A TERAPIA COGNITIVA DA DEPRESSÃO NA BUSCA DO BEM-ESTAR SUBJETIVO Adriana Campos Meiado*, Camélia Santina Murgo **, Milena Borges Romão *** RESUMO O paradigma pessoal do paciente depressivo produz uma visão distorcida de si mesmo e do mundo ao seu redor. A depressão provoca um impacto significativo tanto na vida das pessoas acometidas por este transtorno, como na vida de seus familiares; resultando num alto e severo desajuste nas relações sociais e afetivas que vivenciam. O presente trabalho tem como objetivo identificar as contribuições da Terapia Cognitiva na construção de pensamentos e comportamentos funcionais no tratamento da depressão e na busca do bem-estar subjetivo. O método utilizado foi pesquisa bibliográfica baseada na leitura de artigos e livros, principalmente dos trabalhos de Aaron Beck. Pacientes depressivos, além do pessimismo e da imobilidade, apresentam dificuldades em ingressar numa atividade e identificar os possíveis ganhos que podem obter por realizá-las. A Terapia Cognitiva da depressão de Aaron Beck contribui para a construção de pensamentos funcionais diante da forma como pessoas em processos depressivos percebem e interpretam as situações. Conclui-se que as técnicas da Terapia Cognitiva delineiam e testam as concepções errôneas e pressuposições mal-adaptativas do paciente, de forma estruturada, diretiva e ativa. Permitem que pacientes depressivos aprendam, a partir de suas experiências terapêuticas, a avançarem significativamente no seu processo de busca do bem-estar subjetivo. Palavras-chave: Terapia cognitiva. Aaron Beck. Depressão. Erros cognitivos. Bem-estar subjetivo. ABSTRACT The personal paradigm of the depressive patient produces a distorted view of himself and also of the world around him. Depression causes a significant impact both in the life of people who are affected by this disorder and in the life of their relatives; it results in a high and severe disorder on their social and emotional lives. The present work aims to identify the contributions of the Cognitive Therapy when constructing functional thoughts and behaviors in the treatment of depression and in the search of the subjective well-being. The method used was bibliographical research, reading articles and books (mainly from Aaron Beck). Besides pessimism and immobility, depressed patients present difficulties in joining an activity and identifying the possible gains they can have by doing so. Aaron Beck’s cognitive therapy of depression has contributed for the construction of functional thoughts towards how people in depressive processes notice and interpret situations. It is inferred that the techniques of Cognitive Therapy outline and test the wrong conceptions and the maladaptative beliefs in a structured, directive and active way. They also allow the depressed patients to learn from their own therapy experiences and to advance significantly in their process of searching well-being. Keywords: Cognitive Therapy. Aaron Beck. Depression. Cognitive mistakes. Subjective well-being. *Psicóloga, doutora em Psicologia pela UNESP/Araraquara. Docente das Faculdades Integradas de Jaú. **Psicóloga, doutora em Psicologia Ciência e Profissão pela Pontifícia Universidade Católica de Campinas. Docente das Faculdades Integradas de Jaú. Bolsista de Pós-doc pelo CNPq. *** Discente do Curso de Psicologia das Faculdades integradas de Jaú. 1 INTRODUÇÃO A depressão provoca um impacto significativo tanto na vida das pessoas que são acometidas por este transtorno, como na vida de seus familiares, ocasionando um alto e severo desajuste nas relações sociais e afetivas que vivenciam. Além do pessimismo e da imobilidade, os pacientes depressivos apresentam dificuldades em ingressar numa atividade e identificar os possíveis ganhos por realizá-la. Acreditam que suas experiências são privações totais ou derrotas, portanto, irreversíveis; sendo assim, mostram-se resistentes às mudanças no seu ambiente imediato. De acordo com a Classificação Internacional de Doenças (CID-10), da Organização Mundial da Saúde (OMS), o episódio depressivo pode ser classificado em três graus: leve, moderado ou grave. A intensidade e o número de sintomas apresentados constituem-se como critérios para essa classificação. Para o diagnóstico de um transtorno depressivo, é necessário que os sintomas durem pelo menos duas semanas e que dentre eles esteja obrigatoriamente presente, humor deprimido ou perda de interesse ou prazer. Porém, segundo a Associação Psiquiátrica Americana, num episódio depressivo maior (EDM), outros sintomas somáticos devem estar presentes, como perda ou ganho de peso, insônia ou hipersonia, agitação ou retardo psicomotor, fadiga ou perda de energia, sentimentos de culpa, idéias de morte ou suicídio. Embora os avanços na terapia química da depressão tenham ocorrido significativamente, não há evidências de que a prevalência da depressão tenha diminuído. A recorrência dos sintomas depressivos durante o tratamento de manutenção com antidepressivos ocorre em taxas que variam de 9 a 57%. (POWEL et al., 2008, p.3). O EDM encontra-se entre os transtornos psiquiátricos mais prevalentes. Para muitos pacientes, o transtorno é crônico e recorrente e, devido à preocupação em prevenir tal recorrência, bem como as complicações causadas, é que os processos depressivos tem sido alvo de investigação tanto com tratamento medicamentoso quanto com abordagens psicoterápicas, como as técnicas da Terapia Cognitiva (TC). A utilização das técnicas da TC, associadas ou não ao uso de farmacoterapia, pode, de forma eficaz e duradoura, auxiliar as pessoas deprimidas e que não são ajudadas em sua primeira experiência com uma droga antidepressiva. Diante do crescente aumento de pessoas acometidas pelos sintomas da depressão e a busca recorrente por medidas que possam auxiliálas a minimizar os possíveis e severos comprometimentos nas relações sócio-afetivas que vivenciam, dedicou-se, através de pesquisa bibliográfica, a estudar e apresentar as técnicas da Terapia Cognitiva de Aaron Beck para depressão, com o objetivo de identificar as contribuições na construção de pensamentos e comportamentos funcionais e verificar os instrumentos e procedimentos para a aplicação das técnicas terapêuticas. Trata-se de uma ferramenta extremamente importante na construção e desenvolvimento de pensamentos funcionais diante da forma como pessoas em processos depressivos percebem e interpretam as situações. O resultado esperado com a utilização dos recursos da abordagem cognitiva é que as pessoas avancem no seu processo em direção a alcançar o bem-estar subjetivo. 2 APRESENTANDO A TERAPIA COGNITIVA E SUA UTILIZAÇÃO NO TRABALHO COM PACIENTES DEPRESSIVOS A Terapia Cognitiva (TC) foi desenvolvida na década de 60 por Aaron T. Beck, que formulou uma base teórica para explicar os processos psicológicos na depressão com o objetivo de desenvolver e avaliar um novo sistema de psicoterapia breve, estruturada e orientada ao presente com base em pesquisas e estudos empíricos que testassem e confirmassem a eficácia dessa terapia em processos depressivos. No início, a TC envolvia apenas a aplicação e validação de técnicas a transtornos depressivos. Com o passar do tempo, sua aplicação expandiu e atualmente é utilizada no mundo inteiro e considerada eficaz no tratamento de outros transtornos, como transtorno de pânico, fobia social, transtornos de personalidade, transtorno obsessivo-compulsivo, transtornos alimentares, transtorno bipolar, abuso de substâncias, na terapia de grupo e terapia familiar, em problemas de casais, dentre outros. O que mantém a TC reconhecível diante das diversas aplicações e derivações do modelo de Beck, é que o tratamento baseia-se em produzir a mudança cognitiva – mudanças nos pensamentos e no sistema de crenças do indivíduo – visando promover mudança emocional e comportamental duradoura (BECK, 1967, p.18). Embora a TC deva ser trabalhada para o indivíduo no momento presente, através de uma avaliação realista e da modificação do pensamento, há determinadas diretrizes que dão suporte à terapia e são válidas para todos os pacientes. Dentre estas diretrizes, destacam-se a importância de uma aliança terapêutica segura, a colaboração e participação ativa de terapeuta e paciente, ênfase ao presente e foco nos problemas apresentados, a função de educar e ensinar o paciente a ser seu próprio terapeuta através de sessões estruturadas e em tempo limitado, além da apresentação de técnicas que contribuam para a identificação de pensamentos automáticos negativos (PAN’s), bem como a contribuição à mudança de pensamento, humor e, consequentemente, de comportamento. O princípio fundamental da TC está na maneira como as pessoas percebem e interpretam uma determinada situação, o que irá influenciar a forma como elas se sentem e se comportam. Ou seja, o indivíduo é capaz de suportar e vivenciar de forma funcional todas as situações a que é submetido, porém o que garante tal funcionalidade é a intensidade que atribui a estas situações vivenciadas. Sendo assim, o objetivo terapêutico da TC é reestruturar e corrigir os pensamentos distorcidos, produzindo mudanças e melhora significativa nos transtornos emocionais e nos comportamentos disfuncionais. O paciente depressivo elabora sua experiência de maneira negativa, ou seja, interpreta os eventos de forma errônea e age como se as coisas estivessem piores do que realmente são, antecipando resultados desfavoráveis para seus problemas e desencadeando sentimentos pessoais inadequados, caracterizados pela baixa autoestima e desesperança. Cabe ao terapeuta cognitivo trabalhar junto com o paciente, em sessões estruturadas e limitadas, com o objetivo de identificar cognições distorcidas derivadas das crenças disfuncionais, enfatizando que a vida após a terapia pode ser marcada por retrocessos ou dificuldades ocasionais, mas que o paciente estará apto e equipado para conviver e manejá-las por conta própria, uma vez que aprenderá a ser seu próprio terapeuta. A TC da depressão incentiva seus pacientes a estabelecer, com entusiasmo e esperança, um trabalho desafiador de alterar pensamentos disfuncionais e mal interpretados, que implicará em mudanças comportamentais significativas e eficazes em seu convívio social. Considerada uma abordagem científica humanista e exploratória, trabalha com os construtos da mente e lida com sentimentos e pensamentos, a fim de zelar pelo bem-estar subjetivo dos pacientes, quer oferecida de forma isolada ou em combinação com farmacoterapia. O paciente aprende a reestruturar seu pensamento com a realidade e é capaz de dominar problemas e situações que vivencia, e que até então eram considerados insuperáveis. A melhora é imediata e sustentada com a aplicação das técnicas cognitivas. 3 OS PENSAMENTOS AUTOMÁTICOS NEGATIVOS (PAN’s) E OS ERROS COGNITIVOS O modelo cognitivo de Beck afirmava que as interpretações negativas distorcidas levariam a pessoa a se engajar em comportamentos depressivos (BECK apud ABREU, 2006). Pode-se, pois, inferir que a interpretação imediata de uma dada situação é frequentemente expressa por pensamentos automáticos e são estes pensamentos que irão influenciar as repostas emocionais, comportamentais e fisiológicas. Quando o indivíduo é acometido por uma disfunção psicológica, seja ela um processo depressivo ou transtorno afetivo, interpreta as situações erroneamente. Situações estas, consideradas neutras e até mesmo positivas são interpretadas por pensamentos automáticos negativos (PAN’s) de forma tendenciosa, sendo atribuídas às representações negativas de si mesmo, dos eventos atuais e do futuro. À medida em que a depressão piora, o pensamento automático do paciente depressivo torna-se crescentemente dominado por ideias negativas. Em graus mais severos, o paciente fica completamente preocupado e envolvido com os pensamentos negativos e acaba por considerar muito difícil concentrar-se ou engajar-se em novas atividades. Normalmente, os pensamentos automáticos são tidos como verdades absolutas e dificilmente são questionados pelas pessoas quanto as suas validades e utilidades. A causa dos PAN’s está diretamente relacionada às crenças do indivíduo sobre si mesmo, o mundo ao seu redor e ao futuro. Sendo assim, se faz necessário e de suma importância investigar e questionar as crenças que potencializam os erros cognitivos. Os PAN’s acarretam sentimentos desagradáveis e inibições comportamentais, sendo os conteúdos desses pensamentos automáticos responsáveis pela consistência e determinantes nas nossas emoções. Quando os PAN’s são associados à ideia suicida, a morte pode ser compreendida pelos pacientes depressivos como alívio ou saída para uma situação interpretada e considerada impossível de ser suportada. Os erros cognitivos na percepção das situações e no processamento das informações ocupam lugar central na depressão e são originados pelas regras e crenças que o indivíduo adquire ao longo da vida. O paciente depressivo estrutura suas experiências de forma absoluta e inflexível e essas regras e crenças adquiridas são sensíveis à ativação de fontes primárias como o estresse e podem levar às estratégias interpessoais ineficazes. Sendo assim, torna-se necessário submeter os pensamentos automáticos ao teste de realidade, já que os mesmos, por não serem avaliados de forma objetiva, acabam se tornando hipóteses sobre determinados eventos do cotidiano. 4 A TERAPIA COGNITIVA DA DEPRESSÃO NO DIA-A-DIA E O BEM-ESTAR SUBJETIVO O bem-estar subjetivo aborda uma área da psicologia que se preocupa com a forma como as pessoas avaliam suas vidas, envolvendo questões como felicidade, satisfação, estado de espírito e afeto positivo, e pode ser influenciado por variáveis (como idade, gênero, nível socioeconômico e cultural) que dificultam a definição e generalização de tal conceito como um dos indicativos da avaliação subjetiva da qualidade de vida das pessoas. O bem-estar subjetivo é uma atitude que envolve dois componentes básicos: afeto e cognição. O componente cognitivo refere-se aos aspectos racionais e intelectuais, enquanto o componente afetivo envolve os componentes emocionais. (OSTROM apud GIACOMINI, 2004, p.2). Devido ao impacto potencial e ameaçador que os eventos negativos podem causar no bemestar do indivíduo, os PAN’s têm recebido maior atenção, já que é a interpretação cognitiva do indivíduo em uma determinada situação que influenciará na forma como os eventos serão vivenciados. A TC, como já fora escrito anteriormente, descreve que são os nossos pensamentos que irão determinar as nossas emoções e, assim, o nosso comportamento. Logo, fica evidente a capacidade e a preocupação em proporcionar o bem-estar subjetivo às pessoas que fazem uso das técnicas da TC. Para Beck (1967), o afeto e o comportamento de um indivíduo são em grande parte determinados pelo modo como o indivíduo estrutura o mundo e interpreta seus eventos. Pessoas deprimidas tendem a fazer julgamentos extremos, negativos, categóricos, absolutos e sentenciosos dos eventos que influenciam suas vidas e, emocionalmente, tendem a responder de forma negativa e extremista. As técnicas terapêuticas da TC permitem que o paciente depressivo, faça uma reavaliação e correção dos seus pensamentos disfuncionais e erros cognitivos, a fim de dominar problemas e situações que até então eram interpretadas como insuperáveis. O paciente, quando se encontra em um estado depressivo, produz uma visão distorcida de si mesmo, dos eventos atuais e futuros do mundo que o rodeia; e com as técnicas da TC, pode compreender que os significados não são determinados pelas situações em si, mas sim pelos significados que nós mesmos atribuímos às situações. Num processo terapêutico, cabe ao terapeuta cognitivo auxiliar o paciente a pensar e agir de forma funcional, ou seja, de forma realística e adaptativa em relação aos seus problemas psicológicos, reduzindo, assim, os sintomas da depressão. As técnicas da TC ajudam o paciente depressivo a testar a validade do seu pensamento negativista e a se manter resiliente e funcional quando submetido às grandes exigências e pressões. Na construção de pensamentos funcionais, o indivíduo será capaz de relembrar mais eventos positivos e menos negativos, e além de pensar mais frequentemente sobre os eventos positivos, terá condições duradouras de alcançar e manter o bem-estar subjetivo. CONCLUSÃO A fim de aliviar a dor emocional e os outros sintomas da depressão, as técnicas da TC focalizam as interpretações errôneas e distorcidas, além do comportamento autoderrotista e as atitudes disfuncionais. Conclui-se que, com o objetivo de trabalhar com problemas recentes, as técnicas propostas pela TC contribuem para que o paciente depressivo aprenda a partir de sua experiência terapêutica e se torne “terapeuta” de si mesmo, ou seja, um autoterapeuta. Identificando os erros cognitivos e os pensamentos automáticos negativos, o paciente é capaz de enfrentar mais efetivamente os sintomas da depressão e prevenir a recorrência de depressões subsequentes. Através de uma reorganização cognitiva, esta abordagem psicoterápica estabelece uma conexão entre uma emoção desagradável e as cognições ou atitudes antecedentes, descriminando as reações emocionais do paciente, a fim de fortalecer a resposta positiva e duradoura no processo, bem como na busca do alívio da sintomatologia depressiva e no alcance e manutenção do bem-estar subjetivo. REFERÊNCIAS BECK, S. Judith. Terapia Cognitiva: Teoria e Prática. Tradução Sandra Costa. Porto Alegre: Artmed, 1997. BECK, Aaron T. Terapia Cognitiva da depressão. Tradução Sandra Costa. Porto Alegre: Artmed, 1997. POWELL, Bitencourt Vânia et al. Terapia cognitivocomportamental da depressão. Revista Brasileira de Psiquiatria, São Paulo, v.30, supl.2, out.2008. KNAPP Paulo, BECK T. Aaron. Fundamentos modelos conceituais, aplicações e pesquisa da terapia cognitiva. Revista Brasileira de Psiquiatria, São Paulo, v.30.supl.2, out.2008. ABREU, Paulo Roberto. Terapia analíticocomportamental da depressão: uma antiga ou uma nova ciência aplicada? Revista de Psiquiatria Clínica, São Paulo, v.33,n.6, 2006.. GIACOMINI, Claudia Hofheinz. Bem-estar subjetivo: em busca da qualidade de vida.Temas em Psicologia da SBP, Florianópolis, SC, v.12, n.1, p.43-50, 2004.