a crise internacional e o balanço de pagamentos

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A CRISE INTERNACIONAL E O BALANÇO DE PAGAMENTOS
Julio Takeshi Suzuki Júnior*
O jornalismo econômico tem destacado, na cobertura da crise, a forte depreciação da
moeda nacional. Diferentemente das nações desenvolvidas, as economias não-centrais vêm
enfrentando pressões cambiais, em razão do redirecionamento dos fluxos financeiros para
ativos em moedas conversíveis, o que leva à redução das reservas internacionais de vários
países emergentes, os quais, em sua maioria, acumularam divisas até a intensificação da crise
originada no mercado subprime dos Estados Unidos.
A despeito da amplitude do movimento de desvalorização cambial, que poupa algumas
poucas economias em desenvolvimento, observam-se graus diferenciados de volatilidade
das taxas de câmbio, com impactos mais acentuados sobre alguns países, como o Brasil. De
acordo com dados do Banco Central, o real apresentou depreciação de 51,0% frente ao dólar
o
norte-americano no período de 1. de setembro a 09 de dezembro, variação superada apenas
pela da hyvnia ucraniana, considerando-se 24 moedas de nações emergentes ou de industrialização relativamente recente (tabela 1).
TABELA 1 - DESVALORIZAÇÃO DA TAXA DE CÂMBIO - PAÍSES SELECIONADOS - 1.o SET09 DEZ 2008
MOEDA / PAÍS
DESVALORIZAÇÃO
(%)
Hyvnia (Ucrânia)
Real (Brasil)
Zloty (Polônia)
Nova Lira (Turquia)
Rande (África do Sul)
Peso (México)
Peso (Chile)
Won (Coréia do Sul)
Peso (Uruguai)
Novo Leu (Romênia)
Guarani (Paraguai)
Rupia (Indonésia)
62,5
51,0
33,3
32,0
30,6
30,5
29,5
28,7
26,9
25,1
23,1
20,0
MOEDA / PAÍS
Peso (Colômbia)
Peso (Argentina)
Rublo (Rússia)
Lev (Bulgária)
Rupia (Índia)
Naira (Nigéria)
Ringgit (Malásia)
Dólar (Cingapura)
Novo Sol (Peru)
Bath (Tailândia)
Boliviano (Bolívia)
Iuan (China)
DESVALORIZAÇÃO
(%)
18,3
13,6
13,2
13,2
12,3
8,7
6,3
5,7
5,7
3,5
0,6
0,3
FONTE: BANCO CENTRAL DO BRASIL
NOTA: Em relação ao dólar norte-americano.
* Administrador, coordenador
do Núcleo de Estudos
Macroeconômicos e
Conjunturais.
Não coincidentemente, as desvalorizações do câmbio mais proeminentes foram registradas
pelas economias caracterizadas pela maior dependência em relação ao capital financeiro externo
para o fechamento do balanço de pagamentos. Em 2008, segundo estimativas do Fundo
Monetário Internacional (FMI), a Ucrânia, o Brasil, a Polônia e a Turquia contabilizarão déficits em
conta corrente de, respectivamente, 7,2%, 1,8%, 4,7% e 6,5% do Produto Interno Bruto (PIB),
sendo que, em todos esses casos, se verifica deterioração em relação aos resultados dos anos
anteriores. Cabe citar ainda, entre os países cujas moedas vêm perdendo valor de forma
expressiva, a África do Sul e o México, que deverão anotar saldos negativos em transações
correntes de 8,0% e 1,4% do PIB, respectivamente, no encerramento do atual exercício.
Portanto, ao desprezar a importância dos superávits em conta corrente e, conseqüentemente, ampliar a necessidade de financiamento externo, os gestores da política econômica
brasileira amplificaram os efeitos da crise, o que inclui a depreciação da moeda nacional,
derivada da fuga de capitais financeiros. Nos meses de setembro e outubro, de acordo com o
Banco Central, o investimento estrangeiro em carteira no País (compreendendo a Bolsa de
Valores e a renda fixa) registrou saídas líquidas de US$ 9,1 bilhões, após contabilizar saldo
positivo de US$ 18,2 bilhões no acumulado de janeiro a agosto de 2008.
ANÁLISE CONJUNTURAL, v.30, n.11-12, nov./dez. 2008
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As causas do overshooting do câmbio ficam ainda mais claras diante do perfil do balanço
de pagamentos. Em 2007, as aplicações estrangeiras em papéis de renda fixa e ações no
Brasil corresponderam a 3,7% do PIB, sendo preponderantes na captação de recursos externos,
o que eleva a vulnerabilidade da economia nacional às saídas de recursos financeiros.
A título de comparação, o saldo da balança comercial, em um período marcado pelos bons
preços das mercadorias exportadas, equivaleu a 3,0% do PIB brasileiro, abaixo, por conseguinte,
do patamar alcançado pelos investimentos em carteira, em uma condição oposta à dos países
atualmente menos suscetíveis aos choques cambiais, cujos resultados comerciais suplantam
os das contas financeiras (tabela 2).
TABELA 2 - BALANÇO DE PAGAMENTOS - PAÍSES SELECIONADOS - 2007
ITEM
Transações correntes
Balança comercial
Serviços e rendas
Transferências unilaterais correntes
Conta capital e financeira
Conta capital
Conta financeira
Investimento direto
Investimento em carteira
Outros investimentos
Erros e omissões
Resultado do balanço
PROPORÇÃO DO PIB (%)
Brasil
0,1
3,0
-3,2
0,3
6,8
0,1
6,7
2,1
3,7
0,9
-0,2
6,7
Argentina
2,7
5,1
-2,5
0,1
2,2
0,0
2,2
1,9
2,5
-2,3
0,1
5,0
Malásia
15,5
20,0
-2,0
-2,5
-5,8
0,0
-5,8
-1,4
2,9
-7,3
-2,6
7,1
China
11,3
9,6
0,5
1,2
2,2
0,1
2,1
3,7
0,6
-2,1
0,5
14,1
Tailândia
6,1
4,9
-0,4
1,6
-0,5
0,0
-0,5
3,2
-2,3
-1,4
1,4
7,0
Cingapura
24,3
30,5
-5,2
-1,0
-11,6
-0,2
-11,4
7,3
-10,3
-8,4
-0,7
12,0
FONTES: BCB, ADB, INDEC
Embora pareça contraditório diante da indesejável volatilidade do câmbio nos últimos
meses, uma solidez maior do balanço de pagamentos do País exigirá necessariamente a
manutenção da cotação do real em um nível que assegure competitividade e rentabilidade ao
setor exportador, incluindo segmentos voltados à produção de bens de alto conteúdo tecnológico,
com a implementação de medidas para evitar movimentos de sobrevalorização, como o
observado até o agravamento do quadro mundial. Nesse sentido, é importante colocar que a
dimensão da atual perda de valor da moeda nacional deriva, em razoável medida, das
restrições ao desempenho do comércio exterior impostas pela expressiva apreciação do
câmbio no período pré-crise, o que manteve elevada a dependência da Nação em relação
aos fluxos financeiros internacionais.
Em outras palavras, a opção pelo populismo cambial no passado recente, viabilizada
pelo cenário externo então favorável, contribuiu para o presente comportamento da cotação
do real. Em um exercício simples, com a exclusão do efeito da elevação dos preços em
dólares das mercadorias exportadas no período 2005-2007, as vendas externas nacionais
totalizariam US$ 115,3 bilhões no ano passado, muito abaixo dos US$ 160,6 bilhões efetivamente registrados. No caso das importações, a cifra atingiria US$ 93,8 bilhões, resultando
em um saldo comercial de apenas US$ 21,5 bilhões, valor significativamente inferior ao
realmente contabilizado em 2007 (US$ 40,0 bilhões), o que não deixa dúvida quanto às propícias
condições instauradas pelo aquecimento da demanda externa, possibilitando estratégias de
ganho do poder de compra pela via da rápida valorização cambial.
Em suma, processos de crescimento econômico amparados em poupanças externas,
principalmente em recursos financeiros, mostram-se mais uma vez não-duradouros, dada a
necessidade de permanência de um quadro internacional extremamente favorável, enquanto
modelos de desenvolvimento baseados em poupança interna, que exigem uma taxa de
câmbio competitiva, apresentam resultados mais efetivos em termos de expansão da renda,
conforme apontam as evidências empíricas. Obviamente, o crescimento da poupança interna,
com conseqüente redução da dependência em relação ao capital externo, requer também
outras ações de política econômica, como as de cunho fiscal, tanto para melhor esterilização
das reservas que venham a ser acumuladas quanto para maior participação do setor público
na renda não consumida.
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