Pensamento Econômico

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Pensamento do Dia
Economistas analisam a Economia, o Brasil
e o mundo,
mundo, na mídia diária 21 07 2010
------------------------------------------------------------------Folha de S.Paulo - 21/07/2010
O duplo mergulho
Antonio Delfim Netto
A recente revisão das estimativas do crescimento mundial feita pelo Fundo Monetário
Internacional (que como "previsão" é sujeita a chuvas e trovoadas) mostra que, até onde
é possível enxergar o futuro, existe um movimento de recuperação que foi vigoroso no
primeiro trimestre de 2010 e provavelmente seguirá a uma velocidade menor nos
trimestres seguintes.
Segundo o FMI, o mundo crescerá em 2010 qualquer coisa como 4,6%, contra um
crescimento negativo de 0,6% em 2009. Para 2011 o FMI sugere um crescimento de
4,3%.
Com exceção de alguns analistas da evolução do mercado financeiro internacional,
ninguém considera seriamente a probabilidade de uma nova crise (o "double dip").
Quando se olha para o setor produtivo, há um otimismo moderado de que o processo de
recuperação vai continuar.
Os EUA, ao lado das medidas monetárias e fiscais de estímulo ao crescimento, mas
relativamente hostis ao setor produtivo, continuam a dar ênfase à busca da autonomia
energética.
Acrescentaram recentemente três vetores mais agradáveis ao setor produtivo privado
para tentar mobilizá-lo: 1) duplicar em cinco anos o valor das exportações com amplo e
sofisticado suporte governamental; 2) acelerar os acordos de livre comércio parados no
Congresso por pressão dos sindicatos e 3) uma ação psicológica e de persuasão moral
sobre os empresários para que acreditem na recuperação e aumentem seus
investimentos, uma vez que dispõem de US$ 2 trilhões em caixa. O FMI estima para os
EUA um crescimento de 3,3% para 2010 e 2,9% para 2011.
No caso da Alemanha (crescimento de 1,4% em 2010 e 1,6% em 2011 de acordo com o
FMI), o ministro das Finanças estima que o crescimento poderá atingir 2% em 2010
graças à credibilidade, no setor privado, do ajuste fiscal e ao aumento das exportações
promovidas pela desvalorização do euro.
No caso do Japão, a dependência das exportações é maior e sua rápida expansão no
primeiro trimestre levou o FMI a estimar um crescimento do PIB de 2,4% em 2010 e
1,8% em 2011.
Na China continuam os estímulos de toda sorte à produção e à criação de um mercado
interno cada vez mais robusto.
Ela iniciou agora um novo e importante programa, a "Grande Exploração do Oeste". O
FMI estima um crescimento de 10,5% em 2010 e de 9,6% em 2011.
No nível do setor produtivo, que cria o PIB e dá emprego, parece que ninguém está
falando num "double dip" criador da volatilidade tão querida dos especuladores
financeiros.
------------------------Valor Econômico - 21/07/2010
Homenagem
Roberto Luis Troster
CLT ajuda a manter o emprego. Para cada trabalhador na produção ou nas
vendas outros são necessários para cumprir a lei
Ned Ludd tinha uma preocupação meritória que era a de preservar postos de trabalho e
dessa forma fazer com que operários pudessem manter seu modo de vida. Para esse
nobre propósito, propunha a destruição das máquinas que causavam desemprego na
Inglaterra que estava se industrializando.
A nova tecnologia estava acabando com um modo de produzir de vários séculos; a
máquina a vapor e o tear automático ilustram o perigo enfrentado na época. Muitos de
seus seguidores, os ludistas, ao fazerem justiça com as próprias mãos, foram
perseguidos, alguns presos e deportados para a Austrália, e houve até condenados à
morte. Mas suas ideias sobreviveram e cruzaram o Atlântico.
No Brasil, a influência dos neoludistas é considerável. Usam métodos não violentos e
mais efetivos que não só evitam o desemprego, como também geram mais cargos
profissionais. Todas suas ações são amparadas na lei e dessa forma não terão o mesmo
fim que seus antecessores. Alguns exemplos ilustram como promovem o bem do país.
Um caso emblemático do pensamento neoludista é o tratamento dado a alterações na
vida econômica. Como novas empresas criam produtos e serviços que acabam por causar
desemprego nas já existentes, a solução é bloquear sua entrada em operação. Para
tanto, são colocados vários procedimentos burocráticos de forma a dificultar o início de
seu funcionamento. Um levantamento do Banco Mundial mostra que são necessários 16
procedimentos diferentes para abrir uma empresa no Brasil, um dos mais elevados do
mundo. Lembrando que, quanto mais complicadas forem as exigências, mais burocratas
serão necessários para aferir sua validez.
Caso o empreendedor persevere e mesmo assim consiga fazer a empresa entrar em
operação, terá que dedicar 2.600 horas por ano apenas para preencher a documentação
e as guias para pagar os impostos. Com isso três objetivos são alcançados. Um é que é
necessário empregar para o cumprimento das obrigações tributárias; outro é que, à
medida que aumenta o número de exigências e sua complexidade, é mandatório ter mais
fiscais; e o terceiro é que com mais impostos haverá mais recursos para pagar o
funcionalismo.
A legislação trabalhista é outro exemplo de como a lei gera empregos. É complexa,
abrangente e minuciosa, a consolidação de todas as normas. A CLT tem quase mil artigos
aos quais devem ser adicionados os das convenções coletivas. Com isso, são necessários
funcionários nas empresas para verificar o atendimento de suas exigências e dezenas de
milhares de advogados e juízes para solucionar as divergências. Desse modo os
empregos são multiplicados, pois para cada trabalhador na produção ou nas vendas
outros são necessários para cumprir a legislação.
Os neoludistas também têm ações visando o bem do setor privado. O que aconteceu nos
cartórios ilustra o ponto. Há cinco anos eram necessários, de acordo com o Banco
Mundial, 14 procedimentos, 42 dias e 2% do valor da propriedade para sua
transferência; conseguiu-se manter o número de procedimentos e o tempo médio, mas
aumentou-se o custo para 2,7% beneficiando os trabalhadores e titulares dos cartórios. É
uma instituição do tempo de Império que está sendo valorizada.
A lista de exemplos é extensa e alguns dos benefícios são mensuráveis. Brasília, a cidade
mais favorecida por sua inspiração, tem uma renda por habitante que é o dobro da
média nacional. É uma prova empírica que evitar mudanças é benéfico. O Banco Mundial
prepara uma classificação sobre a facilidade de fazer negócios (Doing Business) em
diferentes países. O Brasil regrediu algumas posições. A falha está em não perceber que
quanto mais atrás, menos muda o país e tudo fica tudo como está.
Há oposição às políticas neoludistas, mas é pouca. A explicação mais razoável para as
críticas é de algumas pessoas que observam que, na média, os salários do setor privado
são inferiores aos do público e criticam. Falam em competitividade, mas não são
competentes o suficiente para conseguir um padrinho político. Pura inveja.
Os críticos mais conhecidos são os neoliberais, que propõem mais produtividade à
economia brasileira. Um risco a ser evitado, pois se a quantidade de produto por
trabalhador aumentar serão necessários menos empregados, um perigo para o qual Ned
Ludd alertava.
Outra sugestão dos neoliberais é que se aumente a idade de aposentadoria dos
trabalhadores. Não entendem que cada novo aposentado é mais uma vaga a ser
preenchida, leia-se um desempregado a menos. Mantendo-se o valor das aposentadorias
igual aos salários da ativa, conseguem-se mais empregos sem perda de renda para os
que se retiram em idade precoce. Essa falta de compreensão desses pensadores elucida
sua baixa popularidade.
Algumas propostas levantadas são absurdas, como a de dar mais eficiência ao setor
público. Seus autores não percebem que se isso acontecesse, dezenas de milhares de
funcionários ficariam de braços cruzados e edifícios inteiros seriam abandonados. Seria
um cataclismo social se fosse acatada.
A sorte do país é que a Secretaria de Assuntos Estratégicos está consciente desses riscos
e coloca no seu diagnóstico para o planejamento do Brasil em 2022 que "As políticas
neoliberais ...levaram ao agravamento da pobreza". Uma visão clara de que os princípios
ludistas orientam as políticas do futuro do Brasil e que as críticas não alterarão seu rumo.
Os programas das campanhas dos candidatos a presidente também não mostram um
compromisso em combater os nobres ideais neoludistas. As promessas são de mais
empregos em vez de mais empresas, preocupam-se com o índice de desemprego, e
devem estar conscientes que o de mortalidade de empresas não tem significado
econômico. Tudo indica que é razoável supor que a influência das ideias expostas
continue no próximo governo. É algo que tranquiliza.
Considerando a contribuição positiva de Ned Ludd, a proposta deste artigo é que ele seja
homenageado. Tem que ser algo grandioso, proporcional a seu legado. Poder-se-ia até
tentar fazer algo em conjunto com outras nações limítrofes que também seguem seus
princípios. Um feriado é o mínimo, o dia do Ludismo. Se Tiradentes que era contra os
impostos tem feriado, nada mais justo de que alguém a favor também tenha. Será um
reconhecimento mais que merecido.
Roberto Luis Troster é economista
-------------------------------Folha de S.Paulo - 21/07/2010
O reverso da fortuna
Alexandre Schwartsman
ALAVANCAGEM, em que pese a complexidade associada ao termo, é um fenômeno
comum no mercado financeiro e não tão difícil de entender. Imagine, por exemplo,
alguém que possua R$ 100 e os invista em algo que renda R$ 10 ao ano (um retorno de
10%). Caso possa tomar recursos emprestados a, digamos, 5% ao ano, ele pode
multiplicar ("alavancar") seu retorno.
Tomando R$ 100 por empréstimo e investindo no mesmo ativo que rende 10% ao ano,
obterá R$ 20 (10% sobre R$ 200) menos os R$ 5 que deverá pagar de juros sobre os R$
100 emprestados, ou seja, R$ 15. Agora, para o mesmo capital de R$ 100, seu retorno é
de 15% ao ano. Também não é complicado concluir que, quanto maior for a
alavancagem, tanto maior será o retorno sobre o capital.
No mesmo exemplo acima, se, em vez de tomar R$ 100 emprestados, nossa investidora
tomasse R$ 900, obteria R$ 100 por ano (10% sobre R$ 1.000) e, deduzindo o juro
sobre o empréstimo (R$ 45), ficaria com R$ 55, um retorno de 55% (!) sobre seu capital
original.
Obviamente, o risco também cresce com a alavancagem: no caso em questão, uma
perda de 10% no valor do ativo deixaria nossa investidora sem um centavo para contar a
história. Resumindo: a alavancagem é um instrumento que eleva tanto o retorno como o
risco do investimento.
Peço agora ao leitor que imagine um caso paradoxal: o que ocorreria se o rendimento do
ativo fosse inferior ao custo dos empréstimos tomados para alavancar o investimento?
Para facilitar, suponha que o retorno do ativo seja zero. Nesse caso, se a investidora
tomou R$ 200 emprestados a juro de 5%, no final do ano ela teria de pagar R$ 10, isto
é, obteria um retorno negativo de 10% sobre seu capital de R$ 100.
E, quanto mais alavancasse, tanto mais negativo se tornaria seu retorno, enquanto seu
risco continuaria a crescer. Esse caso, contudo, deveria ser mera curiosidade acadêmica.
Afinal de contas, quem, em sã consciência, tomaria recursos para aplicá-los numa taxa
mais baixa do que originalmente custaram? A resposta, leitor, é o Tesouro Nacional, o
gestor -na descrição precisa de Armínio Fraga- do meu, do seu, do nosso dinheiro.
Em nome de uma política dita anticíclica, o Tesouro Nacional emprestou, no último ano e
meio, R$ 180 bilhões para o BNDES a taxas consideravelmente inferiores às que paga
para tomar esses recursos, trazendo o estoque de créditos daquela instituição para a
marca de R$ 377 bilhões (12% do PIB), incluindo nessa conta os recursos do FAT (Fundo
de Amparo ao Trabalhador).
O grosso desses créditos (R$ 299 bilhões) está indexado à TJLP (Taxa de Juros de Longo
Prazo), hoje em 6% ao ano, enquanto a taxa básica de juros (Selic), que baliza o custo
dos títulos da dívida do governo, é de 10,25% ao ano.
Como sugerido pelo último exemplo, essa política implica elevação do custo médio da
dívida líquida. Aliás, esse efeito foi tão forte a partir do final de 2008 que, a despeito da
queda de cinco pontos percentuais da Selic de janeiro a julho de 2009, o custo médio da
dívida aumentou.
Posto de outra forma: entre 2004 e 2007, o custo médio da dívida e a Selic andavam em
linha (a correlação entre as séries era de 90%); já entre 2008 e 2010, o primeiro subiu,
refletindo o poder da alavancagem, a despeito da queda da Selic (a correlação se tornou
negativa, -62%).
Seria ótimo que essa correlação permanecesse negativa com a Selic em alta, mas isso só
aconteceria se os créditos ao BNDES fossem retirados à medida que a Selic subisse
(caracterizando de fato uma política contracíclica).
Como isso não ocorrerá, a alavancagem descrita no início do artigo opera contra nós,
pois o custo da dívida subirá mais do que o aumento da Selic, num contexto de risco
mais elevado, ou seja, uma monumental transferência de renda para setores
privilegiados. Para meros mortais, sobra apenas o reverso da fortuna.
ALEXANDRE SCHWARTSMAN, 47, é economista-chefe do Grupo Santander
Brasil, doutor em economia pela Universidade da Califórnia (Berkeley) e exdiretor de Assuntos Internacionais do Banco Central. Escreve às quartas-feiras,
quinzenalmente, neste espaço.
------------------------------Valor Econômico - 21/07/2010
A economia e seus dilemas
Gustavo Loyola
Na semana passada, o "chairman" do Federal Reserve (Fed, banco central americano) fez
um apelo aos bancos para que fizessem todo o possível para emprestar às pequenas
empresas americanas, argumentando que elas são fundamentais para a criação de
empregos. Ben Bernanke sabe o que diz. Nos seus anos de academia, escrevendo sobre
a Grande Depressão, observou que o colapso do canal de crédito foi um dos fatores mais
importantes para a persistência da recessão por vários anos.
A fala de Bernanke ilustra bem os complexos dilemas hoje enfrentados pelos
responsáveis pelas políticas econômicas nos países desenvolvidos. Nessa questão, o
mesmo governo que "convoca" os bancos a contribuírem para a recuperação da
economia, via aumento do crédito, é responsável pela aprovação de uma legislação
financeira de alto impacto que, no mínimo, vai exigir capitalização adicional das
instituições bancárias e encarecer a intermediação financeira.
Os dilemas não param por aí. No âmbito da política fiscal, há uma contraposição nítida
entre a necessidade de manutenção dos estímulos fiscais na maioria das economias e a
urgência da redução dos déficits públicos com vistas a manter a normalidade no
refinanciamento da dívida pública num mercado cada vez mais avesso ao risco. As
dificuldades na rolagem da dívida da Grécia e de outros países integrantes da zona do
euro indicaram claramente que, em muitos casos, chegou-se ao ponto de esgotamento
da capacidade de ampliação da dívida para financiar gastos anticíclicos.
Na política monetária as escolhas igualmente não têm sido fáceis. Por causa da
proximidade dos juros nominais do piso "zero", os bancos centrais estão cada vez mais
nervosos diante da possibilidade de terem que manter ou aumentar suas operações de
injeção de liquidez, por meio da compra de ativos nem sempre de boa qualidade.
Em parte por causa de tais dilemas, os agentes econômicos tornam-se cada vez mais
pessimistas quanto à capacidade de recuperação no curto prazo da atividade econômica.
De fato, as chances de uma robusta recuperação econômica do mundo desenvolvido nos
próximos meses são muito baixas. Muito provavelmente, os EUA, a Europa ocidental e o
Japão devem apresentar crescimento inferior à média histórica durante 2010 e 2011.
Contudo, o temor de um duplo mergulho recessivo, cogitado por alguns analistas, não
deve ser exagerado. Apesar das dificuldades acima apontadas, ainda há espaço para
ações de política econômica para evitar a volta de um ambiente recessivo nas economias
desenvolvidas. Basta que sejam feitas as escolhas certas.
A situação da economia americana é ilustrativa. Seus principais indicadores vêm
apresentando alta volatilidade, ora apontando na direção positiva, ora na negativa. Esse
padrão é típico de uma economia cuja recuperação continua tímida e que ainda necessita
de estímulos fiscais e monetários para se manter de pé. O consumo e o investimento não
devem apresentar crescimento expressivo no futuro imediato, em razão do elevado grau
de endividamento das famílias e da existência de capacidade ociosa na economia. Com
este quadro, o Fed deve manter o quadro de afrouxamento monetário nos próximos
meses, persistindo na política de "quantitative easing". O balanço de riscos pende, no
momento, mais para o lado deflacionário, o que limita os problemas potencialmente
criados pela emissão exagerada de moeda. Por outro lado, com relação à política
regulatória, não parece ser ainda o momento de adotar medidas que exijam capitalização
adicional dos bancos, uma vez que tal exigência pode limitar ainda mais a capacidade do
sistema bancário de ofertar crédito. Ademais, na política fiscal, apesar da deterioração do
quadro nos últimos anos, os EUA ainda dispõem de algum espaço de manobra para
manter os estímulos, diferentemente da situação de alguns países europeus.
Quanto à Europa, especialmente os países da zona do euro, a situação é mais
complicada. Não apenas as economias padecem de males estruturais, mas também a
dicotomia da existência de autoridade monetária federal (o BCE) "versus" várias
autoridades fiscais autônomas dificulta o exercício de uma política econômica
consistente. De todo modo, não há outra saída a não ser o BCE manter sua política de
injeção de liquidez nos mercados, enquanto os países com maiores dificuldades na
rolagem da dívida embarcam numa política de contenção fiscal. Porém, a adoção de
política fiscal restritiva por todos seria um erro, cabendo à Alemanha especialmente o
papel de não exacerbar a ideia da consolidação fiscal a curto prazo.
Em conclusão, não obstante o quadro seja o de certo esgotamento do arsenal anticíclico
dos governos, o fundamental é persistir com a política de estímulo monetário e fiscal,
obviamente excetuando o caso dos países em que a contenção fiscal é necessária por
força das dificuldades de financiamento da dívida.
Quanto à agenda de reforma regulatória, embora reconhecendo sua importância, sua
implementação deve ser gradual, para não prejudicar a capacidade de oferta de crédito
pelos bancos numa quadra de reduzido crescimento econômico.
Gustavo Loyola, doutor em Economia pela EPGE/FGV, foi presidente do BC e é
sócio-diretor da Tendências Consultoria Integrada, em São Paulo.
----------------------------Valor Econômico - 21/07/2010
A batalha sobre o ajuste fiscal
Martin Wolf
Uma "década perdida" à la Japão ameaça o mundo desenvolvido. Isso é
provável se todos fizerem um ajuste fiscal ao mesmo tempo
Ajustar ou não ajustar - eis a questão. E é uma questão para a qual as autoridades de
política econômica começaram a alterar suas respostas. Elas estão certas em fazê-lo?
Esse é o assunto em questão nesta semana em artigos no "Financial Times", ecoando os
ferozes debates dos anos 30. Se os argumentos a favor do ajuste fiscal estiverem
corretos, deixar de promovê-lo traria choques financeiros e fiscais em alguns dos países
mais importantes do mundo. Se os argumentos a favor do aperto forem falsos, a decisão
de promovê-lo coloca em risco a recuperação econômica e pode desencadear mais
choques financeiros.
Qual a posição das autoridades? A declaração divulgada após a reunião de cúpula do G20 asseverou: "Há o risco de que ajustes fiscais sincronizados em várias economias
importantes possam impactar adversamente a recuperação. Também há o risco de que
falhar em adotar a consolidação (fiscal) onde for necessário corroa a confiança e obstrua
o crescimento. Refletindo esse equilíbrio, as economias avançadas se comprometeram a
planos fiscais que reduzirão os déficits pelo menos em 50% até 2013 e estabilizarão ou
reduzirão as proporções entre dívidas e Produto Interno Bruto até 2016".
A linguagem é notavelmente mais cautelosa que a do encontro de cúpula de Pittsburgh,
em setembro de 2009, onde ousadamente declarou-se: "Nos comprometemos hoje a
sustentar nossa forte resposta de política econômica até que se assegure uma
recuperação durável. Agiremos para assegurar que quando o crescimento voltar, o
mesmo ocorra com os empregos. Evitaremos qualquer retirada prematura dos estímulos.
Ao mesmo tempo, prepararemos nossas estratégias de saída e, quando o momento for
oportuno, retiraremos nosso apoio de políticas extraordinárias de apoio de uma forma
cooperativa e coordenada, mantendo nosso compromisso com a responsabilidade fiscal".
O que foi que mudou, então?
A primeira resposta é que a economia mundial se recupera com mais força do que se
imaginava. Em abril de 2009, época da reunião de cúpula do G-20 em Londres, a
previsão consensual era de crescimento econômico mundial de 1,9% em 2010. Em
setembro passado, a taxa de expansão havia chegado a 2,6%. Em junho deste ano, a
3,5%. Nos EUA, o consenso das previsões para este ano era de 1,8%, em abril de 2009;
2,4%, em setembro passado; e 3,3%, em junho deste ano. Até para a região do euro, as
previsões subiram um pouco, de 0,3%, em abril de 2009; para 1%, em setembro
passado; e 1,1%, em junho de 2010.
A segunda resposta está na crise fiscal grega e de outros países periféricos da região do
euro, reforçada pela eleição da coalizão de governo do Reino Unido. A fuga dos
investimentos de risco foi drástica: em maio, o rendimento dos bônus governamentais
gregos de dez anos chegou a um pico superior a 12%. Isso levou a um pacote de resgate
do Fundo Monetário Internacional (FMI) e de outros países da região do euro, assim
como à formação de uma nova linha de crédito de estabilização conjunta do FMI e da
região do euro, de 750 bilhões.
Os "cortadores" argumentam que déficits fiscais imensos desse tipo - nunca vistos antes
em tempos de paz em grandes países desenvolvidos, mais notavelmente nos EUA ameaçam a credibilidade fiscal de longo prazo, além de deprimir os gastos e a confiança
privada. Embora agregar estímulos fiscais aos estabilizadores inerentes do sistema fazia
sentido durante o pânico em 2008 e início de 2009, chegou o momento de uma rápida
consolidação fiscal. De outra forma, nos aproximamos de uma disparada nos custos dos
empréstimos, o que teria resultados desastrosos. A perda permanente de produção e
receita deixada pela crise, somada ao envelhecimento das populações, torna inevitável e
premente agir.
Os "postergadores" concordam que deve haver uma desaceleração decisiva do
crescimento nos gastos de longo prazo. Enfatizam, no entanto, a fragilidade da
recuperação e, em particular, os imensos superávits financeiros do setor privado. Essa
frugalidade privada provocou os déficits fiscais, insistem, e não o contrário. A sequência
de eventos torna isso evidente.
Além disso, acrescentam os postergadores, vivenciamos uma ampla fuga em direção à
segurança: para os que têm mais pânico, não há alternativa a não ser os bônus de
governos com altas classificações de crédito, particularmente o dos EUA, emissor da
moeda mundial de segurança. Desde a crise da região do euro, esse papel do país
fortaleceu-se. Além disso, as taxas de juros de longo prazo dos principais países estão
em baixa, não em alta: nos EUA, as taxas dos títulos de dez anos do Tesouro estão em
3%. Onde está, então, a ameaça à confiança?
Os postergadores, ademais, poderiam acrescentar que, com taxas de juros próximas a
zero, a política monetária é ineficiente, a não ser na medida em que sustenta o
afrouxamento fiscal. Por sorte, os países com bancos centrais próprios podem financiar
diretamente déficits fiscais. Isso não vale para os países da região do euro, que estão, na
prática, operando com uma moeda estrangeira. Enquanto o excesso de capacidade
continuar tão grande e os empréstimos bancários normais tão enfraquecidos, tal
dependência em relação à "gráfica" do banco central não cria perigos inflacionários. Ao
contrário, o perigo maior é que um aperto fiscal prematuro possa desencadear uma
desaceleração econômica acentuada, como no Japão na década de 90, arremessando
dessa forma economias importantes em uma deflação.
A interação de alto endividamento e deflação poderia, argumentam, criar uma espiral
descendente. Uma "década perdida" à japonesa ameaça o mundo desenvolvido. Isso é
particularmente provável se todos promoverem um ajuste fiscal ao mesmo tempo. Na
verdade, precisa-se de mais afrouxamento: no primeiro trimestre de 2010, o PIB de
todos os membros do grupo das sete principais economias ainda estava abaixo de seus
níveis pré-crise.
Os leitores podem decidir-se sobre os méritos dos argumentos nesta semana. Minha
forma de ver está fortemente ao lado dos postergadores. Em um ponto, entretanto,
todos concordam: o debate é importante. Não podemos ter certeza sobre quem está
certo. Mas podemos estar certos de que, se os responsáveis por formular as políticas
agirem de forma errada, os resultados podem muito bem ser desastrosos. Os médicos
precisam preparar-se para reagir com rapidez a reações adversas ao tipo de tratamento
escolhido
Martin Wolf é editor e principal comentarista econômico do FT.
------------------------------Valor Econômico - 20/07/2010
Desindexação comemora 15 anos ainda
incompleta
Paulo Paiva
Para consolidar a estabilidade monetária, era preciso eliminar a indexação, da
economia
A economia brasileira tem resistido à crise e já apresenta boas perspectivas de
crescimento. Vários são os fatores responsáveis por esse desempenho, cuja origem está
nos esforços de estabilização monetária iniciados com o Plano Real e nas reformas
subsequentes. A condução da política macroeconômica, sustentada no tripé metas de
inflação, câmbio flutuante e responsabilidade fiscal, tem permitido a redução de
incertezas e a consolidação de ambiente propício ao crescimento econômico.
Todavia, antes do Plano Real, o contexto era muito diferente. Um dos fatores principais
para a continuidade de altos índices de inflação no passado era o processo generalizado
de indexação dos preços que agia como correia transmissora da inflação passada para o
presente e na formação das expectativas sobre o nível de preço no futuro. No final de
1995, o Plano Real completou seu primeiro aniversário e o professor Mário Henrique
Simonsen lançou seu livro 30 anos de indexação.
Para consolidar a estabilidade monetária, uma medida complementar necessária à época
era a eliminação da indexação, principalmente porque na implantação do Plano Real, em
1994, foi incluído um dispositivo que tornaria inviável a estabilidade dos preços na nova
moeda: a indexação dos salários na nova moeda. Na Lei 8.080/94 foi assegurado aos
trabalhadores o reajuste dos salários em percentual correspondente à variação dos
preços em Real, desde o mês de sua implantação, julho de 94, até o mês da data-base.
Para isso foi criado um novo índice de preço, o IPC-r, para calcular os níveis de preços na
nova moeda. Então, em cada data-base, a correção dos salários devido à variação de
preços em Real ficava garantida por lei. Por exemplo, aos contratos com data-base em
julho, assegurava-se um mês de correção; àqueles com data-base em agosto, dois
meses, e assim sucessivamente.
Como consequência, em junho de 1995, todos os salários estariam indexados na nova
moeda, tornando o mercado de trabalho inflexível e a redução da inflação impossível.
Para garantir a estabilidade monetária era imperioso eliminar a indexação da economia
e, em particular, dos salários. A Medida Provisória 1.053, de 30 de junho de 1995, foi o
instrumento utilizado para isso, vedando a utilização da correção monetária ou de índices
de reajustes de preços em todos os contratos com duração de até um ano e adotando as
negociações coletivas como norma nos contratos de trabalho. No caso dos salários, para
promover a desindexação, optou-se por utilizar o mesmo mecanismo que havia garantido
a correção automática em Real. Agora, a partir de julho de 1995, a cada mês, na
negociação da data-base, se excluía a garantia da indexação em Real, de tal forma que
após um ano, não mais haveria indexação salarial. Foi então desativada uma perigosa
bomba-relógio que havia sido embutida no Plano Real, contribuindo-se, desta forma,
para a aceleração da queda da inflação a partir do segundo semestre de 1995. O que
efetivamente ocorreu.
O processo gradual de desindexação estimulando a negociação coletiva, o apoio de
importantes segmentos do movimento sindical a essa iniciativa, e a entrada em vigência
da então Medida Provisória 974, de 31 de dezembro de 1994, que estabeleceu os
critérios para a negociação da participação dos trabalhadores nos lucros e resultados das
empresas, foram os principais responsáveis pelo sucesso da eliminação das correções
automáticas de salários no Brasil. Enfim, consolidou-se a prática da negociação coletiva
sobre a variação dos salários. Seus níveis passaram a ser objeto de negociações diretas
entre empregadores e os sindicatos das respectivas categorias.
Outro elemento importante para o sucesso da desindexação foi a manutenção da política
cambial vigente que operava como âncora para a estabilidade da moeda. Cabe lembrar
aqui que, naquele ano, a economia latino- americana estava sob forte pressão em razão
da crise mexicana. Se houvesse uma desvalorização do câmbio, como queriam muitos
economistas, inevitavelmente ocorreria aceleração da inflação em Real e, em
consequência, a desindexação não teria acontecido, comprometendo a consolidação do
Plano Real.
Mas o processo de desindexação não foi universal. Restaram ainda setores, como o
mercado financeiro, cuja indexação age como barreira à flexibilização de preços. Uma
queda mais acentuada nas taxas de juros encontra barreira nos obstáculos ainda
sobreviventes do período de economia indexada pré-Real. Seria desejável, retirar a
indexação da caderneta de poupança, deixando que seus rendimentos acompanhem a
variação das taxas de juros, sendo indiretamente relacionados à sua liquidez. Isso teria
efeito imediato nos custos e na oferta de recursos para o financiamento habitacional,
favorecendo os mutuários.
Ademais, na contramão da desindexação, novas formas de correção automática têm
surgido, como nos mecanismos de correção na Previdência Social que podem contribuir
também para estimular variações nos índices gerais de preço.
No 15º aniversário da Medida Provisória 1.053 ainda restam desafios importantes para
completar o processo de desindexação visando garantir a estabilidade de preços em
níveis mais baixos e evitando possíveis estímulos ao retorno da inflação. É hora de
concluir o processo de desindexação da economia brasileira.
Paulo Paiva é presidente do BDMG, foi ministro do Planejamento na gestão FHC.
---------------------------------Estadão Online – 20/07/2010
Mistério do desemprego?
Paul Krugman
Brad DeLong se pergunta por que John Harwood se mostra tão alarmado com um
suposto aumento excessivo no desemprego, mesmo levando-se em consideração o
declínio no PIB. Brad argumenta que a velha Lei de Okun – segundo a qual uma queda
de um ponto no PIB provocaria um aumento de apenas meio ponto no desemprego – já
se mostrou falsa nas duas últimas recessões.
Concordo; o grande mistério só existe para aqueles que imaginaram a Grande Recessão
e o período imediatamente posterior a ela como algo semelhante a um ciclo econômico
pré-1990, e não como outro ciclo pós-moderno semelhante aos de 1990 e 2001.
Em especial, vale observar como mudou a produtividade ao longo do ciclo. No momento
não tenho tempo para uma explicação adequada, mas proponho a análise deste gráfico:
Olhando bem, pode-se ver que antes de 1990 as recessões eram, em geral,
acompanhadas por uma queda na produtividade, em boa medida porque as empresas
conservavam seus funcionários com o objetivo de estarem preparadas para aumentar a
produção assim que começasse a recuperação.
Depois de 1990, este efeito de “açambarcamento da força de trabalho” basicamente
desapareceu; o aumento na produtividade pareceu acelerar nos períodos de
enfraquecimento na demanda. Em parte isso pode ter sido um reflexo de mudanças
estruturais na economia; pode também refletir a percepção (correta) de que a
recuperação a partir de uma recessão induzida por uma crise financeira é muito mais
lenta do que aquela que se segue a uma crise criada pelo aperto monetário, imposto pelo
Fed para controlar a inflação.
Isso nos leva a uma questão mais ampla: do meu ponto de vista, um dos problemas da
política econômica nos primeiros meses do governo Obama residiu no fato de os
funcionários mais graduados – assim como muitos economistas de Wall Street –
pensarem na Grande Recessão como uma reprise de 1982, e não como uma versão de
2001 de proporções gigantescas.
------------------------O Estado de S.Paulo - 21/07/2010
O Copom decide
Celso Ming
O Comitê de Política Monetária (Copom), do Banco Central, define hoje o novo nível dos
juros. Mas não está tão claro o que alguns passaram a exigir há poucas semanas, que os
juros devam parar de subir ou, até mesmo, devam cair. Ontem, a aposta majoritária do
mercado financeiro passou a ser a de um aumento dos juros de 0,5 ponto porcentual ao
ano, um degrau mais baixo do que o de junho.
A economia brasileira ingressou agora na fase de desaceleração. A produção continua
aumentando, mas a ritmo mais baixo do que os 9% ao ano registrados há alguns meses.
Isso não significa ainda que esteja em curso um ajuste em direção ao crescimento mais
sustentável da economia. A indústria reduziu sua marcha muito mais em consequência
da retirada dos incentivos tributários (suspensão da redução de impostos) do que em
consequência da queda consistente do consumo. É natural que a indústria de veículos,
por exemplo, diminua suas vendas depois de uma longa temporada de antecipação de
compras. No entanto, o crédito ao consumidor e às empresas continua farto e pode
puxar o consumo em outros segmentos.
É verdade, também, que a marcha da inflação está contida em comparação com o que
acontecia no início do ano. A evolução do IPCA de junho em relação ao mês anterior, por
exemplo, foi zero e os números do IPCA-15 ontem divulgados sugerem que julho registre
inflação negativa, em decorrência da queda dos preços dos alimentos. Conforme se
confirma pela pesquisa Focus do Banco Central, o mercado já trabalha com números
mais baixos do que prevaleciam há sete semanas, em direção ao centro da meta de
inflação, que é de 4,5% neste e no próximo ano. E essa virada das expectativas é, por
sua vez, um elemento importante que o Banco Central terá de considerar.
Mas há outro dado inquietante que o Copom também terá de avaliar cuidadosamente.
Trata-se do impressionante aumento das importações, de 45,8% no período de 12 meses
terminado na terceira semana de julho sobre igual período do ano passado. Não dá para
dizer que estão sendo feitas à custa de uma retração das exportações, porque estas
também estão crescendo. E estão crescendo 33,9%, uma enormidade num mercado
externo açoitado pela crise, embora num ritmo menor do que as importações. A relativa
valorização do real diante do dólar, quase sempre apontada como causa dos
desequilíbrios comerciais, é insuficiente para explicar a disparada das importações
porque as exportações seguem muito fortes.
O Brasil é o único país emergente cujas importações estão crescendo a essas proporções.
A enorme esticada, que continua em ascensão, pode ser explicada pelo vigor do consumo
interno. É, por sua vez, fator que também concorre para a retração da inflação interna,
na medida em que os mercados externos estagnados estão saturados de mercadorias e
agora concorrem para a redução global dos preços.
Por enquanto, as importações atendem ao robusto consumo interno. Mas podem ser
vistas como excessiva dependência de fornecimento externo, numa conjuntura em que o
investimento brasileiro, ainda que mais alto, continua não sendo suficiente para garantir
um crescimento sustentado da ordem de 5% ao ano.
ENTENDA
Os preços caem
Primeiramente, um conceito. O IPCA-15 que ontem veio negativo em 0,9% difere do
IPCA apenas quanto ao período de pesquisa de preços para efeito de medir o custo de
vida. A amostra de preços é a mesma. Teoricamente, o IPCA mede a inflação mensal do
início ao fim do mesmo mês, em comparação com igual período do mês anterior.
Enquanto isso o IPCA-15 mede a evolução dos preços do dia 15 de um mês ao dia 15 do
mês seguinte.
Raio X
Assim, o IPCA-15 passa um raio X da inflação no meio do mês e dá uma ideia melhor da
trajetória no curto prazo. Os números ontem divulgados sugerem que a inflação de julho
(do dia 30 do mês anterior a 30 do seguinte), que somente será divulgada em agosto,
ficará negativa.
Alimentos mais baratos
Como já avançado no texto ao lado, essa inflação negativa se deve a dois fatores: à
queda dos preços dos alimentos e à entrada de importados mais baratos em reais.
---------------------------------O Globo - 21/07/2010
Risco BNDES
Míriam Leitão
O BNDES hoje representa um orçamento paralelo. Ele financia empreendimentos que, na
prática, são estatizados, escolhe que empresas devem crescer e as subsidia através do
endividamento público. O que precisa ficar claro é que o banco sempre subsidiou
empresários, mas a natureza do banco mudou. A escala é maior, a origem do seu
dinheiro é outra, e o destino é cada vez mais discutível.
Tudo se passa assim: o governo transfere dinheiro para o BNDES através de supostos
"empréstimos". Como teoricamente são empréstimos, não entram na dívida líquida. Na
prática isso passou a ser uma das principais fontes de financiamento do BNDES. Antes, o
funding do banco era principalmente recursos do Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT)
e do retorno dos empréstimos que haviam sido concedidos. Nos últimos anos, o Tesouro
passou a encher os cofres do banco como uma capitalização travestida de empréstimo.
Só que o Tesouro se endivida a juros crescentes e em dívida de curto prazo. E o banco
empresta a juros baixos e prazos longos.
Alguns dos grandes beneficiários dos empréstimos do banco são empreendimentos que o
governo está apressando, na parte final do mandato, para servirem de vitrine eleitoral,
como a hidrelétrica de Belo Monte, e, futuramente, o trem-bala. A maioria do
empreendimento fica nas mãos do governo ou de fundos de pensão das estatais. É do
governo o risco, portanto. As empresas privadas, sócias nesses projetos, terão a
vantagem de estarem em obras sem risco. E elas ainda conseguem empréstimos do
BNDES para esses e outros negócios que têm interesse. O BNDES com capital que veio
de endividamento público - só nos últimos dois anos foram R$180 bilhões - empresta
para o próprio setor público ou para seus sócios diletos.
Há outra forma de atuação do banco que levanta legítimas preocupações: a reinvenção
da ideia de criar "campeões nacionais". Dar empréstimos gigantes para empresas para
que elas se tornem grandes no mundo em seus setores. Em entrevista ao "Estado de S.
Paulo" no domingo, o presidente do BNDES, Luciano Coutinho, disse que tinha "até
vergonha de o país não ter grandes empresas em setores que é competitivo."
Um desses setores a que ele se refere certamente é o de frigoríficos para o qual o banco
tem aprovado empréstimos extravagantes. O JBS Friboi recebeu empréstimos de R$7,5
bilhões. Só de uma vez, o JBS fez um lançamento de R$3,47 bilhões em ações e o
BNDES subscreveu 99,9% das ações vendidas. A família dona da empresa subscreveu os
restantes 0,05%. E tanto dinheiro era para comprar a Pilgrim"s Pride Corporation, com a
justificativa de ajudar o processo de "internacionalização da empresa". Ou seja, financiar
o frigorífico para ele comprar uma empresa no exterior. Em vários desses casos, o banco
entrou também como sócio, subscrevendo ações das empresas. Fez isso também com a
Marfrig: comprou debêntures da empresa para que ela tivesse capital e comprasse
empresas nos Estados Unidos e na Irlanda. No pior caso no setor de carne, o BNDES
comprou ações num total de R$250 milhões da empresa que logo depois entrou com um
processo de falência, o Independência.
A vergonha não é não ter um grande frigorífico nacional comprando empresas no
exterior, mas sim o fato de que eles precisem tanto de anabolizante estatal para crescer.
Pior, os frigoríficos brasileiros não conseguiram demonstrar que não compram carne de
área desmatada. Ao final de seis meses do pacto feito com ONGs e empresas
importadoras de produtos brasileiros, esses grandes frigoríficos pediram mais seis meses
para comprovar se seus fornecedores são ou não de área desmatado. Isso sim é
vergonhoso.
Essa forma de atuação do BNDES recria dois vícios do passado. O Estado decidindo que
empresa deve ser grande, e um banco público liderando um processo que na prática é
expansionismo fiscal.
Isso acaba impactando também a política monetária porque entrará no cenário do Banco
Central em sua análise para decidir sobre a elevação da taxa básica de juros. Quando a
diretoria tomar a decisão hoje na reunião do Copom, ela vai considerar, de um lado, os
sinais benignos da economia brasileira, de redução da inflação e de diminuição da
pressão de demanda, mas também terá que olhar os riscos futuros que esse
expansionismo fiscal pode causar.
O que complica a situação do Banco Central é de novo a dualidade da política econômica.
Enquanto o BC tenta conter a demanda para evitar a alta da inflação, o governo continua
aumentando gastos através da atuação do BNDES ou de gambiarra para contornar
limites ao endividamento público. Foi o que acabou de acontecer esta semana com a
decisão de permitir que alguns municípios se endividem acima do limite estabelecido pela
Lei de Responsabilidade Fiscal.
Nada disso, como dolorosamente aprendemos, é inofensivo. Tudo cobra a sua conta mais
cedo ou mais tarde. Na obsessão de fazer o sucessor, o governo Lula está criando - ou
recriando - monstrengos na área fiscal. A mais assustadora herança para o próximo
governo será essa forma de atuação do BNDES, que traz de volta velhos vícios que nos
causaram tantos problemas no passado.
----------------------------------Valor Econômico - 21/07/2010
Curva pende para 0,5 ponto de alta na Selic
Eduardo Campos
O recado dado pela curva de juros futuros é de que uma alta de 0,5 ponto percentual
passou a concentrar as apostas referentes à reunião de hoje do Comitê de Política
Monetária (Copom). Cabe lembrar que até o início da semana passada uma nova alta de
0,75 ponto percentual na Selic era data como certa.
Ontem, essa corrente de mercado que pede uma redução no ritmo de ajuste da Selic
ganhou novo impulso com a deflação de 0,09% do Índice de Preços ao Consumidor
Amplo - 15 (IPCA-15) de julho. Essa foi a menor leitura desde junho de 2006.
Não é só a curva futura que apresenta mudança, mas também a postura de alguns
agentes.
Depois do Bradesco, foi a vez do BTG Pactual rever seu prognóstico para a alta de juros.
O banco também passou a trabalhar com aperto de 0,5 ponto hoje, que traria a Selic dos
atuais 10,25% para 10,75%. Nova alta de 0,5 ponto também ocorreria em setembro,
fechando o ciclo atual.
Entre os pontos que levaram o BTG a rever seu prognóstico estão as recentes
declarações do presidente do Banco Central, Henrique Meirelles, de que as decisões do
colegiado levam em conta todos os dados disponíveis até a data da reunião.
Na visão do banco, a fala de Meirelles pode ser vista como uma tentativa de quebrar a
sinalização anterior que dava suporte a uma nova elevação de 0,75 ponto na taxa básica.
A melhora da inflação é evidente, assim como a redução no ritmo de crescimento da
economia brasileira.
No entanto, avalia o estrategista-chefe da CM Capital Markets, Luciano Rostagno, isso
não quer dizer que há uma mudança de tendência. A questão agora é tentar saber como
será o desempenho dessas variáveis no terceiro trimestre. Sabe-se que na condução da
política monetária os dados correntes não têm muito peso, o foco está, mesmo, na
inflação projetada.
Partindo dessa premissa, Rostagno mantém seu prognóstico de alta de 0,75 ponto na
Selic na reunião de hoje. O especialista lembra que, no último encontro do Copom, o
IPCA projetado para 12 meses estava em 4,72%; agora, mesmo com essa melhora de
índices correntes, a inflação estimada subiu para 4,96%.
"O ponto principal é a expectativa. O BC deve manter o ritmo agora para tentar,
finalmente, inverter essa alta. É a chance de co BC se mostrar mais conservador do que
a curva futura projeta."
De visão parecida, o analista econômico da Mercatto Investimentos, Gabriel Goulart,
também acredita que o colegiado do BC deve manter o ritmo de aperto em função do
comprometimento com seu próprio discurso e também devido à necessidade de se
mostrar mais austero, já que esses choques de preços e crescimento podem se mostrar
transitórios.
Goulart explica que os números de crescimento do primeiro e segundo trimestres são
distorcidos. Houve uma transferência de crescimento do segundo para o primeiro
trimestre do ano em função dos estímulos fiscais vigentes na época.
O mesmo tipo de avaliação também cabe para inflação, só que o ponto de distorção é o
grupo alimentação.
O analista explica, ainda, que além da parte racional, ou seja, aquela referendada pelos
dados, há também um componente exclusivamente de mercado nesse movimento
recente da curva futura.
Os agentes enxergaram a possibilidade de ganhar muito se arriscando pouco ao fazer
apostas em uma alta mais branda do juro básico.
Eduardo Campos é repórter
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ECONOMIA & OUTRAS NOTÍCIAS
O Globo - 21/07/2010
Vilão da dívida, BNDES é turbinado
Depois que a capitalização do BNDES virou a vilã do aumento da divida pública, o
governo busca novas formas de continuar reforçando o caixa do banco para financiar
grandes obras. O BNDES poderá emitir debêntures e estuda-se a redução do compulsório
para que bancos permaneçam emprestando fortemente para compra de imóveis.
BNDES turbinado
Governo estuda medidas para ampliar capacidade de empréstimo do banco
Martha Beck
Preocupado com a capacidade do BNDES de financiar grandes projetos de infraestrutura
nos próximos anos, o governo busca medidas para aumentar o fôlego do banco de
fomento e, ao mesmo tempo, estimular instituições financeiras privadas a entrarem
nesses empreendimentos. A preocupação do governo é com os grandes projetos que
estão no horizonte do Brasil, como as obras do Programa de Aceleração do Crescimento
(PAC), da Copa do Mundo de 2014 e das Olimpíadas de 2016.
Por isso, a equipe econômica estuda fazer com que o BNDES emita debêntures no
mercado. Esse tipo de instrumento foi liberado inicialmente pelo Conselho Monetário
Nacional (CMN) para os bancos privados, que passaram a poder emitir Letras Financeiras
(LFs) - um papel de longo prazo. A ideia é que ele também seja usado pelo banco de
fomento.
Bancos privados devem ter incentivos
Além de tentar dar mais fôlego ao BNDES, a equipe econômica estuda a possibilidade de
dar incentivos tributários a instituições financeiras que emitirem debêntures atreladas a
projetos específicos na área de infraestrutura. Uma ideia é reduzir o Imposto de Renda
(IR) que incide sobre esses títulos de longo prazo, para estimular o setor privado a entrar
nesses empreendimentos.
No ano passado, o BNDES fez desembolsos de R$137,4 bilhões, o que só foi possível
graças a uma capitalização que o Tesouro Nacional fez na instituição. No início de 2009,
em função da crise financeira internacional e da retração do mercado de crédito, o
Tesouro capitalizou o BNDES em R$100 bilhões, valor que foi reforçado em mais R$80
bilhões este ano.
O problema é que o mecanismo encontrado pelo governo até agora para aumentar o
poder de fogo do BNDES - a capitalização por parte do Tesouro - tem um efeito colateral
indesejado: o aumento da dívida pública bruta do país. Essa estratégia, que aumentou
em quase R$200 bilhões o potencial de empréstimos do BNDES, fez com que a equipe
econômica virasse alvo de críticas de economistas.
Para tentar minimizar esse quadro, o ministro da Fazenda, Guido Mantega, quer
incentivar os bancos privados a fazerem cada vez mais o papel de financiadores.
A dívida pública bruta do país, que era de R$1,74 trilhão em 2008, deve fechar este ano
em R$2,20 trilhões, o equivalente a 64,4% do Produto Interno Bruto (PIB, conjunto de
bens e riquezas produzidos pelo país ao longo de um ano).
- Essa medida (capitalização) não pode ser uma solução permanente. Temos que
encontrar novos caminhos a partir de 2011 - admitiu um técnico da área econômica.
Embora o objetivo da capitalização do BNDES tenha sido promover os investimentos na
crise, os economistas alegam que tem um custo elevado. Os recursos que o Tesouro
injetou no banco têm custo de captação maior (com base na taxa básica de juros Selic,
hoje em 10,25% ao ano) do que a remuneração que será paga pela instituição (baseada
na TJLP, atualmente em 6% ao ano).
Numa operação já esperada por analistas do mercado, o BNDES informou ontem que vai
subscrever até 100% da emissão de R$2,5 bilhões em debêntures conversíveis em ações
ordinárias da Marfrig Alimentos. Para analistas, a leitura é positiva, pois se trata de um
setor estratégico para o banco - com participações na Marfrig e na Bertin/JBS. Os
recursos vão ajudar a gigante brasileira da carne a concluir a compra da americana
Keystone Foods.
- O BNDES é uma garantia firme para os investidores e, com isso, a Marfrig garante
recursos para as aquisições - disse Luciana Leocadio, analista da Ativa Corretora.
COLABOROU Fabiana Ribeiro
---------------------------O Estado de S.Paulo - 21/07/2010
Com deflação, previsão de alta dos juros
recua
Na véspera da decisão do Copom sobre a taxa básica de juros, o IPCA-15 de julho
registrou deflação de 0,09%. Com isso, o mercado, que apostava num aumento de 0,75
ponto porcentual na taxa básica, agora trabalha com previsão de alta de 0,50 ponto.
Deflação no IPCA-15 leva mercado a apostar em alta menor do juro hoje
Prévia do índice oficial de inflação cai 0,09% em julho; mercado futuro mostra
70% de chance de uma elevação de 0,50 ponto da Selic
Jacqueline Farid,Ricardo Leopoldo
Um dia antes de o Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central (BC) decidir o
novo nível da taxa básica de juros (Selic), uma prévia da inflação oficial mudou
completamente as expectativas do mercado. O IPCA-15 mostrou deflação de 0,09% em
julho. Com isso, a aposta majoritária para a Selic passou de uma alta de 0,75 ponto para
0,50 ponto porcentual. A taxa está em 10,25% ao ano.
A queda do IPCA-15 foi puxada pelos produtos alimentícios, ônibus urbanos e
combustíveis. O índice é uma espécie de prévia do IPCA, que serve de referência para a
meta de inflação do governo (4,5%, com margem de tolerância de dois pontos para cima
ou para baixo). Os dois indicadores são calculados pelo IBGE e diferem-se apenas no
período de coleta. Os analistas ouvidos pela Agência Estado estimavam, em média, uma
taxa de 0,13%.
No mercado futuro de juros, a probabilidade de elevação de 0,50 ponto da Selic chegou a
70%, ante 30% para 0,75 ponto. Até o meio da semana passada, 100% das apostas
eram para 0,75. Entre economistas, porém, a expectativa majoritária ainda é de uma
alta de 0,75 ponto.
O economista da consultoria LCA Fabio Romão está nesse grupo. Uma alta menor,
segundo ele, só será possível a partir da reunião de setembro do Copom. "O
desaquecimento da economia mostra que o nível de atividade entrou em rota mais
sustentável de expansão no segundo trimestre, o que não permite altas expressivas dos
serviços", disse.
O economista-sênior do BES Investimento, Flávio Serrano, espelha com precisão o
cenário de dúvida que tomou conta dos analistas de mercado. "Continuo achando que
vem 0,75 ponto, mas, sem dúvida, a probabilidade de alta de 0,50 ponto aumentou",
disse. Segundo ele, é certo que a inflação está vindo mais baixa e a atividade mostra
desaceleração, depois de um primeiro trimestre muito forte.
Serrano observou, porém, que agosto e setembro devem trazer novo impacto da alta do
minério de ferro e a renda continua estimulando o consumo. "O BC precisa de um cenário
benigno consolidado", ponderou.
O diretor de gestão da Máxima Asset, César Trotte, mudou de lado. Ele acreditava em
alta de 0,75 ponto hoje. Agora, aposta em 0,50 ponto, número que deve repetir-se na
reunião de setembro. "Depois disso, dado o calendário político, deve haver uma parada
para observação, até que o novo BC, do novo governo, decida o que fazer", observou.
Trotte pondera que a inflação nos níveis atuais não será duradoura: "Ela voltará a subir
um pouco, mas dentro do previsto."
Alimentos. A taxa negativa de 0,09% do IPCA-15 foi "fortemente influenciada pelos
alimentos", segundo destacaram os técnicos do IBGE. O grupo de Alimentos e Bebidas
registrou queda de 0,80% neste mês, ante -0,42% no mês passado.
Entre os alimentos que registraram queda de preços, os destaques foram batata inglesa
(16,48%), tomate (14,94%), cebola (13,08%) e cenoura (10,32%). Apesar da queda em
vários itens alimentícios, o item "refeição fora de casa" teve alta de 0,95% e deu a maior
contribuição (0,04 ponto porcentual) para o IPCA-15.
Os produtos não alimentícios registraram alta de 0,12% no IPCA-15 de julho, ante
0,37% em junho. A desaceleração na taxa, de um mês para o outro, foi influenciada por
diversos grupos de produtos, com destaque para transportes (0,36%).
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Valor Econômico - 21/07/2010
Fim da exuberância artificial brasileira
Alex Ribeiro
Os investidores de Wall Street estavam intrigados com a excessiva preocupação dos
colegas brasileiros com o suposto superaquecimento da economia e suas eventuais
repercussões na inflação. Os nacionais, de outro lado, achavam que os estrangeiros
estavam subestimando os riscos e, por isso, poderiam quebrar a cara com a alta de juros
que viria pela frente.
Esse foi o panorama colhido no primeiro trimestre por um importante membro do Comitê
de Política Monetária (Copom) do Banco Central, depois de se reunir com representantes
de instituições financeiras em Nova York. O receio desse membro do Copom, na época,
era que o pessimismo local pudesse contaminar os investidores estrangeiros. "O que os
brasileiros sabem que nós não sabemos?", era a pergunta mais ouvida.
O pior aconteceu. No segundo trimestre, os investidores estrangeiros acabaram
embarcando na teoria de que a economia estava superaquecida - e que o BC tinha
demorado para subir os juros.
Agora, temos uma nova reviravolta. Estatísticas divulgadas nas últimas semanas
sugerem que a economia está crescendo menos do que o esperado, o que, em tese,
reduz muito os riscos inflacionários. Ou seja, no princípio os estrangeiros estavam certos,
mas acabaram mudando para o lado errado, onde estavam os brasileiros.
Nacionais e estrangeiros passaram, então, a apostar num BC menos conservador, com
grande possibilidade de um corte de juros menor do que o 0,75 ponto percentual na
reunião do Copom que termina hoje.
O Bank of America Merrill Lynch, que desde o princípio do ano se manteve fiel à tese de
que os receios inflacionários eram exagerados, divulgou um relatório que faz um
diagnóstico interessante do breve surto de supercrescimento da nossa economia e de
suas consequências inflacionárias. "Brasil, o fim de uma exuberância artificial", dos
economistas Virgilio Castro Cunha e David Beker, conta a história de um país que crescia
a ritmo chinês apenas enquanto empurrado pela expansão dos gastos do governo.
O Brasil, segundo essa leitura, apresentou um forte surto de crescimento, algo bem
diferente de entrar numa trajetória de superaquecimento. Políticas monetárias e fiscais
de estímulo, como o corte de impostos para a compra de carros e a liberação de
depósitos compulsórios para injetar liquidez nos pequenos bancos, puxaram a atividade
econômica para cima. Hoje, essas medidas já foram desmontadas, deixando de sustentar
a economia, que tende a crescer em um ritmo menos intenso.
A projeção do banco é que o crescimento da economia, que no primeiro trimestre atingiu
uma taxa anualizada de 11,4%, irá se desacelerar para 1,7% anuais no segundo
trimestre.
O relatório, é bom frisar, não defende a tese de que não havia risco inflacionário. O que
os economistas dizem é que o mercado financeiro pintou um dragão inflacionário mais
feio do que ele realmente era. Havia pressões sobre salários e preços de serviços, que
mereciam atenção, mas as preocupações acabaram exageradas pela alta temporária dos
preços dos alimentos. O BC tinha que agir, mas não com a força prevista pelos contratos
de juros futuros negociados no mercado financeiro.
"Onde está o superaquecimento?", questionam os economistas do Bank of America, em
seu relatório. O índice de utilização da capacidade instalada da indústria, afirmam, está
ainda abaixo dos níveis observados antes da crise econômica.
"O BC ficou atrás da curva?", perguntam os economistas, em outro trecho do relatório,
referindo-se a uma suposta demora da autoridade monetária em iniciar o aperto
monetário. Aparentemente, não. O ciclo de alta dos juros básicos começou num
momento em que a economia estava apenas um pouco acima de sua capacidade.
Os cálculos do Bank of America são de que a economia estava rodando 1% acima de sua
capacidade em maio, quando o BC começou a subir os juros. No aperto monetário
anterior, de 2008, a autoridade monetária subiu os juros quando a economia estava 3%
acima da capacidade, de acordo com um indicador de uso de capacidade da economia
tecnicamente conhecido como hiato do produto.
O Bank of America continua a apostar em uma alta de 0,75 ponto hoje, para 11% ao
ano, embora ache que o mais prudente seja apenas 0,5 ponto, devido aos riscos para a
atividade econômica. Mas o ciclo de alta acabaria em setembro, quando a taxa chegar a
11,25% ao ano.
É um juro bastante alto, mas, de qualquer forma, menor do que o mercado vinha
esperando. Isso deve representar incentivos um pouco menores para a entrada de
investidores estrangeiros em renda fixa no país, que vinham provocando a valorização da
taxa de câmbio.
Algumas instituições financeiras, como o Citibank, apostam que as perspectivas de
crescimento econômico menos exuberantes vão alterar a tendência da taxa de câmbio.
Agora, as apostas são de desvalorização do real ante o dólar, em vez de valorização.
A retirada dos estímulos artificiais, que foram importantes no período de crise, tende a
contribuir para um crescimento mais sustentado da economia, com menos pressão
inflacionária e sem fortes desequilíbrios nas contas externas.
Alex Ribeiro é correspondente em Washington
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