constituídos por “conjuntos de princípios, normas, regras e procedimentos de tomada de decisão, explícitos ou implícitos, em torno dos quais convergem as expectativas dos atores em dada área das relações internacionais”6. Regimes não são estáticos e, portanto, suas mudanças ao longo do tempo refletem também a redistribuição de poder e assimetrias entre os países. De acordo com Sato (2012, p.27), o “regime de comércio compreende o conjunto de normas, práticas e instituições formalmente estabelecidas que orientam as transações comerciais”. Assim, um regime comercial está intimamente relacionado com a divisão internacional do trabalho, na medida em que o comércio retrata o que é produzido, por quem e para quem. Ainda é importante destacar que fazem parte do regime não apenas instituições como a Organização Mundial do Comércio (OMC), mas também outras organizações e tratados, além de blocos regionais que interagem na formação do regime. O princípio que norteia as relações é baseado no livre-comércio, porém não se pode considerar que não existam exceções à sua prática, tendo em vista as contradições que vigoram até os dias de hoje e que são vistas como concorrentes ao liberalismo comercial. Para Roberts (2000), o regime financeiro internacional é a estrutura de acordos, convenções e instituições em que os mercados e firmas internacionais operam. O regime financeiro internacional deve executar três funções: (i) realizar pagamentos correspondentes às transações efetuadas, (ii) prover unidade estável de valor e (iii) estabelecer normas para pagamentos diferidos. Ou seja, é a estrutura que opera com os fluxos de fundos, que, convencionalmente, são determinados pelas taxas de juros, através de bancos centrais, riqueza e crescimento, impedindo os esforços de desenvolvimento dos países em desenvolvimento” 5 (STREETEN, 1982, p. 2, tradução da autora). 6 “Regimes can be defined as sets of implicit or explicit principles, norms, rules, and decision-making procedures around which actors’ expectations converge in a given area of international relations” (KRASNER, 1983, p.2). 20 comerciais públicos e privados, de investimento e fomento nacionais e internacionais, fundos de pensão, bolsas de valores, dentre outros (SATO, 2012). Segundo Eichengreen (2000), um regime monetário internacional deve ser capaz de executar as seguintes funções: (i) dar ordem e estabilidade aos mercados cambiais, (ii) promover a eliminação de problemas no Balanço de Pagamentos e (iii) proporcionar acesso a créditos internacionais em caso de abalos desestruturantes. Geralmente, as diferentes fases deste regime contemplam três elementos: a forma da moeda internacional, o regime de câmbio e o grau de mobilidade dos capitais. Além destas, Prates (2005) ressalta como fundamental na análise uma quarta característica: a dimensão hierárquica do sistema monetário, ou seja, a distribuição da autonomia entre os países, de acordo com sua posição, esteja ela mais próxima ou distante da hegemonia monetária. 2.1.2 O histórico dos regimes das OEI Partindo da definição do que seja uma OEI e seus diferentes regimes, busca-se descrever a evolução dos regimes que definiram o padrão-ouro, Bretton Woods e, por fim, os regimes vigentes na atual OEI. Durante o padrão-ouro (1816-1933), o regime monetário internacional estava baseado no lastreamento da moeda em quantidades reais de ouro7. O papel-moeda era emitido rigorosamente de acordo com as quantidades de ouro correspondentes às reservas internacionais do país. A Grã-Bretanha, reconhecida então como maior potência da época, iniciou esta política através da libra esterlina. A competência do Banco da Inglaterra e o prestígio do país infundiram confiança ao regime (ROBERTS, 2000). Na época, como as transações e pagamentos eram realizados não apenas com a libra, mas igualmente com a real movimentação de ouro, os déficits e superávits conectados a esta mercadoria influenciavam direta e respectivamente na contração e expansão da massa monetária. Sendo assim, em caso de déficit, seguia-se uma deflação, gerada por uma contração da demanda e da produção, desemprego e redução de preços (FAUGÈRE, 1994). Dessa forma, a prioridade das maiores economias mundiais, sejam elas Grã-Bretanha, Alemanha e França, centrava-se em manter, a qualquer custo, a conversibilidade da moeda e as reservas de ouro. No que diz respeito ao sistema financeiro internacional, a mobilidade de capitais era desregulamentada e presumia-se que os balanços de pagamentos se ajustavam 7 Em 1816, a Grã-Bretanha adotou oficialmente o padrão-ouro com paridade definida em 123,27 grãos de ouro (medida de peso da época) por libra esterlina. Quando o sistema foi abandonado pelos EUA em 1933, a onça de ouro valia US$35. 21 automaticamente, mesmo na ausência de uma instituição internacional formal que administrasse a oferta de liquidez internacional (SATO, 2012). Eichengreen (2000) atribui o bom funcionamento do sistema monetário e financeiro internacional do período ao fato de que a Grã-Bretanha, no centro do sistema, foi capaz de equilibrar seus balanços através dos fluxos comerciais, ou seja, promovia exportações de bens de capital e empréstimos e importava, sem restrições, commodities de países menos desenvolvidos. Mesmo antes da Primeira Grande Guerra, já era possível observar que as incongruências entre a realidade complexa que se apresentava e as instituições comerciais, monetárias e financeiras provocariam a necessidade de transformação das normas do padrãoouro, cujas premissas vinham sendo adotadas até então (SATO, 2001). A crise de 1929 desencadeou-se como uma resposta a esta necessidade. A falta de credibilidade que se instaurou no sistema no entre-guerras transformou o movimento de capitais de modo que, se antes da Primeira Guerra os fluxos se deslocavam no sentido estabilizador, ao fim da década de 20, o sentido se inverteu e as perturbações provocaram fugas. Este é um dos elementos que, conforme Eichengreen (2000), caracterizaram o período. Além dele, o cenário histórico revelava a derrocada do domínio britânico, enquanto os Estados Unidos, neste momento, já se concretizavam como a maior economia do mundo, deslocando o centro de gravidade do sistema internacional para o seu espaço. Por último, a crescente tensão entre objetivos conflitantes da política econômica, advindas do maior papel político da população em suas demandas, exigia que o governo passasse a priorizar outros pontos além da paridade cambial. Com o fim da Segunda Guerra Mundial estabelece-se o reconhecimento explícito do papel de liderança que os EUA vinham desempenhando. Imediatamente antes, em 1944, foi firmado o acordo de Bretton Woods – que instituía o dólar como moeda forte através do seu lastro em ouro – cujas bases o distinguiam do padrão-ouro em três principais aspectos: (i) o câmbio fixo tornou-se ajustável8; (ii) foram implementados controles para limitar os fluxos de capitais internacionais e conter a especulação e, além disso (iii) o Fundo Monetário Internacional (FMI) foi criado, com a função de monitorar as políticas econômicas nacionais e oferecer financiamentos para equilibrar os balanços de pagamentos em países que ofereciam riscos (EICHENGREEN, 2000). 8 O mecanismo de câmbio ajustável exigia que os países fixassem valores ao par entre suas moedas expressos em ouro ou em uma moeda conversível em ouro, ou seja, o dólar, e mantivessem suas taxas de câmbio dentro de uma banda de 1% em torno daqueles patamares. Os valores de paridade poderiam ser ajustados em até 10% para corrigir um eventual “desequilíbrio fundamental” após consultas com o FMI (EICHENGREEN, 2000). 22 O estabelecimento das regulamentações nas esferas financeira e monetária também servia ao propósito de construir uma base segura que possibilitasse, no futuro, acordos de comércio (SATO, 2001). Entende-se, portanto, que, naquele momento, os países participantes da guerra, como Inglaterra e França, estavam mais interessados em obter auxílio financeiro que os ajudasse a retomar a trajetória de crescimento. Nos países periféricos, o incremento do comércio ficava igualmente relegado ao plano secundário e buscavam-se recursos externos que financiassem o desenvolvimento. Ademais, ao mesmo tempo em que se procurava a disciplina monetária imposta por mecanismos como o FMI em Bretton Woods, esperava-se que as práticas comerciais pudessem gerar equilíbrio no balanço de pagamentos. Em outras palavras, a maioria dos países não estava pronta para assumir uma organização de regulação do comércio, uma vez que a fase era de reconstrução para alguns e proteção da indústria nascente para outros. O termo “embedded liberalism” cunhado por John Ruggie (1982) ilustra bem a situação do pós-guerra, na medida em que a ideia de reconstrução das instituições estava pautada na conjugação de políticas a serem formuladas sob a configuração de um cenário que, simultaneamente, conciliasse os extremos de estabilidade doméstica, através de certo intervencionismo, e o multilateralismo na esfera internacional. De fato, para Sato (2012), em Bretton Woods, o objetivo era evitar, a todo custo, que se repetisse a profunda recessão vivida durante a crise de 1929, que estava associada a um caráter explosivo do mercado financeiro como “aprofundador” da crise, sendo prudente mantê-lo sob controle. Nesse sentido, o mercado de capitais ficou condicionado à administração dos governos nacionais e de instituições como o Banco Mundial. Tendo em conta este cenário, os principais momentos que marcam os rumos do regime comercial à época se concentraram na tentativa de criar a Organização Internacional do Comércio9 sob o que versava a Carta de Havana10, a partir de 1946, fato que não se concretizou principalmente pelo momento econômico em contexto. Posteriormente, em 1947, se deu a assinatura do Acordo Geral sobre Tarifas e Comércio11 – GATT12, cujas regras 9 A OIC não foi ratificada pelo Congresso americano. Os interesses estadunidenses, no caso, prezavam pela bilateralidade nas rodadas de negociação ao invés do engessamento em estatutos que limitassem suas ações. Assim sendo, cada país poderia utilizar seu poder de barganha de maneira ampla, e, sob estas circunstâncias, o país tinha muito a ganhar (SATO, 2001) 10 Havia também muitos pontos da Carta da OIC que dificultavam a obtenção de consenso. As divergências, de fato, se relacionavam a quatro aspectos principais: 1) a abrangência do poder da nova organização; 2) as práticas comerciais a serem abolidas; 3) os níveis para os quais as barreiras comerciais existentes deveriam ser rebaixadas; 4) o horizonte de tempo para que as cláusulas da Carta fossem postas em prática (SATO, 2001). 11 Tradução para General Agreement at Tariffs and Trade. 23 vigoraram nos 40 anos seguintes13. O fato é que o comércio como um todo cresceu muito no período compreendido entre a década de 50 e 90. De maneira geral, a expansão do comércio mundial que vigorou nestes anos não pode ser atribuída unicamente a esse acordo, contudo, há que se considerar que o GATT estava em sincronia com uma ordem econômica e política internacional que gravitava em torno dos Estados Unidos, e o bom desempenho no comércio, de certa forma, legitimou o acordo como agente da cooperação comercial (SATO, 2001). Paralelamente, com o estímulo ao crescimento econômico gerado pelo aumento de trocas comerciais entre países, o dólar torna-se a moeda referência internacional, responsável, portanto, pela liquidez internacional. Em consequência, a partir dos anos 50, o déficit no balanço de pagamentos dos Estados Unidos se torna constante na medida em que é importador de grandes volumes e exportador de divisas. Os demais países industrializados conseguiam constituir reservas em dólares através do vasto mercado de eurodólares e, em 1958, restabeleceram a conversibilidade de suas moedas (ROBERTS, 2000). A partir dos anos 60 o déficit tornou-se problemático e a deterioração das reservas e dos passivos dos EUA anunciava que manter a plena conversibilidade do dólar era impossível. Os crescentes déficits no balanço de pagamento norte-americano trouxeram à tona o que se convencionou chamar de dilema de Triffin14: se os Estados Unidos tentassem reequilibrar o saldo do balanço de pagamentos, privariam o restante do mundo da liquidez que era necessária e se não o fizessem, os sucessivos déficits poderiam gerar desconfiança por parte dos investidores e governos estrangeiros, iniciando uma corrida aos estoques de ouro. A confirmação do encerramento da paridade foi anunciada em 1971 e as taxas de câmbio começaram a flutuar a partir de 1973 (FAUGÈRE, 1994). Até então, os controles de capital 12 Estabeleceu-se que o GATT entraria em vigor a partir de janeiro do ano seguinte, tendo uma secretaria na cidade de Genebra e tendo por objetivo servir de fórum para a negociação de acordos específicos visando à redução de tarifas e outras barreiras não alfandegárias a fim de estimular o desenvolvimento do comércio internacional (SATO, 2001). 13 Dentre os motivos pelos quais entende-se que o GATT foi adequado à época, segundo Sato, estão (i) a cobertura de uma esfera menor da política comercial; (ii) seus signatários não se comprometiam tão firmemente com os mecanismos e orientações estabelecidos, assim, (iii) a solução de controvérsias dependia muito da disposição das partes, uma vez que os meios de implementação de decisões não dispunham de instrumentos de sanção suficientemente eficazes e (iv) o acordo não requeria ação legislativa dos signatários, apenas compromissos do poder executivo, sendo que em uma OI seria necessária a aprovação do legislativo (SATO, 2001). 14 O argumento de Triffin (1960, 1972) é o de que o sistema monetário internacional com conversibilidade dólar/ouro padecia de uma inconsistência básica. O crescimento do comércio internacional incorre no crescimento de reservas internacionais. Ao mesmo tempo, a acumulação da moeda-chave só poderia ocorrer através de déficits globais do BP dos EUA. No entanto, quanto mais o país central acumula sucessivos déficits no BP financiados em sua própria moeda, maior tenderá a ser a razão entre a quantidade de moeda-chave em circulação e as reservas de ouro do país central. A continuidade do processo culmina com a falta de lastro em ouro da moeda-chave e o rompimento da conversibilidade (SERRANO, 2002). 24 tinham assegurado alguma imunidade aos governos que sentiam necessidade de desviar a política monetária face às pressões nos balanços de pagamentos (EICHENGREEN, 2000). A mudança para o câmbio flutuante foi também um reflexo do permanente desenvolvimento dos mercados financeiros, amparados no progresso das tecnologias de informações, fenômeno que tornava mais difícil e dispendiosa a contenção dos mesmos. Ainda em 1973, deflagrou-se o primeiro choque do petróleo. Os países desenvolvidos enfrentaram processos inflacionários e, de um ano para o outro, passaram do superávit ao déficit15. Os países menos desenvolvidos sofreram um impacto ainda maior. Vale destacar que, neste momento, a grande maioria dos países em desenvolvimento ainda mantinha suas moedas atreladas ao dólar, ou seja, as taxas de câmbio eram fixadas. No contexto, o FMI toma empréstimos dos países produtores de petróleo, cujos superávits alcançaram níveis exorbitantes, e os transmite em linhas de crédito para os países menos desenvolvidos, que caracterizava a reciclagem dos petrodólares (ROBERTS, 2000). Ainda assim, a década de 70 se mostrou menos problemática do que a seguinte, pois convivia com uma intervenção mais ordenada, um uso maior de controles de capital e também mais disposição para adaptar as políticas aos imperativos dos mercados de câmbio (EICHENGREEN, 2000). Relativamente ao caráter comercial, a partir da década de 70 começava a manifestar-se a configuração de uma nova distribuição de riqueza no SI. Enquanto no imediato pós-guerra as economias em desenvolvimento não representavam qualquer ameaça ao sistema e não possuíam poder de barganha, esta nova distribuição se tornava mais evidente na medida em que estas economias cresciam e começavam a pleitear espaço no debate. Em consequência, as questões discutidas no âmbito do GATT passaram de controvérsias sobre limites territoriais a discussões sobre subsídios agrícolas, barreiras tarifárias, políticas de investimentos, proteção ambiental, propriedade intelectual, dentre outros, cuja complexidade e carência de bons indicadores ultrapassavam o escopo do acordo. As décadas de 80 e 90 foram palco do surgimento de um grande mercado financeiro globalizado, bem como da consolidação de blocos regionais que abrangiam países em todos os continentes. No que tange aos sistemas financeiro e monetário, a crescente mobilidade do capital aumentou a pressão sobre os países de moedas fracas que procuravam defender suas âncoras, ao mesmo tempo em que se tornava difícil obter auxílio dos países desenvolvidos. Em consequência, apesar de a flutuação cambial não ser a melhor opção para muitos países, em 1984, em torno de um quarto dos membros do FMI já tinham adotado o câmbio 15 Dentre eles o Japão, que em 1973 possuía um superávit em conta corrente de US$ 100 milhões, e no ano seguinte, apresentou um déficit de US$ 4,5 bilhões (ROBERTS, 2000). 25 flexível (EICHENGREEN, 2000). Para os países em desenvolvimento, com as variações do dólar, os serviços da dívida se tornaram extremamente custosos, fato que se manifestou durante toda a década de 80 nos países devedores por meio da crise da dívida. A década foi marcada pelas moratórias de vários países latino-americanos, demandantes da renegociação da dívida. Nesse sentido, o regime de câmbio flutuante, associado à liberalização dos fluxos de capitais, não implicou em mais estabilidade das taxas de câmbio ou menores desequilíbrios no balanço de pagamentos, mas sim na especulação financeira dos fluxos de capitais de curto prazo, acentuando a instabilidade do sistema como um todo. Assim, a lógica que predominou nos 30 anos posteriores ao fim de Bretton Woods e se manifesta até os dias de hoje passou a considerar a variação do valor de mercado de ativos no curto prazo em detrimento de investimentos produtivos (PRATES, 2005). Dentro deste contexto se desenvolveram as crises financeiras e cambiais dos anos 90, ocasionadas principalmente pela junção de mercados financeiros inconsistentes, moedas não conversíveis e dívidas externas muito significativas, características imprimidas em países emergentes como o México, os tigres asiáticos, a Rússia e também o Brasil. Concomitantemente, sob a perspectiva comercial, a maior complexidade advinda da redistribuição de riqueza no sistema internacional – reflexo dos recorrentes déficits na balança comercial dos EUA em contraposição aos superávits de Japão e Alemanha, do fim da União Soviética e da reunificação da Alemanha – a postura dos EUA com relação à busca por mais competitividade e sua visão sobre o regime de comércio se modificam. Nas palavras de Sato (2001, p. 30): “[...] o desenvolvimento do comércio, entendido como um bem público 16 internacional, deveria deixar de ser uma responsabilidade dos Estados Unidos . Os custos da manutenção de práticas e instituições necessárias a um ambiente propício ao desenvolvimento do comércio deveriam ser compartilhados com outras nações. Dessa forma, os Estados Unidos passavam a ser, primordialmente, um ator com interesses distintos, com enorme poder de barganha, reduzindo substancialmente o seu papel de provedor de um bem público internacional”. 16 Tanto em função do papel da moeda norte-americana quanto do tamanho da economia estadunidense no pósguerra, o desenvolvimento do comércio acabou se tornando uma “responsabilidade” dos Estados Unidos na medida em que o comércio internacional dependia da injeção de dólares no sistema e, no imediato pós-guerra, entendia-se que tanto os países em reconstrução quanto os emergentes necessitavam de medidas que protegessem suas indústrias e fomentassem seu comércio. Conforme estes países foram se restabelecendo e desenvolvendo, os Estados Unidos começaram adotar uma postura mais competitiva, que distribuísse os custos da manutenção do regime e eliminasse os free-riders. 26 Na década de 90, o ambiente, portanto, configurou-se mais favorável à instituição da Organização Mundial do Comércio17 (dentre os elementos principais, a nova configuração da economia política retira dos EUA o poder de arbitrar disputas e demanda, em contraposição, uma maior institucionalização da atividade econômica). Desde então, a OEI tem seguido as mesmas condições delineadas ao longo dos anos 90. Os regimes monetário e financeiro são regidos pelo dólar, sob um mecanismo de câmbio flutuante e livre mobilidade de capitais, e o regime comercial é pautado, em teoria, pelo multilateralismo e igualdade perante as instituições que regulamentam o comércio e sob a regência da OMC. Mais recentemente, no ano de 2008, o mundo atravessou uma crise financeira profunda ao ponto de ser comparada à crise de 29. Apesar da necessidade de um maior distanciamento temporal para analisar seu impacto no funcionamento dos atuais regimes internacionais, é possível proferir que a mesma seja um prenúncio de reformas e da necessidade de um rearranjo da OEI. Na próxima seção, busca-se delinear o papel do dólar na OEI e sua consolidação como moeda-reserva nos sistemas financeiro e monetário contemporâneos, realçando os pressupostos que fazem dele um elemento definidor das assimetrias monetárias e, consequentemente, das diferentes distribuições de riqueza no sistema internacional. 2.1.3 O papel do dólar como moeda internacional O dólar começa a desempenhar um papel importante no sistema monetário internacional a partir do momento em que o Reino Unido, em virtude da Primeira Guerra Mundial, abandona o padrão-ouro e a moeda americana passa a ocupar a posição da libra esterlina como moeda forte (ROBERTS, 2000). O entre guerras, no entanto, foi marcado pela grande depressão de 29, a deterioração do comércio internacional e dos fluxos de capitais na medida em que os países impunham barreiras tarifárias. Com as conquistas comerciais e financeiras dos Estados Unidos no período, o país superou a Inglaterra e definiu o reposicionamento do centro de gravidade do SI a seu favor (EICHENGREEN, 2000). No final da II Guerra Mundial, os EUA eram, incontestavelmente, a economia predominante e detinham 70% das reservas mundiais de ouro. O dólar americano tinha papel central nos novos arranjos. No contexto, a moeda foi ancorada ao ouro na proporção de US$35 por uma onça e as autoridades dos EUA incumbiram-se de sustentar sua 17 A OMC surgiu oficialmente em 1 de janeiro de 1995, com o Acordo de Marrakech, em substituição ao Acordo Geral de Tarifas e Comércio (GATT). 27 conversibilidade (ROBERTS, 2000). No entanto, a posição do dólar como moeda-chave se deu efetivamente com o colapso de Bretton Woods e o fim da paridade ouro/dólar, quando o dólar passou a ser uma moeda flexível e de caráter fiduciário, respaldada na consolidação do poder financeiro dos Estados Unidos em consonância com a importância das instituições financeiras americanas e a dimensão do seu mercado financeiro doméstico. De acordo com Prates (2005), a aceitação de uma moeda em nível internacional está condicionada às mesmas premissas convencionalmente adotadas para a aceitação de uma moeda no âmbito doméstico, a saber, meio de liquidação das transações e contratos, unidade de conta e reserva de valor. Na ausência da institucionalização de uma moeda internacional formal, existe o compromisso informal no sistema econômico internacional da aceitação do dólar como sendo a moeda-chave internacional, o qual reflete na distribuição de poder vigente. Com o colapso de Bretton Woods instaurou-se um momento de insegurança sobre a hegemonia norte-americana. A economia mundial entrou em um período de grande turbulência, encarando ondas especulativas dentro de um contexto em que a demanda e a liquidez internacional aumentavam como resposta ao crescimento da economia americana e do mercado de eurodólares (SERRANO, 2002). Este momento de instabilidade sistêmica teve fim com o choque dos juros de 1979, que reafirmou o posicionamento da economia americana e inaugurou a política do “dólar forte”, acompanhada da desregulamentação e liberalização financeira. Mediante a aceitação dos demais países centrais, estabelece-se o padrão dólar flexível. Neste sistema, o dólar torna-se moeda financeira18 e executa as funções de meio de pagamento internacional e unidade de conta nos contratos e preços, tornando-se também a principal reserva de valor no sistema econômico internacional (SERRANO, 2002). No padrão dólar flexível também ficam evidenciadas duas características do sistema, quais sejam: o caráter continuamente deficitário do BP estadunidense e a natureza fiduciária do dólar. Uma vez que não há mais conversibilidade ao ouro, o déficit no BP norte-americano acaba sendo contínuo, principalmente em função da demanda do comércio internacional por divisas denominadas em dólar. Ou seja, os Estados Unidos passam a adquirir um caráter de devedor líquido por serem os emissores da moeda-chave. Observe-se que, na medida em que o dólar admite um caráter fiduciário, pois deixa de estar atrelado a qualquer mercadoria, os Estados Unidos assumem um grau de autonomia 18 Fornece liquidez instantânea; garante segurança em operações de risco e serve como unidade de conta da riqueza financeira virtual. 28 política ainda mais representativo, já que a moeda está sujeita à política monetária doméstica (e portanto à taxa de juros) sob sua ingerência, e o funcionamento da OEI se baseia no valor vinculado ao dólar (PRATES, 2005). Tendo em vista o papel do dólar como moeda-chave, ressalta-se que existe uma hierarquia na qual as moedas se posicionam a partir da posição do dólar, denominada de “Pirâmide Monetária” (COHEN, 2009). Sendo assim, no contexto atual, o dólar se situaria no topo desta pirâmide, uma vez que cumpre as três funções da moeda em âmbito internacional. Após o dólar, estão algumas moedas conversíveis no SI, que, embora sejam meio de troca e unidade de conta, desempenham um papel secundário como reserva de valor. A base, então, seria constituída pela grande maioria das moedas não conversíveis. O poder monetário na pirâmide se distribui do topo para a base. Portanto, de maneira geral, o dólar dispõe, ao menos desde o início de Bretton Woods, de uma posição fundamental como meio de troca, reserva de valor e unidade de conta no cenário internacional. A partir dele, as outras moedas se posicionam na Pirâmide Monetária, de acordo com o grau de conversibilidade de cada moeda. A hierarquia monetária reflete as assimetrias do poder monetário e os diferentes níveis de autonomia na formulação de políticas econômicas aos Estados, traduzidas em assimetrias macroeconômicas. Os desdobramentos advindos deste poder monetário serão explorados na próxima seção. 2.2 O PODER MONETÁRIO Conforme visto na seção anterior, no topo da Pirâmide Monetária está o dólar, moeda com plena conversibilidade internacional. Abaixo, encontram-se as moedas que podem ser utilizadas para efetuar transações internacionais e, de maneira secundária, como ativo de reserva. Finalmente, na base da pirâmide, posicionam-se aquelas moedas não conversíveis, cujos países emissores não conseguem emitir dívidas em sua própria moeda, portanto, ficam restritos ao acúmulo de divisas sob a denominação da moeda-forte (PRATES, 2005). Sob a premissa de que existe uma hierarquia monetária internacional baseada na conversibilidade das moedas no meio internacional, a consequência lógica é que as assimetrias relativas a este processo definam diferenças na autonomia dos países emissores e, portanto, atribuam poder monetário aos países que possuem moedas fortes. De acordo com Cohen (2006, p. 32, tradução da autora), o poder nas relações internacionais pode ser definido, de maneira geral, como “[...] a habilidade de controlar, ou ao 29 menos influenciar, o resultado de eventos”19. O conceito, todavia, é desdobrado em duas perspectivas20 distintas: a influência e a autonomia. Enquanto a primeira corresponde à capacidade de um país de fazer com que outros o sigam em determinado objeto, a segunda denota a capacidade de um país de não ser constrangido por outro(s). As relações econômicas entre os países manifestam-se através do Balanço de Pagamentos. Sendo assim, evidencia-se a importância da esfera monetária, na medida em que desequilíbrios no BP se constituem em constantes ameaças à autonomia de um Estado, forçando-o a recorrer a recursos externos como forma de saldar seus compromissos e, consequentemente, obrigando-o a submeter-se à prática de políticas macroeconômicas que restringem seu crescimento. A ameaça à autonomia é tão maior quanto menor for a conversibilidade da moeda do país. O poder monetário, segundo Cohen (2006), consiste, principalmente, na capacidade de evitar os custos advindos da necessidade de ajustar os desequilíbrios no BP21, sob a prerrogativa de adiá-los ou desviá-los. Tais custos estão vinculados à realocação de recursos no meio interno de maneira a conformar os desequilíbrios através de políticas econômicas restritivas ao crescimento22. Importante destacar que, no atual regime de câmbios flutuantes, em vigência desde os anos 70 e que vem sendo adotado pela maioria dos países, os custos do ajuste não estão mais unicamente restritos a políticas macroeconômicas recessivas, que impactam diretamente na renda e no emprego no meio doméstico. Alternativamente, a flutuação das taxas de câmbio permite aos governos efetuar valorizações/desvalorizações do câmbio que podem ser menos custosas em termos macroeconômicos. Considerando a hierarquia monetária, quanto mais alta for a posição de um Estado na Pirâmide, maior é o seu poder monetário, pois possui mais autonomia para evitar os custos do ajuste. Cohen (2006) estipula dois tipos de custos: (i) contínuos, na medida em que se relacionam com um reposicionamento permanente de um país que registra um déficit e (ii) de transição, de caráter temporário, vinculados aos encargos com o reposicionamento imediato perante um déficit. Os países lidam com estes custos de acordo com a conversibilidade de 19 “[...] the ability to control, or at least influence, the outcome of events” (COHEN, 2006, p. 32) As duas faces, contudo, não representam a mesma importância na manifestação do poder. Enquanto a dotação de autonomia em dado aspecto possibilita uma nação de praticar influência sobre outras, a recíproca não se concretiza, pois influenciar tem por prerrogativa a liberdade dos policymakers de constrangimentos relativos a tal aspecto. 21 Na definição de Cohen (2006), “The capacity to avoid the burden of adjustment required by payments imbalance” (p. 33). 22 Segundo Cohen (2006): “A marginal reallocation of productive resources and exchanges of goods and services under the influence of changes in relative prices, incomes, and Exchange rates” (p. 37). 20 30 suas moedas através da capacidade de adiá-los (Power to Delay) ou desviá-los (Power to Deflect). O Power to Delay refere-se à capacidade de atrasar os custos do ajuste contínuo mediante variáveis financeiras, tais como a posse de reservas internacionais e o acesso ao crédito externo23, dependentes da liquidez internacional no momento. Em outras palavras, é possível cobrir o déficit no balanço de pagamentos por meio do uso de reservas internacionais ou de empréstimos no exterior, atrasando o custo contínuo do ajuste (COHEN, 2006). Cohen (2006) ressalta que, para países menos desenvolvidos, o empréstimo convencionalmente provém de governos nacionais ou agências como o FMI, cuja concessão normalmente está condicionada a um programa de estabilização. Para países em desenvolvimento, a principal fonte de crédito externo costuma ser o mercado global de capitais, que exige do país uma grande capacidade de manter sua reputação uma vez que os movimentos no mercado financeiro estão atrelados a ela e qualquer sintoma de problema pode se tornar um grande risco. Os limites de aderir ao capital externo não são estabelecidos pelos tomadores, mas sim pelos emprestadores, que baseiam suas decisões na percepção da qualidade política do referido país: “Se um país atualmente é capaz de evitar uma redução de déficit devido ao pronto acesso ao crédito, isso se dá porque os mercados lhe concederam seu ‘Selo de aprovação de boa gestão doméstica’. Por outro lado, se um país se encontra incapaz de ajustar suas dívidas devido a uma interrupção dos empréstimos, então os mercados estão limitando seu ‘Power to Delay’”24 (COHEN, 2006, p. 44, tradução da autora). Portanto, fica evidente que a distribuição dos custos contínuos do ajuste nos países deficitários tende a ser moldada pela percepção da capacidade de pagamento que os emprestadores observam. Assim, embora não se possa afirmar em definitivo que exista um padrão de distribuição dos custos de ajuste, segundo Cohen (2006): “Ceteris paribus, o ‘Power to Delay’ deveria ser maior nas economias industriais avançadas – as nações que encontram-se nos mais altos escalões dos credores internacionais. O ‘Power to Delay’ será menor em países mais pobres e 23 É importante destacar que tanto os recursos em reservas quanto em empréstimos possuem um nível ótimo de utilização, ou seja, não é desejável que se busque um volume cada vez maior de ambos, pois sua manutenção também se faz custosa: “These costs include not just the direct debt-service payments that would be required by foreign loans; even more critically, they include possible policy compromises that could become necessary if the country finds itself overextended to foreign creditors.” (COHEN, 2006, p. 43). 24 “If a country is currently able to avoid a deficit reduction owing to ready access to credit, it is because the markets have given it their Good Housekeeping Seal of Approval. Conversely, if a country finds itself no longer able to put off an adjustment owing to a cessation of lending, it is the markets that are enforcing a limit on its Power to Delay” (COHEN, 2006, p. 44). 31 economias menos desenvolvidas que tem acesso limitado às finanças estrangeiras”25 (p. 45, tradução da autora). O Power to Deflect lida com aspectos mais estruturais de sensibilidade e vulnerabilidade26 com relação à maneira como uma economia recebe impactos de eventos que ocorrem em outros países (impulso) e como responde a estes eventos (resposta), acomodando seus efeitos internamente. Neste sentido, o nível de abertura econômica é um indicativo de sensibilidade na medida em que países que possuem um grau de abertura maior estão mais suscetíveis às oscilações em outros países, pois uma grande parte do setor interno depende deste comércio, tornando difícil evitar os custos do ajuste. Também em economias mais abertas, a pressão dos grupos de interesse no meio interno é maior e, portanto, conter a repercussão de políticas de austeridade e inflação é mais desafiador. Nos termos da vulnerabilidade, o autor ressalta a capacidade de adaptação da economia local de acordo com o perfil dos mercados internos. Se estes mercados não forem muito rígidos, ou seja, se forem mais flexíveis, conseguem se adaptar mais facilmente aos eventos27. Tendo em vista os dois conceitos, é possível concluir que quanto maiores, mais diversificadas e menos abertas as economias, maior o poder de desviar os custos do ajuste. (COHEN, 2006). As assimetrias decorrentes da hierarquia monetária também se refletem na formulação das taxas de juros, que remuneram os capitais e acabam influenciando na autonomia dos países por meio da mobilidade dos fluxos de capitais. Tendo em vista que o dólar é a moeda que proporciona mais liquidez e segurança aos investidores, a taxa de juros que remunera investimentos neste ativo é muito baixa. A regra de formulação das taxas para moedas de outros países acrescenta à taxa remuneradora do dólar uma margem que serve como prêmio pelo risco adicional do país. Assim, quanto mais próxima da base da Pirâmide Monetária a posição de um dado país, maior terá que ser a taxa de juros que remunera o investimento em uma moeda com tão pouca liquidez e segurança (CARNEIRO, 1999). Ou seja, em termos de 25 “Ceteris paribus, the Power to Delay should be greatest in the advanced industrial economies --- the nations that enjoy the highest standing as international borrowers. The Power to Delay will be least in poorer and less developed economies that have limited access, at best, to foreign finance.” (COHEN, 2006, p. 45) 26 Cohen utiliza as definições de Keohane e Nye (1977) para sensibilidade e vulnerabilidade. “[...] sensitivity[...] involves the susceptibility of an economy to impacts from the outside – the degree to which conditions in one country are liable to be affected, positively or negatively, by events occurring elsewhere. Vulnerability, by contrast, involves the reversibility of impacts from the outside – the degree to which (or, in other words, the cost at which) a country is capable of overriding or accommodating to the effects of events occurring elsewhere” (COHEN, 2006, p. 46-47). 27 O autor coloca que economias maiores e mais diversificadas se adaptam mais facilmente: “Large size, as a measure of GDP, generally means a relatively lower degree of opennes. Greater diversification in production means that the economy offers more opportunities for alternative employment when adaptations are required” (COHEN, 2006, p. 48). 32 fluxos financeiros, os países com moedas mais fracas também são limitados em sua autonomia, já que com a livre mobilidade de capitais não conseguem desenvolver políticas anticíclicas para reduzir os impactos destes fluxos no seu desempenho econômico (PRATES, 2005). Diante do exposto, coloca-se que as assimetrias monetárias e financeiras categorizam diferentes graus de autonomia interna: (i) a maior abertura econômica reduz a autonomia, pois o alto grau de interdependência dos setores externos e internos limita a capacidade de uma economia de resistir a eventos desestabilizadores em outras economias; (ii) o acesso à liquidez internacional disponível – por meio de reservas internacionais ou acesso ao crédito – possibilita mais autonomia aos países para que consigam cobrir seus déficits no balanço de pagamento e adiar os custos macroeconômicos do ajuste28 e (iii) a maior adaptabilidade e flexibilidade dos mercados de uma economia aumentam sua autonomia como resposta a um evento externo. Assim, defende-se a hipótese de que (i) a autonomia interna, como manifestação do poder monetário, constitui-se em uma base de poder, já que possibilita às economias que atrasem ou desviem a outros os custos dos ajustes no balanço de pagamentos e (ii) que o déficit no balanço de pagamentos pode ser um fator limitador da autonomia interna do país, pois, para eliminar o déficit no seu BP, um país pode precisar executar políticas econômicas pautadas pela necessidade de recursos externos. O próximo capítulo tratará das consequências das assimetrias monetárias e da distribuição do poder monetário para um país em desenvolvimento e de como se deram, historicamente, a necessidade de capital externo e a manifestação da autonomia no caso do Brasil. 28 Vale lembrar que o uso destas ferramentas possui um nível ótimo, ou seja, possuir mais reservas ou empréstimos incorre em custos elevados que, em certa medida, também se constituem em restrições à autonomia de um Estado. 33 3 A NECESSIDADE DE CAPITAL EXTERNO DA ECONOMIA BRASILEIRA E A AUTONOMIA ECONÔMICA INTERNA Este capítulo está destinado a demonstrar, primeiramente, as implicações das assimetrias monetárias para países em desenvolvimento e, em seguida, a relação inversa histórica entre a necessidade de capital externo do Brasil e o grau de autonomia interna do governo para a condução de suas políticas econômicas. 3.1 AS IMPLICAÇÕES DAS ASSIMETRIAS MONETÁRIAS PARA PAÍSES EM DESENVOLVIMENTO A existência de uma moeda reserva no âmbito internacional, à qual as relações de troca entre as diversas economias estão sujeitas, configura uma assimetria na autonomia dos diversos países para a execução de políticas econômicas de acordo com o posicionamento da moeda de cada país na pirâmide monetária. Os países centrais usufruem de maior grau de autonomia interna na condução de suas políticas, pois suas moedas possuem maior conversibilidade e se encontram mais próximas do topo da pirâmide. Já os países como o Brasil, cujas moedas não são conversíveis, estão situados na base da pirâmide. Sendo assim, a autonomia do governo para formular e executar políticas econômicas que busquem estimular o crescimento interno pode, em diversos momentos, ficar bastante prejudicada, uma vez que a política econômica do país torna-se subordinada ao ajuste no balanço de pagamentos e à necessidade de capital externo. Considerando que o ajuste do Balanço de Pagamentos envolve sempre políticas econômicas recessivas, as alternativas disponíveis para conciliar maior autonomia interna para execução de políticas econômicas expansivas e a necessidade de capital externo são (a) o acúmulo de reservas na moeda-forte, (b) a obtenção de empréstimos em âmbito internacional e (c) a busca pelo aumento das exportações. Ressalta-se, no entanto, que todas estas alternativas estão condicionadas tanto à disponibilidade de liquidez internacional (determinada pela condução da política econômica doméstica dos Estados Unidos), como pelo crescimento da renda internacional. Assim, quando das fases ascendentes dos mercados financeiros mundiais e, portanto, de alta liquidez internacional, a incerteza relativa à capacidade de pagamento das economias em desenvolvimento é amenizada, aumentando os fluxos de capitais para economias com moedas não conversíveis. O aumento da entrada de divisas externas nesses países melhora a oferta de finance e corrige possíveis desequilíbrios no balanço de pagamentos, afastando os 34 custos do ajuste e a restrição externa ao crescimento. Em contrapartida, nas fases descendentes, a reversão das expectativas provoca uma fuga massiva de capitais destes mercados (RESENDE et al, 2012). Países em desenvolvimento, que estão na base da pirâmide monetária e que optaram por uma estratégia de crescimento através da abertura comercial e financeira, de forma a substituir Poupança Interna (PI) pela Poupança Externa (PE), enfrentam uma perda maior de autonomia na gestão de sua política macroeconômica devido às características do atual regime financeiro e monetário internacional, baseado no dólar flexível como determinante da liquidez internacional e na volatilidade do capital financeiro internacional. Nesse sentido, a atração de recursos de curto prazo associada à necessidade de captar recursos externos para ajustar o BP, encaminha o país à perda de autonomia na condução da política econômica29 e ao aumento da fragilidade externa da economia30 (OREIRO, 2004). De acordo com Bresser-Pereira (2006), a transferência de recursos de países com uma alta relação entre capital e trabalho para países em desenvolvimento, com uma razão menor deste indicador, poderiam eliminar a restrição ao crescimento aumentando a poupança total dos países emergentes e ajudando-os a ampliar suas taxas de acumulação de capital e crescimento. O crescimento com PE seria possível, segundo o autor, se no país receptor o déficit em Transações Correntes (TC), financiado pela PE, fosse amplamente convertido em investimento, ao invés de consumo de importados. Além disso, a apreciação cambial decorrente da entrada massiva de capital externo provoca o aumento artificial de salários reais e consumo e também a redução das exportações, diminuindo oportunidades de investimentos lucrativos propulsores (BRESSER-PEREIRA, 2006). Assim, Bresser-Pereira descreve o processo de substituição da PI pela PE em três estágios: (i) O surgimento dos déficits em conta corrente, financiados pela PE, reflete o efeito da substituição da poupança; (ii) Com a sucessão de déficits em TC, o endividamento (financeiro ou patrimonial) aumenta e o país se torna fragilizado, endividado e ainda mais dependente do exterior. Ou seja, a suspensão da rolagem de dívida pode levar a uma crise no BP. Para evitar a crise, o país acaba adotando recomendações que garantam a entrada de fluxos externos, mas, ao mesmo 29 Uma vez que há uma limitação de execução de políticas com a pretensão de atingir objetivos domésticos, como estabilidade de preços e altos níveis de emprego. 30 Na medida em que a reversão no fluxo dos capitais de curto prazo pode ocorrer a partir da mudança nas expectativas dos investidores e não apenas em relação à solvência de um país. 35 tempo, sofre severas restrições na condução de suas políticas econômicas visando ao interesse nacional; (iii) Por último, manifesta-se a crise, seja pela alta relação dívida externa/PIB, dívida externa/exportações ou pela suspensão da rolagem da dívida ou dos fluxos financeiros. Outro ponto importante na questão de vulnerabilidade estrutural da economia consiste na subordinação da captação de recursos via altas taxas de juros. Com o fenômeno da “financeirização” econômica nos anos 90, a necessidade de capitais externos passa a ser condicionada pela manipulação da taxa de juros. Bruno (2010) destaca que a consequência deste mecanismo de captação é que a dívida do setor público aumenta em virtude do pagamento dos altos juros31. A perversidade do mecanismo reside no fato de que o aumento dos gastos públicos e do endividamento está voltado à alocação da poupança em ativos improdutivos32. Ou seja, o aumento dos gastos está relacionado à remuneração de ativos financeiros33 e não terá como contrapartida a conversão desta poupança em investimentos no longo prazo. Consequentemente, quando os déficits e a dívida pública se perpetuam como resposta ao mecanismo de atração de capitais, pautado pela remuneração de ativos financeiros e através de taxas de juros muito acima da media internacional, o endividamento público acaba servindo à revalorização dos ativos, dando sequência à desconexão histórica entre recursos privados e o setor produtivo no que tange aos financiamentos de longo prazo do investimento e investimentos em infraestrutura, cujo efeito de acréscimo na riqueza da nação cobriria tais déficits no longo prazo (BRUNO, 2010). 31 O autor coloca, sob uma análise neoinstitucionalista, que a partir da implantação do Plano Real e da estabilização da moeda, houve um rearranjo das formas institucionais no Brasil que passaram a priorizar a inserção internacional e o regime monetário. 32 A poupança produtiva concerne a recursos que financiam o investimento produtivo, ou seja, a formação bruta de capital fixo. A poupança improdutiva refere-se a recursos já disponíveis que são alocados nas transferências de propriedades sobre ativos já existentes, operação que não contribui para elevar as taxas de crescimento econômico no longo prazo (BRUNO, 2010). 33 Ressalta que, a despeito do que se observava no período do “milagre econômico” e do II PND, em que a forma institucional do Estado prevalecia e os recursos captados eram direcionados à acumulação industrial, a partir dos anos 1990 constituiu-se uma forma institucional hierarquicamente superior que privilegia a inserção internacional e o regime monetário-financeiro. Esta composição, resultante da estabilização monetária do Plano Real, tornou-se dominante a partir da criação de determinados ativos financeiros que concorrem com os ativos produtivos com uma grande margem de vantagens relativas à liquidez, risco e rentabilidade e, assim, tornam-se mais atraentes e substituem a alocação de capital em setores diretamente ligados à produção. 36 3.2 O CASO BRASILEIRO – PLANO DE METAS E II PLANO NACIONAL DE DESENVOLVIMENTO Como esclarecido nas seções anteriores, a não conversibilidade monetária e o crescimento pautado pela necessidade de capital externo são características de uma série de países que têm sua autonomia restringida em função deste sistema. Levando em conta que o Brasil se enquadra nesta categoria de países, esta seção tem como objetivo mostrar a escalada da dependência de recursos externos para financiar os ciclos de crescimento econômico e poupança interna em relação ao período que abrange do Plano de Metas ao início dos anos 90, ressaltando, também, as consequências do mecanismo de crescimento com poupança externa. O padrão de financiamento da economia brasileira está assentado em uma inadequação do sistema financeiro nacional em prover financiamentos de longo prazo (STUDART, 2005). Neste sentido, quando o país se lançou a projetos mais ambiciosos de desenvolvimento, ficou condicionado à tomada de recursos externos. Também a fragilidade produtiva da economia, mediante a industrialização tardia, aumentou a dependência do ciclo de crescimento em relação à receita de divisas externas, e, portanto, à oscilação do sistema financeiro internacional (RESENDE et al, 2012). O resultado deste padrão de financiamento na economia brasileira é refletido em planos de desenvolvimento como o Plano de Metas e o II Plano Nacional de Desenvolvimento (PND), em que a necessidade de recursos externos é patente e ilustra a fragilidade associada à postura do Estado em prover, ou mesmo estimular, a entrada de recursos. Neste sentido, a composição das transações correntes dos anos 1950 e 1960 refletiu duas características principais: o pequeno hiato de recursos34, advindo de uma economia em pleno crescimento, e as características dos fluxos de capitais, bastante restritos pelas condições da época. Os recursos entrantes financiavam principalmente IED e priorizavam divisas necessárias para aquisição de bens de capital. Ou seja, o endividamento externo não é excessivo e é uma consequência quase direta do padrão de crescimento (STUDART, 2005). Mesmo sob as condições descritas acima, observa-se que no período houve uma restrição à autonomia interna. Isto se explica dado que, sob as restrições às tradicionais linhas de crédito externo, o governo precisa recorrer ao endividamento externo justamente para não esgotar o plano de crescimento. De acordo com Corazza (2004), na medida em que o padrão de industrialização estava voltado para o consumo interno, não foi possível gerar divisas que 34 O hiato de recursos pode ser considerado como a necessidade de divisas relativas à cobertura do déficit na balança comercial e de serviços. 37 saldassem os compromissos externos, fato que foi agravado nos períodos seguintes. Com relação à substituição de poupança no período, Bresser-Pereira e Nakano (2003, apud CORAZZA, 2004) mencionam que a poupança externa foi utilizada, essencialmente, para financiar consumo, não incrementando a capacidade produtiva do país e agravando a situação de seu BP. No período posterior (1967-1973), sob o regime militar, busca-se a consolidação das instituições financeiras nacionais35, em um contexto de ampliação do grau de abertura da economia ao capital externo. Mediante a falta de fontes de financiamento de longo prazo, a necessidade de grandes quantidades de recursos fomentou a reedição do sistema financeiro pelo governo, que criou entre 1968 e 1974 oito novos bancos de investimento. Estes fatos se deram em consonância com a ascensão do ciclo de liquidez internacional, proporcionando extraordinárias taxas de crescimento e a acumulação de substanciais reservas internacionais até 1973, quando se dá a reversão do ciclo. TABELA 1 - Balanço de Pagamentos, Reservas Internacionais (em US$ milhões) e Taxa de crescimento (%) Brasil: 1967-1873 ANO Balança Comercial 1967 1968 1969 1970 1971 1972 1973 213 26 378 232 -341 -244 7 Exportações 1654 1881 2311 2739 2904 3991 6199 Importações 1441 1855 1993 2507 3245 4235 6192 ContaCorrente Contas Capital e Financeira Balanço de Pagamentos Reservas Internacionais Taxa de crescimento do PIB -237 -508 -281 -562 -1037 -1489 -1688 27 541 871 1015 1846 3492 3512 -245 32 549 545 530 2439 2179 198 257 656 1187 1723 4183 6416 4,2 9,8 9,5 10,4 11,3 11,9 14 Fonte: Elaboração Própria com base em dados do Banco Central do Brasil e ABREU, 1990 apud RESENDE et al, 2012. De acordo com os dados da Tabela 1, pode-se observar que em todos os anos deste ciclo houve déficit em conta corrente acompanhado de superávit no Balanço de Pagamentos (exceto 1967). Ao mesmo tempo, foi registrado um aumento substancial no nível de comércio internacional e expansão da liquidez internacional. Neste sentido, pode-se dizer que “a vulnerabilidade externa da economia, evidenciada pelos déficits em transações correntes [...] ficava camuflada pelos sucessivos superávits no balanço de pagamentos” (RESENDE et al, 2012, p. 216). 35 A ideia era que a reforma financeira fosse pautada nos bancos públicos, mas com um viés privado que agregasse mais competitividade, sendo as principais fontes de financiamento de LP os bancos de investimento e as instituições do mercado de capitais. Entretanto, isto não foi possível já que havia um elevado grau de concentração no setor financeiro, proveniente dos bancos comerciais, e grande parte das instituições que surgiram neste período ou foram criadas por estes bancos ou, mais tarde, incorporadas a eles (STUDART, 2005). 38 TABELA 2 - Balanço de Pagamentos, Reservas Internacionais (em US$ milhões) e Taxa de crescimento (%) Brasil: 1974-1979 Ano BC Exportações Importações Conta Corrente Contas capital e financeira Balanço de Pagamentos Reservas Internacionais Taxa de crescimento do PIB 1974 -4690 7951 12641 -7122 6254 -936 5269 8,2 1975 -3540 8670 12210 -6700 6189 -950 4040 5,2 1976 -2255 10128 12383 -6017 6594 1192 6544 10,3 1977 97 12120 12023 -4037 5278 630 7256 4,9 1978 -1024 12659 13683 -6990 11891 4262 11895 5 1979 -2840 15244 18083 -10742 7657 -3215 9689 6,8 Fonte: Elaboração Própria com base em dados do Banco Central do Brasil e ABREU, 1990 apud RESENDE et al, 2012. Os dados da Tabela 2 revelam as consequências da desaceleração e da redução da liquidez internacional em virtude da crise do Petróleo de 1973 e do ajuste recessivo das economias mais desenvolvidas. O aumento das importações fazia parte das pretensões do II PND e observa-se que, entre 1974 e 1975, houve substanciais déficits em TC advindos, principalmente, do aumento destas importações, que passaram de um patamar de US$6 bilhões em 1973 para US$12 bilhões em 1975. No biênio, foram perdidos aproximadamente US$2 bilhões em reservas. A partir de 1974 a economia brasileira começa a dar os primeiros sinais de reversão do ciclo expansivo de crescimento. À época, acreditava-se que os problemas eram de curto prazo e seriam revertidos em um futuro próximo. Assim, o Estado brasileiro continuou se endividando em níveis extraordinários. Nesse momento, os limites financeiros da autonomia brasileira começam a comprometer a capacidade de crescimento da economia, uma vez que o Estado se sobreendividava em condições financeiras de alto risco sem desenvolver correspondente capacidade de geração de divisas. (GOLDENSTEIN, 1994). Sendo assim, ao longo dos anos 70 os pilares do financiamento do desenvolvimento eram endividamento externo e instituições financeiras públicas36, cujos recursos provinham basicamente de empréstimos bancários e como resultado da liquidez dos petrodólares desde 1973. 36 Goldenstein (1994) explica que a necessidade de recursos externos neste período aumenta tanto com as importações e problemas na balança comercial como com os custos financeiros do endividamento anterior, e exatamente neste momento os tomadores e recursos externos se retraem obrigando o governo a utilizar as estatais como instrumento de captação de recursos externos. Em paralelo, a aceleração da inflação e a queda no crescimento acabam fazendo com que os títulos públicos, com o risco nulo e a proteção da correção monetária, tornem-se os ativos mais visados e também a fonte de captação de recursos externos do governo. Assim, elevavam-se as taxas internas de juros para atrair recursos, que expandiam a liquidez ao entrar, mas que precisava ser enxugada para garantir as altas taxas. Ao mesmo tempo, a liquidez era ampliada pelos subsídios distribuídos aos setores mais carentes, o que obrigada o governo a vender mais títulos para financiar o esquema, ou seja, o governo comprava dinheiro caro para emprestar barato, que levou ao endividamento exacerbado do setor publico e acarretaria a sua falência junto com a ruptura do padrão de financiamento nacional. 39 Nos anos relativos à Marcha Forçada (1964-1979), o que se observa remonta à abertura de capital, mecanismo que ampliaria a poupança externa necessária ao desenvolvimento econômico brasileiro do período. Na prática, o que ocorre, principalmente nos anos 70, é um crescimento da demanda por capitais externos superior ao hiato de recursos e o consequente aumento do endividamento, tanto em virtude do amplo acesso aos recursos externos quanto do choque de preços (STUDART, 2005). Assim, de acordo com Resende et al (2012), na transição dos anos 70 para 80 tem lugar o fim da funcionalidade do arranjo financeiro que vinha sendo utilizado até então. Com a escassez de liquidez, não foi mais possível controlar os desequilíbrios no balanço de pagamentos nem continuar o ciclo do II PND e a drástica redução dos investimentos mantidos pelas estatais provocou o uso de políticas econômicas recessivas, configurando uma redução da autonomia interna. A crise da dívida dos anos 80 reflete de maneira singular a dependência do país de recursos externos e a diminuição de sua autonomia. As rígidas restrições externas provocadas pelos choques do petróleo de 1973 e 1979 e a elevação da taxa de juros americana no fim dos anos 70, sendo que o país possuía um grande montante de dívidas denominadas em dólar, agravam a fragilidade do endividamento e inauguram um período de crise da dívida no Brasil37. A desconfiança, gerada pela falta de capacidade de pagamentos das dívidas, tanto do Brasil quanto de uma série de países na América Latina, provoca a inversão do fluxo de capitais, que deixam de ser investidos no país, ao passo que o mesmo passa a enviar capitais para pagamento da dívida. Este é um quadro característico dos anos 80 para grande parte das economias em desenvolvimento (STUDART, 2005). O fim da década, em contraposição, reflete o acelerado crescimento da liquidez dos mercados de títulos, que passam a incluir ativos de alto risco em suas preferências, como os de mercados emergentes. A abertura e liberalização dos ativos financeiros locais e o evento da renegociação dos prazos da dívida externa, no fim dos anos 80, proporcionaram mais liquidez a estes ativos em âmbito internacional, e as altas taxas de juros decorrentes trouxeram ao país substanciais influxos de capitais. As economias subdesenvolvidas que optaram por efetuar a abertura financeira e comercial passam a participar de um mercado financeiro internacional em amplo crescimento e disposto a tomar riscos. A administração de Collor (1990-92) se baseia em um novo modelo, pautado por maior abertura da conta de capital, liberalização financeira doméstica e a 37 Neste momento desenvolve-se o mecanismo de tentar evitar ao máximo os efeitos desta crise através da incorporação da dívida do setor privado pelo governo e pelas empresas estatais, que gerou ainda mais deterioração financeira. 40 proposta de um Estado menos participativo economicamente. Em consequência desta liberalização, de acordo com Studart (2005), a demanda por ativos externos aumenta, mas não necessariamente como reflexo de uma demanda por hiato de recursos, ou seja, aumenta-se a vulnerabilidade externa com (i) a geração de um passivo externo sensível a variações na taxa de cambio e (ii) a dependência da oferta de recursos externos condicionada às suas oscilações. Também é importante destacar que, nos anos 90, a maior parte dos fluxos de capitais provinha de investimentos de portfólio, cuja representação no total dos fluxos chegou a atingir 50%. Por sua vez, os IEDs, advindos dos processos de privatização, estavam diretamente associados à aquisição de empresas e não em financiamentos de longo prazo. Ou seja, os capitais, de maneira geral, não eram direcionados a investimento e crescimento no país (STUDART, 2005). Portanto, em relação ao período que abrange do Plano de Metas ao início dos anos 90, percebe-se uma escalada da dependência em relação aos recursos externos para financiar ciclos de crescimento econômico e de poupança interna. O efeito que se observa é uma ilusão da autonomia, uma vez que tais ciclos são possíveis na medida em que o capital externo está disponível. Nestas condições, perante a necessidade de capital externo, o ajuste do balanço de pagamentos tornou-se tanto menos custoso quanto maior a disponibilidade de liquidez internacional, aumento do comércio ou facilidade de tomar empréstimos. Em contrapartida, as políticas macroeconômicas ficaram também cada vez mais subordinadas ao ajuste do BP, em detrimento de investimento e crescimento. Assim, conclui-se que o crescimento brasileiro durante o período esteve restrito aos ciclos de liquidez internacional, conforme a disponibilidade de capital externo barato aumentava a autonomia interna do país para executar políticas voltadas ao crescimento. Por outro lado, o preço desta estratégia é, e sempre foi, o aumento da vulnerabilidade externa. 41 4 A MANIFESTAÇÃO DA AUTONOMIA A PARTIR DO PLANO REAL O processo de inserção no ambiente internacional globalizado e a política de liberalização financeira tiveram início no Brasil ao fim dos anos 1980. Esta política se baseava, principalmente, na desregulamentação do sistema financeiro – sobretudo no âmbito bancário, e na liberalização da conta de capitais relativa a empréstimos e investimentos de portfólio. Neste sentido, faziam-se necessárias medidas relativas à liberalização financeira e comercial, ao ajuste fiscal (incluindo privatizações) e estabilização seguida de manutenção de preços (HERMANN, 2010). Em teoria, tal combinação proporcionaria o ambiente financeiro necessário para oferecer crédito de longo prazo e desenvolvimento econômico. Como caracterização deste momento da economia mundial, pode-se dizer que a restrição externa já não é delineada pela limitação à questão comercial, em que os países em desenvolvimento promovem exportações para que consigam cobrir as importações necessárias ao seu crescimento, mas que, ao recorrerem à esfera financeira, os capitais internacionais passam a desempenhar um papel importante na superação à restrição de divisas. Partindo, então, do pressuposto de que um país em desenvolvimento necessita de capital externo para efetuar seu desenvolvimento e diante das consequências que advêm da opção pelo padrão de financiamento via poupança externa, objetiva-se, neste capítulo, analisar as contas externas relativas aos dois mandatos de Fernando Henrique Cardoso (1995-2002) e aos dois mandatos de Lula (2003-2010) em que se mostre, dado o quadro atual da economia brasileira, a existência de uma redução da vulnerabilidade externa e da aderência dos ciclos de crescimento à disponibilidade de liquidez no sistema internacional. Ou seja, se houve ou não um aumento da autonomia interna perante a redução da necessidade de recursos externos. Para tanto, será feita uma análise de contas selecionadas do balanço de pagamentos brasileiro em conjunto com outros indicadores de análise no período, ressaltando as circunstâncias em que fica mais evidente a falta de autonomia como manifestação da dependência de capital externo para o ajuste do balanço de pagamentos. 4.1 UM BALANÇO DAS CONTAS EXTERNAS O processo inflacionário pelo qual passou a economia brasileira ao longo dos anos 80 e da primeira metade da década de 90 culminou com a implantação do Plano Real em 1994, que foi bem sucedido na manutenção da estabilidade de preços. Através de reformas liberalizantes nos planos comercial e financeiro – da flexibilização da mobilidade de capitais, 42 inclusive de curto prazo, e por meio da ancoragem cambial, o país conseguiu controlar o quadro inflacionário, meta da candidatura de Cardoso. Paralelamente, no entanto, agravavamse o endividamento e também a vulnerabilidade externa da economia. A estratégia de inserção internacional com base no tripé neoliberal, no entanto, não se mostrou sem consequências adversas. Ao mesmo tempo em que tais reformas concederam ao país o acesso à liquidez internacional, também colaboraram para que as decisões do governo brasileiro, no que diz respeito à sua política econômica, ficassem limitadas pela dependência de financiamento externo, o que representa uma perda de autonomia política para o país. TABELA 3 - Balanço de Pagamentos, Contas Selecionadas (US$ milhões) – Brasil: 1995-2002 1995 1996 1997 1998 Transações Correntes -18.384 -23.502 -30.452 -33.416 Balança comercial -3.466 -5.599 -6.753 -6.575 Importações 49.972 53.346 59.747 57.714 Exportações 46.506 47.747 52.994 51.140 Serviços -7.483 -8.681 -10.646 -10.111 Rendas -11.058 -11.668 -14.876 -18.189 Lucros e Dividendos -2.951 -2.830 -5.443 -6.855 Juros -7.946 -8.778 -9.483 -11.437 3.622 2.446 1.823 1.458 Transferências unilaterais Conta Capital e 29.095 33.968 25.800 29.702 Financeira Investimento Direto 3.309 11.261 17.877 26.002 Estrangeiros no país 4.405 10.792 18.993 28.856 Brasileiros no exterior -1.096 469 -1.116 -2.854 Investimentos em carteira 9.217 21.619 12.616 18.125 Estrangeiros 10.372 22.022 10.908 18.582 Brasileiros -1.155 -403 1.708 -457 Saldo do BP 12.919 8.666 -7.907 -7.970 Fonte: elaboração própria com base em dados do Banco Central 1999 -25.335 -1.199 49.210 48.011 -6.977 -18.848 -4.115 -14.876 1.689 2000 -24.225 -698 55.783 55.086 -7.162 -17.886 -3.316 -14.649 1.521 2001 -23.215 2.650 55.572 58.223 -7.759 -19.743 -4.961 -14.877 1.638 2002 -7.637 13.121 47.240 60.362 -4.957 -18.191 -5.162 -13.130 2.390 17.319 19.326 27.052 8.004 26.888 28.578 -1.690 3.802 3.542 259 -7.822 30.498 32.779 -2.282 6.955 8.651 -1.696 -2.262 24.715 22.457 2.258 77 872 -795 3.307 14.108 16.590 -2.482 -5.119 -4.797 -321 302 Os efeitos mais visíveis de tal opção podem ser observados no balanço de pagamentos (Tabela 3). O primeiro mandato de Fernando Henrique Cardoso (FHC) (1995-1998) foi marcado pela tentativa de manter a paridade Real/Dólar, pouco comprometimento com restrição de gastos do governo e, em consequência, a deterioração da balança comercial, fatos que demandaram uma politica monetária bastante restrita, sob altas taxas de juros (ABREU; WERNECK, 2005). A busca pela manutenção da estabilidade da moeda manteve a taxa de câmbio sobrevalorizada até 1999. Em consequência, houve um incentivo considerável às importações, que não foram acompanhadas por um crescimento rápido das exportações, tanto pela apreciação da moeda quanto pelo efeito das privatizações, que, apesar de inicialmente terem um impacto positivo, garantindo a entrada dos investimentos estrangeiros e na redução 43 dos gastos públicos, representavam, basicamente, uma transmissão de patrimônio que não consistia em investimento produtivo. Mediante este cenário de déficit da balança comercial, somado à entrada de investimentos diretos e à captação de recursos externos de curto prazo, estabeleceu-se um cenário em que o próprio déficit em conta corrente se retroalimentava, uma vez que o ajuste era feito através de endividamento e da entrada de IED, cujas contrapartidas por meio do pagamento de juros e de lucros e dividendos pesavam sobre a conta de rendas e pressionavam as contas externas, aumentando o déficit. A continuidade do arranjo deteriorou tanto as contas públicas quanto as contas externas. A opção pelo financiamento externo fez com que a taxa de juros fosse amplamente utilizada no período como mecanismo de atração de capitais no mercado financeiro e teve efeitos devastadores sobre o endividamento externo. Estes efeitos ainda sofreram agravo com as crises financeiras na Ásia e na Rússia, que obrigaram as autoridades monetárias a manter as taxas elevadas para proteger o Real da especulação, na medida em que se buscava conservar a estabilidade monetária sob o sistema de bandas cambiais ora vigente. Neste sentido, coloca-se que o primeiro mandato de FHC foi caracterizado pela submissão da política econômica à defesa da taxa de câmbio, servente não à lógica de acumulação de divisas via exportação, mas à estabilidade cambial e inflacionária. Em decorrência desta opção feita pelo governo, foi gerada uma série de desequilíbrios econômicos, refletidos nos déficits comerciais, que se transpunham para as transações correntes e eram sustentados pelo endividamento externo crescente. Também, a necessidade de conservação do mecanismo cambial se dava através da captação de recursos externos, por meio da manipulação da taxa de juros, o que aumentava a dívida pública e o passivo do Estado brasileiro, engessando a política fiscal e restringindo sua manobra com relação às políticas de crescimento. O retrato deste cenário de perda da autonomia na gestão da política econômica é demonstrado pelo que Carcanholo (2010) identifica como sendo “as quatro armadilhas” do processo de captação de recursos externos para financiar o Balanço de Pagamentos: 1) A restrição externa estrutural ao crescimento, que se manifesta na obrigação do estabelecimento de uma taxa de juros muito alta como forma de garantir a entrada de capitais que possibilitem o encerramento das contas; 2) A questão das contas externas, relativa ao crescimento do déficit em TC, oriundo do processo de abertura externa, que acarreta o aumento do 44 passivo externo38 necessário para financiar tal déficit. Concomitantemente, isso implica no maior pagamento do serviço deste passivo, o que volta a elevar o déficit da balança de serviços e gera um círculo vicioso de endividamento externo; 3) Em consequência das altas taxas de juros, há o aumento do serviço da dívida pública, que acaba sendo refinanciado através de um novo endividamento, ou seja, por intermédio do lançamento de novos papeis da dívida pública. Assim, produz-se uma “armadilha fiscal”, definida pelo aumento do estoque e do serviço da dívida pública; 4) Por último, estabelece-se um mecanismo de stop and go, definido pelas oscilações conjunturais da atividade econômica. Quando há o crescimento do nível de atividade econômica e da renda, há também uma elevação da demanda por importações, e, portanto, do déficit em TC. Para financiar o déficit, incorre-se no aumento das taxas de juros, o que acaba interrompendo o processo de crescimento. Mediante os efeitos das crises asiática e russa, os déficits públicos se acumularam de tal maneira que se tornaram insustentáveis. Neste contexto, o empréstimo coletado junto ao FMI, em setembro de 1998, foi concedido como uma forma de garantir a solvência do governo com relação a papeis brasileiros em posse de diversas instituições financeiras fora do país. A condicionalidade, portanto, requeria que o sistema de bandas cambiais continuasse operante (IMF, 2003). Os resultados na economia brasileira podem ser entendidos tanto como fruto da adoção de um pacote de políticas neoliberais que não foi seguido à risca, pois a taxa de câmbio tornou-se flutuante no início de 1999, quanto da dependência em relação às divisas estrangeiras. As contas do balanço de pagamentos estavam de tal maneira atreladas ao capital externo que, na manifestação das crises financeiras de 1997 e 1998, a desestabilização dos mercados financeiros e a retração de liquidez culminaram com uma crise no balanço de pagamentos, evidenciando um efeito de aderência entre o desenvolvimento da economia brasileira e os ciclos de liquidez em âmbito internacional. 38 Este conceito sinaliza não apenas o total da remuneração do capital de empréstimos, como o conceito de credor ou devedor internacional o faz, mas também pode indicar valores de remuneração de capital de risco (ALMEIDA, 2004). 45 O mandato seguinte, iniciado em 1999, começou com o rompimento da sustentação da âncora cambial39. Este rompimento é uma manifestação da pressão da sobrevalorização cambial sobre as contas externas brasileiras como consequência da necessidade de divisas externas. A busca pela manutenção do câmbio elevado, no contexto em que a moeda brasileira não é conversível, teve um custo muito alto em termos macroeconômicos, expresso no desincentivo à exportação e na necessidade da manutenção de altas taxas de juros como ferramenta de conservação da entrada de capitais, ao passo que desestimulou o investimento. Nesse sentido, a autonomia política do governo para priorizar políticas de desenvolvimento foi extremamente restringida, assim como o crescimento brasileiro. No novo governo, como forma de ampliar a autonomia da gestão de política monetária, no lugar da âncora cambial foi adotado um novo tripé macroeconômico, composto pelo regime de câmbio flexível, superávit primário e sistema de metas de inflação. Em termos de balança comercial, presume-se um impacto positivo advindo da desvalorização da moeda brasileira, que de fato se observou a partir da redução do déficit comercial já ao fim de 1999, embora a balança só tenha começado a apresentar superávits a partir de 2001. Em termos de política econômica, o governo manteve sua opção de flexibilização financeira. Desta maneira, a economia brasileira continuou sendo financiada por recursos externos e restringida em sua autonomia, uma vez que continuava a direcionar sua política econômica na busca por meios pelos quais pagaria suas dívidas, mesmo que, para tanto, precisasse reduzir o investimento, aumentar o desemprego e realizar cortes de recursos destinados à redistribuição de renda. Apesar de a desvalorização cambial ter possibilitado melhora na balança comercial, as contas externas do governo continuaram deficitárias, exigindo a captação de recursos externos para o fechamento do BP. A transição do governo FHC para o governo Lula acabou sendo um momento de grande turbulência para a economia brasileira. As eleições presidenciais de 2002, com a previsão de vitória do candidato representante do partido de orientação esquerdista, suscitaram incertezas entre os investidores internacionais, temerosos da ruptura da adesão brasileira aos princípios do Consenso de Washington. A declaração40 do governo Lula, sob a 39 Em janeiro de 1999 o decreto de moratória da dívida externa do estado de Minas Gerais anunciou o fim do regime de bandas cambiais. Foram feitas tentativas de manter o câmbio sob controle, mesmo com sua constante desvalorização e a perda de 8 bilhões em reservas entre dezembro de 1998 e janeiro de 1999 para cobrir os prejuízos. Em 15 de janeiro foi oficialmente adotado o regime de taxas de câmbio flutuantes. 40 Em declaração ao comprometimento do governo Lula com os compromissos internacionais, a Carta ao Povo Brasileiro, assinada pelo candidato, versava: “Premissa dessa transição será naturalmente o respeito aos contratos e obrigações do país. As recentes turbulências do mercado financeiro devem ser compreendidas nesse contexto de fragilidade do atual modelo e de clamor popular pela sua superação” (PARTIDO DOS TRABALHADORES, 46 qual o candidato se comprometia a adotar uma postura mais conservadora, não foi suficiente para acalmar os mercados. Ao assumir a presidência, em 2003, Lula manteve a palavra com relação à manutenção do pagamento dos compromissos brasileiros e também as bases da política econômica do governo anterior, tendo até mesmo aprofundado alguns de seus aspectos como o superávit primário e a liberalização financeira (CARCANHOLO, 2010). Gradualmente, os fluxos de capitais regressaram ao país. Com a especulação contra o Real, entre 2001 e 2002, fica evidente a forte dependência da economia brasileira dos capitais externos. Assim, a despeito das expectativas de uma parcela do Partido dos Trabalhadores, o presidente Lula, declaradamente oposto ao regime neoliberal, reconheceu que não seria possível abandonar o tripé liberal naquele momento, sob pena de crise no BP, dado o nível de imersão da economia brasileira à abertura e liberalização financeira. TABELA 4 - Balanço de Pagamentos, Contas Selecionadas (US$ milhões) – Brasil: 2003-2010 2003 2004 2005 2006 Transações Correntes 4.177 11.679 13.985 13.643 Balança comercial 24.794 33.641 44.703 46.457 Importações 48.290 62.835 73.606 91.351 Exportações 73.084 96.475 118.308 137.807 Serviços -4.931 -4.678 -8.309 -9.649 Rendas -18.552 -20.520 -25.967 -27.480 Lucros e Dividendos -5.640 -7.338 -12.686 -16.369 Juros -13.020 -13.364 -13.496 -11.289 Conta Capital 498 372 663 869 Conta Financeira 4.613 -7.895 -10.127 15.430 Investimento Direto 9.894 8.339 12.550 -9.380 Estrangeiros no país 10.144 18.146 15.066 18.822 Brasileiros no exterior -249 -9.807 -2.517 -28.202 Investimentos em carteira 5.308 -4.750 4.885 9.081 Estrangeiros 5.129 -3.996 6.655 9.076 Brasileiros 179 -755 -1.771 6 Saldo do BP 8.496 2.244 4.319 30.569 Fonte: elaboração própria com base em dados do Banco Central 2007 2008 2009 1.551 -28.192 -24.302 40.032 24.836 25.290 120.617 173.107 127.705 160.649 197.942 152.995 -13.219 -16.690 -19.245 -29.291 -40.562 -33.684 -22.435 -33.875 -25.218 -7.305 -7.232 -9.069 756 1.055 1.129 88.330 28.297 70.172 27.518 24.601 36.033 34.585 45.058 25.949 -7.067 -20.457 10.084 48.390 1.133 50.283 48.104 -767 46.159 286 1.900 4.125 87.484 2.969 46.651 2010 -47.273 20.147 181.768 201.915 -30.835 -39.486 -30.375 -9.610 1.119 98.793 36.919 48.506 -11.588 63.011 67.795 -4.784 49.101 Observa-se na Tabela 4 que, já nos primeiros anos do governo Lula, há um aumento substancial do superávit na balança comercial, resultado que aparece principalmente como função da fase de ascensão do comércio internacional e como consequência da desvalorização cambial. Após pelo menos 8 anos de déficits, a conta corrente brasileira passa a ser positiva e assim se mantém até 2008. A percepção de contas nacionais mais saudáveis reafirmou a 2002, p. 2). 47 segurança no mercado financeiro. A evolução do comércio internacional também surtiu efeitos sobre o volume e os preços das exportações brasileiras, em cuja categoria de predominância eram as commodities. Também de acordo com a Tabela 4, é possível perceber que os fluxos de investimento em carteira apresentaram uma trajetória de oscilação. Em 2003, estes fluxos foram de US$5,3 bilhões, regredindo de maneira acentuada no ano seguinte, quando houve uma saída deste fluxo de US$4,7 bilhões. A partir de então, iniciou-se um período de aumento até 2007, com o investimento em portfólio aumentando em 10 vezes entre 2005 e 2007. Em 2008, a crise econômica e a retração da liquidez internacional reduziram drasticamente estes fluxos, cujo saldo foi de apenas US$1 bilhão. Também o aumento do investimento direto entre 2003 e 2008 teve como contrapartida uma remessa crescente de lucros e dividendos para o exterior, que passou de US$5,6 bilhões em 2003 para US$33,6 bilhões em 2008. Em 2005, em virtude da conjuntura favorável e do acúmulo de reservas internacionais, que chegava a US$64 bilhões em novembro, o governo toma a decisão de quitar a dívida junto ao FMI. Durante o período que seguiu, houve crescimento expressivo das reservas internacionais, que passaram de US$49 bilhões, em 2003, para US$ 288 bilhões, em 2010. A retenção de reservas permitiu um afrouxamento da restrição ao balanço de pagamentos, muito importante para a manutenção da taxa de juros em um patamar estável e relativamente baixo durante o período. A redução do passivo externo e também das taxas de juros reduziram os valores desembolsados com os custos do mesmo. Em virtude da aceleração do crescimento brasileiro, acompanhada pela elevada taxa de juros doméstica e a expectativa de apreciação do Real, o Brasil se tornou um polo de atração de capitais ao longo da década de 2000. Com a crise financeira de 2008 veio a retração no mercado financeiro internacional e a restrição de liquidez. Sob este contexto, há uma queda na demanda internacional, as exportações são contraídas e os preços das commodities diminuem. Em números, o resultado da balança comercial reduziu-se à metade do ano anterior, os investimentos em carteira sofreram um déficit de US$760 milhões e, assim, o saldo em conta corrente no ano foi negativo em US$28 bilhões. Os resultados da crise evidenciam que, a despeito do acúmulo de reservas e da redução da dívida externa, não foram executadas medidas que alterassem estruturalmente a vulnerabilidade externa da economia brasileira. Nesse sentido, com a reversão do cenário internacional, ressurge a necessidade estrutural de financiamento externo para o fechamento do BP. No que tange ao pós-crise, a taxa de juros, mesmo que baixa em comparação com outros períodos, encontrava-se em um patamar mais elevado com relação à taxa de juros 48 internacional (CARCANHOLO, 2010). Sendo assim, em 2009 e 2010, o país voltou a atrair entradas massivas de investimentos externos. Em 2010, a conta financeira atingiu o valor de US$98 bilhões, suficiente para cobrir o expressivo déficit em transações correntes, que alcançou US$47 bilhões. De maneira geral, o primeiro mandato do governo Lula foi caracterizado pela adesão à doutrina neoliberal característica do governo anterior. A economia começou a se beneficiar da flutuação cambial e os saldos em conta corrente finalmente se tornaram superavitários, muito em função do aumento no comércio internacional e da liquidez como um todo. Barbosa e Souza (2010) ressaltam que houve um ponto de inflexão no governo, relativamente ao início do segundo mandato, em que o governo Lula passa a adotar políticas de cunho desenvolvimentista que visam à redistribuição de renda, aumento de salários mínimos, superávits fiscais mais modestos e maiores gastos com investimentos públicos, que possibilitem taxas de crescimento mais expressivas e maior estabilidade econômica. Os efeitos destas políticas, no entanto, são contestáveis. Com a deflagração da crise, em 2008, manifesta-se a saída dos fluxos de capitais do Brasil, além da contração do crédito e da redução no nível de comércio internacional e liquidez. O acúmulo de reservas que o governo vinha realizando nos anos anteriores, ajudou a combater os efeitos da crise, embora não tenha sido suficiente para manter saudáveis as contas externas. Ao mesmo tempo, nem as políticas ditas de cunho mais desenvolvimentista permitiram uma resposta à altura da crise. Ou seja, não há indícios de que tenham sido efetuadas mudanças estruturais internas ao longo do período suficientemente representativas para a conquista de maior autonomia interna brasileira, inclusive em momentos de retração do capital externo. Os motivos que sustentam esta interpretação terão lugar na próxima seção. 4.2 A REALIDADE DA AUTONOMIA BRASILEIRA Nesta seção, busca-se avaliar sob quais aspectos houve alterações na dependência de capital externo na economia brasileira e em que dimensão estas alterações são indicativas de que houve um aumento real da autonomia interna na condução de políticas macroeconômicas. Apesar de os pilares do modelo de condução das políticas macroeconômicas terem sido mantidos da primeira para a segunda gestão de Lula, algumas mudanças são indicativas de que houve uma redução da vulnerabilidade externa e, portanto, certa retomada da autonomia nas decisões políticas do Brasil. Entre estas mudanças está a passagem de déficits para superávits na conta corrente a partir de 2003, ocasionada pelo considerável aumento das 49 exportações, que provocou um afrouxamento importante das restrições ao balanço de pagamentos. O sucesso das exportações foi impulsionado, principalmente, por dois elementos: a estratégia de ação externa voltada para a diversificação dos parceiros comerciais e mercados consumidores intensificada no governo Lula e a evolução do cenário internacional com relação aos preços das commodities, que serão analisados posteriormente. Se por um lado, a mensuração dos impactos do aumento do comércio mundial e dos preços das commodities nas exportações brasileiras é mais efetiva, não se pode ignorar que a política de diversificação das parcerias tenha sido um fator, não apenas de ampliação do comércio, como também de diversificação dos riscos de se manter relações limitadas com um número restrito de países (SALES, 2012). GRÁFICO 1 – Volume de Exportações Brasileiras por País de Destino (US$ milhões FOB) – 19952010 50000 45000 40000 35000 30000 25000 20000 15000 10000 5000 0 MERCOSUL CHINA BRICS AFRICA Estados Unidos União Europeia Fonte: Elaboração própria com base em dados Aliceweb/MDIC. No Gráfico 1, destaca-se o aumento gradual e generalizado do volume de exportações brasileiras, mais evidente a partir de 2003. No período anterior a 2003, o volume de exportações manteve-se relativamente constante, principalmente em virtude da sobrevalorização cambial, que foi prejudicial às exportações, ao mesmo tempo em que incentivou as importações. Ademais, predominava uma lógica direcionada à adesão do Brasil a organismos multilaterais e à prioridade de aderir a protocolos que acabavam por estreitar as relações com os países centrais, relegando ao segundo plano relações com outros parceiros comerciais, como os países da África. 50 Ao longo do período, houve a tentativa de fomentar o processo de integração regional através do fortalecimento de relações com o Mercado Comum do Sul (Mercosul), embora a partir de 1998 as exportações para o bloco tenham declinado, principalmente em função dos desequilíbrios na Argentina, o país para o qual as importações do Brasil são mais significativas no bloco. De maneira geral, o período foi caracterizado por uma aproximação com os parceiros tradicionais, notadamente a Europa e os Estados Unidos, sem uma iniciativa muito consistente na busca pela ampliação das parcerias. Desde 2000 a balança comercial demonstrava sinais de recuperação, resultado gradualmente adquirido sob os efeitos tardios da mudança de regime cambial vigente a partir de 1999 e da consequente desvalorização do Real. No cenário internacional, alguns dos principais parceiros comerciais do Brasil, como a economia argentina e a economia americana, recuperavam-se. Também houve o crescimento da economia chinesa, que passou a importar muito do Brasil. Por um lado, uma parcela significativa do aumento das exportações brasileiras pode ser explicada pela ascensão de um novo ciclo de liquidez internacional, uma componente conjuntural da restrição externa. Por outro, pode-se dizer que a política externa mais ativa e com vistas à ampliação dos parceiros comerciais na nova gestão é uma tentativa de “autonomia pela diversificação”, que significa alterar estruturalmente a dependência da balança comercial de um número restrito de parceiros comerciais em prol de variações que teriam por característica diversificar o comércio brasileiro. A iniciativa do governo estava pautada na orientação de parcerias não apenas com a finalidade comercial, mas estrategicamente estabelecidas para aumentar o poder de barganha do Brasil e de outros blocos e países junto às tomadas de decisão, tanto no âmbito da OMC como em foros de diversas naturezas. Neste sentido, como orienta o ex-Ministro de Relações Exteriores Celso Amorim: “A consolidação do G-20 demonstra que existe um espaço diplomático que merece ser melhor explorado na interação com outros grandes países e regiões em desenvolvimento. Por vários séculos, dependemos de percepções colhidas por observadores europeus e norte-americanos sobre sociedades geograficamente distantes das nossas, como as da Ásia e do Oriente Médio, e até mesmo em relação a outras mais próximas, na vizinha África. A intensificação do diálogo e do intercâmbio direto com essas e outras regiões, para além da retórica já esgotada do terceiro-mundismo, exige, sobretudo, vontade política de parte a parte” (AMORIM, 2003, p. 260). 51 GRÁFICO 2 - Variação (%) do Volume de Exportações Brasileiras por País de Destino 2003-2008 * 300 250 200 150 100 50 0 MERCOSUL CHINA BRICS AFRICA Estados Unidos União Europeia *método de cálculo: exportações 2008 - exportações 2003/ exportações 2003 *100 Fonte: elaboração própria com base em dados Aliceweb/Mdic Assim, o Gráfico 2 mostra que, embora Estados Unidos e União Europeia tenham se mantido, ao menos até 2008, como os principais importadores de mercadorias brasileiras (vide Gráfico 1), variações muito significativas estão concentradas em parceiros comerciais que não eram tradicionais, como China, África e países do BRICS, alvos da estratégia comercial brasileira. Ademais, as relações com o Mercosul também foram estreitadas. Um dos resultados mais positivos desta política, direcionada à redução da vulnerabilidade perante cenários de crise econômica internacional, notadamente no ano de 2008, manifesta-se na conservação de parceiros que, diferentemente de Estados Unidos e União Européia, no epicentro da crise, continuaram aumentando suas importações do Brasil, mesmo a partir de 2008. Ou seja, as ações de política externa para a melhoria do desempenho exportador brasileiro, por meio do estreitamento das relações do Brasil com seus vizinhos sul-americanos e países não tradicionais em sua agenda de política externa, bem como através da aproximação com outros países emergentes, possibilita inferir que houve certa redução da vulnerabilidade externa estrutural. Também a partir dos anos 2000, o elevado crescimento da economia chinesa e demais nações asiáticas converteu-se em uma elevada demanda por commodities de naturezas agrícola e mineral, que beneficiou países com inserção comercial baseada nestes produtos, como o Brasil. O aumento da demanda e, consequentemente, dos preços das commodities representou um forte impulso às exportações e à manutenção do superávit nas transações correntes. De acordo com os dados da Tabela 5, o crescimento de exportações de bens básicos, categoria que enquadra também as commodities, registrou, em 2001, um crescimento de 22,1% em relação ao ano anterior e, a partir daí, não registrou taxas menores que 16% (exceto em 2002) até 2009, atingindo no ano anterior uma taxa de 40%. 52 TABELA 5 – Exportações Brasileiras por Fator Agregado - 1995 a 2010 (valores em US$ milhões FOB) BÁSICOS ANO 1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 SEMIMANUFATURADOS MANUFATURADOS Valor Var. % (*) Part./Total (**) Valor Var. % (*) Part./Total (**) Valor Var. % (*) 10969 11900 14474 12977 11828 12562 15342 16952 21179 28518 34721 40285 51596 73028 61957 90005 -0,8 8,5 21,6 -10,3 -8,9 6,2 22,1 10,5 24,9 34,7 21,8 16,0 28,1 41,5 -15,2 45,3 23,6 24,9 27,3 25,4 24,6 22,8 26,4 28,1 29,0 29,6 29,3 29,2 32,1 36,9 40,5 44,6 9146 8613 8478 8120 7982 8499 8244 8964 10943 13431 15961 19523 21800 27073 20499 28207 32,7 -5,8 -1,6 -4,2 -1,7 6,5 -3,0 8,7 22,1 22,7 18,8 22,3 11,7 24,2 -24,3 37,6 19,7 18,0 16,0 15,9 16,6 15,4 14,2 14,9 15,0 13,9 13,5 14,2 13,6 13,7 13,4 14,0 25565 26413 29194 29387 27329 32528 32901 33001 39654 52948 65144 75018 83943 92682 67349 79563 2,4 3,3 10,5 0,7 -7,0 19,0 1,1 0,3 20,2 33,5 23,0 15,2 11,9 10,4 -27,3 18,1 Part./Total (**) 55,0 55,3 55,1 57,5 56,9 59,0 56,5 54,7 54,3 54,9 55,1 54,4 52,3 46,8 44,0 39,4 (*) Variação % sobre o período anterior (**) Participação % da categoria sobre o total Fonte: Elaboração própria com base em dados SECEX/MDIC. A evolução relativa à participação por fator agregado no total das exportações brasileiras traz à tona uma questão que, a despeito das vantagens do aumento na demanda internacional por commodities, requer uma análise detalhada sobre a recente “reprimarização” da pauta de exportações. Esta mudança de caráter estrutural nas exportações brasileiras, que reflete o aumento de vendas de bens básicos em sobreposição aos bens manufaturados, sugere que possa haver uma tendência à reprimarização da pauta, assunto abordado por autores como Filgueiras e Gonçalves (2007) e Carcanholo (2010). Com relação ao valor representado pelas manufaturas, houve uma queda significativa entre 2005, em que a categoria representava 55% do total, e 2010, que atingia 39,4%. Filgueiras e Gonçalves (2007) chamam a atenção para o fato de que a diversidade dos produtos manufaturados é muito pequena no Brasil e o valor das exportações se deve, principalmente, a um produto em especial: “o conhecido caso dos aviões – que assume grande destaque exatamente porque é exceção” (p. 83). Em consonância com a perspectiva estruturalista, a característica da alta elasticidadepreço dos bens primários faz com que estes tenham seus preços atrelados às variações da 53 demanda (PREBISCH, 1973, apud RODRIGUEZ, 2009). Neste sentido, a priori, há uma tendência de desvalorização destes bens em caso de desaceleração do crescimento econômico mundial. Como sugerem Resende e Jayme Jr. (2009, p. 23): “O alívio de curto prazo da restrição externa só possibilita garantir o crescimento de longo prazo com equilíbrio no balanço de pagamentos se a estratégia de crescimento baseado na demanda lograr êxito em garantir o catch up tecnológico. Estudos recentes demonstram que o país não obteve êxito em fazer o catch up, tampouco rompeu a restrição externa”. Sendo assim, a reprimarização da pauta, em detrimento de produtos de mais alto teor tecnológico, cujos preços são mais altos e a demanda mais estável, pode ser considerada um elemento de aumento da vulnerabilidade externa estrutural brasileira, já que as exportações daqueles bens estão condicionadas aos ciclos de demanda do comércio internacional. Mantida a tendência, o país pode voltar a se confrontar com o problema da restrição de divisas para fechar o balanço de pagamentos. Com relação ao acúmulo de divisas, os sucessivos superávits comerciais obtidos pelo Brasil no período permitiram ao país manter um alto nível de reservas internacionais, dotando o Banco Central de capacidade para influir sobre o câmbio sem a necessidade de desvalorizálo. Importante ressaltar que, embora este acúmulo de reservas tenha sido resultado do aumento das exportações, o que significa uma redução da vulnerabilidade, uma vez que não criaram contrapartidas futuras em saída de moeda estrangeira, a melhora deste indicador ainda está condicionada a um cenário internacional favorável para as exportações. Há também que se dizer que os indicadores da dívida externa brasileira seguiram uma trajetória decrescente a partir do governo Lula. 54 TABELA 6 – Indicadores de Vulnerabilidade Externa - 1994-2010 Data Serviço da Dívida Dívida Reservas Dívida externa dívida*/ externa** externa /dívida /exportações / PIB (%) líquida*** total (%) exportações (%) / PIB (%) 38,2 27,3 16,2 26,2 3,4 1994 44,5 20,7 12 32,6 3,4 1995 54,7 21,4 12 33,4 3,8 1996 72,6 23 15 26,1 3,8 1997 87,4 28,6 21,6 18,4 4,7 1998 126,5 41,2 32,4 15,1 5 1999 88,6 36,6 29,5 14 4,3 2000 84,9 37,9 29,4 17,1 3,6 2001 82,7 41,8 32,7 18 3,5 2002 72,5 38,8 27,3 22,9 2,9 2003 53,7 30,3 20,4 26,3 2,1 2004 55,8 19,2 11,5 31,7 1,4 2005 41,3 15,9 6,9 49,7 1,3 2006 32,4 14,1 -0,9 93,3 1,2 2007 19 12 -1,7 104,3 1 2008 28,5 12,2 -3,8 120,6 1,3 2009 22,9 12 -2,4 112,4 1,3 2010 Dívida externa líquida / exportações 2 2 2,1 2,5 3,6 4 3,5 2,8 2,7 2,1 1,4 0,9 0,5 -0,1 -0,1 -0,4 -0,3 *Relativo ao pagamento de juros e amortizações por empréstimos concedidos. Inclui os juros de remuneração de capitais de curto prazo. **Divida Externa Bruta: Compreende as dívidas registrada e não registrada deduzidas do crédito brasileiros no exterior. *** Dívida Externa Bruta deduzida das Reservas Internacionais e Créditos no Exterior. Fonte: BCB, Boletim do Banco Central, Suplemento estatístico. De acordo com a Tabela 6, é possível observar uma evolução dos indicadores de vulnerabilidade externa41 de um governo para o outro. Os dados mostram que, ao longo do primeiro governo FHC até 1999, houve um aumento considerável da vulnerabilidade externa conjuntural da economia brasileira. Este aumento foi um reflexo da estrutura de financiamento que se instituiu na década de 1990 com a liberalização financeira e o tripé de políticas conservadoras visando à manutenção da inflação e do sistema de bandas cambiais. Esta estrutura imputava ao governo que mantivesse as taxas de juros em um nível bem acima da taxa internacional, como prêmio de risco pelo financiamento de uma economia em desenvolvimento e de alto risco. Este evento não só 41 A vulnerabilidade externa pode ser dividida entre vulnerabilidade externa conjuntural, determinada pelas opções e custos do processo de ajuste externo. Ela depende positivamente das opções disponíveis e negativamente dos custos do ajuste externo. Essencialmente um fenômeno de curto prazo. Já a vulnerabilidade externa estrutural é determinada, principalmente, pelos processos de desregulação e liberalização nas esferas comercial, produtivo-real, tecnológica e monetário-financeira das relações econômicas internacionais do país, fundamentalmente um fenômeno de longo prazo (FILGUEIRAS e GONÇALVES, 2007). 55 causou uma sobrevalorização cambial que reduziu o nível das exportações como sobrecarregou o serviço da dívida até 1999. Observe-se que o serviço, como proporção das exportações, sofreu um aumento de 38% em 1994 para 126,5% em 1999. Além disso, o descontrole do resultado primário, que não ultrapassou a média de 0,1% do PIB em média, no período (ALMEIDA, 2004), fez com que fosse necessário manter a taxa de juros elevada para a proteção das bandas cambiais. Nesse sentido, a dívida pública elevou-se de 28,1% no início do mandato para 47% no início de 1999. De maneira geral, os indicadores mostram que, até 1999, tudo convergia para o fracasso do modelo de bandas cambiais. A supervalorização da moeda, a redução das exportações e a maior dependência de recursos externos, na indisponibilidade de financiamento de longo prazo para cobrir os desequilíbrios no balanço de pagamentos, eram superados pelo acesso a recursos de curto prazo. Estes deterioravam ainda mais as contas, na medida em que aumentavam os custos com o serviço da dívida. As reservas internacionais também se reduziram como reflexo da necessidade de manter o regime cambial. Diante disso, pode-se dizer que no período FHC houve uma acentuada dependência de capitais externos em virtude da tentativa do governo de seguir um modelo liberal periférico (Filgueiras e Gonçalves, 2007) e um aumento da vulnerabilidade externa na medida em que a necessidade de financiamento externo cresceu. Assim, diante de momentos críticos de retração de liquidez internacional, como as crises de 1997 e 1998, os impactos nas contas brasileiras foram tais que provocaram uma crise no balanço de pagamentos, que culminou com a mudança do regime cambial e evidenciou as vulnerabilidades do modelo. Em consequência da excessiva necessidade de capitais externos e do agravamento da vulnerabilidade externa, houve uma perda de autonomia interna. Nesse sentido, de acordo com Morais e Saad-Filho (2011), havia um consenso sobre as insuficiências das políticas neoliberais, bem como sobre as suas consequências macroeconômicas adversas, evidenciadas pelas baixas taxas de crescimento e pela contínua vulnerabilidade das contas externas. A transição para o governo Lula já confirmava uma melhora nos indicadores de vulnerabilidade atrelados à dívida externa, muito em decorrência da mudança no regime cambial. As taxas de juros experimentaram um período de certa estabilidade, abaixo dos 20% desde 1999, alinhado a um incremento das reservas internacionais, que passaram de 16% do total do PIB em 1999 para 23% em 2003. 56 Com o incremento das exportações e a reversão dos déficits em transações correntes, a partir de 2003 a necessidade de financiamento externo42 tornou-se negativa e independente dos investimentos diretos para atingir este resultado. GRÁFICO 3 - Necessidade de Financiamento Externo*, Transações Correntes, IED e Investimento de Portfólio (US$ milhões) Transações correntes Investimento Direto Necessidade de Financiamento Externo Investimento de Portfólio 70000 50000 30000 10000 -10000 1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 -30000 -50000 *Diferença entre as Transações Correntes e o Investimento Direto Externo Fonte: elaboração própria com base em dados do Banco Central O movimento no Gráfico 3 evidencia, como já foi mencionado, que houve um período de expansão da balança comercial, refletido nos superávits na conta corrente, que afrouxou a restrição ao balanço de pagamentos. Segundo Carcanholo (2010), a situação favorável tanto da necessidade de financiamento quanto da melhora nos indicadores de vulnerabilidade externa, expostos na Tabela 6, refletem especificamente uma redução da vulnerabilidade conjuntural da economia brasileira. Ou seja, diante de uma conjuntura internacional extremamente favorável, em que pesam o crescimento da economia chinesa (que importa principalmente produtos preponderantes na pauta brasileira) e consequente aumento dos preços das commodities, além da alta no ciclo de liquidez internacional (que reduz as taxas internacionais de juros e o risco-país e atrai o capital de curto prazo), foi possível que o Brasil reduzisse sua necessidade externa de financiamento, estabelecesse taxas de juros menores, reduzisse o serviço da dívida, acumulasse mais reservas e, finalmente, tivesse a restrição externa ao seu crescimento diminuída e sua autonomia relativamente aumentada. 42 A necessidade de financiamento externo é representada pela diferença entre o déficit em transações correntes e o investimento direto externo. Quando a necessidade é positiva, indica-se que o déficit no balanço de pagamentos não foi suficientemente coberto pelos investimentos diretos e foi necessário recorrer a outras categorias de recursos externos, geralmente de curto prazo (portfólio). De maneira geral, pode indicar uma vulnerabilidade maior da economia conforme as autoridades recorrem a recursos de curto prazo altamente voláteis. 57 Assim, a despeito da menor necessidade de capital externo, os impactos da crise financeira de 2008 na economia brasileira reforçam o fato de que a redução da vulnerabilidade externa no período imediatamente anterior não estava baseada na alteração de condições estruturais, mas sim conjunturais. Ou seja, a redução da necessidade de capital externo não aumentou a autonomia interna na condução de políticas no longo prazo. A ilustração disso é que a retração da demanda, do comércio internacional e da liquidez tornaram a desencadear déficits nas transações correntes e aumentar a necessidade de financiamento externo da economia a partir de 2008. Também a necessidade de atração de capitais externos, a partir do mesmo ano, tornou a pautar as políticas de aumento da taxa de juros brasileira, como mencionado na seção anterior. Ou seja, com a reversão do cenário, manifesta-se novamente a necessidade de recursos externos para cobrir o déficit no BP, condicionando o governo a promover políticas em prol da arrecadação destes fundos e em detrimento do crescimento interno. Em contrapartida aos dados que refletem uma melhora na vulnerabilidade externa da economia, vale ressaltar uma questão estrutural importante, manifesta no aumento da dívida pública interna, que experimenta uma trajetória ascendente desde 1994 como consequência das políticas de altas taxas de juros aplicadas para atração de capitais. A constatação da evolução da dívida pública é importante porque mostra o fenômeno da financeirização da economia brasileira ao longo do período. O aumento da dívida interna pública líquida é condicionado pelas altas taxas de juros, decorrentes do padrão de financiamento da economia, cujo reflexo perverso se dá na valorização de ativos improdutivos em detrimento de um direcionamento de recursos que poderiam gerar investimentos, crescimento e, no longo prazo, um retorno definitivo em termos de mais autonomia para a economia. Neste sentido, o aumento da dívida interna também se constitui em um elemento de vulnerabilidade estrutural, ao mesmo tempo que é também um reflexo da não conversibilidade do Real. 58 GRÁFICO 4 – Composição da dívida líquida do setor público (% PIB) – 1991-2009 Dívida - total - setor público - líquida (% PIB) Dívida externa - setor público - líquida (% PIB) Dívida interna - setor público - líquida (% PIB) Linear (Dívida interna - setor público - líquida (% PIB) ) 60 50 40 30 20 10 -10 -20 1991.01 1991.08 1992.03 1992.10 1993.05 1993.12 1994.07 1995.02 1995.09 1996.04 1996.11 1997.06 1998.01 1998.08 1999.03 1999.10 2000.05 2000.12 2001.07 2002.02 2002.09 2003.04 2003.11 2004.06 2005.01 2005.08 2006.03 2006.10 2007.05 2007.12 2008.07 2009.02 0 Fonte: Elaboração própria com base em dados IPEADATA O Gráfico 4 aponta esta evolução. A dívida pública interna segue uma trajetória ascendente e passa de 18% do PIB, em 1994, a 49,6%, em 2009. Apesar de o país ter se tornado credor internacional em 2006 e, em consequência, ter reduzido a dívida líquida total do setor público nos últimos anos, isto ainda não corrige o fato de que as altas taxas de juros no país restringem investimentos produtivos. Outro destaque deste indicador para a questão estrutural da restrição externa ao crescimento, imposta pelo modelo neoliberal, que é seguido também no governo Lula, é que o crescimento econômico não acompanha o aumento da dívida interna, cujo financiamento provém de um aumento na carga tributária sem reflexos diretos na qualidade do investimento público em virtude da busca pelo superávit primário. O foco da estratégia de inserção internacional atual na obtenção de superávits primários tem se desvencilhado da preocupação com a alocação da poupança e do investimento do governo43 (BRESSER-PEREIRA, 1992, apud BRUNO, 2010). No caso do Brasil, as taxas de juros continuam sendo mais altas que a taxa de crescimento do produto, e isto impede que a relação entre dívida pública e PIB atinja um nível estável e significativo no longo prazo. Neste sentido, o aumento da dívida pública acaba sendo financiado pelo aumento da carga tributária, sem uma contrapartida na melhoria da qualidade dos gastos com investimentos públicos, que acaba reduzindo a riqueza da sociedade como um todo. 43 De acordo com Messemberg (2009, apud BRUNO, 2010) a intuição é de que não haveria a necessidade de um controle tão profundo sobre a obtenção de superávits primários em detrimento do investimento produtivo e do crescimento se as taxas de crescimento fossem maiores que as taxas de juros. 59 Assim, a estratégia de inserção atual na qual se baseia o tripé de políticas macroeconômicas restringe o crescimento, pois limita as opções de política econômica e reduz o volume de recursos públicos, recursos estes que poderiam ser alocados em investimento e formação de poupança no governo44 em favor da acumulação rentista que financia o atual modelo de crescimento da economia brasileira. Assim, este fato pode também ser considerado como uma condição estrutural para a perpetuidade da necessidade de recursos externos na medida em que prejudica a formação de um sistema de financiamento de longo prazo e uma estrutura produtiva interna efetiva. Como resultado desta análise, pode-se estabelecer algumas considerações que permitem um parecer indicativo de que, ao longo do período estudado, com um enfoque na transição do governo FHC para o governo Lula, houve uma redução relativa da necessidade de capital externo, o que não proporcionou o aumento da autonomia brasileira referente à priorização de políticas internas de desenvolvimento na mesma proporção. Ou seja, não se pode afirmar que a maior autonomia seja uma conquista de caráter estrutural e não apenas fruto da conjuntura internacional, corroborando com a condição de dependência registrada nos 50 anos que precedem o período. Apesar de a conta corrente ter sido positiva a partir de 2003 e ter possibilitado, em consequência, a inversão da necessidade de financiamento externo para efetuar ajustes no balanço de pagamentos, a redução da fragilidade associada ao capital de curto prazo e a redução da dívida externa como proporção do PIB e das exportações, estes indicadores não asseguram a estabilidade e a autonomia econômicas no longo prazo, já que não refletem uma transformação das características estruturais da economia. Neste sentido, é importante destacar que os fatores que mais influenciaram para a melhora tanto dos indicadores da dívida, quanto dos superávits e do afrouxamento da restrição ao balanço de pagamentos, foram o aumento do comércio internacional, o crescimento da economia chinesa – com consequente aumento da demanda de commodities e de seus preços – e a ascensão do ciclo de liquidez internacional, que foi tão positivo para o Brasil como foi para uma série de países sob a mesma estrutura econômica de restrição ao crescimento. Podese dizer que os eventos reforçam o caráter de que economias com elevada vulnerabilidade externa tendem a seguir e a absorver a disposição do sistema financeiro internacional em financiar desequilíbrios em seus BPs. 44 De acordo com BRUNO (2010), caso a dívida publica estivesse em expansão como contrapartida do aumento do investimento público, os déficits públicos que viessem a surgir do financiamento desses investimentos tenderiam a ser dinamicamente cobertos a médio e longo prazo pelos acréscimos líquidos na riqueza da nação. 60 O elemento identificado como significativo em termos de uma mudança estrutural de longo prazo foi a política externa voltada à diversificação dos parceiros comerciais do Brasil. Ademais, como elemento que corrobora com a hipótese de que não houve uma melhora estrutural, pode-se citar a evolução da composição da pauta de exportações, que acusa um aumento da participação de bens primários exportados. Neste sentido, manifesta-se o fenômeno da “reprimarização” das exportações, fato que aumenta a vulnerabilidade estrutural da economia, pois torna os preços e a demanda de seus produtos mais suscetíveis a oscilações na liquidez internacional. Ainda em decorrência da reprimarização da pauta, pode-se dizer que não houve o catch up da economia brasileira, o que significa que o país ainda não especializou sua estrutura produtiva para ser intensiva em capital e, assim, produzir bens cujos preços sejam altos e independentes da oscilação da demanda internacional. O avanço tecnológico pode contribuir para reduzir a vulnerabilidade externa, já que o aumento de exportações de alto valor agregado pode garantir um fluxo constante de capital externo através das exportações, que não exigem contrapartidas em divisas estrangeiras. Esta é uma condição estrutural da economia que não foi modificada, ou seja, ela ainda é vulnerável e pode vir a necessitar de capital externo para cobrir seus desequilíbrios em cenários de queda da demanda por bens primários. Por sua vez, a falta de avanço tecnológico pode ser interpretada como uma das consequências da necessidade de manutenção de altas taxas de juros para captação de recursos externos. O modelo adotado pela economia brasileira, baseado nos princípios do Consenso de Washington, incorre na obtenção de superávits primários e altas taxas de juros que fomentem a entrada de capitais. O aumento da dívida interna pública em razão das altas taxas de juros é um reflexo desta característica estrutural, que é agravada pelo efeito da “financeirização” da economia, que consiste na substituição do incentivo ao investimento em recursos produtivos pela valorização de ativos não produtivos. Esta entrada de capitais externos promove uma substituição da poupança interna que não serve ao incentivo do investimento do governo, medida que, no longo prazo, serviria para fortalecer a economia, reduzir a necessidade de capital externo e aumentar a autonomia interna de maneira definitiva. Neste sentido, Filgueiras e Gonçalves (2007) consideram o período relativo ao governo Lula uma janela de oportunidade “perdida”, tendo em vista que a economia vivenciou um momento de afrouxamento das restrições ao balanço de pagamentos em que o país poderia ter sido colocado em uma trajetória estável de crescimento. 61 Conclusivamente, pode-se dizer que o modelo de inserção internacional, do qual faz parte a economia brasileira, reduziu em muito a autonomia interna no governo FHC e não a aumentou de maneira estrutural no governo Lula. O governo FHC sofreu restrições na dinâmica de desenvolvimento do país em virtude das turbulências internacionais, ao passo que o governo Lula atravessou uma conjuntura internacional muito mais favorável, que afrouxou as restrições no balanço de pagamentos e, mesmo assim, não foram promovidas políticas que alterassem a vulnerabilidade estrutural da economia e permitissem um aumento de longo prazo na autonomia interna. Neste sentido, a despeito de a redução da necessidade de capital externo propagar a imagem de que houve uma conquista da autonomia interna, ela não contempla uma realidade na economia brasileira. 62 5 CONSIDERAÇÕES FINAIS A evolução da ordem econômica internacional (OEI) resultou em uma configuração, a partir dos anos 70, na qual o dólar tornou-se a moeda chave internacional, uma vez que cumpria todas as funções da moeda na esfera internacional. O padrão dólar flutuante refletia a dominância econômica dos Estados Unidos nos 30 anos pós-Bretton Woods. A moeda americana era a única que cumpria todas as funções monetárias, portanto, situava-se no topo do que Cohen (2006) denominou de “Pirâmide Monetária”. A partir do dólar, as outras moedas se posicionavam de acordo com seu grau de conversibilidade. A existência desta hierarquia monetária internacional, baseada na conversibilidade das moedas no meio internacional, estabelece assimetrias relativas à distribuição do poder monetário. Considerando que as relações econômicas entre os países se manifestam através do Balanço de Pagamentos, tal poder consiste na capacidade dos países de adiar ou desviar os custos dos ajustes nos seus balanços, uma vez que estes custos sempre implicam em políticas internas recessivas, prejudiciais ao crescimento econômico. A não conversibilidade da moeda desencadeia restrições internas e externas aos países em desenvolvimento que buscam acelerar seu processo de crescimento. Internamente, o processo de desenvolvimento econômico requer capital externo, na medida em que tais países não possuem uma estrutura produtiva desenvolvida e seus bens exportáveis são de baixo valor agregado. Externamente, a necessidade de capital externo para efetuar seu processo de desenvolvimento pode levar a desequilíbrios no balanço de pagamentos. Sendo assim, a autonomia do governo para formular e executar políticas econômicas que busquem estimular o crescimento interno pode, em diversos momentos, ficar bastante prejudicada, uma vez que a política econômica do país torna-se subordinada ao ajuste e à necessidade de capital externo. Uma vez que as opções dos países em desenvolvimento para efetuar os ajustes são o acúmulo de reservas, os empréstimos internacionais e o aumento de exportações, os ciclos de crescimento destes países acabam limitados aos ciclos de liquidez internacional. As implicações deste arranjo, portanto, concentram-se na contração de políticas que priorizem o crescimento em favor de políticas que promovam a atração de capitais para que seja possível ajustar o balanço de pagamentos. O Brasil passou a desenvolver uma dependência mais significativa destes capitais com a formulação do Plano de Metas, na década de 1950. Dadas as restrições às linhas de financiamento convencionais na época, o endividamento passou a ser uma realidade 63 necessária para que o projeto de crescimento não fosse abandonado. A partir de então, com o ciclo de liquidez ascendente, que pautou o período entre 1967 e 1973, o endividamento aumentou com o acesso aos recursos externos que financiaram o “Milagre Econômico”. O primeiro choque do petróleo, em 1973, foi o ponto de inflexão do ciclo. Apesar da retração internacional em 1974 e 1975, acreditava-se que a crise seria temporária e, portanto, o Brasil continuou se endividando cada vez mais. Com a escassez de liquidez, não foi mais possível controlar os desequilíbrios no balanço de pagamentos nem continuar o ciclo do II PND, ou seja, a falta de recursos externos provocou o uso de políticas econômicas recessivas, configurando uma redução da autonomia interna. A crise da dívida nos anos 80 é um resultado deste processo de endividamento e reflete a dependência do país de recursos externos e a diminuição de sua autonomia mediante a falta de capital externo, que só voltaria a fluir no fim da década, com a renegociação da dívida e as aberturas comercial e financeira do mercado brasileiro. Portanto, em relação ao período que abrange do Plano de Metas ao início dos anos 90, percebe-se uma escalada da dependência em relação aos recursos externos para financiar ciclos de crescimento econômico e de poupança interna, que ficaram condicionados aos ciclos de liquidez internacional. Em contraposição à entrada de capital externo, as políticas macroeconômicas ficaram cada vez mais subordinadas ao ajuste do BP em detrimento de investimento e crescimento, configurando uma restrição à autonomia econômica brasileira. O processo de abertura financeira e comercial ampliou as fontes de financiamentos externos para as economias. O Brasil passa a fazer parte deste processo a partir do início dos anos 90, participando de um mercado financeiro internacional em amplo crescimento, com grande mobilidade de capitais e significativos fluxos de investimentos diretos e de portfólio, inclusive para economias em desenvolvimento. A implementação do Plano Real, em 1994, tinha como objetivo mais premente a manutenção da âncora cambial e da estabilidade de preços. A orientação do governo FHC, pautada nos princípios liberais, concentrava-se em manter o tripé composto por uma política monetária determinada pelas metas de inflação, a âncora cambial e uma política fiscal que visasse superávits primários. A estratégia de inserção internacional, no entanto, se mostrou bastante custosa. Ao mesmo tempo em que tais reformas concederam ao país o acesso à liquidez internacional, também colaboraram para que as decisões do governo brasileiro, no que diz respeito à sua política econômica, ficassem limitadas pela dependência de financiamento externo, o que representa uma perda de autonomia política para o país. Mostras disso são a sobrevalorização cambial e os constantes déficits em conta corrente no governo 64 FHC, que culminaram com a falência do regime de âncora cambial mediante uma forte especulação dos mercados contra o Real. A entrada do governo Lula se deu também sob um forte ataque especulativo contra a moeda brasileira, em que pesava o temor dos mercados financeiros com relação à posse de uma gestão orientada “à esquerda”. Tal era a dependência da economia brasileira do capital externo, que o candidato foi forçado a reconhecer que não seria possível efetuar uma reforma no tripé neoliberal, sob pena de uma crise no BP. A partir de 2003, no entanto, o país começa a colher os frutos da desvalorização do câmbio e da ascensão de um ciclo de liquidez internacional. Os impactos para as contas externas brasileiras foram muito positivos, revertendo o déficit em conta corrente e negativando a necessidade de financiamento externo até 2008. Não obstante a melhoria deste indicador, bem como dos indicadores de vulnerabilidade externa, como relação dívida/PIB, dívida externa/exportações e reservas internacionais/dívida, observa-se que a economia brasileira não rompeu o problema estrutural da vulnerabilidade externa, uma vez que todos estes indicadores revelam uma conjuntura internacional extremamente favorável às exportações brasileiras (commodities). Em que se pese um elemento com vistas a realizar alterações estruturais na economia brasileira que aumentassem a autonomia interna no longo prazo, o governo Lula inseriu uma estratégia de diversificação dos parceiros comercias do Brasil, reduzindo a vulnerabilidade externa brasileira. Ademais, outros indicadores, como as exportações por fator agregado do país e o aumento da dívida líquida do setor público, revelam que não ocorreram alterações estruturais significativas que aumentem a autonomia da economia brasileira no longo prazo. A reprimarização da pauta de exportações brasileira promove o aumento da vulnerabilidade externa do país na medida em que condiciona suas exportações à demanda internacional. Isto evidencia, também, que não houve o catch up tecnológico da economia, ou seja, que não têm sido realizados investimentos que alterem a estrutura produtiva com vistas a reduzir a dependência das exportações brasileiras da demanda internacional. Ainda, o aumento da dívida líquida do setor público evidencia os constrangimentos do atual modelo de inserção internacional ao aumento da autonomia interna brasileira. A despeito do fato de o país ter se tornado um credor internacional a partir de 2006, as altas taxas de juros que mantêm o influxo de capitais mostram o fenômeno da financeirização da economia, que consiste na substituição do incentivo ao investimento em recursos produtivos pela valorização de ativos não produtivos. Neste sentido, a entrada de capitais externos promove substituição da poupança interna que não serve ao incentivo do investimento do governo, elemento que, no longo prazo, mais que compensaria seu valor inicial com o retorno da 65 riqueza da nação como um todo, aumentando a blindagem da economia. A falta de avanço tecnológico também pode ser interpretada como uma consequência da necessidade de manutenção de altas taxas de juros para a atração de capitais externos. Finalmente, como ficou evidenciado, a economia brasileira não rompeu com os problemas estruturais que condicionam sua autonomia no longo prazo. Portanto, a despeito de a redução da necessidade de capital externo propagar a imagem de que houve uma conquista da autonomia interna na passagem para o governo Lula, ela não contempla uma realidade na economia brasileira. 66 REFERÊNCIAS ABREU, Marcelo de Paiva e WERNECK, Rogério L. F.. The brazilian economy from Cardoso to Lula: an interim view. Texto para Discussão, n. 504. 2005. 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