Eu não sabia, mas antes do câncer, eu já estava doente. Duas doenças me limitaram mais do que a quimioterapia e a cirurgia. Os nomes delas são “Não Posso” e “Não Consigo”. Quando eu estava atacada do vírus “Não posso” eu dizia e agia assim: - Não posso tirar foto de lado… Porque meu nariz e queixo são pontudos; - Não posso usar saia curta… Porque meus joelhos são muito grossos; - Não posso sorrir muito em foto… Porque meu bigode chinês aparece; -Não posso andar de avião… Porque tenho medo. -Não posso ter plantas em casa… Porque não sei cuidar. E assim eu permanecia …doente de mim mesma. Quando eu estava atacada do vírus “Não consigo” eu dizia e agia assim: - Não consigo ficar bem nas fotos… Porque sempre arregalo os olhos; - Não consigo pousar para fotos… Porque tenho vergonha; - Não consigo sorrir para valer… Porque meus dentes não são bonitos; - Não consigo ler livros… Porque dá sono; - Não consigo fazer caridade regularmente… Porque não tenho tempo. E assim eu seguia, impondo-me limites… Quantas vezes reclamei da oleosidade do meu cabelo, do quanto ele era fino e pesado. A escova não durava nada… Fiz até permanente para dar volume…fiquei parecendo um poodle. Hoje, depois de encarar a doença, cheguei à conclusão de que o câncer mata muita coisa realmente… entre elas…Preguiça, vergonha, solidão, hipocrisia, futilidades, medos, culpas, limitações, radicalismos, carência, dependências, auto-crítica, intolerância, baixa autoestima e muito mais. Neste processo conheci estas frases e elas definem o que acredito hoje… “O que somos é um presente de Deus. O que nos tornamos, é o nosso presente para ele.” Não aprendi a voar. Isto é com os pássaros. Aprendi a me sentir como se estivesse voando. Descobri que a gente pode sorrir por fora e por dentro. Ser diferente é muito diferente de ser esquísito, feio ou anormal. O silêncio pode ser melhor do que mil palavras. Conhecer a mim mesma é um aprendizado constante. Existe mais beleza nos processos e nas atitudes do que nas formas. É certo que o câncer muda a vida da gente, porém eu discordo que ele seja um presente. Ele é uma oportunidade! Mas… Até quando precisaremos dele para percebermos as belezas que existem em nós e à nossa volta? Quando me perguntavam: Como você está? Eu respondia: Bem careca, bem enjoada… Muito bem, bem, bem! Com bigode chinês… Com dentes nem tão bonitos assim… Sem vergonha… Com muita alegria de viver! Viver… E não ter a vergonha de ser feliz… Cantar e cantar e cantar… A beleza de ser um eterno aprendiz… Colaboração : Fernanda Ferreira Costa