A influência desadaptativa da vergonha sobre o comportamento social Ana Carolina da Cunha Forte (1) Vinícius Renato Thomé Ferreira (2) (1) Graduando em psicologia, IMED. E-mail: [email protected] (2) Psicólogo. Doutor em Psicologia. Professor da Escola de Psicologia da IMED. E-mail: [email protected] A influência desadaptativa da vergonha sobre o comportamento social Resumo: A vergonha é um sentimento que tem grande impacto na vida nos indivíduos. Pelo fato do ser humano ser inerentemente um ser social, essa emoção pode ser de grande impacto na maneira como o indivíduo sente e se comporta socialmente. Apesar de a vergonha ser uma emoção reguladora do comportamento moral do homem, não é uma emoção positivamente adaptativa, e tem relação negativa com a construção saudável das relações sociais, constituindose numa emoção que leva a uma quebra na noção de valor próprio, e dificulta a relação empática, o vinculo afetivo, senso de merecimento e a conexão com as pessoas. A vergonha tem correlação positiva com agressividade, e desordens psicológicas, e a sua influência causa grande impacto nas relações sociais. O modo como o indivíduo percebe o mundo, o estudo do seu funcionamento e das consequências que causa ao comportamento é de grande valia, para que os profissionais possam pensar estratégias mais efetivas para a redução dos sintomas, e para a melhoria da qualidade de vida. Palavras-chave: vergonha; comportamento, relação social, conexão. About shame: Operation and its influence on maladaptive social behavior Abstract: Shame is a feeling that has great impact on life in individuals. Because the human being is inherently a social being, that emotion can be of great impact on how the individual feels and behaves socially. Although shame is an emotion regulating moral behavior of man, is not an emotion positively adaptive, and has negative relationship with building healthy social relationships, constituting an emotion that leads to a break in the sense of self-worth, and hinders the empathic relationship, the affective bond, a sense of worthiness and connecting with people. Shame has a positive correlation with aggression, and psychological disorders, and their influence has a great impact on social relations. The way the individual perceives the world, the study of their operation and the consequences that cause the behavior is of great value, so that professionals can think of more effective strategies for reducing symptoms and improving quality of life. Keywords: shame, behavior, social relationships, connection. Sobre a vergonha O ser humano tem como umas das principais características a interação social. Faz parte de seu comportamento social a busca pela proximidade a aceitação e o senso de pertencimento. Nestas relações, há momentos onde ocorre aprovação social pelo comportamento efetuado, gerando recompensas sociais e eventualmente até mesmo aumento de status, e momentos que o comportamento sofre reprimendas, sendo rejeitado. Nestas situações de reprovação e rejeição ocorre para a pessoa um sentimento de vergonha. Portanto, a vergonha acaba sendo um poderoso agente de regulação do comportamento, fornecendo os parâmetros sobre o que seria ou não aceitável num grupo ou numa sociedade. A vergonha é um sentimento que faz parte da vida do ser humano, e é experimentada em vários momentos da trajetória de vida, uma vez que ela esta presente em vários contextos, e é tida como uma emoção que regula o comportamento moral do homem. O filósofo alemão Arthur Schopenhauer (2011) já escrevia sobre a vergonha com um sentimento que surge quando supostamente não são atendidas as exigências da sociedade e quando a percepção da sociedade sobre os nossos atos influencia no senso se pertencimento e de aceitação. Schopenhauer oferece um caminho para a compreensão sobre a vergonha, e o conceito de emoções autoconscientes que são emoções evocadas pela autoavaliação e autorreflexão, levando em conta valores morais individuais e os valores morais da sociedade em geral. As emoções envolvem fundamentalmente as reações das pessoas às suas próprias características ou comportamento. Essas emoções estão ligadas a vários processos de aprendizado, como a apreensão de padrões sociais, de regras e limites, e a comparação de seu comportamento com os demais, bem como as inferências que se faz acerca da avaliação de terceiros. Então a vergonha é incluída na família das emoções autoconscientes por se tratar de uma emoção que engloba um sistema moral pessoal tido como falho, e uma sensação de não engajamento no sistema moral da sociedade, é um sentimento que engloba uma visão negativa global do self, e não de um comportamento específico (LEARY; TANGNEY, 2011). As emoções autoconscientes são uma classe especial das emoções humanas, pois tratam de sentimentos relevantes que direcionam o comportamento moral das pessoas. A vergonha seria uma emoção autoconsciente porque envolve um sentimento de exposição de uma falha ou de uma transgressão: há um publico reprovador (real ou imaginário), é muito dolorosa, vem acompanhada de várias sensações desagradáveis, que são a sensação de encolhimento ou "ser pequeno", e por um sentimento de inutilidade e impotência (LEARY; TANGNEY, 2011, 2011). Apesar de poder parecer uma emoção “egoísta”, ou seja, uma emoção que envolve um sistema de preocupações a cerca de si mesmo, faz parte do sistema moral e motivacional de cada pessoa. (COSTA, 2009) É importante salientar vergonha se diferencia da timidez e do constrangimento por ser um sentimento mais internalizado e de consequência mais severas para a interação social, podendo trazer diversos problemas para o bem estar do self como um todo. Entender como a vergonha influencia na dinâmica entre as emoções cognições e comportamentos é fundamental, uma vez que esses três fatores interagem na construção da personalidade, e interferem significativamente das interações sociais que o individuo mantém durante a vida. Influências desadaptativas da vergonha nas relações sociais A vergonha é um sentimento que pode levar a uma gama de comportamentos e sentimentos que merecem ser entendidos uma vez que causam um sofrimento clinicamente significativo, e prejuízo na construção de uma relação social saudável. Em face do seu caráter doloroso, a vergonha leva a sentimentos de falha, vulnerabilidade e impotência, como descritos antes. O ser humano só se sente pertencente e aceito quando julga que seus atos vão de encontro as exigência da sociedade e do grupo que está inserido, uma vez que quem sente vergonha se sente vulnerável e julga este fato como uma falha, ele tenta esconder para minimizar o sentimento de vergonha. Apesar de a vergonha ser uma emoção que regula o comportamento e possuir um caráter moral, ela não é uma emoção psicologicamente adaptativa, pois traz um caráter muito focado no self, levando a uma fuga das consequências e uma baixa tendência a mudança de comportamentos disruptivos, trazendo um ciclo autodestrutivo de comportamentos e propiciando cada vez mais o afastamento social e a dificuldade de relação interpessoal. Para entendermos como a vergonha pode influenciar a manutenção de relações saudáveis, é importante entender sobre o conceito de vulnerabilidade, que é a sensação de se sentir fraco, imperfeito. A vulnerabilidade, porém, não é somente um sentimento interno, mas envolve a percepção dos outros: é a sensação de ver visto como falho ou fraco, a vulnerabilidade se relaciona com a vergonha no sentido em que se formos vistos como falhos, sentiremos vergonha. Para quem sente vergonha, a vulnerabilidade é uma grande prova de que se é fraco, e essa crença do indivíduo em não demonstrar fraqueza é uma grande geradora de problemas nos relacionamentos, pois o indivíduo acaba criando padrões inalcançáveis de perfeição, e acaba não se abrindo para uma relação satisfatória. Acredita que o fato de se abrir, admitir que tenha problemas, partilhar sua dor é uma falha, e na vergonha o modo como se lida com vulnerabilidade é diferente, levando a um ciclo destrutivo de comportamentos. Uma vez que não se admite a vulnerabilidade e si mesmo, também não se admite no outro, e esse fato faz com que os comportamentos e emoções dos indivíduos sejam um padrão de intolerância consigo e com os demais, atrapalhando muito suas relações interpessoais, e a satisfação que tem com elas, levando a aumentar seu senso de fracasso e vulnerabilidade, que leva a aumentar os comportamentos de esquiva e fuga. (BROWN, 2010). O senso de pertencimento e a conexão social também fazem parte do funcionamento da vergonha, pois são sentimento que fazem com que a relação com o outro se torne gratificante, é o que torna a experiência de ligação uma fonte de realização pessoal, é a capacidade de se sentir conectado com o mundo e que fazem com que o ser humano experimente emoções como a felicidade e a realização. O fator conexão e vínculo afetivo no funcionamento desta emoção são muito difíceis, pois a pessoa não consegue se vincular satisfatoriamente. As dificuldades experimentadas por quem sente vergonha são provenientes do fato de não se sentirem aceitas pelos demais, e também de não se sentirem boas o bastante, e de não ter um senso de pertencimento, que envolve o desenvolvimento de um sentido interno de pertencer ao invés de procurar externamente uma aceitação e aprovação, envolve primordialmente entender e também aceitar que somos dignos de amor, assim como somos e nos permitindo ser profundamente vistos e conhecidos (BROWN, 2010). Existe, igualmente, uma relação íntima entre vergonha e empatia. A empatia é uma capacidade humana essencial para a manutenção de relacionamentos próximos e satisfatórios, pois ela implica que alguém se coloque no lugar do outro, entenda suas necessidades e seu sofrimento com sensibilidade, fato este que traz grande beneficio para as relações humanas. A falta ou baixa capacidade de empatia interfere muito na qualidade e na quantidade de relações satisfatórias que a pessoa mantém ao longo da vida, influenciando também no senso de pertencimento que é extrema importância para construção de uma boa autoestima. A vergonha esta associada a uma capacidade diminuída para a empatia orientada para o outro tem ligação a uma propensão para a problemática, e respostas de angústia pessoal, ou seja, a pessoa não se conecta com o sofrimento alheio. A pessoa se foca nas suas próprias necessidades e emoções, no próprio sofrimento e estresse causado pelo sofrimento do outro. (LEARY; TANGNEY, 2011; MADER, 2011). A vergonha tem influência sobre a tendência que os indivíduos possuem para reagir com raiva e sobre o tipo de resposta que têm à raiva (MADER, 2011). Pelo caráter desagradável intenso da vergonha, esta emoção é muitas vezes vista como desproporcional em relação à situação que a desencadeou. Existe uma correlação positiva entre vergonha e raiva, e também para culpar os outros consistentemente. Ocorre também grande tendência a se envolver em agressão física, verbal e simbólica direta, agressão indireta (por exemplo, prejudicando algo importante para o alvo, falando pelas costas do alvo), a agressão deslocada, autoagressão dirigida e a raiva expressa pela ruminação. Desta forma, compreende-se o porquê da vergonha ser um comportamento disfuncional e destrutivo. Segundo Tangney (2011), não raro esta hostilidade pode ser redirecionada para o exterior, em uma tentativa de defesa para proteger a si mesmo, por "virar a mesa" para transferir a culpa em outro lugar. Ao fazê-lo, a pessoa envergonhada tenta recuperar algum senso de controle e superioridade em sua vida, amigos, colegas de trabalho e família, e podem se sentir confusos e manifestar explosões aparentemente irracionais de raiva. A dificuldade de aceitação o medo de julgamento e consequentemente a agressividade geralmente resultam em consequências negativas em longo prazo, pois não ha uma tendência que a pessoa admita seus problemas, e seja mais assertivo, aumentando assim seu senso de impotência e a autoestima e piorando suas relações com os outros. Há uma ligação de sentimentos vergonhosos com inferioridade, dificuldade de obter uma relação satisfatória com o outro, medo de julgamento e a falta de coesão de self e de internalização de limites. As questões advindas deste problema são de impacto significativo no desenvolvimento de patologias, como a depressão o sentimento de não pertencimento de não merecimento, de não conexão, e as ansiedades, tanto ansiedade generalizada, quanto fobia social, e também transtorno de personalidade do cluster C. A vergonha surge de uma falta de internalizarão de limites e de valores, em que a pessoa tem a sensação de nunca esta inteira, e que seus ideais e o seu “eu” na totalidade esta sendo colocado em cheque pelas pessoas, pela sociedade, por si mesmo, um sentimento de não ser aceito. Já foi identificada uma ligação entre a vergonha e o transtorno de personalidade borderline, depressão, transtornos alimentares, de ansiedade, fobia social e tendências suicidas (LEARY; TANGNEY, 2011). A pessoa que experimenta vergonha de forma intensa tem um foco nas avaliações negativas do seu self, o que leva uma experiência emocional dolorosa. Isto faz com que faz com que a pessoa tenha dificuldades para se conectar emocionalmente com outros (empatia) e nem tenha disponibilidade emocional ou sensibilidade, pelo seu caráter doloroso e pelo sentimento de exposição. A vergonha motiva comportamentos defensivos e protetores, como o esconder ou retirar-se das situações, o que faz com que o individuo se afaste de relacionamentos mais íntimos dificultando a resolução de conflitos, e a tentativa de reparar um dano pedir, desculpas ou ser solícito (SANTOS, 2009). Todos esses componentes da vergonha formam um padrão que gera um ciclo autodestrutivo de comportamentos, e leva a um intenso sofrimento psicológico, e que cada vez mais propiciam o não engajamento social, a fuga das relações interpessoais, e uma baixa tendência a resolução dos conflitos e das problemáticas que são advindas desta emoção. Considerações finais A vergonha é uma emoção que apesar de ser reguladora do comportamento do homem, não é psicologicamente adaptativa, e traz consequências severas para o estabelecimento de vínculos afetivos nas relações sociais, ela se resume pela busca pelo vinculo e pela conexão por estratégias de merecimento levando em conta reforços externos ao self, o que afeta muito o senso de pertencimento, merecimento e a empatia, pois uma vez buscando motivações externas, o individuo nunca se sente o bastante, para merecer o vinculo, o que leva como visto no artigo, as tendências agressivas, externalização da culpa e baixa autoestima, e principalmente ao contrario de fortalecer as relações tende ao afastamento delas, e a dificuldade de resolver situação-problema, já que o individuo sente que ele próprio é o problema, e sendo ele próprio o problema se torna mais difícil se tornar assertivo. Em face deste funcionamento o individuo que sente essa emoção acaba tendo fortes tendências a ter problema e desordens psicológicas, como depressões, ansiedade, fobias, para tanto o conhecimento deste funcionamento é primordial para a prática clinica, e para se pensar em estratégias de enfrentamento, e a elaboração de intervenções eficazes desta problemática que ajudem a minimizar o sofrimento dos pacientes, levando a uma melhor qualidade de vida. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BROWN, Brene. O poder da vulnerabilidade. TEDx Talks. Houston: 2010. Disponível em: <http://www.ted.com/talks/brene_brown_on_vulnerability.html>. Acessado em: 10 set. 2013. COSTA, Carla Filomena. As emoções morais: A vergonha, a culpa, e as bases motivacionais do ser humano. Dissertação de mestrado integrado em psicologia. Lisboa: Universidade de Lisboa, 2009. MADER, Julia Lisa. O papel da internalização das motivações para a relação nas emoções de culpa e vergonha: influências nas estratégias de conflito e na satisfação relacional. Dissertação de Mestrado Integrado em Psicologia. Lisboa: Universidade de Lisboa, 2011. SANTOS, Andrea da Silva. Diferenças individuais na tendência para a vergonha e culpa: Antecedentes motivacionais. Dissertação de Mestrado Integrado em Psicologia. Lisboa: Universidade de Lisboa, 2009. SCHOPENHAUER, Arthur. Parerga e Paralipomena. Oxford University Press, 2011. LEARY, M., & TANGNEY, J. P. (Orgs.). Handbook of self and identity. New York: Guilford Press: 2011.