A AÇÃO CIVIL PÚBLICA TRABALHISTA E A INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL COLETIVO A CIVIL ACTION LABOR AND PUBLIC moral damages COLLECTIVE Fabiana Maria Soares* Resumo A ação civil pública é um instrumento processual que tem por objetivo impedir ou ressarcir danos, patrimoniais ou morais, causados à coletividade. No presente trabalho serão analisadas peculiaridades desta ação coletiva proposta no âmbito da Justiça do Trabalho com o objetivo de defender os interesses difusos, coletivos ou individuais homogêneos dos trabalhadores. E, considerando que o Direito do Trabalho confere especial dimensão à tutela da personalidade do trabalhador, evidentemente naquilo em que esteja relacionado ao serviço por ele prestado, será demonstrada a possibilidade da ação civil pública trabalhista culminar em condenação do réu ao pagamento de indenização por danos morais coletivos, com o intuito não só de reparar o corpo social, mas, ao mesmo tempo, servir de desestímulo a novas agressões. Pretende-se, assim, não apenas compreender o instituto da ação civil pública, mas demonstrar, no contexto de uma sociedade de massificação das relações de trabalho, a possibilidade da configuração do dano moral coletivo. Palavras-chave: Direito do Trabalho. Ação civil pública. Interesses difusos, coletivos e individuais homogêneos. Indenização. Dano moral coletivo. Abstract: The public civil action is a procedural tool that aims to prevent or compensate damages, or moral, caused to the community. In this paper we will consider the peculiarities of this collective action proposed in the Labor Court in order to defend the interests, collective or homogeneous individual workers. And considering that the Labor Law provides special dimension to the protection of the worker's personality, of course insofar as it relates to * Advogada graduada pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. service rendered by him, shall be demonstrated the possibility of civil action labor public culminate in a conviction of the defendant to pay compensation for damages collective moral, aiming not only to repair the social body, but at the same time, serve as a disincentive to further violence. The aim is thus not only understand the institution of public civil action, but to demonstrate in the context of a society of mass labor relations, the possibility of setting up collective moral damage. Key words: Labor Law. Class actions. Interests, collective and homogeneous. Indemnity. Collective moral damage. 1 INTRODUÇÃO A ação civil pública é um instrumento processual capaz de promover a proteção dos direitos e interesses metaindividuais de forma célere e efetiva. De acordo com o sistema constitucional e legal brasileiro pode ser ajuizada ação civil pública no âmbito da Justiça do Trabalho para defesa dos interesses transindividuais dos trabalhadores. E, levando-se em consideração que a Consolidação das Leis do Trabalho mostra-se insuficiente para atender as peculiaridades acerca da propositura da ação civil pública, deve esta ser interposta de acordo com o sistema normativo processual coletivo vigente, ou seja, impõe-se observar o que estabelece acerca da matéria: a Constituição Federal de 1988, a Lei da Ação Civil Pública, o Código de Defesa do Consumidor e, subsidiariamente, o Código de Processo Civil. A Lei da Ação Civil Pública (Lei 7.347 de 24 de julho de 1985) define tal instrumento processual coletivo como a ação de responsabilidade por danos morais e patrimoniais causados a coletividade – em sentido lato, sendo certo, ainda, que a tutela inibitória, que prescinde o dano, também pode ser prestada por seu intermédio. A ação civil pública proposta no âmbito da Justiça do Trabalho não pode ser entendida como um somatório de reclamações trabalhistas numa única ação. Trata-se, na verdade, de ação ajuizada para proteger direitos de grupo, categoria, classe ou um número indeterminado de trabalhadores que sofreram um dano - ou ameaça de dano, patrimonial ou moral, em face de ato ilícito cometido pelo empregador. É uma ação democrática e eficiente na medida em que diminui ou elimina os obstáculos técnicos e econômicos que dificultam ou impedem o acesso judicial dos trabalhadores pela via judicial individual e, além disso, evita provimentos jurisdicionais discrepantes e garante a efetividade, celeridade e economia processual à Justiça do Trabalho. Com efeito, constatada a ocorrência de dano extrapatrimonial aos interesses difusos, coletivos ou individuais homogêneos dos trabalhadores, restará configurado o dano moral coletivo. O dano moral, quando constatado na sua dimensão coletiva, não está atrelado ao sofrimento ou à personalidade do trabalhador, mas sim a um evidente prejuízo social causado em razão da atividade lesiva praticada pelo empregador. A indenização por dano moral coletivo visa reparar o corpo social e, ao mesmo tempo, servir de desestímulo a novas agressões. A ação civil pública, com todas as suas especificidades, quando proposta no âmbito da Justiça do Trabalho com a finalidade de tutelar interesses metaindividuais dos trabalhadores, pode perfeitamente resultar em condenação do empregador, enquanto réu, ao pagamento de indenização por dano moral coletivo. Assim, o magistrado, verificando a configuração do dano moral em sua dimensão coletiva, fixará a correspondente multa indenizatória, a qual, via de regra, será destinada ao Fundo de Amparo ao Trabalhador - FAT. Nessa perspectiva, o presente estudo tem por objetivo demonstrar a importância do instituto da ação civil pública na tutela dos interesses metaindividuais dos trabalhadores, bem como a possibilidade da atitude lesiva do empregador causar dano moral à coletividade e, por isso, ser perfeitamente admissível que a ação civil pública resulte em cominação ao pagamento de indenização por danos morais coletivos. Nesse passo, inicialmente, serão abordados no presente trabalho aspectos essenciais da ação civil pública, analisando-se: a evolução deste instituto processual desde o seu surgimento até a sua institucionalização no Estado Democrático de Direito; quais os interesses são tutelados na referida ação, demonstrando e exemplificando, com isso, os interesses metaindividuais, assim compreendendo os direitos difusos, coletivos e individuais homogêneos; especificidades da ação civil pública proposta no âmbito da Justiça do Trabalho, tecendo relevantes considerações acerca da legitimidade, competência, processamento e sentença; e, finalmente, algumas peculiaridades da condenação proferida na ação civil pública trabalhista, especificamente no tocante à condenação ao pagamento de indenização por danos morais coletivos. Em um segundo momento, considerando a ação civil pública proposta na defesa dos interesses metaindividuais dos trabalhadores, será examinado o problema conceitual e a possibilidade de configuração, no plano fático, de um verdadeiro dano moral coletivo no âmbito da Justiça do Trabalho. Assim, serão analisadas as condições e controvérsias acerca da configuração do dano moral em sua dimensão coletiva, a destinação do montante indenizatório fixado e, por fim, o entendimento jurisprudencial acerca da procedência da indenização por dano moral coletivo na ação civil pública trabalhista. 2 AÇÃO CIVIL PÚBLICA 2.1 Conceito A ação civil pública tem por objetivo inibir ou reparar danos, ou ameaça de danos, causados ao patrimônio público e social, ao consumidor, ao meio ambiente, à infração da ordem econômica e à economia popular, à ordem urbanística ou a quaisquer outros interesses coletivos, difusos ou individuais homogêneos. Trata-se de um instrumento processual capaz de promover a proteção dos direitos e interesses metaindividuais de forma célere e efetiva. A ação civil pública é, na verdade, um meio de democratizar o acesso à justiça através da coletivização dos interesses difusos, coletivos e individuais homogêneos. É um instituto típico do Estado Democrático de Direito que, pautado nos princípios da garantia dos direitos fundamentais individuais e coletivos, igualdade material, segurança e certeza jurídica, dentre outros, é o cenário no qual se evidencia uma maior preocupação com os direitos e interesses transindividuais. O artigo 1º da Lei 7.347 de 24 de julho de 1985, que disciplina a ação civil pública, dispõe o seguinte: Art. 1º Regem-se pelas disposições desta lei, sem prejuízo da ação popular, as ações de responsabilidade por danos morais e patrimoniais causados: I – ao meio ambiente; II – ao consumidor; III – aos bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico; IV – qualquer outro interesse difuso ou coletivo; V – por infração da ordem econômica e da economia popular; VI – à ordem urbanística. (BRASIL, 1985). De acordo com a definição de Ibraim Rocha, referido instituto processual pode ser entendido como: [...] ação de responsabilidade por danos ou ameaça de danos causados a interesses difusos, coletivos e individuais homogêneos. Sendo os bens elencados no artigo 1º da Lei 7.347/85 meramente exemplificativos, permitindo o alcance constitucional assegurado. (ROCHA, 1996, p. 20). Já segundo Hely Lopes Meirelles, a ação civil pública pode ser conceituada como: [...] instrumento processual adequado para reprimir ou impedir danos ao meio ambiente, ao consumidor, a bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico, protegendo os interesses difusos da sociedade. Não se presta a amparar direitos individuais, nem se destina à reparação de prejuízos causados por particulares pela conduta, comissiva ou omissiva, do réu.1 (MEIRELLES, 2006, p. 152). Acerca da ação civil pública, a Constituição Federal de 1988 dispõe em seu artigo 129 o seguinte: Art. 129. São funções institucionais do Ministério Público: [...] III - promover o inquérito civil e a ação civil pública, para a proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos. [...] 1º - A legitimação do Ministério Público para as ações civis previstas neste artigo não impede a de terceiros, nas mesmas hipóteses, segundo o disposto nesta Constituição e na lei. (BRASIL, 2003). Cumpre ressaltar, por oportuno, que as considerações acerca da legitimidade do Ministério Público e de outras entidades também legitimadas para a propositura da ação civil pública serão analisadas em capítulo específico. Por outro lado, importante salientar ainda que, através do instituto da ação civil pública, é possível evitar decisões judiciais divergentes em casos iguais. Isto porque se trata de um instrumento alternativo de resolução de conflito que permite que as demandas dos cidadãos que compartilham os danos oriundos de um mesmo fato ou direito sejam apreciadas de forma idêntica pelo Poder Judiciário, impedindo, com isso, que as decisões jurisdicionais proferidas sejam contraditórias. 1 Acerca da assertiva de Meirelles no sentido de que a ação civil pública “não se presta a amparar direitos individuais”, conforme será demonstrado no tópico seguinte, dedicado ao estudo dos interesses metaindividuais na ação civil pública, a questão pertinente à tutela dos direitos individuais homogêneos na referida ação coletiva ainda é controvertida na doutrina e na jurisprudência. Desta forma, a ação civil pública tem por objeto a tutela preventiva, reparatória ou sancionatória de direitos coletivos em sentido lato. De acordo com o artigo 3º da Lei 7.347/85 a ação civil pública “poderá ter por objeto a condenação em dinheiro ou o cumprimento de obrigação de fazer ou não fazer”, todavia, não obstante a limitação estabelecida neste artigo, o Código de Defesa do Consumidor2, perfeitamente aplicável à espécie, prevê em seu artigo 83 que os provimentos jurisdicionais da referida ação coletiva podem ser de qualquer natureza, ao dispor que para a defesa dos interesses difusos, coletivos e individuais homogêneos “são admissíveis todas as espécies de ações capazes de propiciar sua adequada e efetiva tutela”. Ou seja, constata-se que a ação civil pública tem por objeto a tutela dos direitos metaindividuais através de provimentos jurisdicionais de natureza declaratória, constitutiva, condenatória, mandamental ou executiva. A ação civil pública, uma vez julgada procedente, é eficaz no sentido de obrigar a parte a fazer ou deixar de fazer algo que, de alguma forma, esteja prejudicando os interesses de um grupo de pessoas ligadas entre si por uma situação jurídica ou de fato, inclusive, estipulando multa diária ante o descumprimento da obrigação imposta. E, ainda, a ação civil pública pode ter por objeto condenação em dinheiro, de forma que sejam ressarcidos os danos patrimoniais ou morais efetivamente constatados. Além disso, como já dito, a decisão final advinda da ação civil pública pode ainda ser meramente declaratória ou constitutiva. Todavia, para que o instituto da ação civil pública seja, de fato, compreendido, faz-se necessária uma abordagem da sua evolução histórica desde o seu surgimento até a sua institucionalização definitiva, no Direito Contemporâneo. 2.2 Evolução Histórica 2 O Código de Defesa do Consumidor (Lei 8.078/90) prevê a propositura da ação civil pública para proteção dos interesses metaindividuais dos consumidores, conceituando o que se entende por interesses ou direitos difusos, coletivos e individuais homogêneos. A aplicação do CDC na esfera trabalhista é viável uma vez que a Consolidação das Leis do Trabalho mostra-se insuficiente para atender as demandas que versem sobre direitos transindividuais e, além disso, a LACP (artigo 21) prevê a aplicação da sistemática processual do CDC às ações que versem sobre quaisquer direitos difusos, coletivos e individuais homogêneos, ou seja, a parte processual do código consumerista é perfeitamente aplicável às ações civis públicas na defesa dos interesses metaindividuais dos trabalhadores. Analisando a evolução histórica do Estado - ultrapassado os períodos da pré-história, da antiguidade clássica, da idade média e do absolutismo, verifica-se o surgimento de um Estado de Direito, que irá se representar em três esferas: Liberal, Social e Democrático. Num primeiro momento, tem-se como resultado das inúmeras revoluções burguesas dos séculos XVII e XVIII o surgimento de um Estado totalmente subordinado aos limites do direito positivo editado por essa classe burguesa revolucionária, o chamado Estado Liberal. Neste cenário, a burguesia, enquanto classe dominante, restringiu significativamente a atuação do Estado e, ao mesmo tempo, lhe opôs uma série de garantias individuais. Na verdade, o direito foi um mecanismo utilizado pelos burgueses para assegurar a liberdade e a propriedade. Esta perspectiva individualista, que se pautava numa igualdade formal perante a lei, implicou em uma supremacia do Poder Legislativo perante o Executivo e Judiciário. (LEITE, 2008, p. 36). No Estado Liberal de Direito apenas eram reconhecidos os direitos fundamentais de primeira dimensão. Nele, todos são tratados como sujeitos de direitos, sem levar em consideração qualquer particularidade social, econômica, política ou moral de cada individuo. Assim, o fato dos indivíduos serem abstratamente tratados como iguais, sendo que viviam em uma realidade oposta, em condições e oportunidades discrepantes, acabou por compor um quadro de injustiças e desigualdades cada vez mais evidente. Com a Revolução Industrial, a manutenção deste modelo tornou-se totalmente inviável, sendo necessária a criação de um modelo efetivamente capaz de organizar em bases mais justas uma sociedade marcada por crescentes desigualdades sociais. Apresenta-se, num segundo momento, o Estado Social de Direito, que tem por objetivo melhorar as condições de vida das classes mais pobres, especialmente dos trabalhadores, através de políticas públicas que se destinam a compensar as desigualdades oriundas dos novos modelos de produção, que surgiram com a Revolução Industrial. Este modelo de Estado é caracterizado pelo constitucionalismo social, pautado numa igualdade substancial, onde o poder mais forte passa a ser o Executivo, que se utiliza de instrumentos jurídicos para criar políticas públicas de intervenção na economia com o fim de garantir o assistencialismo. A partir da década de 70 do século XX o Estado Social de Direito entra em crise por inúmeros fatores, principalmente econômicos e sociais, como, por exemplo, os dois choques do petróleo e o envelhecimento da população, que ocorreu justamente em razão dos avanços da medicina e da melhoria na qualidade de vida como resposta às políticas sociais implementadas neste modelo assistencialista de Estado, acabando por gerar elevadas despesas ao ente estatal. Num terceiro momento, apresenta-se o Estado Democrático de Direito, no qual se evidencia uma proteção aos direitos fundamentais de primeira, segunda e terceira dimensão. Neste aspecto, de acordo com os ensinamentos de Xisto Tiago de Medeiros Neto: (I) a primeira geração ou dimensão, identificada a partir do final do século XVIII, tem por essência e princípio as liberdades públicas (direitos civis e políticos dos cidadãos), em reação ao sistema despótico e arbítrio governamental imperantes; (II) a segunda geração, que ganha maior ênfase após o primeiro conflito mundial, pauta-se pelo reconhecimento dos direitos sociais, culturais e econômicos, com inspiração no princípio a igualdade, em face dos problemas decorrentes dos desníveis materiais da sociedade – a refletir cenário de graves injustiças, exclusão e miséria em relação a considerável parcela da população -, que geraram a denominada questão social, fortemente influenciada pelos drásticos efeitos da Revolução Industrial; e (III) a terceira geração, apreendida na sociedade contemporânea, descortina os direitos de solidariedade, identificando-se com o direito à paz, ao meio ambiente adequado, ao patrimônio comum da humanidade, à comunicação e à autoderminação dos povos, e direcionando-se precipuamente contra a deterioração da qualidade e das condições de desenvolvimento da vida humana, e também contra a sua própria extinção. (MEDEIROS NETO, 2007, p. 120). No Estado Democrático de Direito o Poder Judiciário ganha um considerável destaque. Nele, a preocupação maior não é com a criação das leis, mas sim com a efetiva manutenção dos direitos individuais e coletivos assegurados pela Constituição Federal. Neste modelo de Estado o acesso à justiça é um direito fundamental dos indivíduos. Além disso, o princípio da dignidade da pessoa humana deve ser entendido como uma expressão máxima, norteando todas as relações e decisões e devendo ser observado e respeitado por todos. De acordo com Kildare Gonçalves Carvalho (2009, p. 667), no Estado Democrático de Direito há uma superação dos tradicionais paradigmas em face das novas exigências decorrentes das transformações sociais e diante da necessidade de se concretizarem efetivamente as premissas da justiça social. É no Estado Democrático de Direito que surgem grandes e importantes mudanças políticas, econômicas e sociais no cenário mundial, acarretando uma mudança de paradigma, inclusive quanto à titularidade fundada no direito subjetivo. Neste contexto, o Direito passa a reunir cada vez mais condições para compreender a multifacetada realidade de uma sociedade em constante processo de desenvolvimento, vendo-se obrigado a absorver e adaptar seus mecanismos de controle e flexibilizar seus modelos normativos, inclusive para melhor controlar os conflitos intergrupais. Neste novo cenário, os indivíduos passam a ter maior identidade com os grupos sociais de que fazem parte e as contendas, antes particularizadas, passam a tutelar os interesses de uma coletivização em juízo. (ROCHA, 1996, p. 12). A ação civil pública é um instituto típico do Estado Democrático de Direito, que, após as constantes mudanças ocorridas na sociedade, conforme acima mencionado, se desenvolveu de forma a garantir a efetiva proteção dos direitos fundamentais dos indivíduos, inclusive coletivamente considerados. De acordo com o Exmo. Ministro do TST Ives Gandra da Silva Martins Filho: A Ação civil pública tem sua matriz na class action americana, da qual derivam também a action d’intérêt publique francesa, a representative action inglesa e o Odhasionprozess alemão. (MARTINS FILHO, 2010). Com efeito, o i. Ministro explica a class action americana como um processo iniciado numa corte estadual ou federal por um grupo de indivíduos com o mesmo interesse legal, tornando-se, com isso, mais prática a solução do litígio, principalmente, levando-se em consideração que a ação coletiva promove a economia, a eficiência e a uniformidade decisória, beneficiando, assim, não só as partes, mas também as próprias Cortes. (MARTINS FILHO, 2010). No Brasil, a ação civil pública foi prevista inicialmente na Lei Complementar Federal 40 de 13 de dezembro de 1981 – Lei Orgânica do Ministério Público, cujo artigo 3º vaticinava: “São funções institucionais do Ministério Público: [...] III – Promover a ação civil pública, nos termos da lei”. De acordo com a referida lei a legitimidade para propositura da ação civil pública era exclusiva do Ministério Público. Em 24 de julho de 1985 foi promulgada a Lei 7.347, também conhecida por Lei da Ação Civil Pública ou pela sigla LACP. Surgiu, assim, o primeiro instrumento de proteção dos interesses e direitos da coletividade, sendo que, de acordo com a redação original do artigo 1º da referida Lei, o objeto da ação civil pública se limitava a reparação por danos causados ao meio ambiente, ao consumidor e a bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico. Hoje, o inciso IV do artigo 1º da Lei da Ação Civil Pública, introduzida pela Lei 7.347/85, prevê a possibilidade da propositura deste instrumento para proteção “de qualquer outro interesse difuso ou coletivo”. Entretanto, vale lembrar que, quando da edição da LACP, referido inciso foi vetado, por se entender que inexistia qualquer previsão ou referência acerca das hipóteses em que haveria interesse difuso, limitando a propositura da Ação civil pública para defesa das causas expressamente previstas. Os incisos V e VI do artigo 1º da LACP que prevêem, respectivamente, a responsabilidade “por infração da ordem econômica e da economia popular” e por danos causados “à ordem urbanística”, foram acrescentados pelo artigo 6º da MP 2.180-35 de 24 de agosto de 2001, in verbis: Art. 6o Os arts. 1o e 2o da Lei no 7.347, de 24 de julho de 1985, passam a vigorar com as seguintes alterações: Art. 1o ................................................................. .............................................................................. V - por infração da ordem econômica e da economia popular; VI - à ordem urbanística. (BRASIL, 2001). Com o advento da Constituição Federal, em 05 de outubro de 1988, verificou-se um alargamento das hipóteses de cabimento da ação civil pública. A Carta Magna estabeleceu em seu artigo 129, III, dentre as funções institucionais do Ministério Público a de promover a ação civil pública “para proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos”. Como se vê, a Constituição Federal de 1988, além de elevar a ação civil pública ao status de garantia constitucional, em seu artigo 129, III, ao dispor sobre o Ministério Público, no capítulo destinado às “Funções Essenciais da Justiça”, prevê expressamente a possibilidade da ação civil pública para garantir a proteção “de outros interesses difusos e coletivos”. Neste contexto, referida previsão constitucional alargou as hipóteses de cabimento da ação civil pública, ressuscitando a possibilidade de reedição do inciso IV da Lei 7.347/85, anteriormente vetado. Com a promulgação do Código de Defesa do Consumidor (Lei 8.078 de 11 de setembro de 1990) consolidou-se, de vez, a ampliação relativa ao objeto da ação civil pública. Isto porque o artigo 110 do CDC reafirmou o inciso IV da Lei 7.347/85, prevendo, definitivamente, a ação civil pública para proteção de “qualquer outro interesse difuso ou coletivo”. Além disso, o parágrafo único do artigo 81 do Código de Defesa do Consumidor também não deixa dúvidas acerca do objeto da ação civil pública ao definir as possibilidades da defesa coletiva e conceituar de forma clara e completa o que se entende por interesses ou direitos difusos, coletivos e individuais homogêneos. Importante salientar que a aplicação do CDC na sistemática trabalhista é plenamente viável uma vez que a Consolidação das Leis do Trabalho mostra-se insuficiente para atender as demandas que versem sobre direitos transindividuais. E, além disso, a LACP, em seu artigo 21, dispõe que deve ser aplicada a sistemática processual do CDC às ações que versem sobre direitos difusos, coletivos e individuais homogêneos. Neste contexto, a parte processual do código consumerista tem uma ultra eficácia dada pela LACP. (NERY JUNIOR, 2000, p. 153). A Lei 8.625, de 12 de fevereiro de 1993, que instituiu a Lei Orgânica do Ministério Público, prevê expressamente em seu artigo 25, no inciso VI, alínea “a”, a competência do Ministério Público para: IV - promover o inquérito civil e a ação civil pública, na forma da lei: a) para a proteção, prevenção e reparação dos danos causados ao meio ambiente, ao consumidor, aos bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico, e a outros interesses difusos, coletivos e individuais indisponíveis e homogêneos. (BRASIL, 1993). A Lei Complementar 75 de 20 de maio de 1993 - Lei Orgânica do Ministério Público, que dispõe sobre a organização, as atribuições e o estatuto do Ministério Público da União, também estabelece a competência do Ministério Público para propositura da ação civil pública, para garantir: a) a proteção dos direitos constitucionais; b) a proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente, dos bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico; c) a proteção dos interesses individuais indisponíveis, difusos e coletivos, relativos às comunidades indígenas, à família, à criança, ao adolescente, ao idoso, às minorias étnicas e ao consumidor; d) outros interesses individuais indisponíveis, homogêneos, sociais, difusos e coletivos.3 Além dos diplomas legais mencionados, foram criados outros institutos que também prevêem a possibilidade da ação civil pública para garantir a proteção aos interesses da coletividade. É o caso, por exemplo, da Lei 7.853, de 24 de outubro de 1989, que prevê a possibilidade da ação civil pública para assegurar a proteção dos interesses coletivos ou difusos das pessoas portadoras de deficiência, da Lei 7.913, de 07 de dezembro de 1989, que dispõe sobre a ação civil pública de responsabilidade por danos causados aos investidores de 3 De acordo com o artigo 6º, inciso VII da Lei Complementar 75/93: “Compete ao Ministério Público da União: [...] VII - promover o inquérito civil e a ação civil pública para: a) a proteção dos direitos constitucionais; b) a proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente, dos bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico; c) a proteção dos interesses individuais indisponíveis, difusos e coletivos, relativos às comunidades indígenas, à família, à criança, ao adolescente, ao idoso, às minorias étnicas e ao consumidor; d) outros interesses individuais indisponíveis, homogêneos, sociais, difusos e coletivos”. mercado de valores mobiliários e do Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei 8.069 de 13 de julho de 1990), que prevê a utilização da ação civil pública para garantir os direitos constitucionalmente, ou mediante legislação infraconstitucional, assegurados à criança e ao adolescente. Com efeito, verifica-se que o objeto da ação civil pública, que visa garantir a perfeita tutela dos interesses metaindividuais, foi ampliado ao longo dos anos como reflexo da necessidade de assegurar maior efetividade, segurança jurídica e celeridade às demandas que versam sobre direitos que atingem vários indivíduos ao mesmo tempo. Segundo Xisto Tiago de Medeiros Neto: [...] as características assumidas ao longo do tempo pela nossa sociedade, evoluiu para uma postura político-jurídica condizente com a proteção ampla do ser humano: primeiro, elastecendo a tutela jurídica da esfera patrimonial para a moral ou extrapatrimonial, reconhecida a nota da essencialidade de tal extensão [...]; depois, espraiando a proteção jurídica do campo individual para o coletivo social, quando o indivíduo passou a ser tutelado não apenas na sua consideração uti singulus, mas também uti socius, concebendo-se interesses próprios das coletividades por ele integradas, passíveis de invocação e defesa perante a Justiça. (MEDEIROS NETO, 2007, p. 121). Assim, conforme demonstrado, a preocupação com os direitos de terceira geração surge no contexto do Estado Democrático de Direito, que, calcado nos princípios da solidariedade e fraternidade, ultrapassa a visão individualista e volta-se para uma maior proteção aos interesses da coletividade. 3 INTERESSES TUTELADOS NA AÇÃO CIVIL PÚBLICA 3.1 Interesses Metaindividuais De acordo com Flávia Soares Corrêa (2009, p. 111-112) a visão dicotômica tradicional divide o Direito Positivo basicamente em público, cuja titularidade pertence ao Estado, e privado, cujo titular é o indivíduo. Segundo Corrêa, esta classificação tem sido bastante criticada uma vez que remonta a uma época em que Estado e indivíduos eram considerados pólos de referência contrapostos e distintos, não considerando que, para acompanhar as necessidades de uma sociedade em constante evolução, impõe-se reconhecer uma categoria intermediária de interesses, que não sejam nem exclusivamente estatais, nem individuais, tratando-se, pois, de interesses de grupos, classes ou categorias de pessoas. De acordo com Corrêa “a evolução da sociedade acaba por ensejar novos enfoques a direitos tradicionais, bem como por criar novos direitos surgidos em função de novas relações sociais estabelecidas”. Com efeito, o Estado, enquanto instituição responsável pela organização e controle social, ao longo da história, em razão das constantes mudanças ocorridas na sociedade, é compelido a se adaptar e diversificar de acordo com a nova realidade que lhe é imposta. É no Estado Democrático de Direito que se verifica uma maior preocupação com os direitos e interesses da coletividade. Isto porque, cada vez mais, constata-se a necessidade de proteção aos interesses de uma categoria intermediária, ou seja, os interesses compartilhados por um grupo de pessoas indeterminadas ou indetermináveis e ligadas entre si por circunstâncias de fato ou de direito. Em outras palavras, a evolução da sociedade acaba por ensejar novos enfoques que permitam a superação da tradicional doutrina individualista e que instituam mecanismos que possibilitem a proteção dos direitos e interesses difusos, coletivos e individuais homogêneos, sendo estes classificados como direitos metaindividuais. Quanto à tutela metaindividual no âmbito Justiça do Trabalho, cumpre mencionar os ensinamentos do i. professor e Desembargador do Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região, Luiz Otávio Linhares Renault, segundo o qual: A tutela trabalhista metanindividual é, portanto, o instrumento processual moderno de larga eficácia tanto sob a ótica ressarcitória quanto sob o prisma inibitório, e que tem enormes reservas científicas para a melhoria do sistema judicial, a fim de que o processo perca uma parte substancial da sua simbologia imponente [...]. A tutela metaindividual trabalhista possui, portanto, algumas características muito marcantes: transcende a individualidade do empregado; traz para dentro do sistema judicial os empregados, cujos contratos ainda estão em vigor; e tem por meta a realidade da justiça em massa, com alta dose de eficácia e a baixo custo. (RENAULT, 2009, p. 51-64). Assim, a ação civil pública proposta na defesa dos interesses metaindividuais dos trabalhadores possui inúmeras vantagens não só para o sistema Judiciário Trabalhista – já que evita o acúmulo de reclamações trabalhistas individuais versando sobre idêntica matéria, mas também para o empregado, uma vez que a este, além de ser assegurado o acesso à Justiça, será devidamente garantida a efetiva prestação jurisdicional mediante decisões eficazes e democráticas. Importante ressaltar que o que identifica um direito como difuso, coletivo ou individual homogêneo não é a sua matéria propriamente dita, mas sim o tipo de pretensão e de tutela jurisdicional que se busca ao ajuizar a ação coletiva competente. (NERY JUNIOR, 2000, p. 155). A defesa dos interesses metaindividuais pode ser assegurada por meio da ação civil pública. Aliás, a própria definição deste instituto está relacionada com o objeto que ela visa tutelar, ou seja, a defesa dos direitos ou interesses coletivos considerados em sentido lato. E, para que a referida ação seja ajuizada no âmbito trabalhista, basta que os direitos ou interesses que se pretende tutelar sejam decorrentes de uma relação de trabalho (que não se confunde com relação de emprego), quando, então, a competência para apreciação da mesma será da Justiça do Trabalho. Isto porque a competência material da Justiça do Trabalho deve ser aferida in status assertiones, ou seja, em decorrência da causa de pedir e do pedido.4 Com efeito, nos termos do artigo 114, I, da Constituição Federal de 1988 (conforme a redação dada pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004): “Compete à Justiça do Trabalho processar e julgar: I as ações oriundas da relação de trabalho [...]”, ou seja, a Justiça Laboral é competente para conhecer e julgar lides envolvendo as diversas espécies de relação de trabalho, e não apenas a relação de emprego tradicional. Neste ponto, de acordo com os ensinamentos do i. professor e Desembargador do TRT da 17ª Região, Carlos Henrique Bezerra Leite: É bem verdade que com a EC n. 45/2004, a competência material original da Justiça do Trabalho foi significativamente ampliada para processar e julgar, não apenas as ações referentes à “relação de emprego”, mas, também, “as ações oriundas da relação de trabalho” (CF, art. 114, I). (LEITE, 2008, p. 195). Ainda de acordo com Bezzera Leite, a relação de trabalho pode ser entendida como: [...] toda e qualquer atividade humana em que haja prestação de trabalho, como a relação de trabalho: autônomo, eventual, de empreitada, avulso, cooperado, doméstico, de representação comercial, temporário, sob a forma de estágio etc. Há, pois, a relação de trabalho pela presença de três elementos: o prestador de serviço, o trabalho (subordinado ou não) e o tomador do serviço. (LEITE, 2008, p. 198). 4 Esta definição acerca da competência da Justiça do Trabalho foi retirada de recente acórdão do Eg. Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região (00398-2009-083-0-3-00-1-RO) cujo Desembargador Relator José Roberto Freire Pimenta entendeu pela competência da Justiça do Trabalho para processar e julgar a lide envolvendo motorista contratado para transporte de carga – serviço de “frete”, remetendo os autos à origem para que fosse reaberta a instrução processual em razão da inegável relação de trabalho ali constatada. E, acerca da competência da Justiça do Trabalho para processar e julgar lides decorrentes da relação de trabalho, afirma o i. autor que: [...] a ampliação da competência da Justiça do Trabalho para as demandas oriundas da relação de trabalho – não de emprego – deve estar centrada no fator “trabalho” e pela sua afinidade com a relação de emprego, pois a mens legis possui, a nosso ver, forte conotação de inclusão social daqueles trabalhadores – não empregados – que, de fato, estão em situação econômicas e sociais que exijam o rápido e efetivo acesso à Justiça. (LEITE, 2008, p. 199). Neste sentido, cumpre transcrever ementas proferidas pelo Eg. Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região, in verbis: EMENTA: AÇÃO DE EXECUÇÃO DE HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS DE DEFENSOR DATIVO NOMEADO PELA JUSTIÇA COMUM - COMPETÊNCIA DA ABSOLUTA DA JUSTIÇA DO TRABALHO - INTELIGÊNCIA DO ART. 114, I DA CR/88. A EC/45/2004 ampliou os contornos da competência da Justiça do Trabalho, acolhendo os conflitos decorrentes da relação de trabalho, conforme se infere do art. 114, I da CR/88. Com o cancelamento da OJ 138 da SDI-2/TST, não há mais razão para declarar a incompetência da Justiça do Trabalho em face de ação de cobrança de honorários advocatícios (oriundas de contrato civil ou de nomeação de Defensor Dativo). A cobrança de honorários advocatícios de Defensor Dativo é decorrente de relação de trabalho, e não de consumo (bens materiais), pois o objeto do Direito do Trabalho não se reduz mais à relação de emprego e a questão "sub judice" se insere em típica função estatal relativa à prestação de assistência judiciária integral e gratuita aos que dela necessitam (art. 5º, LXXIV da CR/88). A prestação de serviços advocatícios é uma atividade cujo resultado não se objetiva em um bem material e não gera riqueza ou valor para a sociedade. Não obstante esta atividade imaterial seja profissional, não é assalariada e não descaracteriza sua adequação ao conceito de "relação de trabalho". O art. 114, I da CR/88 restringiu o conceito de consumo apenas para "bens materiais", mas não de atividade profissional de pessoas físicas, competência desta Justiça do Trabalho, que, se não acompanhar a viragem histórica, estará fadada a se encolher e perder legitimidade perante a sociedade (MINAS GERAIS. TRT3. AP. 00062-2009-081-03-00-6. Desembargador Relator Júlio Bernardo do Carmo. 4ª Turma. Pub. 20.05.2009). EMENTA: ARTIGO 114, I, DA CR/88. RELAÇÃO DE TRABALHO. CORRETOR. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA DO TRABALHO. A Emenda Constitucional 45/2004 alterou a redação do art. 114 da Constituição da República, de forma que a competência da Justiça do Trabalho não mais se restringe às controvérsias decorrentes de vínculo empregatício, englobando toda e qualquer lide fundada em relação de trabalho. Pretendendo o autor o reconhecimento do direito ao pagamento dos honorários devidos por serviços de corretagem prestados aos réus, configurando-se, pois, relação de trabalho, é desta Justiça Especializada a competência para dirimir a lide, ante a inafastável aplicação do inciso I do art. 114 da Constituição da República, com nova redação dada pela EC. 45/04 (MINAS GERAIS. TRT3. RO. 00025-2009-132-03-00-6. Desembargador Relator Marcelo Lamego Pertence. Turma Recursal de Juiz de Fora. Pub. 14.07.2009). EMENTA: COMPETÊNCIA. JUSTIÇA DO TRABALHO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. A Constituição da República, além de fixar, em seu artigo 114, que compete à Justiça do Trabalho processar e julgar: I - as ações oriundas da relação de trabalho (...) e IX - outras controvérsias decorrentes da relação de trabalho, na forma da lei, estendeu o âmbito de abrangência da ação civil pública, preceituando que esta abarca a proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos (artigo 129, III). No caso específico da Justiça do Trabalho, a matéria veio regulada pela Lei Complementar no. 75, de 20 de maio de 1993, relativa à organização e atribuições do Ministério Público do Trabalho. Em seu artigo 83, III, há menção expressa à competência desta Especializada, no sentido de que incumbe ao " parquet" promover a ação civil pública no âmbito da Justiça do Trabalho, para defesa de interesses coletivos, quando desrespeitados os direitos sociais constitucionalmente garantidos (grifou-se). De fato, se a matéria suscitada nos autos - fraude a direitos trabalhistas decorrentes da contratação de mão-de-obra por intermédio de cooperativa - insere-se indubitavelmente na disciplina juslaboral, não se pode aceitar que sua análise seja subtraída do âmbito da Justiça do Trabalho, sob pena de violação do disposto no já mencionado artigo 114 da Constituição da República de 1988 (MINAS GERAIS. TRT3. RO. 01288-2004-110-03-00-0. Desembargador Relator Bolívar Viegas Peixoto. 2ª Turma. Pub. 05.07.2005). Por outro lado, no que pertine à conceituação das pretensões coletivas, embora ora seja usada a tipologia “direito”, ora “interesse”, uma vez constatado que não há qualquer distinção entre ambas as expressões na realidade prática, elas devem ser entendidas como sinônimos no presente estudo. 3.1.1 Interesses Difusos Os interesses difusos, enquanto espécie do gênero interesses metaindividuais, são aqueles que se caracterizam como transindividuais e de natureza indivisível. São direitos cuja titularidade é indeterminada e ligada por circunstância de fato. A conceituação normativa dos interesses difusos foi introduzida no ordenamento jurídico brasileiro através do Código de Defesa do Consumidor (Lei 8.078/90), que traz em seu artigo 81, parágrafo único, inciso I, a seguinte definição: Art. 81. [...] Parágrafo único. A defesa coletiva será exercida quando se tratar de: I - interesses ou direitos difusos, assim entendidos, para efeitos deste código, os transindividuais, de natureza indivisível, de que sejam titulares pessoas indeterminadas e ligadas por circunstâncias de fato. (BRASIL, 1990). Com efeito, os interesses difusos são considerados transindividuais porque ultrapassam a esfera privada e pessoal do individuo. A natureza indivisível desses interesses está relacionada à impossibilidade de sua partição em cotas entre as pessoas atingidas pelo dano patrimonial ou moral. Quanto à titularidade, é de pessoas indeterminadas, eis que não pode ser atribuída a um grupo ou indivíduo que seja o titular único desses interesses. Por fim, o elo de ligação que permite a titularidade trata-se de mera circunstância de fato. Em outras palavras, os direitos difusos podem ser definidos como aqueles que não pertencem especificamente a alguém, ou seja, que pertencem igualmente a várias pessoas, além disso, não permitem a fragmentação e decorrem de uma simples questão fática. De acordo com Rodolfo de Camargo Mancuso, os direitos difusos podem ser entendidos da seguinte forma: Interesse difuso é a espécie de interesse metaindividual, que não possuindo o grau de agregação e organização necessários à sua afetação institucional junto a certas entidades ou órgãos representativos dos interesses já socialmente definidos no campo das relações entre o capital e trabalho, encontrando-se em estado fluido, disperso pela organização produtiva como um todo, pode ser afetado a qualquer associação, constituída há um ano, ainda que sem natureza sindical, desde que os representados pela associação, uma vez que indeterminados, estejam ligados entre si por uma circunstância de fato, caracterizando-se pela indeterminabilidade dos sujeitos, pela indivisibilidade do objeto, por sua intensa litigiosidade interna e por sua tendência ou mutação à transição no tempo e no espaço. (MANCUSO, 1994, p. 48). Neste contexto, há inúmeros casos que ensejam a propositura da ação civil pública por flagrante lesão aos interesses difusos dos trabalhadores. A título de exemplo imaginemos uma situação hipotética em que uma empresa exige atestado de esterilização a mulheres empregáveis. Trata-se de um típico caso de discriminação na contratação, onde a vítima não é só a mulher que concorreu para a vaga, mas sim todas as demais que buscam emprego. Outro exemplo seria o exercício do direito de greve em serviços essenciais não acompanhados da garantia de prestação dos serviços mínimos indispensáveis ao atendimento de necessidades inadiáveis para a comunidade. Ou ainda, diante da inobservância de cotas para pessoas portadores de deficiência nas empresas. Esta atitude não prejudica apenas o deficiente que almeja aquela vaga especifica, mas a todos os demais, uma vez que há flagrante violação aos direitos assegurados aos mesmos, podendo, por isso, ser proposta ação civil pública para defesa de tais interesses difusos e responsabilizar os infratores. Assim sendo, impõe-se reconhecer que os direitos difusos representam os interesses comuns da sociedade. Tratam-se de direitos amplos, caracterizados pela indivisibilidade, de forma que, para que se satisfaça um de seus sujeitos, deve satisfazer-se a todos. Assim, é possível dizer que a garantia de uma vida comunitária sadia está atrelada ao efetivo respeito aos direitos difusos, uma vez que, ainda que indiretamente, atinge a todos os indivíduos. 3.1.2 Interesses Coletivos Os interesses coletivos são espécie do gênero direitos metaindividuais. De acordo com o artigo 81, § único, II, do Código de Defesa do Consumidor: Art. 81. [...] Parágrafo único. A defesa coletiva será exercida quando se tratar de: II - interesses ou direitos coletivos, assim entendidos, para efeitos deste código, os transindividuais, de natureza indivisível de que seja titular grupo, categoria ou classe de pessoas ligadas entre si ou com a parte contrária por uma relação jurídica base. (BRASIL, 1990). Conforme se infere do aludido dispositivo, do ponto de vista jurídico, nos direitos ou interesses coletivos importa tão-somente a coletividade, sendo, pois, irrelevante a determinação subjetiva de cada titular individualmente considerado. Ou seja, o cerne da questão gira em torno do sujeito situado dentro de um grupo, nunca isoladamente. Importante ressaltar que, embora os titulares desses direitos sejam determináveis, uma vez que são integrantes de um grupo, categoria ou classe (por exemplo, é possível determinar os sujeitos que fazem parte da relação checando os registros de admissão da empresa ou o nome dos filiados à entidade de classe), a determinação subjetiva do indivíduo isoladamente é de somenos relevância. Isto porque, ainda que se trate de sujeito determinável, o tratamento é de dimensão global. Quanto ao objeto dos direitos coletivos, é certo que este é indivisível. Estar-se-á diante da impossibilidade de atribuição de cotas a cada titular particularizado. E ainda, os sujeitos titulares dos direitos coletivos são ligados entre si, ou com a parte contrária, por uma relação jurídica base. Em síntese, os interesses coletivos podem ser facilmente conceituados como sendo de um determinado grupo, categoria ou classe de indivíduos que foram unidos por uma relação jurídica única e indivisível. No âmbito trabalhista é possível exemplificar a defesa dos interesses coletivos dos trabalhadores através da seguinte situação hipotética: um sindicato propõe ação civil pública pleiteando condutas comissivas e omissivas do empregador com vistas a reduzir ou excluir agentes insalubres ou periculosos no ambiente de trabalho ou, ainda, propõe ação com o intuito de reverter a dispensa coletiva efetuada em retaliação à adesão de trabalhadores a movimento paredista. Assim, entende-se por interesses coletivos de natureza trabalhista quaisquer lesões genéricas causadas aos trabalhadores de uma categoria, empresa ou região, considerando, para tanto, quaisquer direitos trabalhistas constitucionalmente garantidos (artigo 7º da CR/88; LC 75/93; artigo 83 do CDC). (MARTINS FILHO, 2010). 3.1.3 Interesses Individuais Homogêneos Estabelece o parágrafo único, inciso III, do artigo 81 do Código de Defesa do Consumidor que os interesses individuais homogêneos são aqueles “decorrentes de origem comum”. De acordo com Mazzilli: [...] encontram-se reunidos por essa categoria de interesses os integrantes determinados ou determináveis de grupo, categoria ou classe de pessoas que compartilhem prejuízos divisíveis, oriundos das mesmas circunstâncias. (MAZZILLI, 1996, p. 10-11). No campo dos interesses individuais homogêneos, os titulares são perfeitamente identificáveis. Tratam-se, na realidade, de direitos individuais, que, por possuírem uma origem comum, podem ser pleiteados coletivamente. (PIMENTA, 2009, p. 48) Em linhas gerais, os interesses individuais homogêneos, embora essencialmente individuais, cujos titulares são plenamente identificáveis e divisíveis, por serem decorrentes de uma mesma situação, são, acidentalmente, coletivos. De acordo com o i. professor e Desembargador Federal do Trabalho Luiz Otávio Linhares Renault, os interesses individuais homogêneos: [...] caracterizam-se pela divisibilidade e decorrem de origem comum; traços e filamentos iguais ou similares, advindos da mesma situação fática, imprimi-lhes a marca indelegável da homogeneidade. Seria como uma espécie e tipo plurissubjetivo trabalhista: o interesse pode ser satisfeito individualmente por cada empregado, assim como coletivamente. (RENAULT, 2009, p. 51-64). Desta forma, um grupo determinado de indivíduos que tiveram seus direitos lesados por uma mesma circunstância fática pode perfeitamente buscar a tutela jurisdicional em conjunto. Não se trata de uma simples pluralidade de demandas, ou seja, de litisconsórcio ativo facultativo, mas sim de uma única demanda coletiva cujo objetivo é defender os direitos dos titulares igualmente lesados. Os interesses individuais homogêneos são espécie do gênero direitos metaindividuais, eis que, conforme já ressaltado, apesar de se tratar de um direito individual, pode perfeitamente ser exercido de forma coletiva. Assim sendo, os interesses individuais homogêneos podem ser qualificados como espécie do direito coletivo lato sensu, cujos titulares são essencialmente individuais e que, por razões de conveniência, de economia processual e de política judiciária, são acidentalmente tratados de maneira coletiva, conforme ensina José Carlos Barbosa Moreira citado pelo i. professor e Desembargador Federal do Trabalho José Roberto Freire Pimenta (2009, p. 9-50) no livro “Tutela Metaindividual Trabalhista: A Defesa Coletiva dos Direitos dos Trabalhadores em Juízo”. Nesta brilhante obra, acerca dos direitos individuais homogêneos, ensina Pimenta: Os litígios acidentalmente coletivos, por sua vez, são direitos subjetivos cujos titulares são perfeitamente identificáveis (e identificados) e que, do ponto de vista de seu objeto, certamente comportam soluções perfeitamente cindíveis e heterogêneas (nada tendo de unitárias). No entanto, por sua origem comum e pela expressividade do número de casos em que seus titulares poderão ter sido lesados ou ameaçados de lesão, o seu inadimplemento assume um impacto de massa no contexto da vida social, podendo e devendo, por isso, ser tratado não por inúmeras ações individuais, mas sim por meio das mesmas técnicas processuais construídas para os direitos transindividuais (difusos e coletivos) do primeiro tipo de litígios acima citado. (PIMENTA, 2009, p. 17-18). Importante ressaltar o fato de que os direitos decorrentes de uma mesma origem, se pleiteados em conjunto em uma única ação coletiva e não em várias demandas individuais com a mesma causa de pedir e pedido, são eficazes no sentido de evitar decisões judiciais contraditórias, promovendo maior efetividade da justiça. Cumpre salientar que, embora tenha sido demonstrado no presente estudo que a defesa dos interesses individuais homogêneos pode perfeitamente ser exercida através do instituto da ação civil pública, há entendimento na doutrina e na jurisprudência no sentido de que devem tais direitos ser tutelados, tão-somente, através de ação civil coletiva. De acordo com o i. Ministro do TST, Ives Gandra da Silva Martins Filho (MARTINS FILHO, 2010), a ação civil pública se presta apenas para proteção dos interesses difusos e coletivos, tendo o ordenamento jurídico- processual brasileiro criado especificamente para defesa dos interesses individuais homogêneos o instituto da ação civil coletiva. Com efeito, Martins Filho afirma que: Tanto a natureza do instrumento processual (que não visa a um provimento jurisdicional reparatório direto do lesado), quanto a dicção literal do art. 129, III, da Constituição Federal (que admite tão somente a defesa de interesses difusos e coletivos através da ação civil pública), não permitem outra conclusão. Cabe ressaltar que a Constituição Federal permite que o Ministério Público defenda os interesses individuais homogêneos (sem mencioná-los expressamente), quando, no art. 129, IX, prevê que o MP exerça outras funções que a lei lhe conferir. Dentre elas estaria a defesa desses interesses, através do meio específico que a lei criou, que é a ação civil pública. (MARTINS FILHO, 2010). Embora este não seja o entendimento majoritário da doutrina e jurisprudência, existem julgados neste sentido5. A título de ilustração, vale transcrever ementa proferida pela d. 3ª Turma, do Col. Tribunal Superior do Trabalho: 5 O i. Desembargador Federal do Trabalho aposentado Antônio Miranda de Mendonça, do Eg. Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região proferiu, em 2004, decisão de recurso ordinário entendendo ser inviável a defesa dos interesses individuais homogêneos dos trabalhadores por via de ação civil pública, conforme ementa: “AÇÃO CIVIL PÚBLICA. PLEITO DE PROIBIÇÃO DE CONTRATAR TRABALHADORES ATRAVÉS DE COOPERATIVAS DE TRABALHO. ALEGAÇÃO DE INTERESSES DIFUSOS A SEREM TUTELADOS. INEXISTÊNCIA DELES. ILEGITIMIDADE ATIVA DO MPT PARA A AÇÃO E EXTINÇÃO DO PROCESSO, SEM JULGAMENTO DE MÉRITO ( art. 267, IV, do CPC). Não se pode negar que a ação civil pública, no contexto da moderna ordem jurídica em que se acolhe, valoriza e prestigia a universalização da tutela jurisdicional, é instrumento criativo e de induvidosa eficácia na solução dos conflitos envolvendo interesses difusos e coletivos, nas suas diversas modelagens. É ação pela qual o "parquet" desempenha a sua valiosa e relevantíssima função de defender a ordem jurídica que assegura aqueles direitos. Evidentemente se tiverem, de fato, o perfil de coletivos ou difusos, visto que os possíveis direitos de cooperados - como postos no presente feito -, são disponíveis, divisíveis, fracionários, não traduzindo qualquer anseio coletivo, metaindividual. Nada de difusos, conseqüentemente, visto que estes são direitos "transindividuais, de natureza indivisível, de que sejam titulares pessoas indeterminadas e ligadas por circunstâncias de fato". (Hugo Nigro Mazilli, "in" A defesa dos interesses difusos em juízo, 9a. ed., Saraiva, p. 4/6). Especificamente quanto ao Ministério Público do Trabalho, imperioso ressaltar que o art. 83, III, da LC no. 75/93, atribui-lhe competência para promover a ação civil pública, no âmbito desta Justiça, para a defesa de interesses coletivos, quando vulnerados direitos sociais assegurados constitucionalmente, daí se vendo que inexiste previsão legal expressa que lhe confira legitimidade para a defesa de direitos individuais homogêneos, esta sim, a espécie dos autos. Exatamente neste norte foi que o legislador complementar aprovou o Estatuto daquele órgão, (LC no. 75/93), no qual, delimitando a sua competência funcional, conferiu-lhe atribuições específicas, dentre elas a de "promover a ação civil pública no âmbito da Justiça do Trabalho, para a defesa de interesses coletivos, quando desrespeitados os direitos sociais constitucionalmente garantidos" (art. 83, III). Ora, a ação civil pública é instrumento processual adequado para reprimir ou inibir danos ao meio ambiente, ao consumidor, a bens públicos e a direitos de valor artístico, estético, paleontológico, histórico, paisagístico, etc., bem assim infrações à ordem econômica ou contrariedade a interesses difusos da sociedade (CR/88, art. 129, III). Claramente se vê, então, que a base e a razão da legitimidade conferida ao MP para manejo da ação civil pública está na efetiva existência de interesse coletivo a ser protegido, daí porque a indigitada ação civil pública não se presta para amparar, prevenir ou resguardar direitos individuais (ainda que plúrimos, pois evidente que isto não os transforma em direitos coletivos ou difusos!), nem se presta para eventual reparação de prejuízos causados a particulares, seja por conduta comissiva ou omissiva de alguém. É que não são coletivos (e nem difusos!), por óbvio, os interesses que podem variar segundo a situação fático-jurídica de cada membro do grupo ( de cooperados, "in casu" ), de cada uma das Cooperativas de Trabalho envolvidas na lide e de cada uma das empresas tomadoras dos serviços. Tudo, pois, a depender da qualificação de cada trabalhador, do tempo de contratação, do tipo de trabalho prestado, dos motivos das várias contratações havidas, etc., etc. Portanto, cada contrato tem a sua fisionomia, o seu norte, a sua especificidade, o que desautoriza o imbróglio feito nestes autos, d.m.v. Em resumo: o caso de cada membro de cooperativa - e também de cada cooperativa - pode ter feição específica, tessitura fático-jurídica diferenciada e particularizante, daí resultando não ser próprio cogitar-se aqui de relações transindividuais, indutoras de direitos RECURSO DE REVISTA. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. ILEGITIMIDADE "AD CAUSAM" DO MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO. TUTELA DE INTERESSES INDIVIDUAIS HOMOGÊNEOS. O art. 83, III, da Lei Complementar nº 75/1993 confere competência ao Ministério Público do Trabalho para promover ação civil pública somente para a tutela de "interesses coletivos, quando desrespeitados os direitos sociais, constitucionalmente garantidos", não se enquadrando nessa hipótese os direitos de empregados de determinada empresa, consistentes na anotação da CTPS e na efetivação do pagamento de rescisão contratual no prazo estabelecido no art. 477, § 6º, da CLT, bem como os depósitos fundiários oriundos dos respectivos contratos de trabalho postulados na condição de verba acessória, hipótese dos autos, por se tratarem de direitos individuais homogêneos, já que seus titulares podem ser facilmente individualizados (BRASÍLIA. TST. RR. 1108-1999-002-23-00. Ministra Dora Maria da Costa. 3ª Turma. 19.09.03). Entretanto, importante frisar que, embora existam entendimentos contrários, o entendimento majoritário da doutrina e jurisprudência é no sentido de que o instituto da ação civil pública pode perfeitamente ser ajuizado na defesa dos interesses individuais homogêneos, encontrando-se este entendimento cada vez mais pacificado, não só na seara trabalhista, como também nos mais diversos ramos do Direito Coletivo. Com efeito, a Col. Subseção I Especializada em Dissídios Individuais (SbDI-1) do Tribunal Superior do Trabalho pacificou seu entendimento neste sentido, conforme demonstra o seguinte precedente: MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO. LEGITIMIDADE ATIVA. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. DIREITOS INDIVIDUAIS HOMOGÊNEOS. INTERESSE SOCIAL RELEVANTE. 1. Na dicção da jurisprudência corrente do Supremo Tribunal Federal, os direitos individuais homogêneos nada mais são do que direitos coletivos em sentido lato, uma vez que todas as formas de direitos metaindividuais (difusos, coletivos e individuais homogêneos), passíveis de tutela mediante ação civil pública, são coletivas. 2. Considerando-se interpretação sistêmica e harmônica dos artigos 6º, VII, letras c e d, 83 e 84 Lei Complementar 75/93, não há como negar a legitimidade do Ministério Público do Trabalho para tutelar direitos e interesses individuais homogêneos, sejam eles indisponíveis ou disponíveis. Os direitos e interesses individuais homogêneos disponíveis, quando coletivamente demandados em juízo, enquadram-se nos interesses sociais referidos no artigo 127 da Constituição Federal. 3. O Ministério Público detém legitimidade para tutelar judicialmente interesses individuais homogêneos, ainda que disponíveis, ante o notório interesse geral da sociedade na proteção do direito e na solução do litígio deduzido em juízo. Verifica-se, ademais, que o interesse social a requerer tutela coletiva decorre também dos seguintes imperativos: facilitar o acesso à Justiça; evitar múltiplas demandas individuais, prevenindo, assim, eventuais decisões contraditórias, e evitar a sobrecarga desnecessária dos órgãos do Poder Judiciário. 4. coletivos ou difusos, à míngua de qualquer traço de homogeneidade entre os interesses e direitos de cada um dos cooperados, em relação aos quais, vale acentuar, as irregularidades nem sempre são as mesmas, além de ocorrerem em empresas diferentes...” (MINAS GERAIS. TRT3. RO. 00232-2002-104-03-00-5. Desembargador Relator Antônio Miranda de Mendonça. 2ª Turma. Pub. 23.11.2004). Solução que homenageia os princípios da celeridade e da economia processuais, concorrendo para a consecução do imperativo constitucional relativo à entrega da prestação jurisdicional em tempo razoável. 5. Recurso de embargos conhecido e provido (BRASÍLIA. TST. RR. 411489-59.1997.5.22.5555. Redator Ministro: Lelio Bentes Corrêa. Subseção I Especializada em Dissídios Individuais. Pub. 07.12.2007). E, de acordo com Thaís Macedo Martins Sarapu a tutela coletiva dos interesses individuais homogêneos se justifica: [...] por razões de ordem social e econômica, pois, muitas vezes, em termos financeiros, não compensa que uma pessoa individualmente ajuíze uma ação judicial buscando a reparação de seu direito, o que privilegia o causador da lesão. Utilizando-se a expressão cunhada por Sérgio Cruz Arenhart, essas ações são “antieconômicas”, a ponto de inviabilizar a correspondente prestação jurisdicional. (SARAPU, 2009, p. 65-79). Como se vê, os direitos individuais homogêneos, por razões de conveniência, de economia processual e de política judiciária, não podem – ou pelo menos não devem – ser excluídos dos interesses tutelados pela célere e eficaz via processual da ação civil pública. 4 AÇÃO CIVIL PÚBLICA TRABALHISTA 4.1 Legitimidade A Constituição Federal de 1988 conferiu um elevado status ao Ministério Público. Não é por acaso que, embora sem amparo constitucional ou legal, há quem defenda se tratar de um “quarto poder” da União. Verifica-se que o Ministério Público foi totalmente desvinculado do Poder Judiciário, do Poder Executivo e do Poder Legislativo, tendo sido classificado pela Carta Maior como uma “instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis” (artigo 127, caput da CF/88). O artigo 129, III, da Constituição da República estabelece a legitimidade do Ministério Público para a propositura da ação civil pública com o fim de garantir a “proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos”. Com efeito, ante a ausência de menção no dispositivo mencionado acerca da propositura da ação civil pública para a proteção dos direitos individuais, ainda que homogêneos, conforme salientado no capítulo anterior, há entendimento doutrinário e jurisprudencial no sentido de que não se presta referida ação à defesa desses direitos6. Entretanto, conforme restou demonstrado também, o entendimento majoritário da doutrina e da jurisprudência é no sentido de que, dentre os direitos tutelados pela ação civil pública, encontram-se os individuais homogêneos. Aliás, este entendimento já foi pacificado pela Col. Subseção I Especializada em Dissídios Individuais do Tribunal Superior do Trabalho em recente precedente7. Cumpre salientar que existe previsão legal acerca da legitimidade do Ministério Público na defesa desses interesses, nos termos do artigo 6, VII, “d” da Lei Complementar 75, bem como nos artigo 81, III e 82, do Código de Defesa do Consumidor. Além disso, tendo em vista que os direitos individuais homogêneos são espécies do gênero coletivo, ainda que em sentido lato, o posicionamento no sentido que a ação civil pública não se presta para defesa desses interesses mostra-se totalmente infundado. Com efeito, o artigo 83, III da Lei Complementar 75 de 1993, que dispõe sobre a organização, as atribuições e o estatuto do Ministério Público da União, prevê, dentre as atribuições do Ministério Público do Trabalho, a competência para “promover a ação civil pública no âmbito da Justiça do Trabalho, para defesa de interesses coletivos, quando desrespeitados os direitos sociais constitucionalmente garantidos”. Desta forma, sempre que houver ameaça ou efetiva lesão aos interesses difusos, coletivos ou individuais homogêneos ou ainda, no âmbito da Justiça do Trabalho, sempre que os direitos sociais constitucionalmente assegurados aos trabalhadores forem prejudicados, deve o Ministério Público, como parte integrante do processo, promover a ação civil pública e, assim, garantir a defesa desses direitos. Importante frisar que o Ministério Público do Trabalho não é órgão da Justiça do Trabalho e sim do Ministério Público da União. 6 Neste sentido, insta novamente ressaltar o entendimento do Exmo. Ministro do Tribunal Superior do Trabalho, Ives Gandra da Silva Martins Filho (In A Importância da Ação Civil Pública no Âmbito Trabalhista: 2001) segundo o qual a ação civil pública se presta apenas à defesa dos interesses difusos e coletivos os indivíduos, devendo ser proposta ação civil coletiva na defesa dos interesses individuais homogêneos dos mesmos. E, neste mesmo sentido a i. Ministra do Col. TST, Dora Maria da Costa, quando do julgamento de um Recurso de Revista, entendeu pela impossibilidade da ação civil pública ser proposta na defesa de direitos individuais homogêneos dos trabalhadores - no caso, consistentes na anotação da CTPS e na efetivação do pagamento de rescisão contratual no prazo estabelecido no art. 477, § 6º, da CLT, bem como os depósitos fundiários oriundos dos respectivos contratos de trabalho postulados na condição de verba acessória - argumentando tal impossibilidade no fato de serem seus titulares facilmente individualizados (Proc. nº TST-RR - 1108-1999-00223-00. 3ª Turma, Brasília, 19.09.03). 7 Referido precedente se encontra transcrito no capítulo anterior destinado ao estudo específico dos direitos individuais homogêneos (BRASÍLIA. TST. RR. 411489-59.1997.5.22.5555. Redator Ministro: Lelio Bentes Corrêa. Subseção I Especializada em Dissídios Individuais. Pub. 07.12.2007). Além disso, insta ressaltar que, neste contexto, o Ministério Público não figura como representante dos indivíduos, tampouco como substituto processual. Na verdade, o Ministério Público apenas desempenha uma de suas funções institucionais, agindo em nome próprio, como parte do processo, uma vez que não mais restam dúvidas no sentido de que ao referido órgão é conferida tal legitimidade8. Todavia, não obstante as supramencionadas considerações acerca da legitimidade do Ministério Público para a propositura da ação civil pública e, ainda que ele seja o mais assíduo requerente de proteção aos direitos transindividuais no caso concreto, é certo que a competência para tanto não é privativa deste órgão. Com efeito, a Lei da Ação Civil Pública (Lei 7.347 de 24 de julho 1985) prevê em seu artigo 5º o seguinte: Art. 5o Têm legitimidade para propor a ação principal e a ação cautelar: I - o Ministério Público; II - a Defensoria Pública; III - a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios; IV - a autarquia, empresa pública, fundação ou sociedade de economia mista; V - a associação que, concomitantemente: a) esteja constituída há pelo menos 1 (um) ano nos termos da lei civil; b) inclua, entre suas finalidades institucionais, a proteção ao meio ambiente, ao consumidor, à ordem econômica, à livre concorrência ou ao patrimônio artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico. (BRASIL, 1985). Uma das grandes inovações introduzidas pela Lei 7.347/85 foi a ampliação da liberalização da legitimação ad causam para a ação civil pública (MILARÉ, 1995, p. 224), eis que, além do Ministério Público, que já detinha tal competência, estendeu-se a titularidade ativa dos interesses coletivos a outras entidades que, por conseguinte, também passaram a deter o poder de acionar a atividade jurisdicional na defesa desses direitos. 8 A título de ilustração cumpre transcrever ementa do Col. Tribunal Superior do Trabalho neste sentido: AÇÃO CIVIL PÚBLICA. INTERESSE DO MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO. CLÁUSULA CONVENCIONAL. INTERESSES INDIVIDUAIS INDISPONÍVEIS. No caso, o Ministério Público do trabalho figura no pólo ativo como autor na ação civil pública, defendendo, interesses coletivos individuais e indisponíveis dos trabalhadores. Pretende resguardar o direito dos trabalhadores requerendo a imposição de obrigação de não fazer no sentido de que não seja reinseridanos acordos coletivos cláusula convencional em que o sindicato se compromete a não pleitear horas in itinere por meio de ações coletivas. Verifica-se, outrossim, que os artigos 127e 129, incisos iii e ix, da constituição federal, legitimando o ministério público à defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis a promover a ação civil pública para a proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos e exercer outras funções que forem conferidas, desde que compatíveis com sua finalidade não fazem qualquer restrição à utilização da ação civil pública pelo ministério público do trabalho, sendo que os artigos 81, inciso ii, e 83 da lei nº 8.078/90, também legitimam o ministério público a ajuizar a aludida ação. Da exegese dos artigos constitucionais e infraconstitucionais acima transcritos, conclui-sepelo interesse do ministério público para propor a ação civil pública. Recurso de revista conhecido e provido (BRASÍLIA. TST. RR. 000157-2006042-03-00. Ministro Relator Emmanoel Pereira. 5ª Turma. Pub. 18.12.2009). Neste mesmo sentido, o artigo 82 do Código de Defesa do Consumidor (Lei 8.078 de 11 de setembro de 1990), ao dispor acerca da legitimidade para propositura das ações coletivas, prevê serem competentes para tanto: I - o Ministério Público, II - a União, os Estados, os Municípios e o Distrito Federal; III - as entidades e órgãos da Administração Pública, direta ou indireta, ainda que sem personalidade jurídica, especificamente destinados à defesa dos interesses e direitos protegidos por este código; IV - as associações legalmente constituídas há pelo menos um ano e que incluam entre seus fins institucionais a defesa dos interesses e direitos protegidos por este código, dispensada a autorização assemblear. (BRASIL, 1990). Assim, verifica-se que a legitimação para a propositura da ação civil pública é, de forma concorrente, dos entes enumerados nos referidos diplomas legais, podendo qualquer deles ajuizar a ação independente da presença dos demais, devendo apenas observar se há litispendência, conexão, continência ou coisa julgada. Cumpre ressaltar que, embora a LACP não tenha mencionado os sindicatos entre as entidades legitimadas para a propositura da ação civil pública, a doutrina e a jurisprudência o reconhecem como parte legítima na defesa dos interesses metaindividuais da categoria que representam. Aliás, a própria Constituição Federal de 1988, ao estabelecer em seu artigo 8º, III, que “ao sindicato cabe a defesa dos direitos e interesses coletivos ou individuais da categoria, inclusive em questões judiciais ou administrativas”, afasta qualquer entendimento contrário à legitimidade dos sindicatos para ajuizar ação civil pública na defesa dos interesses dos trabalhadores. Acerca da questão da legitimidade dos sindicatos e associações, por sua complexidade, impõe-se ressaltar que, para que esses entes possam se legitimar na propositura da ação civil pública, é necessário que tenham pertinência temática para a defesa de direitos em sentido amplo. Assim, apenas podem defender sem qualquer providência formal ou de conteúdo os direitos de sua área de sua atuação primária (NERY JUNIOR, 2000, p. 158), devendo demonstrar a pertinência temática em outras áreas, que, segundo Lívia Mendes Moreira Miraglia, “engloba a necessidade e a utilização da demanda judicial e a adequação da ação escolhida”. (MIRAGLIA, 2009, p. 123-137). A justificativa do vínculo exigido entre os interesses das associações e o objeto tutelado é no sentido de que, para se instituir e organizar de forma legítima, as associações precisam definir seu campo de atuação. No que concerne aos sindicatos, estes já possuem por finalidade permanente a defesa judicial dos direitos metaindividuais dos integrantes da categoria profissional por eles representada. A pertinência temática exigida para atuação destes entes sindicais é sobre o objeto tutelado na ação coletiva e os interesses da categoria defendida. De acordo com Nery Junior, na defesa dos interesses individuais homogêneos os sindicatos figuram como substituto processual, ao passo que, na defesa dos direitos difusos e coletivos, o referido ente é dotado de legitimação autônoma para condução do processo (LACP: artigo 5º e CDC: artigo 82). (NERY JUNIOR, 2000, p. 159). Todavia, não obstante a legitimidade de todos os entes enumerados na LACP e no CDC, no âmbito da Justiça do Trabalho a ação civil pública, na maioria das vezes, é proposta pelo Ministério Público do Trabalho, verificando-se poucas exceções em que os Sindicatos também a propõem na defesa dos interesses das categorias por eles representadas. De acordo com Ives Gandra da Silva Martins Filho (MARTINS FILHO, 2010), embora se trate de legitimidade concorrente, o enfoque de atuação do Ministério Público e dos Sindicatos é distinto, uma vez que, enquanto aquele defende a ordem jurídica protetora do trabalhador, estes defendem os trabalhadores protegidos pelo ordenamento jurídico-laboral. Entretanto, é certo que os demais entes legitimados ativos também deveriam atuar de forma mais frequente na defesa dos interesses metaindividuais. Isto porque, sem dúvida, proporcionar-se-ia uma maior efetividade à justiça, além de um maior combate contra as atitudes/atividades lesivas aos interesses da sociedade e/ou dos trabalhadores. Por outro lado, quanto à legitimidade passiva, qualquer pessoa, seja ela física ou jurídica, de direito público ou privado, poderá figurar no pólo passivo da ação civil pública. 4.2 Competência A apreciação da ação civil pública no âmbito da Justiça do Trabalho deve ser analisada de acordo com o critério material, funcional e territorial, para fins de fixação de competência. A competência material é aquela determinada de acordo com a própria natureza da causa. Será a Justiça do Trabalho competente para processar e julgar a ação civil pública que verse sobre direitos trabalhistas. A Constituição Federal de 1967 estabelecia em seu artigo 134, dentre as competências da Justiça do Trabalho, a de “conciliar e julgar os dissídios individuais e coletivos entre empregados e empregadores e as demais controvérsias oriundas de relações de trabalho regidas por lei especial”. Com o advento da Constituição Federal de 1988, mais precisamente com a promulgação da Emenda Constitucional 45/2004, verificou-se uma ampliação da competência da Justiça do Trabalho (artigo 114, I, CF/88)9, na medida em que esta Justiça Especializada passou a ser competente para processar e julgar toda e qualquer lide fundada em relação de trabalho – não mais se restringindo às controvérsias decorrentes de vínculo empregatício. Com efeito, a partir daí, os trabalhadores devem pleitear seus direitos perante a Justiça Laboral, inclusive em se tratando de demandas coletivas, evidentemente desde que a lide decorra de uma relação de trabalho. Além disso, o artigo 83 da Lei Complementar 75/9310, ao dispor sobre a competência do Ministério Público do Trabalho para a propositura da ação civil pública, deixa claro que a referida ação, que versa sobre interesses trabalhistas, deve ser processada e julgada perante a Justiça do Trabalho. Desta feita, para melhor elucidar que tipo de direito metaindividual pode ser discutido numa demanda coletiva trabalhista, a título de exemplo podem-se citar as ações que versam sobre acessibilidade de deficientes físicos no mercado de trabalho, bem como todas as ações discriminatórias por eles eventualmente sofridas, sobre a prática de trabalho escravo, sobre a não observância das normas de defesa da criança e do adolescente nas relações de trabalho ou qualquer outra conduta que importe em ofensa aos direitos dos trabalhadores. É certo ainda que, se a ação civil pública versar sobre violação de direito trabalhista que reflita alto grau de reprovabilidade social, ocasionando uma repulsa da comunidade, ela pode perfeitamente culminar em pena de indenização por dano moral coletivo, uma vez que, ainda que indiretamente, atinge a toda sociedade. 9 Quanto à competência da Justiça do Trabalho para processar e julgar demandas fundadas em relação de trabalho – não emprego, ver p. 20-21 (Capítulo 3). 10 De acordo com o artigo 83 da Lei Complementar 75/93: “Compete ao Ministério Público do Trabalho o exercício das seguintes atribuições junto aos órgãos da Justiça do Trabalho: [...] III - promover a ação civil pública no âmbito da Justiça do Trabalho, para defesa de interesses coletivos, quando desrespeitados os direitos sociais constitucionalmente garantidos” (BRASIL, 1993). No que concerne à competência funcional para apreciação da ação civil pública trabalhista, é hoje pacifico o entendimento no sentido de que possui competência originária a Vara do Trabalho do local onde ocorreu ou deve ocorrer o dano aos interesses coletivos defendidos na demanda. Cumpre ressaltar que se encontra superado o entendimento de que a ação civil pública trabalhista, por versar sobre interesses coletivos, assume feição de Dissídio Coletivo e, por isso, deveria ser julgada originariamente nos Tribunais Regionais ou no próprio Tribunal Superior do Trabalho. Da mesma forma, superado também está o posicionamento no sentido de que seriam as Varas do Trabalho competentes originariamente para apreciação da ação quando o dano fosse local e, os Tribunais Regionais ou do Tribunal Superior do Trabalho, quando se tratasse de dano cuja abrangência fosse regional ou nacional. De acordo com o artigo 2º da Lei 7.347/85, as ações civis públicas devem ser ajuizadas no foro do local onde ocorrer o dano, cujo juízo terá competência funcional para apreciar e julgar a demanda. Na verdade, o referido dispositivo, ao estabelecer o juízo do local do dano como competente para processar e julgar a ação, acabou por eleger dois dos critérios que devem ser simultaneamente aplicados para fixação da competência, quais sejam, o funcional e o territorial. No tocante à competência territorial não restam dúvidas, então, que o foro para processamento da ação civil pública é o local onde ocorreu o dano, sendo que, se este houver ocorrido ocorrer em mais de um local, torna-se prevento o juiz que primeiro tomar conhecimento da ação, nos termos do artigo parágrafo único do artigo 2º da Lei 7.347/85, in verbis: Art. 2º As ações previstas nesta Lei serão propostas no foro do local onde ocorrer o dano, cujo juízo terá competência funcional para processar e julgar a causa. Parágrafo único. A propositura da ação prevenirá a jurisdição do juízo para todas as ações posteriormente intentadas que possuam a mesma causa de pedir ou o mesmo objeto. (BRASIL, 1985). Além disso, no capítulo destinado às ações coletivas para defesa dos interesses individuais homogêneos, o Código de Defesa do Consumidor estabeleceu em seu artigo 93 o seguinte: Art. 93. Ressalvada a competência da Justiça Federal, é competente para a causa a justiça local: I - no foro do lugar onde ocorreu ou deva ocorrer o dano, quando de âmbito local; II - no foro da Capital do Estado ou no do Distrito Federal, para os danos de âmbito nacional ou regional, aplicando-se as regras do Código de Processo Civil aos casos de competência concorrente. (BRASIL, 1990). Neste aspecto, de acordo com o entendimento da doutrina majoritária, a Lei da Ação Civil Pública deve ser aplicada em conjunto com o Código de Defesa do Consumidor, na medida em que estes dois diplomas legais se complementam. Aliás, é a própria Lei 7.347/85 que prevê a possibilidade desta aplicação conjunta ao estabelecer em seu artigo 21 que, no que for cabível, aplicam-se os dispositivos do Título III da lei que instituiu o Código de Defesa do Consumidor, para assegurar a defesa dos direitos e interesses difusos, coletivos e individuais11. No caso concreto, ocorrendo uma lesão aos direitos dos trabalhadores cujos efeitos restrinjam-se a duas comarcas contíguas, que se localizam a uma distância considerável da capital do Estado, seguindo o disposto no artigo 93, I, do CDC, bem como na LACP e no CPC, subsidiariamente aplicável à esfera trabalhista, pelo critério da prevenção, será competente para conhecer e julgar a demanda o juízo que primeiro procedeu à citação válida. Em assim sendo, impõe-se reconhecer que, sob qualquer ângulo que se analisa a questão, a competência originária para processar a ação civil pública será sempre das Varas do Trabalho. Este o entendimento predominante no Col. Tribunal Superior do Trabalho, conforme demonstra a Orientação Jurisprudencial 130 da SbDI-II, in verbis: OJ-SDI2-130 AÇÃO CIVIL PÚBLICA. COMPETÊNCIA TERRITORIAL. EXTENSÃO DO DANO CAUSADO OU A SER REPARADO. APLICAÇÃO ANALÓGICA DO ART. 93 DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. DJ 04.05.2004. Para a fixação da competência territorial em sede de ação civil pública, cumpre tomar em conta a extensão do dano causado ou a ser reparado, pautando-se pela incidência analógica do art. 93 do Código de Defesa do Consumidor. Assim, se a extensão do dano a ser reparado limitar-se ao âmbito regional, a competência é de uma das Varas do Trabalho da Capital do Estado; se for de âmbito supra-regional ou nacional, o foro é o do Distrito Federal. Com efeito, é neste sentido que o Col. TST se posiciona em ações que envolvem matéria relativa à competência para processar a ação civil pública trabalhista, levando-se em consideração, nos termos do artigo 93 do CDC, a extensão do dano, conforme demonstram ementas a seguir: 11 Dispõe o artigo 21 da Lei 7.347/85: “Aplicam-se à defesa dos direitos e interesses difusos, coletivos e individuais, no que for cabível, os dispositivos do Título III da lei que instituiu o Código de Defesa do Consumidor”. CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. DANO DE ÂMBITO REGIONAL. COMPETÊNCIA TERRITORIAL DE UMA DAS VARAS DO TRABALHO DA CAPITAL DO ESTADO. CONTRATAÇÃO POR INTERPOSTA PESSOA, ALICIAMENTO DE TRABALHADORES E DESCUMPRIMENTO DE NORMAS DE SEGURANÇA E HIGIENE DO TRABALHO. Conforme a Orientação Jurisprudencial 130 da SBDI-2, a competência territorial em sede de ação civil pública define-se pela extensão do dano causado ou a ser reparado. Se a extensão do dano a ser reparado limitar-se ao âmbito regional, a competência é de uma das Varas do Trabalho da Capital do Estado, conforme incidência analógica do art. 93 do Código de Defesa do Consumidor. Nas ações civis públicas que tenham como pretensão a abstenção na contratação de trabalhadores por interposta pessoa, a abstenção de aliciamento de trabalhadores em outros locais do território nacional, e o cumprimento do dever de segurança e higiene do trabalho como finalidade ao combate da prática de exploração de trabalho degradante e em condições análogas à de escravo em que se noticia a existência de alojamentos e meios de transportes sem condições dignas humanas, não se desloca a competência para uma das Varas do Trabalho do Distrito Federal, quando as irregularidades noticiadas e, portanto, a extensão do dano, limitam-se ao âmbito de atuação do empregador, que, no caso, restringem-se aos municípios mineiros de Iturama, Limeira do Oeste e Campo Florido. Logo, uma vez constado que, no caso, o dano não excede a jurisdição do TRT da 3ª Região, seu âmbito não é nacional, e sim regional, tanto que as empresas pertencentes ao grupo econômico ligadas ao fato, bem como as empresas ditas fornecedoras, estão situadas nos municípios de Iturama, Limeira do Oeste e Campo Florido, todos localizados no Estado de Minas Gerais. Declara-se a incompetência das Varas do Trabalho de Brasília/DF para o julgamento do feito e competentes as Varas do Trabalho da Capital do Estado em que o dano ocorreu, nos termos dos arts. 2º e 21 da Lei 7.347/85 e 93 Lei 8.078/90 e OJ 130 da SBDI-2 do TST. Conflito negativo de competência julgado procedente, para declarar a competência da 20ª Vara do Trabalho de Belo Horizonte/MG, que se encontra preventa (BRASÍLIA. TST. CC. 200641.2008-000-00-00. Ministro Relator: José Simpliciano Fontes de F. Fernandes. SDI-II. Pub. 10.03.2009). CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA EM RAZÃO DO LUGAR. AÇÃO CIVIL PÚBLICA AJUIZADA PERANTE UMA DAS VARAS DO TRABALHO DA CAPITAL DE ESTADO. EXTENSÃO DO DANO DE ÂMBITO SUPRAREGIONAL. COMPETÊNCIA TERRITORIAL DA VARA DO DISTRITO FEDERAL. No caso, o Ministério Público do Trabalho ajuizou ação civil pública perante a 2ª Vara do Trabalho de Goiânia, buscando a condenação dos réus (o sindicato obreiro e algumas empresas de Goiás e Brasília) à obrigação de se absterem de inserir, no futuro, em contratos coletivos, cláusulas que estipulem desconto de contribuição assistencial nos salários dos empregados não associados. A teor da Orientação Jurisprudencial nº 130 da SBDI-2, a 2ª Vara do Trabalho de Goiânia, capital do Estado de Goiás revela-se incompetente para o seu julgamento, pois, em se tratando de ação civil pública, a competência territorial é fixada levandose em conta da extensão do dano causado ou a ser reparado, pautando-se pela incidência analógica do art. 93 do Código de Defesa do Consumidor. Como no caso a extensão do dano teria âmbito supra-regional, pois não atingiria apenas os empregados das empresas rés situadas no Estado de Goiás, mas também os trabalhadores vinculados às empresas rés sediadas em Brasília, a competência é de uma das Varas do Trabalho do Distrito Federal. Pouco influi a informação do parquet de que a investigação referente à prática indiscriminada dos descontos a título de contribuição assistencial transcorreu no Estado de Goiás, mediante a instauração de inquérito civil público, uma vez que, tendo a ação sido proposta também contra empresas situadas em Brasília, os danos que se objetiva coibir não se limitariam à área em que ocorreram as investigações, de modo que aqueles fatos apurados, ao que tudo indica, extrapolariam a região de Goiás. Conflito negativo de competência julgado improcedente, para declarar a competência da 17ª Vara do Trabalho de Brasília/DF. (BRASÍLIA. TST. CC. 170061.2006-000-00-00. Ministro Relator: Renato de Lacerda Paiva. SBDI-II. Brasília. Pub. 13.02.2007). Desta forma, conforme entendimento majoritário, a regra constante no artigo 93 do CDC é perfeitamente aplicável ao Processo do Trabalho para fins de fixação de competência no que concerne à apreciação e julgamento da ação civil pública trabalhista. 4.3 Processamento Embora existam no ordenamento jurídico brasileiro leis que estabelecem a competência, a legitimidade e o cabimento da ação civil pública no âmbito da Justiça do Trabalho, é certo que na esfera processual trabalhista não há previsão específica acerca do procedimento e processamento da ação civil pública proposta na defesa dos interesses difusos, coletivos e individuais homogêneos dos trabalhadores em face de dano ou ameaça de dano oriundo de uma relação laborativa. Assim sendo, para compreender a sistemática da ação civil pública na esfera trabalhista, devem ser analisadas as disposições constantes nas leis que tratam da matéria, seja a própria Constituição Federal de 1988, a LACP, o Código de Defesa do Consumidor ou até mesmo a Lei Orgânica do Ministério Público da União na parte em que dispõe acerca do Ministério Público do Trabalho e, subsidiariamente, o Código de Processo Civil. Isto porque, além da Consolidação das Leis do Trabalho prever a possibilidade de aplicação subsidiária do CPC, a própria lei que disciplina a ação civil pública não adotou um procedimento específico, estabelecendo em seu artigo 19 a aplicação do Código de Processo Civil naquilo em que não contrarie suas disposições. E, no tocante ao mencionado artigo 19 da LACP, comenta Mancuso: a) trata-se de lei especial, que poderíamos chamar de ‘processual-extravagante’, na medida em que instrumentaliza a ação de responsabilidade ‘por danos morais e patrimoniais’ causados aos interessados metaindividuais arrolados no art. 1º, da Lei 7.347/85, com abertura para outros, como deixa claro o inc. IV desse artigo [...]; b) justifica-se a remissão e a aplicação subsidiária do Código de Processo Civil, porque a Lei 7.347/85, embora de caráter predominantemente processual, não dispôs acerca de tópicos relevantes, como o pedido, a resposta, a revelia, o julgamento antecipado, etc. (MANCUSO, 1997, p. 63-64). Como se sabe, a propositura da ação civil pública trabalhista tem por objetivo assegurar a responsabilização do infrator, na maioria das vezes o empregador, por danos causados aos interesses metaindividuais dos trabalhadores. Assim, a petição inicial deve ser ajuizada perante o Juiz competente instruída com todas as provas necessárias ao deslinde da questão. Além disso, nos termos do artigo 12 da Lei 7.347/85, o juiz poderá conceder mandado de liminar, do qual caberá agravo, inclusive, com pedido de sua suspensão “para evitar grave lesão à ordem, à saúde, à segurança e à economia pública” (artigo 12, §1º da LACP). E assim, o Presidente do Tribunal poderá, em decisão fundamentada, suspender a execução da referida liminar, podendo esta decisão ser atacada mediante agravo regimental. Por outro lado, a decisão que deferir a liminar de suspensão poderá cominar multa pecuniária para o caso de descumprimento da ordem emanada, sendo esta devida desde o dia em que se verificar o descumprimento. Todavia, será exigível tão-somente após o trânsito em julgado da ação. Neste aspecto, embora haja divergência jurisprudencial, o entendimento acerca da exigibilidade da multa cominada na ação civil pública, nos termos acima exposto, foi embasado no que estabelece o artigo 12, § 2º, da Lei da Ação Civil Pública, segundo o qual: “a multa cominada liminarmente só será exigível do réu após o trânsito em julgado da decisão favorável ao autor, mas será devida desde o dia em que se houver configurado o descumprimento”. Quanto ao prazo para contestação, tendo em vista a aplicação subsidiária do Código de Processo Civil ao instituto da ação civil pública, este será de 15 dias ou, em quádruplo, caso o réu seja pessoa jurídica de direito público (artigo 297 c/c 188 do CPC). E ainda, estabelece o artigo 17 da LACP que “em caso de litigância de má-fé, a associação autora e os diretores responsáveis pela propositura da ação serão solidariamente condenados em honorários advocatícios e ao décuplo das custas, sem prejuízo da responsabilidade por perdas e danos”. Acrescenta-se que, nos termos do artigo 18 da Lei 7.347/85, na ação civil pública “não haverá adiantamento de custas, emolumentos, honorários periciais e quaisquer outras despesas, nem condenação da associação autora, salvo comprovada má-fé, em honorários de advogado, custas e despesas processuais”. Por outro lado, não obstante o processamento da ação civil publica trabalhista ser o mesmo previsto para a ação civil pública proposta no âmbito da Justiça Comum, de acordo com José Janguiê Bezerra Diniz: [...] no Direito do Trabalho, de maneira análoga ao que ocorre com outros institutos típicos do Direito comum, o rito processual da ação civil pública trabalhista sofrerá influências do Processo do Trabalho, renovando-se, a cada audiência, a proposta de acordo, tendo em vista a função conciliatória desta Justiça Especializada. (DINIZ, 2004, p. 299). Quanto ao rito aplicável na ação civil pública, dependendo do valor da causa e tendo em vista que não há qualquer impedimento legal neste sentido, entende-se que tanto o ordinário como o sumaríssimo são passíveis de adoção, principalmente considerando que não há diferenças substanciais entre eles. 4.4 Sentença A princípio, a leitura da Lei 7.347/85, mais especificamente de seu artigo 3º, segundo o qual a “ação civil poderá ter por objeto a condenação em dinheiro ou o cumprimento de obrigação de fazer ou não fazer”, remete à conclusão de que a sentença neste tipo de ação coletiva possui natureza exclusivamente cominatória. Entretanto, com a promulgação do Código de Defesa do Consumidor, verificou-se uma ampliação da natureza da sentença proferida na ação civil pública. Isto porque a Lei 7.347/85 estabeleceu em seu artigo 21 a aplicação, no que for cabível, dos dispositivos constantes no CDC no que concerne à defesa dos direitos e interesses difusos, coletivos e individuais homogêneos e, com isso, não há mais restrição para o cabimento de ação civil pública com finalidade diversa daquela especificada no artigo 3º da LACP. Com efeito, estabelece o artigo 83 do CDC, plenamente aplicável à espécie, que: “para a defesa dos direitos e interesses protegidos por este código são admissíveis todas as espécies de ações capazes de propiciar sua adequada e efetiva tutela”, ou seja, na defesa dos interesses metaindividuais através da interposição de ação civil pública, admitem-se quaisquer ações de conhecimento, cautelares e de execução. Desta forma, embora na ação civil pública, na maioria das vezes, o ato decisório tenha natureza condenatória, não restam dúvidas no sentido de que a sentença nela proferida, inclusive no âmbito da Justiça do Trabalho, poderá ser de natureza condenatória, constitutiva, declaratória, mandamental e executiva, variando de acordo com o que foi pleiteado pelo autor. Cumpre salientar que, de acordo com o artigo 11 da Lei 7.347/85, “na ação que tenha por objeto o cumprimento de obrigação de fazer ou não fazer, o juiz determinará o cumprimento da prestação da atividade devida ou a cessação da atividade nociva, sob pena de execução específica, ou de cominação de multa diária, se esta for suficiente ou compatível, independentemente de requerimento do autor”. Corroborando este dispositivo, o artigo 84, §4º, da Lei 8.078/90 prevê a possibilidade do juiz, na sentença, impor multa diária ao réu, ainda que não haja pedido do autor neste sentido, se for suficiente ou compatível com a obrigação, determinando, para tanto, prazo razoável para o cumprimento da ordem emanada. Com efeito, no tocante à mencionada multa diária imposta na sentença, também chamada astreintes, Francisco Antônio de Oliveira diz que: [...] funcionam como espécie de incentivo ao cumprimento da obrigação pelo inadimplente recalcitrante. Deverá, pois, o julgador, em sendo a hipótese, a pedido da parte ou mesmo de ofício, aplicar as astreintes, dando prazo razoável para que a parte cumpra a determinação. As astreintes funcionam como uma espécie de “queda-de-braço”: a sua pressão é tamanha que o recalcitrante irá pensar duas vezes antes de descumprir a decisão. (OLIVEIRA, 2003, p. 249). 4.4.1 Efeitos da coisa julgada Entende-se por coisa julgada formal o fenômeno que faz com que uma sentença se torne imutável dentro do mesmo processo em que foi prolatada, tendo sido esgotados todos os meios de impugnação por decurso do prazo para sua interposição ou por terem sido tempestivamente utilizados e julgados. Já a coisa julgada material consiste na imutabilidade do conteúdo da sentença de mérito no processo em que foi proferida ou em outro processo. Assim, conforme previsto no artigo 467 do Código de Processo Civil: “denomina-se coisa julgada material a eficácia, que torna imutável e indiscutível a sentença não mais sujeita a recurso ordinário ou extraordinário”. De acordo com o artigo 16 da Lei da Ação Civil Pública: Art. 16. A sentença civil fará coisa julgada erga omnes, nos limites da competência territorial do órgão prolator, exceto se o pedido for julgado improcedente por insuficiência de provas, hipótese em que qualquer legitimado poderá intentar outra ação com idêntico fundamento, valendo-se de nova prova. (BRASIL, 1985). O artigo 103 do Código de Defesa do Consumidor, aplicável à espécie por força do artigo 21 da Lei 7.347/85, ao dispor acerca da coisa julgada nas ações coletivas, evidentemente incluindo dentre elas a ação civil pública, estabeleceu o seguinte: Art. 103. Nas ações coletivas de que trata este código, a sentença fará coisa julgada: I - erga omnes, exceto se o pedido for julgado improcedente por insuficiência de provas, hipótese em que qualquer legitimado poderá intentar outra ação, com idêntico fundamento valendo-se de nova prova, na hipótese do inciso I do parágrafo único do art. 81; II - ultra partes, mas limitadamente ao grupo, categoria ou classe, salvo improcedência por insuficiência de provas, nos termos do inciso anterior, quando se tratar da hipótese prevista no inciso II do parágrafo único do art. 81; III - erga omnes, apenas no caso de procedência do pedido, para beneficiar todas as vítimas e seus sucessores, na hipótese do inciso III do parágrafo único do art. 8112. (BRASIL, 2007). Como se vê, tanto no caso de procedência quanto no de improcedência da decisão, se a ação civil pública tiver por objeto a tutela de interesses difusos, à sentença será atribuído o efeito erga omnes, exceto se a improcedência se der por insuficiência de provas, quando, então, qualquer legitimado poderá propor outra ação, desde que fundada em novas provas. Se a ação civil pública for proposta para defesa de interesses coletivos, a sentença, após a coisa julgada, adquire o efeito de ultra partes, exceto se a ação for julgada improcedente por motivo de insuficiência de provas. Desta forma, os efeitos da sentença prolatada atingem apenas os integrantes do grupo, categoria ou classe que sofreu o dano – ou a ameaça de dano. Os legitimados, em qualquer hipótese, poderão intentar nova ação instruída por outros elementos de prova. A sentença proferida na defesa dos interesses coletivos não beneficiará os autores das ações individuais, se eles não requererem sua suspensão no prazo de trinta dias, a contar da data que tomou ciência do ajuizamento da ação coletiva. Nos termos do artigo 103, §1º, do CDC, a ação civil pública intentada para defesa de direitos difusos e coletivos não prejudicarão os interesses dos integrantes do grupo, categoria ou classe, sendo que, de acordo com Eduardo Henrique Raymundo von Adamovich, tal dispositivo não está a assegurar a repropositura da mesma ação coletiva, uma vez que ela, “naquilo que tem de transindividual, difuso ou coletivo, está fulminada pela coisa julgada material e não pode voltar a ser discutida”. (ADAMOVICH, 2005, p. 427-428). 12 Estabelece o artigo 81 do CDC: “Art. 81. A defesa dos interesses e direitos dos consumidores e das vítimas poderá ser exercida em juízo individualmente, ou a título coletivo. Parágrafo único. A defesa coletiva será exercida quando se tratar de: I - interesses ou direitos difusos, assim entendidos, para efeitos deste código, os transindividuais, de natureza indivisível, de que sejam titulares pessoas indeterminadas e ligadas por circunstâncias de fato; II - interesses ou direitos coletivos, assim entendidos, para efeitos deste código, os transindividuais, de natureza indivisível de que seja titular grupo, categoria ou classe de pessoas ligadas entre si ou com a parte contrária por uma relação jurídica base; III - interesses ou direitos individuais homogêneos, assim entendidos os decorrentes de origem comum”. Por outro lado, caso o objeto da ação seja tutelar interesses individuais homogêneos, apenas se houver procedência do pedido, para que sejam beneficiadas todas as vítimas e seus sucessores, o efeito da coisa julgada será erga omnes. Neste caso, se a ação civil pública for julgada improcedente a sentença, só produz efeitos para os litigantes. Ainda que o artigo 103, III, do CDC seja omisso quanto a possibilidade de ajuizamento de nova ação civil pública, tendo sido a anterior julgada improcedente, é razoável o entendimento de que, em consonância com o estabelecido para as ações que tutelem interesses difusos e coletivos, apenas poderá ser intentada nova ação com idêntico fundamento, neste caso, se fundada em novas provas. E ainda, a exemplo do que ocorre na defesa dos interesses coletivos, a sentença proferida na defesa dos interesses individuais homogêneos não beneficiará os autores das ações individuais, se eles não requererem sua suspensão no prazo de trinta dias, a contar da data que tomou ciência do ajuizamento da ação coletiva. (PIMENTA, 2009, p. 56). E, por fim, após o breve estudo do instituto da ação civil pública, cumpre tecer algumas considerações acerca da condenação em que ela pode resultar. De acordo com o disposto no artigo 1º da Lei 7.347/85, a ação civil pública pode ser entendida como ação reparatória ou inibitória13 de danos - ou ameaças de danos, patrimoniais ou morais, causados aos interesses difusos, coletivos ou individuais homogêneos. E, na Justiça do Trabalho, é proposta para defesa desses mesmos interesses, desde que pertinentes à relação trabalhista. Assim, quando restar comprovada a ocorrência de lesão patrimonial aos direitos dos mesmos será o responsável obrigado a reparar o dano causado, encerrando a atividade danosa e/ou indenizando os lesados na proporção do agravo. O cerne da questão é a possibilidade da configuração de dano moral aos trabalhadores em razão da lesão por eles sofrida. Assim, questiona-se quando restará provado o prejuízo de ordem moral no âmbito de um grupo, categoria ou classe determinada, determinável ou indeterminada. Neste contexto, o presente estudo tem por objeto não apenas elucidar o instituto da ação civil pública, mas também compreender as condições/situações em que seu provimento final possa culminar em indenização por dano moral, questionando-se como seria admissível a 13 De acordo com o i. professor e Desembargador do Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região, Luiz Otávio Linhares Renault, “na esfera da tutela reparatória, poderíamos citar a pretensão declaratória de nulidade de todos os contratos de trabalho celebrados ilegalmente, com a condenação do órgão público ao pagamento das parcelas trabalhistas” e “no âmbito da tutela inibitória, a par da obrigação de não contratar servidores sem concurso público, emergiria a condenação na obrigação de realização de concurso público para o preenchimento de vagas”. RENAULT. L. O. L. Tutela metaindividual: por quê? Por que não? In: PIMENTA, José Roberto Freire; BARROS, Juliana Augusta Medeiros de; FERNANDES, Nádia Soraggi (coords). Tutela Metaindividual Trabalhista: A Defesa Coletiva dos Direitos dos Trabalhadores em Juízo. São Paulo: LTr, 2009. p. 51-64. configuração deste dano numa ação coletiva, com todas as suas peculiaridades e controvérsias. Assim sendo, faz-se necessária uma melhor análise do instituto do dano moral para que, de fato, seja compreendida a possibilidade de sua configuração de forma coletiva na esfera condenatória da ação civil pública trabalhista. 5 INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL COLETIVO Frequentemente observa-se nas ações civis públicas trabalhistas pedido de condenação do réu ao pagamento de indenização por danos morais coletivos que, em tese, é devido em face de um prejuízo de ordem moral causado a um grupo determinado, determinável ou indeterminado de trabalhadores, ligados entre si, ou com a parte contrária, por uma relação jurídica ou de fato. Pensando no dano moral reparável como aquele causado pela subversão ilícita de valores subjetivos ligados à dignidade que são tão caros à pessoa e nela provoca um sofrimento íntimo e profundo, acompanhado do sentimento de angustia e indignação, como é possível a configuração do dano moral coletivo? Deve-se entender que este tipo de condenação é indevida por ter caráter eminentemente personalíssimo? Ou seria admissível por ser, na verdade, fruto do desenvolvimento de um conceito de direito pró-sociedade? Para entender a configuração do dano moral coletivo no instituto da ação civil pública trabalhista impõe-se analisar o dano moral, enquanto sentimento subjetivo e personalíssimo exclusivamente ligado à esfera íntima de um indivíduo até o seu peculiar desdobramento de forma a abranger o sentimento de uma coletividade indivisível que, no contexto de uma sociedade de massificação das relações de trabalho, a transindividualidade do dano de ordem moral é perfeitamente aceitável. 5.1 Dano Moral A Constituição Federal de 1988 garantiu ao princípio da dignidade da pessoa humana uma posição de destaque, inserindo-o dentre os princípios fundamentais da República Federativa do Brasil e impondo sua observância obrigatória de forma a nortear todas as relações estabelecidas entre os indivíduos. A proteção da pessoa humana, substituindo a plena garantia da liberdade individual e a autonomia privada, demonstra claramente a transformação ocorrida na consciência moral da sociedade. A garantia ao respeito e a proteção à dignidade da pessoa humana, na medida em que visam assegurar um tratamento não-degradante aos indivíduos, não conduz em exclusivamente à proteção da integridade física do homem, abrangendo também sua integridade moral. Em outras palavras, o valor da dignidade da pessoa humana alcança todas as esferas da ordem jurídica, manifestando-se no princípio da igualdade, da integridade psicofísica, da liberdade e da solidariedade social, figurando como cláusula geral da tutela da pessoa. Neste aspecto, de acordo com Maria Celina Bodin de Moraes: Ao optar por fazer decorrer o dano moral dos sentimentos de dor e humilhação, das sensações de constrangimento ou vexame, teve a jurisprudência acertada intuição acerca de sua real natureza jurídica. Normalmente, o que nos humilha, ofende, constrange. O que nos magoa profundamente, é justamente o que fere a nossa dignidade. O dano moral tem como causa a injusta violação a uma situação jurídica subjetiva extrapatrimonial, protegida pelo ordenamento jurídico através da cláusula geral de tutela da personalidade que foi instituída e tem como fonte a Constituição Federal, em particular e diretamente decorrente do princípio (fundante) da dignidade da pessoa humana (também identificado com o princípio geral de respeito à dignidade humana). (MORAES, 2003, p. 133). Além disso, dentre os direitos e garantias fundamentais do cidadão, no capítulo dos direitos e deveres individuais e coletivos, o artigo 5º, incisos V e X, da CR/88 estabelece, respectivamente, que a todos os brasileiros e estrangeiros residentes no país “é assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da indenização por dano material, moral ou à imagem” e que “são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação”. Assim sendo, é inegável a plena reparabilidade dos danos morais no contexto do Direito brasileiro. Com efeito, o dano moral pode ser entendido como um ato antijurídico que atenta contra valores extrapatrimoniais ligados à esfera da personalidade do indivíduo ofendido, sendo que sua caracterização enseja reparação de ordem pecuniária. Ainda de acordo com a lição de Moraes, o dano moral é aquele que: [...] independentemente de prejuízo material, fere direitos personalíssimos, isto é, todo e qualquer atributo que individualiza cada pessoa, tal como a liberdade, a honra, a atividade profissional, a reputação, as manifestações culturais e intelectuais, entre outros. O dano é ainda considerado moral quando os efeitos da ação, embora não repercutam na órbita de seu patrimônio material, originam angústia, dor, sofrimento, tristeza, humilhação à vítima, trazendo-lhe sensações e emoções negativas. (MORAES, 2003, p. 157). Já para Carlos Alberto Bittar: Danos morais são aqueles atributos valorativos ou virtudes da pessoa como ente social integrado à sociedade, vale dizer, os elementos que o individualizam como ser, de que se destacam a honra, a reputação e as manifestações do intelecto. Qualificam-se como morais os danos em razão da subjetividade, ou do plano valorativo da pessoa na sociedade em que repercute o fato violador. Assim, os danos morais plasmam-se, no plano fático, como lesões às esferas da personalidade humana situadas no âmbito do ser como entidade pensante, reagente a atuação nas interações sociais. (BITTAR, 1993, p. 293). E, para a configuração do dano moral, segundo Xisto Tiago de Medeiros Neto, “não há de se exigir do lesado a demonstração de que efetivamente sofreu, ou ainda sofre, efeitos danosos, já que a percepção deles emana da própria violação”. (MEDEIROS NETO, 2007, p. 62). Assim, a ocorrência do dano é presumida não tendo que ser comprovado o prejuízo ou repercussão negativa do mesmo na vida do indivíduo. E ainda, de acordo com o referido autor: O tema não comporta hesitação na seara jurisprudencial, constituindo posição corrente no Superior Tribunal de Justiça a de que a prova do dano moral se satisfaz, em regra, com a demonstração do fato que o ensejou, decorrendo, destarte, que para o reconhecimento do dano extrapatrimonial não se exige a prova do desconforto, da dor ou da aflição, que são admitidos através de um juízo de experiência. (MEDEIROS NETO, 2007, p. 63). No tocante à esfera trabalhista, João Oreste Dalazen conceitua o dano moral como: [...] o agravo ou o constrangimento moral inflingido quer ao empregado, quer ao empregador, mediante violação a direitos ínsitos à personalidade, como consequência da relação de emprego. (DALAZEN, 2000, p. 07). E, levando-se em consideração que o contrato de trabalho vincula, pelo menos em princípio, dois sujeitos em condições discrepantes, uma vez que, de um lado, encontra-se o empregador, detentor dos meios de produção, investido de poder diretivo, disciplinar e fiscalizatório e, de outro, o empregado que detém apenas sua força de trabalho, necessitando do salário para satisfazer suas necessidades vitais, muitas vezes se submetendo aos abusos, constrangimentos e outras condições desumanas impostas pelo empregador, sem dúvida, é no Direito do Trabalho que o dano moral se configura com muito mais clareza e intensidade. Assim, a indenização por dano moral atualmente é uma imposição constitucional da qual não está excluído o Direito do Trabalho, sendo certo ainda que nele esta imposição combina mais do que com qualquer outra disciplina jurídica. Segundo Vasquez Vialard: Se em algum âmbito do direito o conceito de ‘dano moral’ pode ter alguma aplicação é, precisamente, no do trabalho. A razão da ‘subordinação’ a que está sujeito o trabalhador na satisfação de seu débito leva a que a atuação da outra parte , que dirige essa atividade humana, possa menoscabar a faculdade de atuar que diminui ou até frustra totalmente a satisfação de um interesse não patrimonial. Uma das finalidades fundamentais do direito do trabalho é assegurar o respeito da dignidade do trabalhador, pelo que a lesão que em tal sentido lhe inflija exige uma ‘reparação’, quer entendida esta expressão em sentido lato da pena. (VIALARD apud João Carlos de Lima, 2004. p. 97). Das relações de trabalho é possível constatar inúmeros exemplos de situações que geram danos extrapatrimoniais ao obreiro, dando-lhe, por conseguinte, direito à reparação mediante pagamento de indenização por danos morais. A título de exemplo, pode-se citar o caso de assédio sexual no ambiente de trabalho que, segundo Mauro Vasni Paroski (2006, p. 107), é uma conduta de natureza sexual não desejada e continuamente reiterada de forma a cercear a liberdade individual, podendo ser configurada por chantagem ou intimidação. Para Paroski o assédio sexual, enquanto um problema trabalhista gera consequências nocivas ao empregado, estando muitas vezes relacionado à própria obtenção ou manutenção do emprego, ou de benefícios gerados pelo contrato de trabalho ou ainda, quando há resistência por parte do assediado, pode criar um clima de total intranquilidade, hostilidade e agressividade, levando a um imensurável sofrimento e constrangimento da vítima, influenciando diretamente na sua carreira profissional e nas suas condições de emprego. E, por isso, o assédio sexual pode ser considerado causa de rescisão indireta do contrato de trabalho, principalmente se levado em consideração que uma das principais obrigações do empregador é zelar pela segurança e decência no local de trabalho, devendo preservar a vida privada do empregado, sendo certo que um ato lesivo à honra do mesmo pode resultar em sequelas de ordem psíquica. Vários outros exemplos podem ensejar a reparação por dano moral no âmbito da Justiça do Trabalho, o assédio moral, por exemplo, bem como a discriminação por motivo de cor, raça, idade, sexo, doença, deficiência ou qualquer outro tipo de preconceito, informações desabonatórias da conduta do empregado em sua CTPS, as transferências abusivas, revista pessoal, acidentes de trabalho, injuria, calúnia, difamação pertinentes à atividade laborativa, dispensa fundada em falsa justa causa, trabalho em condições análogas a de escravo ou quaisquer outros constrangimentos que viole valores subjetivos da honra, dignidade e integridade física e psíquica do trabalhador. Em síntese, a indenização por dano moral sofrido pelo empregado, no âmbito da Justiça do Trabalho, pressupõe um ato ilícito, consubstanciado em erro de conduta ou abuso de direito praticado pelo empregador ou por preposto seu, um prejuízo suportado pelo ofendido, com subversão ilícita de um dos seus valores acima mencionados, um nexo de causalidade entre a conduta injurídica do primeiro e o dano experimentado pelo último14. Assim, basta que da conduta ilícita do empregador advenha um dano que se evidencie atentatório à honra subjetiva do trabalhador para que esteja configurado dano moral trabalhista. Cumpre ressaltar que o fato do dano moral constatado ser ou não reparável é matéria de mérito, que deve ser analisada no caso concreto de acordo com a oportunidade, conveniência e bom-senso do julgador que, com base nas provas produzidas nos autos, irá mensurar o grau de reprovabilidade da conduta do empregador, a intensidade do sofrimento do ofendido, a gravidade, natureza e repercussão da ofensa e, se for o caso, fixar o quantum debeatur condizente com o agravo. Por outro lado, tendo em vista que o dano moral atinge valores relacionados à personalidade do indivíduo, há quem não admita a possibilidade do referido dano atingir um grupo de pessoas, todavia essa visão um tanto quanto retrógrada deve ser superada pelos fatos e fundamentos a seguir explanados, que demonstrarão ser perfeitamente possível que a ação civil pública interposta na defesa dos interesses dos trabalhadores resulte em condenação ao pagamento de indenização por danos morais coletivos. 5.2 Dano Moral Coletivo 14 A idéia central deste parágrafo que visa sinteticamente estabelecer como se configura o dano moral no âmbito da Justiça do Trabalho foi retirada de um acórdão do Eg. Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região (013192008-113-03-00-6-RO) cujo Desembargador Relator José Roberto Freire Pimenta, vencido neste aspecto, entendeu pela exclusão da condenação por dano moral, por entender a d. maioria da 5ª Turma pela ausência de abuso ou conduta discriminatória da reclamada que, ao restringir o uso do banheiro aos seus empregados, exigindo-lhes explicações quando o tempo estipulado era extrapolado, encontra-se dentro do poder diretivo conferido ao empregador. Em razão do caráter pessoal, subordinado e duradouro da prestação laborativa, o Direito do Trabalho confere especial dimensão à tutela da personalidade do trabalhador, evidentemente naquilo em que esteja relacionado ao trabalho/serviço por ele prestado. Sempre que se verificar injusta lesão aos direitos metaindividuais socialmente relevantes para a sociedade, restará configurado o dano moral coletivo. Assim, se a ofensa advinda de uma relação de fato ou jurídica atingir a esfera moral de grupo, classe, categoria ou até mesmo de uma comunidade indeterminada de trabalhadores, causando-lhes sentimento de desagrado, repúdio, constrangimento ou qualquer sofrimento psicofísico, configurado estará o dano moral trabalhista em sua dimensão coletiva. Com efeito, na definição de Xisto Tiago de Medeiros Neto: O dano moral coletivo corresponde à lesão injusta e intolerável a interesse ou direitos titularizados pela coletividade (considerada em seu todo ou em qualquer das usas expressões – grupos, classes ou categorias de pessoas), os quais possuem natureza extrapatrimonial, refletindo valores e bens fundamentais para a sociedade. (MEDEIROS NETO, 2007, p. 137). E, de acordo com Mauro Schiavi, a reparação por dano moral coletivo tem por objetivo “prevenir a eclosão dos danos morais individuais, facilitar o acesso à justiça, à ordem jurídica justa, garantir a proteção da moral coletiva e da própria sociedade”. (SHIAVI, 2008, p. 782). Segundo Schiavi (2008, p. 782), o fundamento para reparação do dano moral coletivo encontra-se no artigo 5º, X, da CF/88, que ao estabelecer serem “invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação”, ao mencionar “pessoas” no plural, está prevendo a possibilidade do dano moral transcender a esfera individual e atingir o interesse da coletividade. Argumenta com o fato de que não haveria na lei palavras inúteis, devendo ser interpretada à luz do princípio da máxima eficiência. Conforme já dito, o artigo 81 do Código de Defesa do Consumidor enumera e conceitua os interesses transindividuais. Com efeito, quando ocorre um dano extrapatrimonial decorrente de uma relação de trabalho a quaisquer destes interesses estar-se-á diante de um dano moral coletivo trabalhista. A indenização por dano moral coletivo visa reparar o corpo social e, ao mesmo tempo, servir de desestímulo a novas agressões. De acordo com Arion Sayão Romita pode-se entender por dano moral coletivo: [...] aquele que decorre da violação de direitos de certa coletividade ou a ofensa a valores próprios dessa mesma coletividade, como sucede, por exemplo, com a crença religiosa, o sentimento de solidariedade eu vincula os respectivos membros, a repulsa a atos de discriminação contra membros da coletividade ou do próprio grupo, como tal. (ROMITA, 2007, p. 41). Assim, ao contrário do que afirma Sérgio Pinto Martins (MARTINS apud Mauro Schiavi: 2008, p. 782), que entende não ser possível o pagamento de indenização por dano moral coletivo ao argumento de que, além de não existir previsão legal neste sentido, “cada um dos empregados ofendidos pode pedir a indenização por dano moral, o que implicaria à empresa pagar duas vezes a indenização pelo mesmo fato: uma, no dano moral coletivo; a outra, em cada caso individual, representando bis in idem”, o dano moral coletivo não pode ser entendido como um somatório dos direitos individuais, haja vista que a reparação visa tutelar a sociedade por um dano extrapatrimonial causado a ela – por isso não que se falar em bis in idem. Vale dizer ainda que, muito embora não exista normatização específica do Direito brasileiro acerca da questão, no âmbito da Justiça do Trabalho, verifica-se cada vez mais na doutrina e na jurisprudência a tendência a apenação de empresas em danos morais coletivos em razão de infringência a direitos sociais indisponíveis, individuais homogêneos, coletivos e difusos. Cumpre ressaltar que não há previsão específica de ressarcimento do dano moral coletivo na esfera trabalhista, mas, na legislação infraconstitucional, mais precisamente no artigo 6º, VI do 8.078/90, dispõe-se claramente que são direitos básicos do consumidor: “a efetiva prevenção e reparação de danos patrimoniais e morais, individuais, coletivos e difusos”. E, como se sabe, a aplicação do CDC na esfera trabalhista é plenamente viável uma vez que a Consolidação das Leis do Trabalho mostra-se insuficiente para disciplinar por completo as demandas que versem sobre direitos transindividuais. E, além disso, a LACP, em seu artigo 21, dispõe que deve ser aplicada a sistemática processual do CDC às ações que versem sobre direitos difusos, coletivos e individuais homogêneos. Neste contexto, a parte processual do código consumerista tem uma ultra eficácia dada pela LACP. Daí surge mais uma evidência no sentido de que a indenização por dano moral coletivo é perfeitamente admissível no bojo da ação civil pública proposta no âmbito da Justiça do Trabalho, eis que a assertiva de que inexiste previsão legal a respeito cai por terra, diante dos argumentos supramencionados. Importante salientar que a lei não prevê expressamente a possibilidade de ação coletiva para reparação de dano moral na defesa de interesses individuais homogêneos todavia, não existe vedação para tanto. Aliás, sendo os direitos homogêneos uma espécie dos direitos metaindividuais, não há como negar a possibilidade de reparação dos danos morais coletivos por meio de ação civil pública para defesa desses interesses. O dano moral coletivo tem embasamento nos valores que afetam negativamente a coletividade. Trata-se de um dano que excede significativamente o limite de tolerabilidade, devendo ser examinado o valor fixado a título de indenização em cada caso concreto. Segundo Carlos Alberto Bittar Filho: [...] se o indivíduo pode ser vítima de dano moral não há porque não o possa ser a coletividade. Assim, pode-se afirmar que o dano moral coletivo é a injusta lesão da esfera moral de uma dada comunidade, ou seja, é a violação antijurídica de um determinado círculo de valores coletivos. Quando se fala em dano moral coletivo, está-se fazendo menção ao fato de que o patrimônio valorativo de uma certa comunidade (maior ou menor), idealmente considerado, foi agredido de maneira absolutamente injustificável do ponto de vista moral, quer isso, dizer, em última instância, que se feriu a própria cultura, em seu aspecto material. (BITTAR FILHO apud Mauro Schiavi: 2008, p. 782). Com efeito, dentre as hipóteses de incidência do dano moral coletivo na ação civil pública Trabalhista, a título de exemplo, pode-se citar: trabalho em condições análogas a de escravo; exploração de crianças e adolescentes no trabalho; submissão a grupos de trabalhadores a condições degradantes; trabalho sob regime de servidão por dívidas; descumprimento de normas trabalhistas básicas de segurança e saúde e prática de fraudes contra grupos ou categorias de trabalhadores; etc. Como se vê, a incidência do dano moral coletivo se dá quando verificadas condições que provocam verdadeiro sentimento de repúdio à sociedade, são atitudes horrendas dos empregadores que ferem frontalmente o princípio da dignidade da pessoa humana, rebaixam a moral dos trabalhadores, causam a eles elevado constrangimento, violam os direitos a eles assegurados e atropelam valores essenciais da sociedade. Aliás, não se pode negar que existe na sociedade um senso comum pertinente ao que é certo e errado e, toda vez que se verifica um comportamento contrário ao que os indivíduos consideram certo, há um sentimento de revolta comum, atinge a todos indiscriminadamente. Violam sentimentos que não possuem expressão econômica. Isto porque não é apenas o indivíduo que possui padrão ético, mas também a coletividade, que comungam os mesmos interesses, princípios e valores. E assim, ainda que os envolvidos diretamente na relação sejam os mais afetados, o fato de violar direitos constitucionais, princípios fundamentais como o da dignidade da pessoa humana (artigo 1º, III da CF/88) e o dos valores sociais do trabalho e da livre iniciativa (artigo 1º, IV da CF/88), não se podendo declinar o número de pessoas que sofrerão o abalo psicológico, a sensação de angústia, infelicidade, impotência e desprezo, o dano moral se configura na sua dimensão coletiva. Desta forma, diante da violação dos interesses metaindividuais socialmente relevantes e juridicamente protegidos, não restam dúvidas quanto à possibilidade de a ação civil pública proposta culminar em indenização por dano moral coletivo. Aliás, essa perfeita possibilidade, bem como aspectos peculiares deste instituto, tais como a destinação da indenização e os argumentos que amparam a admissibilidade do dano moral coletivo, serão melhor demonstrados, elucidados e comprovados no capítulo seguinte. 6 AÇÃO CIVIL PÚBLICA TRABALHISTA E INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL COLETIVO 6.1 Considerações Iniciais O Direito do Trabalho é um ramo da ciência do Direito que tem por objetivo, além de disciplinar as relações laborativas, garantir o respeito à dignidade do trabalhador. A ação civil pública é o instrumento processual adequado para prevenir ou reparar danos causados aos interesses transindividuais dos trabalhadores, podendo ser proposta por qualquer legitimado previsto na Lei 7.347/85 ou, ainda, pelos Sindicatos, na defesa dos direitos individuais homogêneos da categoria por eles representada. De acordo com Xisto Tiago de Medeiros Neto: [...] a ação civil pública tornou-se instrumento de alçada constitucional apto a ser utilizado pelo Parquet para a proteção de todo e qualquer interesse de natureza transindividual, inclusive os de feição extrapatrimonial, por força da projeção das órbitas de tutela reconhecida à dignidade humana – aqui, no plano do reconhecimento de direitos inerentes a toda coletividade, ou a grupos, categorias e classes de pessoas. (MEDEIROS NETO, 2007, p. 139). Com efeito, a ação civil pública proposta no âmbito da Justiça do Trabalho, tem por objetivo impedir ou ressarcir danos, de natureza patrimonial ou moral, causados aos trabalhadores. O titular da indenização por dano moral pode ser tanto o indivíduo isoladamente considerado, como o indivíduo enquanto membro de um grupo ou o próprio grupo. Nestes dois últimos casos estar-se-á diante de um dano moral coletivo. Em outras palavras, o dano moral pode se configurar, concomitantemente, na sua esfera individual, considerando-se apenas o trabalhador enquanto vítima do ato lesivo do empregador e, na sua dimensão coletiva, considerando como vítima da lesão grupo, categoria ou classe de trabalhadores ou a coletividade de modo geral. Nas palavras de Arion Sayão Romita: [...] uma coletividade, como tal considerada (abstraindo-se a pessoa dos indivíduos que a integram), pode ser atingida pelos efeitos de um ato ilícito, causador do dano moral. Daí a noção de dano moral coletivo. Não só os indivíduos têm direitos: os grupos também têm. A violação do direito do grupo (ou coletividade) pode gerar dano moral coletivo. (ROMITA, 2007, p. 36). Com efeito, a ação civil pública trabalhista pode resultar em condenação dos réus ao pagamento de indenização por danos morais coletivos, com o fim de reparar os danos causados aos obreiros, coletivamente considerados. O dano moral coletivo é aquele que atinge a coletividade no aspecto não econômico dos seus bens jurídicos. Assim, ainda que seja possível determinar os sujeitos da relação, quando se tratar de interesses coletivos ou individuais homogêneos, para fins de reparação da lesão moral constatada esta discriminação é irrelevante, haja vista que a finalidade da ação civil pública é defender, em conjunto, os interesses de vários trabalhadores, independentemente de quem sejam eles ou que sentimento tiveram diante da lesão. O dano moral causado ao trabalhador isoladamente considerado não se confunde com o dano moral causado aos interesses difusos, coletivos e individuais homogêneos dos mesmos. Na ação civil pública trabalhista, a cominação de indenização por dano moral coletivo beneficia e garante a reparação do dano causado, inclusive àqueles que não teriam acesso ao Judiciário ou se absteriam de buscar a repressão do empregador que atentou contra seus direitos pela via judicial individual. E, por outro lado, a ação civil pública proposta na defesa de interesses dos trabalhadores em face de ato lesivo do empregador, além de evitar a aglutinação de inúmeras demandas individuais, evita a ocorrência de provimentos jurisdicionais discrepantes e garante a efetividade, celeridade e economia processual à Justiça do Trabalho. Ao ajuizar uma ação civil pública na defesa dos interesses dos trabalhadores, o Ministério Público do Trabalho, ou qualquer outro legitimado previsto na LACP, busca não apenas a reparação do dano material e/ou moral coletivo constatado, mas também desestimular a ocorrência de eventuais infrações futuras. Importante salientar o fato de que as pessoas não podem ser desconsideradas na sua dimensão coletiva: a sociedade possui padrões, valores, princípios e culturas próprias e sempre que alguém atenta contra esses conceitos estará agindo contra a sociedade e, por isso, tem por obrigação indenizá-la. Mensurar o dano moral causado num contexto individual é uma tarefa extremamente complexa, mas é mais difícil ainda quando esse dano atinge uma coletividade. O que a ação civil pública trabalhista visa reparar, quando constatado o dano moral coletivo, não é o sofrimento íntimo do trabalhador, atrelado à personalidade do mesmo, mas sim um evidente prejuízo social causado em razão da atividade lesiva do empregador. Importante ressaltar que não se confunde o sentimento, a dor de um trabalhador moralmente ofendido, com o impacto, pelo mesmo dano, causado à sociedade. Existem autores que defendem a existência de um verdadeiro dano moral trabalhista15, todavia essa especificação é um tanto quanto desnecessária, haja vista que o chamado dano moral trabalhista nada mais é que o dano moral civil ocorrido no âmbito de uma relação de trabalho. Se a ação civil pública é proposta para defender os interesses de vários trabalhadores ao mesmo tempo, o sujeito passivo atingido pelo dano moral coletivo é, obviamente, esse agrupamento de indivíduos, pelo que a reparação do dano moral constatado, mediante pagamento de indenização, deve ser revertida em favor dessa coletividade cujos sentimentos foram afetados. A indenização por dano moral coletivo justifica-se sempre que houver relevante prejuízo de ordem moral aos interesses constitucionalmente assegurados aos trabalhadores. Esta indenização pode ser vista como fruto do desenvolvimento de um conceito de direito pró-sociedade, na medida em que os indivíduos, no contexto do Estado Democrático de 15 João Oreste Dalazen (In Aspectos do Dano Moral Trabalhista: janeiro/2000. p. 07) defende a existência deste tipo especifico de dano moral ao afirmar: “reputo ‘dano moral trabalhista’, por conseguinte, o agravo ou o constrangimento moral infligido quer ao empregado, quer ao empregador, mediante violação a direitos ínsitos à personalidade, “como conseqüência da relação de emprego””. Direito, possuem maior identidade com os grupos sociais de que fazem parte e o Direito passa a reconhecer a defesa dos interesses dessa coletividade em juízo. De acordo com Xisto Tiago de Medeiros Neto: [...] a compreensão do dano moral coletivo não se conjuga diretamente com idéia de demonstração de elementos como perturbação, aflição ou transtorno coletivo. Firmase, sim, objetivamente, dizendo respeito ao fato que reflete uma violação intolerável de direitos coletivos e difusos, cuja essência é tipicamente extrapatrimonial. Essa violação, não podendo ser tolerada em um sistema de justiça social ínsito ao regime democrático, rendeu ensejo à previsão, no ordenamento jurídico, do meio e da forma necessários e adequados a proporcionar uma reparação devida, de maneira a sancionar o ofensor e inibir condutas ofensivas a tais direitos transindividuais, pela relevância da sua proteção. (MEDEIROS NETO, 2007, p. 130). Com efeito, a legislação trabalhista deve acompanhar a evolução da sociedade e, assim, buscar novos enfoques que permitam a superação da tradicional doutrina individualista e instituir mecanismos que possibilitem a proteção aos direitos e interesses difusos, coletivos e individuais homogêneos dos trabalhadores. E, por outro lado, é inconcebível admitir o instituto da ação civil pública proposta na Justiça do Trabalho em defesa dos interesses dos trabalhadores, sem admitir que a condenação daí advinda seja revertida em favor dos mesmos, já que são eles os titulares do direito tutelado. Ou seja, se a ação civil pública tem por objetivo tutelar direitos coletivos em sentido lato, nada mais coerente que a condenação dela resultante, patrimonial ou moral, seja destinada à coletividade, assim considerada. Em outras palavras, devido à indivisibilidade do interesse atingido e a titularidade reconhecida a uma dada coletividade, bem como a indeterminação dos trabalhadores lesados, verifica-se a impossibilidade de reparação direta em favor de cada um dos integrantes da respectiva coletividade, devendo, pois, serem os mesmos, considerados em seu conjunto. (MEDEIROS NETO, 2007, p. 167). Este entendimento justifica-se pela própria natureza da ação civil pública. Trata-se de uma ação coletiva e não de um somatório de ações individuais, devendo, pois, a decisão que julgar procedente ou improcedente os pedidos nela formulados ser também de ordem coletiva. A existência de um dano moral coletivo está atrelada à própria ação civil pública quando constatada a ocorrência de ato patronal que implique em ofensa ao princípio da dignidade dos trabalhadores. Não é necessário o consentimento dos mesmos para que o Ministério Público do Trabalho (ou qualquer outro legitimado), defenda seus direitos por via da ação civil pública, tampouco é necessário que se estime quanto cada obreiro sofreu com o dano, eis que se trata de violação de direitos indisponíveis, constitucionalmente assegurados. A ação civil pública abrange todos os trabalhadores que se encontram naquela situação lesiva e a condenação proferida, consequentemente, também será coletiva. Valores e sentimentos intrínsecos à personalidade de cada um são de somenos relevância nesta ação coletiva, que visa tutelar, em conjunto, o direito de todos. A transindividualidade tutelada na ação civil pública, uma vez lesada, pode ser ressarcida através de condenação ao pagamento de indenização por dano moral em sua dimensão coletiva. Com efeito, o empregador, ao vulnerar o respeito aos seus trabalhadores, pode estar afetando interesse difuso da sociedade. Por exemplo, se um fazendeiro mantém em suas terras homens trabalhando em condições análogas à de escravo, ainda que os principais prejudicados sejam os trabalhadores diretamente envolvidos na relação, verifica-se flagrante ofensa aos princípios da dignidade da pessoa humana (artigo 1º, III da CR/88) e dos valores sociais do trabalho (artigo 1º, IV da CR/88), que são fundamentos da República Federativa do Brasil. Neste caso, a ofensa aos valores éticos do indivíduo é ampliada para a órbita coletiva. A indenização por dano moral coletivo tem por finalidade reparar a atitude do empregador que, ignorando preceitos constitucionais, valores culturais e princípios sociais, ofende o sentimento moral de uma coletividade, de maneira que não há como quantificar quantas pessoas sentirão o abalo psicológico, a sensação de angústia, o desprezo, a impotência e a infelicidade em razão da violação de garantias constitucionais ocasionada pela barbárie do trabalho escravo. (ARAÚJO, 2006, p. 87-102). Assim como manter trabalhadores em condições análogas à de escravo, inúmeras outras condutas patronais violam garantias constitucionais individuais ou coletivas conferidas aos trabalhadores, verificando-se a inegável ocorrência de um dano moral causado, de forma concomitante, individualmente ao obreiro e coletivamente à sociedade. Quanto ao critério para a avaliação pecuniária do dano moral, Maria Helena Diniz diz que “é preciso esclarecer que o direito não repara a dor, a mágoa, o sofrimento ou a angústia, mas apenas aqueles danos que resultarem da privação de um bem sobre o qual o lesado teria interesse reconhecido juridicamente”. (DINIZ, 2005, p. 95). E, ainda de acordo com Diniz, “o lesado sempre prefere não ter sofrido qualquer lesão, logo o dinheiro que lhe dê, qualquer que seja o montante indenizatório arbitrado, jamais faria com que se sentisse compensado”. (DINIZ, 2005, p. 96). Assim, não há como negar a possibilidade de reparação de um dano moral coletivo sob o argumento de que não há como mensurar o sentimento de cada um, eis que o que se pretende reparar é o dano e não a dor. Assim, uma vez que a indenização por dano moral coletivo pretende reparar os danos oriundos da privação ou desrespeito aos direitos dos trabalhadores, é perfeitamente possível considerar que uma coletividade seja considerada vítima da lesão, sendo irrelevante para a reparação do dano moral coletivo, o sentimento individual de cada um dos integrantes do grupo, categoria ou classe lesada – ou que sofreu ameaça de lesão. Com efeito, caracterizado o dano moral coletivo, o empregador-ofensor responderá pela reparação independentemente da configuração de culpa. Apesar disso, no caso concreto, na maioria das hipóteses de lesão à coletividade que se postula o pagamento de indenização por dano moral coletivo, constata-se o elemento culposo, revelando expressivo grau de ilicitude na conduta do agente. (MEDEIROS NETO, 2007, p. 144). Para que haja condenação ao pagamento de indenização por dano moral coletivo numa ação civil pública proposta na defesa dos interesses transindividuais dos trabalhadores, não há de ser provado o prejuízo concretamente causado à coletividade, eis que o fato da violação, que evidencia o dano moral, é suficiente para caracterizar a necessidade da devida reparação. (MEDEIROS NETO, 2007, p. 145). Assim, condenado ao pagamento de indenização por dano moral coletivo, o empregador irá reparar o dano moral por ele causado aos trabalhadores, coletivamente considerados, devendo, pois, o montante indenizatório fixado ser revertido em favor dessa coletividade lesada. 6.2 Aspectos controvertidos da indenização por dano moral coletivo e a possibilidade da sua condenação na ação civil pública trabalhista Nas ações civis públicas propostas no âmbito da Justiça do Trabalho têm-se observado, cada vez mais, pedidos iniciais de condenação dos réus ao pagamento de indenização por danos morais coletivos. De acordo com Xisto Tiago de Medeiros Neto (2007, p. 123), a terminologia dano moral coletivo é passível de crítica, uma vez que seria mais apropriada a adoção da expressão dano extrapatrimonial, por melhor traduzir a amplitude da matéria. Para Medeiros Neto, o termo moral está mais próximo à idéia de dano relacionado ao sentimento e a dor física ou psíquica, revelando-se, pois, no contexto evolutivo da responsabilidade civil, uma posição teórica um tanto quanto ultrapassada e incompleta. Com efeito, segundo Medeiros Neto, “com o desenvolvimento da teoria do dano, observou-se que não necessariamente a lesão a determinadas esferas de proteção jurídica inerentes à personalidade e à dignidade humana – principalmente em sua dimensão coletiva ou social – reflete dor ou sentimento” (MEDEITOS NETO, 2007, p. 123-124). Explica o referido autor que o dano extrapatrimonial, em qualquer caso, não se faz suscetível de ser avaliado ou quantificado pecuniariamente, não se vinculando exclusivamente a idéia de dor ou sofrimento da vítima, pelo que seria mais pertinente a adoção desta expressão. Todavia, não obstante o entendimento e as considerações pertinentes de Medeiros Neto neste sentido, no contexto jurídico atual, verifica-se a irrestrita utilização da expressão dano moral coletivo. Na verdade, não há uma legislação regulamentando o enquadramento do dano moral no conceito de prejuízo manifestado no âmbito coletivo. Por isso, é possível encontrar na doutrina e na jurisprudência controvérsias acerca da possibilidade de configuração do dano moral coletivo. Há entendimentos negando a possibilidade do instituto do dano moral se configurar na sua dimensão coletiva16, ao argumento de que, além do referido dano versar sobre valores da personalidade do indivíduo, inexiste previsão neste sentido na legislação trabalhista. Sérgio Pinto Martins (MARTINS apud Mauro Schiavi: 2008, p. 782), posicionando-se acerca da impossibilidade de configuração do dano moral coletivo trabalhista, assim afirma: Entendo que não é possível o pagamento de indenização por dano moral coletivo como vem sendo postulado e deferido em ações civis públicas, como, por exemplo, de trabalho escravo, de elaboração de listas negras pelas empresas, etc. Primeiro porque não existe previsão legal, muito menos a indenização ser destinada ao Fundo de Amparo ao Trabalhador. Segundo, porque cada um dos empregados ofendidos pode pedir a indenização por dano moral, o que implicaria à empresa pagar duas vezes a indenização pelo mesmo fato: uma, no dano moral coletivo; a outra, em cada caso individual, representando bis in idem . (MARTINS apud Mauro Schiavi: 2008, p. 782) Todavia, não obstante a respeitável fundamentação dos autores que defendem a nãoadmissibilidade do dano moral coletivo no âmbito da Justiça do Trabalho, impõe-se reconhecer a perfeita e aceitável existência do mesmo, não só por ser uma prática reiterada da 16 A título de ilustração acerca da negativa de configuração do dano moral coletivo, pode-se citar decisão proferida pelo Col. Superior Tribunal de Justiça que, apesar de não versar sobre matéria trabalhista, nega a existência deste tipo de dano: “PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. DANO AMBIENTAL. DANO MORAL COLETIVO. NECESSÁRIA VINCULAÇÃO DO DANO MORAL À NOÇÃO DE DOR, DE SOFRIMENTO PSÍQUICO, DE CARÁTER INDIVIDUAL. INCOMPATIBILIDADE COM A NOÇÃO DE TRANSINDIVIDUALIDADE (INDETERMINABILIDADE DO SUJEITO PASSIVO E INDIVISIBILIDADE DA OFENSA E DA REPARAÇÃO). RECURSO ESPECIAL IMPROVIDO” (REsp 598.281/MG, Ministro Rel. Teori Albino Zavascki. 1ª Turma, julgado em 02.05.2006 e DJ 01.06.2006). jurisprudência, mas também por não haver qualquer óbice plausível à sua caracterização. Os argumentos contrários mostram-se insuficientes e falhos em face de uma realidade em que a indenização por danos morais coletivos mostra-se eficiente para ressarcir uma comunidade lesada, sendo, pois, justo e razoável que seja admitido no Direito do Trabalho. Cumpre salientar que, embora não exista normatização específica no Direito do Trabalho a respeito do dano moral coletivo, verifica-se cada vez mais na doutrina e na jurisprudência a tendência à condenação de empresas em pagamento de indenização por danos morais coletivos em razão de infringência a direitos metaindividuais dos trabalhadores. Além disso, na legislação consumerista, mais precisamente no artigo 6º, VI, da Lei 8.078/90, plenamente aplicável à esfera trabalhista, há previsão expressa quanto à possibilidade de tutela preventiva e reparatória do dano moral coletivo, ao dispor que são direitos básicos do consumidor: “a efetiva prevenção e reparação de danos patrimoniais e morais, individuais, coletivos e difusos”. Além disso, o dano moral coletivo não se trata de um somatório dos direitos individuais, haja vista que a reparação visa tutelar a sociedade por um dano extrapatrimonial causado a ela – por isso não há que se falar em bis in idem. De acordo com Xisto Tiago de Medeiros Neto (2007, p. 125) a proteção jurídica a interesses de natureza extrapatrimonial e de titularidade coletiva foi propiciada pelo surgimento de novos campos de tutela, primeiramente pela hipótese de dano moral objetivo às pessoas jurídicas e, num segundo aspecto, pelo reconhecimento e tutela dos direitos difusos e coletivos, como fruto de uma sociedade de massas. Afirma, então, Medeiros Neto que: [...] o desenvolvimento e a forma de organização social resultaram no reconhecimento de valores e interesses compartilhados pela coletividade (em toda a sua extensão, ou representada por segmentos menores: grupos, categorias ou classes de pessoas), cuja tutela, pela relevância social e imprescindibilidade, passou a ser reivindicada legitimamente. (MEDEIROS NETO, 2007, p. 126). Com efeito, a ação civil pública é um instrumento de tutela coletiva, que tem por objetivo impedir ou reprimir danos morais ou patrimoniais causados aos indivíduos, coletivamente considerados. A interposição de ação civil pública para garantir a reparabilidade do dano moral coletivo é perfeitamente aceitável na medida em que a sociedade possui valores morais e patrimoniais protegidos pelo Direito. O dano moral coletivo não se funda na dor do indivíduo, mas sim numa lesão de caráter não econômico, recaindo sobre direitos constitucionalmente assegurados à coletividade, como tal. E, ainda de acordo com os ensinamentos de Xisto Tiago Medeiros Neto (2007, p. 127), “mesmo não detendo personalidade – nos moldes clássicos concebidos pela teoria do Direito –, as coletividades de pessoas possuem valores e um patrimônio ideal, que gozam de proteção no âmbito do sistema jurídico”. Segundo Mauro Schiavi: O dano moral, por ter previsão constitucional (art. 5º, V e X) e por ser uma das facetas da proteção á dignidade da pessoa humana (art. 1º, III, da CF) adquire caráter publicista e interessa à sociedade como um todo, portanto, se o dano moral atinge a própria coletividade, é justo e razoável que o Direito admita a reparação decorrente desses interesses coletivos. (SCHIAVI, 2008, p. 782). Quanto à condenação pecuniária fixada na ação civil pública, tratando-se de dano moral coletivo, deve refletir a função sancionatória, compensatória e pedagógica da respectiva indenização a ser paga pelo ofensor, de forma a não restar impune a lesão constatada. Ensina, pois, Medeiros Neto: [...] à vista da função sancionatória da responsabilização incidente em face do ofensor, confere o sistema jurídico ao órgão julgador, sob os limites da razoabilidade, a possibilidade de estabelecer a condenação consistente de pagamento de parcela pecuniária (o equivalente a uma reparação) destinada a um fundo previsto em lei, cujo valor seja bastante para expressar, à vista do caso concreto, uma eficaz reação punitiva, com finalidade também pedagógico-preventiva. (MEDEIROS NETO, 2007, p. 161). Com efeito, configurado o dever de reparar o dano moral coletivo, o montante indenizatório deve ser fixado levando-se em consideração a extensão do ato ilícito, a culpa do infrator, gravidade do dano e o potencial econômico-social do ofensor, que também deve servir de parâmetro para fins de fixação do quantum indenizatório de modo a não abrandar o caráter educativo atrelado à natureza jurídica desta indenização, ressaltando-se, com isso, a finalidade de inibir a prática de futuras agressões semelhantes. Conforme ensina Xisto Tiago de Medeiros Neto (2007, p. 164-165), os aspectos principais a serem observados pelo julgador na quantificação do valor da condenação em se tratando de indenização por danos morais coletivos são: a natureza, a gravidade e a repercussão da lesão; a situação econômica do ofensor; o eventual proveito obtido com a conduta ilícita; o grau da culpa ou do dolo, se presentes, e a verificação de reincidência; o grau de reprovabilidade social da conduta adotada. De acordo com João Carlos de Lima (2004, p. 94), a fixação do quantum indenizatório deve ser baseada em critérios compensatórios e punitivos, de maneira a satisfazer o empregado ofendido e, ao mesmo tempo, coibir a atitude anti-social do empregador, impingindo-lhe uma diminuição patrimonial por não ter observado primados constitucionalmente consagrados, tais como respeito à dignidade da pessoa humana, repúdio a atos discriminatórios, valorização do trabalho, honra, imagem, etc. Ainda segundo este mesmo autor (LIMA, 2004, p. 101), a indenização por dano moral possui caráter punitivo. Aduz ele, valendo-se dos ensinamentos de Carlos Alberto Bittar, que, sob o ângulo do lesante, ela se reveste de um nítido cunho sancionatório e, sob o aspecto da sanção, serve como advertência à sociedade, para obviar-se a prática do mal. Maria Celina Bodin de Moraes (2003, p. 263), embora apenas admita o caráter punitivo da indenização por dano moral em hipóteses excepcionais e taxativamente previstas em lei, admite a natureza punitiva dessa indenização “quando for imperioso dar uma resposta à sociedade, isto é, a consciência social, tratando-se, por exemplo, de conduta particularmente ultrajante, ou insultuosa, em relação à consciência coletiva, ou, ainda, quando se der o caso, não incomum, de prática danosa reiterada”. Assim, de acordo com Moraes: É de aceitar-se, ainda, um caráter punitivo na reparação de dano moral para situações potencialmente causadoras de lesões a um grande número de pessoas, como ocorre nos direitos difusos, tanto na relação de consumo quanto no Direito Ambiental. Aqui, a ratio será a função preventivo-precautória, que o caráter punitivo inegavelmente detém, em relação às dimensões do universo a ser protegido. (MORAES, 2003, p. 263). Desta forma, a condenação, na ação civil pública trabalhista, de indenização por dano moral coletivo terá, pois, natureza reparatória, sancionatória e educativa, na medida em que visa reparar o dano sofrido, punir o infrator e, ao mesmo tempo, inibir futuras agressões. De acordo com os ensinamentos de Xisto Tiago de Medeiros Neto: [...] a conduta antijurídica lesiva a interesses extrapatrimoniais coletivas há de ser exemplarmente rechaçada por meio de mecanismo legal adequado e hábil à proteção e tutela a esses direitos fundamentais, o que se concretiza, no particular, mediante a fixação de uma parcela pecuniária – equivalente a uma reparação -, imposta e arbitrada de maneira suficiente a sancionar o autor e inibir novas violações da mesma natureza, podendo-se conceber, ainda, nessa condenação, o delineamento de uma espécie de compensação indireta pelo dano, em face da destinação daquela quantia ao fundo criado por lei, que tem por objetivo exatamente a reconstituição dos bens lesados. (MEDEIROS NETO, 2007, p. 156). Com efeito, segundo Medeiros Neto (2007, p. 161-162), a função sancionatória da indenização por danos morais coletivos prepondera sobre as demais funções. Para amparar sua tese, cita os ensinamentos de Leonardo Roscoe Bessa, segundo o qual a referida indenização pecuniária possui caráter eminentemente punitivo, e de Luiz Gustavo Grandinetti, para quem a condenação ao pagamento de indenização por dano moral coletivo, “sobressai o caráter sancionatório imposto ao ato capaz de agredir o espírito da comunidade, mesmo que não provoque propriamente dor ou sofrimento”. 6.2.1 Reversibilidade da indenização por dano moral coletivo para o Fundo de Amparo ao Trabalhador - FAT A Lei da Ação Civil Pública não estabelece expressamente quem são os destinatários da indenização por dano moral coletivo, limitando-se a dispor em seu artigo 13 o seguinte: Art. 13. Havendo condenação em dinheiro, a indenização pelo dano causado reverterá a um fundo gerido por um Conselho Federal ou por Conselhos Estaduais de que participarão necessariamente o Ministério Público e representantes da comunidade, sendo seus recursos destinados à reconstituição dos bens lesados. (BRASIL, 1985). Com efeito, como salientado por Mauro Schiavi (2008, p. 785), costumeiramente o montante da condenação ao pagamento de indenização por dano moral coletivo, deferido nas ações civis públicas trabalhistas, é direcionado ao Fundo de Amparo ao Trabalhador. Neste mesmo sentido, de acordo com os ensinamentos de Manoel Jorge e Silva Neto: [...] não se pode recusar que a sociedade possui um patrimônio moral que, uma vez atingido, enseja, ato contínuo, a sua indenização, mesmo sabendo que os indivíduos integrantes da comunidade cujo interesse difuso fora desrespeitado não podem se apresentar como beneficiários o valor devido a título de dano moral, o que desnatura a essência do interesse metaindividual; por isso que, no âmbito da Justiça do Trabalho, toda e qualquer indenização por ofensa a interesse difuso e coletivo, ainda que relacionado ao prejuízo moral, deve ser revestida ao Fundo de Amparo ao Trabalhador – FAT, conforme prevê o art. 11, V, da Lei 7.998/90. (SILVA NETO, 2001, p. 113). Outro não é o entendimento consubstanciado nas decisões no Col. Tribunal Superior do Trabalho, conforme se verifica a seguir: AGRAVO - DANO MORAL COLETIVO – DESTINAÇÃO. A indenização a título de dano moral coletivo deve ser revertida ao Fundo de Amparo ao Trabalhador, em atenção ao artigo 13 da Lei nº 7.347/85 e à Lei nº 7.998/90. Agravo a que se nega provimento (BRASÍLIA. TST. AIRR. 1516.2007.107.03.41. Ministra Rel. Maria Cristina Irigoyen Peduzzi. 8ª Turma. Pub. 23.10.2009). RECURSO DE REVISTA. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. EFEITOS DA SENTENÇA. ÂMBITO TERRITORIAL. DANO MORAL COLETIVO. INTERESSE DIFUSO. RESERVA DE QUOTAS. AUSÊNCIA DE CONTRATAÇÃO DE EMPREGADOS PORTADORES DE DEFICIÊNCIA FÍSICA OU REABILITADAS, NO PERCENTUAL DEFINIDO NA NORMA LEGAL. A alegação do reclamado de que cumpriu a norma legal, que exige percentual de contratação de empregados reabilitados ou pessoas portadoras de deficiência, considerando o número de empregados em cada filial ou agência, não condiz com o disposto na norma legal, que determina a apuração, para incidência do percentual, em relação ao número de empregados da empresa, e não em cada estabelecimento. Confirmado o dano moral coletivo, é de se verificar os efeitos da decisão, que determinou obrigação de fazer, no caso de reserva de postos de trabalho, com o fim de contratação de trabalhadores portadores de deficiência habilitados e beneficiários da previdência social reabilitados, até atingir o percentual legal adequado ao número total de empregados da empresa, e de não dispensar tais empregados, sem a contratação de empregado substituto em situação análoga, além de penalidade pecuniária, com o fim de assegurar o cumprimento da lei, a ser revertida ao FAT, e indenização por dano moral coletivo, também a ser revertida ao FAT. Apenas reforma-se a v. decisão, para adequá-la ao que dispõe o art. 16 da LACP, que, embora confira efeitos erga omnes à sentença proferida em Ação Civil Pública, limita a abrangência competência territorial do órgão prolator da decisão. Recurso de revista parcialmente conhecido e provido (BRASÍLIA. TST. RR. 1776.2003.003.06.40. Ministro Rel. Aloysio Corrêa da Veiga. 6ª Turma. Pub. 14.09.2007). Com efeito, o Fundo de Amparo ao Trabalhador – FAT, instituído pela Lei nº 7.998, de 11 de janeiro de 199017, é vinculado ao Ministério do Trabalho e Emprego e tem por objetivo garantir a execução de políticas públicas de emprego e renda de forma descentralizada e participativa, possibilitando uma maior aproximação entre o executor das ações e o cidadão que delas se beneficiará. De acordo com informações disponíveis no site do Ministério do Trabalho e Emprego18: O Fundo de Amparo ao Trabalhador – FAT é um fundo especial, de natureza contábil-financeira, vinculado ao Ministério do Trabalho e Emprego - MTE, destinado ao custeio do Programa do Seguro-Desemprego, do Abono Salarial e ao financiamento de Programas de Desenvolvimento Econômico. [...] As principais ações de emprego financiadas com recursos do FAT estão estruturadas em torno de dois programas: o Programa do Seguro-Desemprego (com as ações de pagamento do benefício do seguro-desemprego, de qualificação e requalificação profissional e de orientação e intermediação do emprego) e os Programas de Geração de Emprego e Renda, cujos recursos são alocados por meio dos depósitos especiais criados pela Lei nº 8.352, de 28 de dezembro de 1991 (incorporando, entre outros, o próprio Programa de Geração de Emprego e Renda - PROGER, nas 17 O artigo 10 da Lei 7.998/90 estabelece o seguinte: “É instituído o Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT), vinculado ao Ministério do Trabalho, destinado ao custeio do Programa de Seguro-Desemprego, ao pagamento do abono salarial e ao financiamento de programas de desenvolvimento econômico”. 18 MINISTÉRIO DO TRABALHO E EMPREGO. Emprego e Renda: Fundo de Amparo ao Trabalhador - FAT: Histórico. Disponível em: < http://www.mte.gov.br/fat/historico.asp>. Acesso em: 01.04.2010. modalidades Urbano e Rural e o Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar - PRONAF). [...] Além dos programas para micro e pequenos empresários, o FAT financia programas voltados para setores estratégicos (como transporte coletivo de massa, infra-estrutura turística, obras de infra-estrutura voltadas para a melhoria da competitividade do país), fundamentais para o desenvolvimento sustentado e a melhoria da qualidade de vida do trabalhador. Verifica-se, assim, que o montante pecuniário fixado na ação civil pública a título de indenização por dano moral coletivo não se destinará diretamente aos indivíduos, apesar de ser revertido em prol dos interesses dos mesmos, através de programas e ações de emprego que os beneficiam. Com efeito, o FAT é um fundo vinculado ao Poder Executivo que recebe e determina o destino do dinheiro arrecadado nas condenações pecuniárias oriundas das ações civis públicas propostas na defesa dos interesses metaindividuais dos trabalhadores. Assim, levando-se em consideração a indivisibilidade dos interesses tutelados, a titularidade de uma coletividade e a indeterminação dos trabalhadores atingidos, o FAT apresenta-se como a solução mais apropriada e eficaz neste universo da tutela dos interesses metaindividuais, não havendo como se admitir a reparação direta a cada um dos integrantes da respectiva coletividade atingida. De acordo com João Carlos de Lima (2004, p. 104), justifica-se a destinação da indenização por dano moral coletivo ao FAT por se tratar, este, de instrumento congregador de políticas públicas que propiciam a valorização do emprego, devendo, pois, ser o titular da parcela indenizatória. Segundo Xisto Tiago de Medeiros Neto: [...] o valor da reparação não poderia ser destinado diretamente à coletividade vítima do dano, pois que isso é inviável à vista da natureza do interesse violado e da característica da lesão observada. Daí a pertinência da reversão da parcela da condenação em benefício de toda a sociedade, o que ocorre por meio do direcionamento da verba a um fundo previsto pela lei, tendo exatamente por objetivo, conforme já acentuado, a “reconstituição dos bens lesados”. (MEDEIROS NETO, 2007, p. 162). No tocante ao FAT, diz Medeiros Neto que a “especialização e a compatibilidade do referido Fundo com a natureza do interesse trabalhista tutelado ensejam, pois, que para que ele se direcione a parcela da condenação judicialmente fixada a título de dano moral coletivo”. (MEDEIROS NETO, 2007, p. 168). E ainda, segundo Ives Gandra Martins Filho, a “utilização do FAT como destinatário da indenização imposta no caso de lesão a interesses difusos na órbita trabalhista decorre da inadequação do Fundo previsto no art. 13 da Lei n. 7.347/85 para a reparação dos danos causados nas relações laborais”. (MARTINS FILHO apud MEDEIROS NETO, Xisto Tiago, 2007, p. 168). Por outro lado, admite-se que a indenização por danos morais coletivas não seja revertida ao Fundo de que trata o artigo 13 da Lei 7.347/85. De acordo com Medeiros Neto (2007, p. 169), no caso de conciliação judicial no âmbito da ação civil pública, “em que as partes, tendo em vista o pedido formulado e/ou eventual condenação relativa ao dano moral coletivo, acordem sobre a transformação do respectivo valor na realização de determinadas obrigações pelo réu, que venha a contribuir, direta ou indiretamente, para proteção e promoção dos bens jurídicos lesados”. Assim, segundo Mauro Schiavi (2008, p. 786), o valor da reparação pode ser “direcionado aos próprios trabalhadores de determinada empresa, na modalidade de concessão de um benefício, como, por exemplo, atribuir determinada obrigação à empresa de fornecer cursos de reciclagem aos empregados, etc”. E, de fato, verificam-se algumas situações em que a indenização por dano moral coletivo não é revertida ao FAT. Todavia, essa circunstância configura-se exceção. Para exemplificar a possibilidade da indenização em questão não ser revertida ao FAT, vale mencionar dois casos específicos publicados no site do Col. Tribunal Superior do Trabalho19. No primeiro, uma agroindústria assinou acordo com a Justiça do Trabalho da 14ª Região (RO) para converter o pagamento da indenização por dano moral coletivo - que ocorreu em ação civil pública ajuizada pelo Ministério Público do Trabalho, a partir de descumprimento de normas de segurança e higiene do trabalho na empresa - na construção de uma creche para atender aos filhos de famílias de baixa renda da região (Espigão do Oeste – interior de Rondônia). O referido acordo estipula todas as cláusulas que devem atender às necessidades da população e prevê que a creche será doada ao Município, que ficará com a incumbência de mobiliar, administrar e zelar pelo seu regular funcionamento. No segundo caso, os proprietários de uma fazenda que mantinham 50 trabalhadores em condições análogas à de escravos celebraram acordo, também perante a Justiça do Trabalho da 14ª 19 As duas notícias que exemplificaram a possibilidade da indenização por dano moral não ser destinada ao FAT encontram-se no endereço eletrônico do Tribunal Superior do Trabalho (disponível em: http://ext02.tst.jus.br/pls/no01/no_noticiasNOVO.Inicio?p_cod_area_noticia=ASCS. Acesso em 01.04.2010). O primeiro caso mencionado, ‘Agroindústria converte dano moral em construção de creche’, foi publicado no dia 02.09.2009 às 17 horas e 27 minutos e, o segundo, ‘Indenização de R$260 mil por trabalho escravo encerra processo em Rondônia’, no dia 11.09.2009 às 07 horas. Região (RO), para destinar o pagamento de indenização por danos morais coletivos às necessidades da comunidade local, cabendo ao Ministério Público do Trabalho determinar a destinação do montante. Com efeito, a indenização por dano moral coletivo, fixada na ação civil pública proposta na defesa dos interesses metaindividuais dos trabalhadores, quando destinada a órgãos ou outros fundos, para atender aos interesses locais da comunidade, trata-se de exceção, haja vista que, na maioria dos casos, a indenização é revertida ao Fundo de Amparo ao Trabalhador - FAT, que é o órgão instituído pelo MTE para custear o Programa de SeguroDesemprego, o pagamento do abono salarial e o financiamento de programas de desenvolvimento econômico, conforme estabelece o artigo 10 da Lei 7.988/90. 7 CONDENAÇÃO AO PAGAMENTO DE INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL COLETIVO NA AÇÃO CIVIL PÚBLICA TRABALHISTA - ENTENDIMENTO JURISPRUDENCIAL O entendimento majoritário do Col. Tribunal Superior do Trabalho é pela procedência da condenação do réu ao pagamento de indenização por danos morais coletivos nas ações civis públicas propostas na Justiça do Trabalho, conforme demonstram alguns julgados a seguir: AÇÃO CIVIL PÚBLICA - DANO MORAL COLETIVO - ILEGITIMIDADE DO MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO. Estando os interesses em debate perfeitamente enquadrados dentro dos coletivos, goza o Ministério Público do Trabalho de legitimidade ativa para propor, perante o Judiciário Trabalhista, a presente ação coletiva, inexistindo as afrontas legais e constitucionais invocadas. II) DANO MORAL COLETIVO - CARACTERIZAÇÃO E QUANTUM INDENIZATÓRIO. 1. A reparabilidade do dano moral coletivo não pode ter as mesmas premissas do dano moral tradicional, já que este, baseado no Código Civil, é dotado de cunho meramente patrimonialista e individualista, não enxergando, assim, os valores transindividuais de um sentimento coletivo. 2. De fato, a honra coletiva tem princípios próprios que não se confundem com os interesses pessoais, na medida em que leva em conta a carga de valores de uma comunidade como um todo, corporificando-se no momento em que se atestam os objetivos, as finalidades e a identidade de uma comunidade política. 3. Nessa senda e considerando que o Texto Constitucional afirma a soberania, a cidadania, a dignidade da pessoa humana, os valores sociais do trabalho, a livre iniciativa e o pluralismo político, como sendo fundamentos do Estado Democrático de Direito, tem-se que a Empresa Ré, por intermédio de um de seus prepostos, ao desrespeitar e submeter seus trabalhadores a condições humilhantes de trabalho, circunstância, aliás, agravada pelo fato de a diretoria, quando informada, mais do que manifestar descaso, demonstrar concordância e aprovação em relação à conduta do autor do gravame, produziu uma lesão significativa a interesses extrapatrimoniais da coletividade e, como tal, merece ser condenada na reparação do mal, em valor adequado e justo. 4. De fato, o ato da reclamada não só lesionou os princípios inerentes a dignidade da pessoa humana, comprometendo a qualidade de vida dos trabalhadores, como também violou diversos valores sociais, na medida em que a prática atingiu também, como é curial, a vida familiar, a vida comunitária e a sociedade como um todo. 5. Assim, considerando a gravidade do ato, o alto grau de culpabilidade da ré, o grande número de empregados vitimados pelo assédio moral, a resistência da ré às negociações e o descaso da direção da empresa, de se concluir que o valor indenizatório fixado, R$ 300.000,00, mostra-se razoável à situação. 6. Logo, o recurso da parte não merece trânsito pela via da alegada violação constitucional, visto que ileso o inciso V do art. 5º da Carta Republicana. Agravo de instrumento desprovido (BRASÍLIA. TST. AIRR. 90040.64.2006.5.04.0007. Ministra Rel. Maria Doralice Novaes. 7ª Turma. Pub. 30.03.2010). AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. DANO MORAL COLETIVO. CARACTERIZAÇÃO 1. O elemento que distingue uma ação coletiva, que visa a resguardar interesses homogêneos, da simples reunião de ações individuais é a existência de uma tese jurídica geral, referente a determinados fatos, que, se acolhida, possa beneficiar diversas pessoas. 2. Do quadro fático trazido à baila pelo acórdão regional, imutáveis neste âmbito recursal extraordinário, ante o óbice da Súmula nº 126/TST, depreende-se que os fatos narrados pelo Ministério Público viabilizam a adoção de uma tese jurídica geral, aplicável a toda uma coletividade de interessados e independente da análise da situação individual e particular de cada pessoa. 3. Com base no contexto fático-probatório, o Tribunal Regional concluiu que o ato arbitrário do empregador constituiu inadmissível ingerência na organização sindical. Verificado o dano à coletividade, que tem a dignidade e a honra abalada em face do ato infrator, cabe a reparação, cujo dever é do causador do dano. 4. Assim, cabível a indenização por dano moral coletivo, em montante revertido ao Fundo de Amparo ao Trabalhador, em atenção ao artigo 13 da Lei nº 7.347/85 e à Lei nº 7.998/90. AÇÃO CIVIL PÚBLICA CONDENAÇÃO EM CUSTAS. PRECLUSÃO. Condenada em primeira instância, não cuidou a Reclamada de devolver tal matéria ao Tribunal Regional. A insurgência encontra-se preclusa. DANOS MORAIS. QUANTUM INDENIZATÓRIO. RECURSO DESFUNDAMENTADO. A Agravante não amparou seu apelo em nenhum dispositivo legal ou constitucional, tampouco indicou divergência jurisprudencial, em desatenção ao artigo 896 da CLT e à Súmula nº 221 desta Corte. Agravo de Instrumento a que se nega provimento (BRASÍLIA. TST. AIRR. 169/2005-221-06-40. Ministra Rel. Maria Cristina Irigoyen Peduzzi. 8ª Turma. Pub. 07.03.2008). RECURSO ORDINÁRIO - AÇÃO RESCISÓRIA - CONDENAÇÃO AO PAGAMENTO DE INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL EM SEDE DE AÇÃO CIVIL PÚBLICA - 1 - VIOLAÇÃO AOS ARTS. 818 DA CLT; 333, 336 E 368, PARÁGRAFO ÚNICO, DO CPC - ÔNUS DA PROVA NÃO-CONFIGURAÇÃO. I - Constata-se da decisão rescindenda ter o Regional, com base no conjunto fático-probatório, concluído que o Ministério Público do Trabalho da 10ª Região se desincumbiu do ônus de provar as irregularidades apontadas no processo rescindendo - obtenção de assinaturas dos empregados em branco, existência de -lista negra-, contratação de trabalhadores sem registro na CTPS e o trabalho infantil -, reformando, por conseguinte, a sentença para condenar a recorrente ao pagamento de indenização por dano moral coletivo. II - Tendo o Colegiado de origem dirimido a controvérsia não apenas pelo prisma do ônus subjetivo da prova, mas, sobretudo, à sombra do princípio da persuasão racional do art. 131 do CPC, valendo-se dos elementos constantes do processo rescindendo, não se divisa a alegada ofensa aos arts. 818 da CLT; 333, 336 e 368, parágrafo único, do CPC. III - A possibilidade de ter havido uma possível má-interpretação dos elementos dos autos não induz à rescisão do julgado com fulcro no inciso V do art. 485 do CPC, vindo à baila a Súmula nº 410 desta Corte. 2 VIOLAÇÃO AOS ARTS. 129, III, DA CONSTITUIÇÃO E 1º, V, DA LEI Nº 7.347/85 CONDENAÇÃO AO PAGAMENTO DE INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL EM SEDE DE AÇÃO CIVIL PÚBLICA. I - A Constituição Federal confere relevo ao Ministério Público como instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis (art. 127 da CF/1988). II - Por isso mesmo é que ele detém capacidade postulatória não só para a abertura do inquérito civil, da ação penal pública e da ação civil pública para a proteção do patrimônio público e social e do meio ambiente, mas também de outros interesses difusos e coletivos (art. 129, I e II, da CF/1988). III - No campo das relações de trabalho, ao Parquet compete promover a ação civil pública no âmbito desta Justiça para a defesa de interesses coletivos, quando desrespeitados os direitos sociais constitucionalmente garantidos, bem assim outros interesses individuais indisponíveis, homogêneos, sociais, difusos e coletivos (arts. 6º, VII, "d", e 83, III, da LC 75/93). IV - A conceituação desses institutos se encontra no art. 81 da Lei nº 8.078/90, em que por interesses difusos entende-se os transindividuais, de natureza indivisível, de que sejam titulares pessoas indeterminadas e ligadas por circunstâncias de fato. V - Já os interesses coletivos podem ser tanto os transindividuais, de natureza indivisível, de que seja titular grupo, categoria ou classe de pessoas ligadas entre si ou com a parte contrária por relação jurídica base, como os interesses individuais homogêneos, subespécie daquele, decorrentes de origem comum. VI - Assim, a indeterminação é a característica fundamental dos interesses difusos e a determinação o é daqueles qualificados como coletivos ou como interesses individuais homogêneos, desde que o sejam indisponíveis. VII - A par disso, tem-se que, em última análise, todos são direitos coletivos em sentido amplo, pois envolvem interesses de grupos, tuteláveis por meio de ação civil pública. VIII - Nesse passo, constata-se da decisão rescindenda que a condenação ao pagamento de indenização por dano moral coletivo decorreu principalmente do desrespeito aos direitos sociais constitucionalmente garantidos ao grupo de empregados representados na ação civil pública. IX - Desse modo, é fácil inferir que o Regional não negou vigência ou eficácia aos arts. 129, III, da Constituição e 1º, V, da Lei nº 7.347/85, mas, ao contrário, observou-os para concluir que a conduta ilícita da recorrente, apurada nos autos da ação civil, violou interesses coletivos e difusos juridicamente tutelados, ensejando a indenização por dano moral coletivo (BRASÍLIA. TST. ROAR. 6000.08.2006.5.10.0000. SbDI-II. Ministro Rel. Antônio José de Barros Levenhagen. Pub. 13.06.2009). RECURSO DE REVISTA INTERPOSTO PELO MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO DA 3ª REGIÃO. DANO MORAL COLETIVO. REPARAÇÃO. POSSIBILIDADE. AÇÃO CIVIL PÚBLICA VISANDO OBRIGAÇÃO NEGATIVA. OFENSA AO VALOR SOCIAL DO TRABALHO. TERCEIRIZAÇÃO ILÍCITA DE MÃO DE OBRA PARA SERVIÇOS LIGADOS A ATIVIDADE FIM DA EMPRESA. A reparação por dano moral coletivo visa a inibição de conduta ilícita da empresa e atua como caráter pedagógico. A ação civil pública buscou reverter o comportamento da empresa, com o fim de coibir a contratação ilícita de mão de obra para serviços ligados a atividade-fim, por empresa interposta, no ramo da construção, para prevenir lesão a direitos fundamentais constitucionais, como a dignidade da pessoa humana e o valor social do trabalho, que atinge a coletividade como um todo, e possibilita a aplicação de multa a ser revertida ao FAT, com o fim de coibir a prática e reparar perante a sociedade a conduta da empresa, servindo como elemento pedagógico de punição. Recurso de revista conhecido e provido, para restabelecer a r. sentença, que condenou a empresa a pagar o valor de R$50.000,00 (cinquenta mil reais) a título de indenização a ser revertida ao FAT (BRASÍLIA. TST. RR. 572/2005-018-10-00. 6ª Turma. Ministro Rel. Aloysio Corrêa da Veiga. Pub. 08.05.2009). Neste mesmo sentido, os Eg. Tribunais Regionais do Trabalho têm entendido pela possibilidade, nas ações civis públicas trabalhistas propostas, da condenação do réu ao pagamento de indenização por danos morais coletivos, conforme as ementas a seguir transcritas: AÇÃO CIVIL PÚBLICA. TERCEIRIZAÇÃO. SUBSTITUIÇÃO DE MÃO-DE-OBRA. FRAUDE. DANO MORAL COLETIVO. INDENIZAÇÃO. A lesividade objetiva aos direitos dos trabalhadores se consubstancia diante da presumida hipossuficiência econômica, que os afasta da rede de proteção social que a legislação do trabalho confere. Atente-se que a relegação ao oblívio dos efeitos da contratualidade é rotina que desserve à sociedade como um todo; deixam-se de recolher as contribuições sociais em prejuízo da seguridade social e da função essencial da Administração Pública que é diminuir o abismo social por intermédio da distribuição da riqueza. Muito embora todos os ramos do direito estejam voltados diretamente para a solução dos conflitos que vicejam na sociedade, o Direito do Trabalho está ligado intrínsecamente a questões que dizem respeito à subsistência do trabalhador e de sua família; a sua vocação humanitária grassa no seio da coletividade e garante aos menos favorecidos que o cerne do capitalismo baseado na exploração do homem pelo homem (manifestação patogênica desse sistema social), se não passível de eliminação, permite ao menos que seja reduzido. A hipótese dos autos configura execrável fraude aos preceitos laborais. A permissão para que a atividade proibida seja mantida como forma de garantir a subsistência dos trabalhadores e de suas famílias não pode ser referendada pelo Judiciário. Se é o interesse social que se procura acautelar, é necessário expurgar do cenário empresarial aqueles que tencionam privar dolosamente os empregados de seus direitos mais elementares. A defraudação hoje atinge 20 trabalhadores e suas famílias; se nada for feito, com certeza amanhã não será uma centena, mas sim milhares de prejudicados, repartindo-se o ônus desse “capitis diminutio sócio-econômico” à [sic] toda coletividade. A terceirização fraudulenta assoma como prática lesiva de natureza extrapatrimonial em afronta não só aos trabalhadores envolvidos, assim como à sociedade em geral (interesse difuso). Exsurge a responsabilidade civil pela reparação extrapatrimonial. Dano moral coletivo reconhecido (SÃO PAULO. TRT2. RO. 02088-2003-014-02-00-7. Desembargador Rel. Rovirso Aparecido Boldo. 8ª Turma. Pub. 19.02.2010). AÇÃO CIVIL PÚBLICA. INFRINGÊNCIA SISTEMÁTICA DOS MAIS ELEMENTARES DIREITOS TRABALHISTAS. AFRONTA A INTERESSES DIFUSOS. DANO [sic] MORAIS COLETIVOS. O descumprimento sistemático dos direitos trabalhistas mais comezinhos, conquistados ao longo da história com intensas lutas sociais e ainda, em observação ao próprio princípio constitucional da vedação ao retrocesso social, afetam apenas [sic] o trabalhador diretamente envolvido na relação de trabalho, mas, sim, toda a sociedade, visto ser do interesse de todos a observância da legislação trabalhista, sendo certo que o desrespeito aos valores, tão fundamentais, desencadeia um sentimento coletivo de indignação e repulsa, caracterizando-se ofensa à moral social. Representa, ainda, afronta ao princípio constitucional da função social da propriedade de promover o desenvolvimento social, com respeito às normas jurídicas trabalhistas e uns dos fundamentos da República Federativa do Brasil que é a valorização social do trabalho, certamente atingindo dimensões difusas. O dano moral coletivo configura-se, portanto, como a lesão ao patrimônio moral da coletividade, passível de indenização, quando flagrante o descaso do empregador para com a dignidade da pessoa humana (MATO GROSSO. TRT23. RO. 00720-2008-021-23-00-6. Rel. Desembargador Tarcísio Valente. Pub. 05.03.2009). EMENTA: AÇÃO CIVIL PÚBLICA - DANO MORAL COLETIVO - COAÇÃO PELA EMPREGADORA AO UNIVERSO DE TRABALHADORES SUBMETIDOS A TURNOS DE REVEZAMENTO ININTERRUPTOS - PRESSÃO PARA APROVAÇÃO DE ELASTECIDA JORNADA. Não pairam dúvidas, no vertente caso, quanto à qualificação coletiva dos interesses em jogo na Ação civil pública intentada, mediante a qual busca o douto parquet abstenha-se a empresa requerida "de exercer, sob qualquer forma, coação, pressão ou intimação [sic] sobre os seus empregados, com o objetivo de interferir ou anular o livre exercício da atividade sindical e a livre manifestação de vontade dos trabalhadores", bem como "de interferir, sob qualquer pretexto, nas atividades do Sindicato profissional", como formulado na atrial, em decorrência da conduta adotada pela ré, plenamente demonstrada através do acervo fático-probatório ao processado coligido, de coagir seus empregados e afastar a atuação sindical lídima, com o objetivo único de manter a jornada de oito horas de trabalho diário em turnos de revezamento ininterrupto. Evidenciado, com base no contexto dos autos, a conduta reiterada e ostensiva, a coação velada da Votorantim capaz de macular a real manifestação de vontade dos trabalhadores, perante o ente sindical, constrangidos a praticar um ato jurídico, qual seja, a suposta concordância com a jornada elastecida que, não obstante externada, não representava sua livre aquiescência, praticou a empresa inadmissível ingerência na organização sindical. Patente o dano à coletividade, que tem a dignidade e a honra abalada em face do ato infrator, cabe a reparação moral, cujo dever é do causador do dano, em montante revertido ao Fundo de Amparo ao Trabalhador (MINAS GERAIS. TRT3. RO. 00350-2008-056-03-00-0. Rel. Desembargador Júlio Bernardo do Carmo. 4ª Turma. Pub. 31.01.2009). DANO MORAL. TRABALHO EM CONDIÇÕES ANÁLOGAS À DE ESCRAVO. Além de justa a reparação do dano moral requerida, bem como da procedência das verbas rescisórias trabalhistas reivindicadas em conseqüência do aludido dano, também justificador da extinção das relações empregatícias, torna- se impostergável um indispensável e inadiável "Basta!" à intolerável e nefasta ofensa social e retorno urgente à decência das relações humanas de trabalho. Torna-se, portanto, urgente a extirpação desse cancro do trabalho forçado análogo à de escravo que infeccionou as relações normais de trabalho, sob condições repulsivas da prestação de serviços tão ofensivas à reputação do cidadão brasileiro com negativa imagem do país, perante o mundo civilizado (MATO GROSSO DO SUL. TRT 24. RO. 178-2006-002-24-06. Rel. Desembargador Ricardo G. M. Zandona . Tribunal Pleno. Pub. 12.02.2007). 8 CONCLUSÃO No Estado Democrático de Direito evidenciam-se grandes e importantes transformações no cenário jurídico. Nota-se uma mudança de paradigma, inclusive, quanto à titularidade fundada no direito subjetivo. Neste modelo, o Direito tende a se desenvolver para melhor compreender a multifacetada realidade de uma sociedade em constante processo de transformação, adaptando e criando mecanismos de flexibilização de seus modelos normativos capazes de controlar, de forma eficaz, os conflitos intergrupais. Assim, verifica-se no ordenamento jurídico brasileiro a implementação de diversos instrumentos capazes de efetivar a defesa dos interesses de uma coletividade em juízo. O Direito do Trabalho, tendo em vista o caráter pessoal, subordinado e duradouro da prestação laborativa, confere especial dimensão à tutela da personalidade do trabalhador, visando sempre garantir o respeito à dignidade do mesmo. Verifica-se, pois, que a legislação trabalhista, para acompanhar a evolução da sociedade, passa a buscar novos enfoques que permitam a superação da tradicional doutrina individualista e instituir mecanismos que possibilitem a proteção aos direitos e interesses metaindividuais dos trabalhadores. O instrumento processual que garante a tutela destes interesses coletivos é a ação civil pública, que propicia, na verdade, a democratização do acesso à justiça através da tutela metaindividual dos interesses difusos, coletivos e individuais homogêneos e tem por objeto a tutela preventiva, reparatória ou sancionatória desses interesses. Através do instituto da ação civil pública, evita-se a ocorrência de decisões judiciais divergentes em casos iguais. Trata-se de um instrumento alternativo de resolução de conflitos que permite que as demandas dos cidadãos que compartilham os danos oriundos de um mesmo fato ou direito sejam apreciadas de forma idêntica pelo Poder Judiciário, impedindo, com isso, que as decisões jurisdicionais proferidas sejam contraditórias. Com efeito, a ação civil pública proposta no âmbito da Justiça do Trabalho tem por objetivo impedir ou ressarcir danos, de natureza patrimonial ou moral, causados aos interesses metaindividuais dos trabalhadores. Importante ressaltar, todavia, que o presente trabalho preocupou-se tão-somente tratar da tutela dos interesses metaindividuais dos trabalhadores no que pertine à sua violação de ordem moral, não sendo, pois, os danos de natureza patrimonial objeto de estudo. Neste contexto, a indenização por dano moral é uma imposição constitucional e legal da qual não está excluído o Direito do Trabalho. Aliás, nele, esta imposição combina mais do que com qualquer outra disciplina jurídica. O dano moral estará configurado sempre que um ato antijurídico atente contra valores extrapatrimoniais ligados à esfera da personalidade do indivíduo ofendido, sendo que sua caracterização enseja reparação de ordem pecuniária. A ocorrência do dano moral é presumida, não tendo que ser comprovado o prejuízo ou repercussão negativa do mesmo na vida do indivíduo. A indenização por dano moral, no âmbito da Justiça do Trabalho, pressupõe um ato ilícito, consubstanciado em erro de conduta ou abuso de direito praticado pelo empregador, além do prejuízo suportado pelo trabalhador, com subversão ilícita de um dos seus valores e o nexo de causalidade entre a conduta injurídica do empregador e o dano experimentado pelo obreiro. E, se a ofensa advinda de uma relação de fato ou jurídica atingir a esfera moral de grupo, classe, categoria ou de uma comunidade indeterminada de trabalhadores, causandolhes sentimento de desagrado, repúdio, constrangimento ou qualquer sofrimento psicofísico, configurado estará o dano moral trabalhista em sua dimensão coletiva. Com efeito, nas ações civis públicas propostas no âmbito da Justiça do Trabalho têmse observado, cada vez mais, requerimentos de condenação dos réus ao pagamento de indenização por danos morais coletivos. As pessoas não podem ser desconsideradas na sua dimensão coletiva: a sociedade possui padrões, valores, princípios e culturas próprias e, sempre que alguém atenta contra esses conceitos, estará agindo contra a sociedade e, por isso, tem por obrigação indenizá-la. Desta forma, em face de violação a interesses metaindividuais de ordem moral, socialmente relevantes e juridicamente protegidos, pode perfeitamente a ação civil pública trabalhista culminar em condenação do réu ao pagamento de indenização por dano moral coletivo. Assim, impõe-se reconhecer que o ajuizamento de ação civil pública para garantir a reparabilidade do dano moral coletivo é perfeitamente aceitável, na medida em que a sociedade possui valores morais protegidos pelo Direito. O dano moral coletivo não se funda na dor do indivíduo, mas sim numa lesão de caráter não econômico, recaindo sobre direitos constitucionalmente assegurados à coletividade, ou seja, valores e sentimentos intrínsecos à personalidade de cada um são de somenos relevância nesta ação coletiva, uma vez que ela visa tutelar, em conjunto, os direitos de todos. Na verdade, a existência de um dano moral coletivo está atrelada à própria ação civil pública quando constatada a ocorrência de ato patronal que implique em ofensa ao princípio da dignidade dos trabalhadores. E, se a ação civil pública abrange todos os trabalhadores que se encontram naquela situação lesiva, a condenação nela proferida, consequentemente, também abrangerá a coletividade em questão. Na ação civil pública, o valor fixado a título de indenização por dano moral coletivo deve refletir a função sancionatória, compensatória e pedagógica da respectiva indenização a ser paga pelo ofensor, de forma a não restar impune a lesão constatada. O montante pecuniário fixado não se destinará diretamenete aos indivíduos, apesar de ser revertido em prol dos interesses dos mesmos, através de programas e ações de emprego que os beneficiem. Com efeito, ainda que existam situações em que a indenização por dano moral coletivo fixada na ação civil pública trabalhista seja diretamente destinada aos interesses locais dos trabalhadores lesados, tratam-se de exceções, uma vez que, via de regra, o montante indenizatório é revertido ao Fundo de Amparo ao Trabalhador – FAT, conforme determina a Lei da Ação Civil Pública. O FAT é um órgão vinculado ao Poder Executivo que recebe e determina o destino do dinheiro arrecadado nas condenações pecuniárias oriundas das ações civis públicas proposta na defesa dos interesses metaindividuais dos trabalhadores. Assim, considerando a indivisibilidade dos interesses tutelados, bem como a titularidade e a indeterminação da coletividade de trabalhadores atingidos, a destinação do montante indenizatório ao FAT apresenta-se como a solução mais apropriada e eficaz neste universo da tutela dos interesses metaindividuais. A ação civil pública, proposta no âmbito da Justiça do Trabalho, surgiu em resposta aos anseios de uma coletividade de trabalhadores em juízo face a uma nova realidade de massificação das relações laborativas. Na verdade, a tutela metaindividual assegurada por meio da ação civil pública trabalhista compõe as mais diversas órbitas de projeção dos direitos dos trabalhadores, inclusive no tocante à esfera moral dos mesmos. Isto porque a civilização evoluiu de forma a proporcionar o surgimento de um Direito moderno e abrangente, no qual se garante a possibilidade de defesa ampla aos direitos fundamentais dos homens, assegurando a proteção à dignidade e respeito aos direitos individuais e sociais constitucionalmente assegurados à todos. Assim, a proteção jurídica passa a abarcar também a esfera moral dos indivíduos, na medida em que a evolução da sociedade e a preocupação constante dos operadores do Direito com a manutenção e respeito à dignidade da pessoa humana propicia o surgimento do instituto da ação civil pública como mecanismo processual de garantia aos interesses da coletividade, sendo o dano moral causado aos trabalhadores, coletivamente considerados, objeto de tutela da referida ação coletiva. Desta forma, sempre que o empregador atentar contra a dignidade dos seus empregados/trabalhadores, violando valores socialmente relevantes e protegidos pela ordem jurídica, imperativa se faz a reparação do dano moral coletivo constatado. Assim sendo, a ação civil pública é um instrumento conveniente e eficaz para assegurar a devida reparação dos danos morais causados aos trabalhadores. A referida ação coletiva garante a ampla efetividade da tutela jurisdicional trabalhista, superando as limitações do tradicional modelo processual baseado no ajuizamento de inúmeras ações individuais e garantindo, através de provimentos judiciais que abrangem inteiramente toda a coletividade direta ou indiretamente lesada, a verdadeira proteção aos direitos metaindividuais dos trabalhadores, inclusive a reparação devida ante a violação intolerável inflingida à valores morais e bens fundamentais da coletividade de obreiros, impondo uma indenização capaz de reparar o dano moral causado e, ao mesmo tempo, inibir futuras transgressões por parte dos empregadores aos direitos constitucionalmente assegurados à classe trabalhadora. REFERÊNCIAS ADAMOVICH, Eduardo Henrique Raymundo von. Sistema da Ação Civil Pública no Processo do Trabalho. São Paulo: LTr, 2005. 512p. ARAÚJO JÚNIOR, Francisco Milton. Dano moral decorrente do trabalho em condições análoga à de escravo: âmbito individual e coletivo. Revista do TST. Brasília, v. 72, nº 03. set/dez 2006. p. 87-102. BITTAR, Carlos Alberto. Danos morais: Critérios para sua fixação. Repertório IOB de Jurisprudência, nº 15/93. p293. 1ª quinzena de agosto/1993. BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. 10.ed. São Paulo: RT, 2008. BRASIL. Lei 7.347, de 24 de julho de 1985. Disciplina a ação civil pública de responsabilidade por danos causados ao meio-ambiente, ao consumidor, a bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico (VETADO) e dá outras providências. Diário Oficial da União, Brasília, 25 jul. 1985. BRASIL. Lei 8.078, de 11 de setembro de 1990. Dispõe sobre a proteção do consumidor e dá outras providências. Diário Oficial da União, Brasília, 12 set. 1990. Retificado em 10 jan. 2007. BRASIL. Lei Complementar 75, de 20 de maio de 1993. 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