Instituto Babcock para Pesquisa e Desenvolvimento da Pecuária Leiteira Internacional Essenciais em Gado de Leite University of Wisconsin-Madison 5) METABOLISMO DE PROTEÍNA EM BOVINOS DE LEITE Michel A. Wattiaux Babcock Institute INTRODUÇÃO As proteínas fornecem os aminoácidos necessários para a manutenção das funções vitais, reprodução, crescimento e lactação. Animais não ruminantes precisam de aminoácidos pré-formados na sua dieta. Os animais ruminantes podem utilizar muitas outras fontes de nitrogênio pois eles possuem a habilidade de sintetizar aminoácidos e proteínas usando nitrogênio não proteico . Esta habilidade esta relacionada com a p resença de microorganismos no rúmen. Além disso, os ruminantes possuem um mecanismo que possibilita a reutilização do nitrogênio. Quando uma die t a possui pouco nitrogênio, grandes quantidades de uréia (que normalmente é excretada na urina) retornam ao r ú m en , onde os microorganismos podem utiliza-la. Em animais não-ruminantes a uréia é totalmente perdida na urina. Algumas pesquisas mostraram que é possível alimentar vacas com dietas contendo somente nitrogênio não proteico e, ainda assim, é possível se obter uma produção diária de 580 g de proteína de leite de alta qualidade e de 4.000 kg de leite durante a lactação. A TRANSFORMAÇÃO DE PROTEÍNA NO RÚMEN As proteínas alimentares são degradadas pelos microorganismos ruminais em aminoácidos, depois em amônia e em ácidos graxos de cadeia ramificada (Figura 1). O nitrogênio não proteico presente nos alimentos e na uréia são reciclados no rúmen através da saliva e a parede ruminal também contribui na concentração final de amônia no rúmen. Se os níveis de amônia no rúmen estão muito baixos, ocorre uma restrição de nitrogênio para as bactérias e, deste modo, a digestibilidade do alimento diminui. Um excesso de amônia no rúmen leva ao desperdício, toxidez devido a amônia, e mesmo morte do animal em casos extremos. A população bacteriana utiliza a amônia para crescer. A quantidade de amônia usada para sintetizar proteína bacteriana depended a disponibilidade de energia fornecida pela fermentação de carboidratos. Em média, 20 gramas de proteína bacteriana é sintetizada a partir de 100 gramas de matéria orgânica fermentada no rúmen. A síntese de proteína bacteriana pode variar de 400 g/dia a 1.500 g/dia, dependendo da digestibilidade da dieta. A porcentagem de proteína na bactéria varia de 38 a 55% (Tabela 1). Contudo, quando as vacas ingerem mais alimento, as bactérias têm mais proteína e passam para o rúmen mais rapidamente. Normalmente, uma porção da proteína da dieta resiste à degradação ruminal e chega inalterada até o intestino delgado. A resistência à degradação ruminal varia consideravelmente de acordo com a fonte proteica e isto depende de vários fatores. Normalmente, as proteínas da forragem são degradadas em uma extensão maior (60 to 80%) que as proteínas de concentrados ou de sub-produtos industriais (20 to 60%). Uma porção das proteínas bacterianas é quebrada no rúmen, mas a maioria vai par 17 Essenciais em Gado de Leite—Nutrição e Alimentação Figura 1: O metabolismo de proteína em bovinos de leite. 18 5—Metabolismo de Proteína em Bovinos de Leite Tabela 1: Composição (%) e digestibilidade de nitrogênio intestinal (%) da flora ruminal.1 Bactéria ProtoMédia Intervalo zoário Proteína 47.5 38–55 — Ácidos 27.6 — — nucleicos2 Lipídeos 7.0 4–25 — Carboidratos 11.5 6–23 — Peptidoglicam3 2.0 — — Minerais 4.4 — — Proteína bruta 62.5 31–78 24–49 Digestibilidade 71.0 44–86 76–85 1 Adaptado de “Nutritional Ecology of the ruminant”. 1982. O & B Books Inc., 1215 NW Kline Place, Oregon 97330. 2 Ácido nucleico = material genético. 3 Peptidoglicam = estrutura complexa da parede bacteriana. Aproximadamente 60% dos aminoácidos absorvidos no intestino delgado têm origem bacteriana, e os restantes 40% vem das proteínas não degradadas no rúmen. A composição proteica da bacteria é relativamente constante e não depende da composição proteica que o animal esta ingerindo. Todos os aminoácidos, incluindo os aminoácidos essenciais, estão presentes nas proteínas bacterianas em uma proporção muito próxima da ideal para a produção de leite. Portanto, o processo de conversão da proteína da dieta em proteína bacteriana é normalmente benéfica para o animal. A única excessão acontece quando uma proteína de alta qualidade é fornecida para o animal, porém, devido a uma possível falta de energia fermentável, a amônia produzida no rúmen não pode ser utilizada. PROTEÍNA NAS FEZES Cerca de 80% das proteínas que chegam no intestino delgado são digerídas, mas o restante se transforma em fezes. Outras importantes fontes de proteína nas fezes consistem de enzimas que foram secretadas no intestino durante a digestão e também pela rápida reposição das células da parede intestinal (proteína metabólica das fezes). Em média, para cada 1 kg de matéria seca ingerida pela vaca, cerca de 33 g de proteínas corporais são perdidas pelo intestino e são secretadas pelas fezes. As fezes de ruminantes são ótimos fertilizantes pois são ricos em matéria orgânica e em partículas ricas em nitrogênio (2.2 to 2.6% de nitrogênio ou o equivalente à 14 to 16% de proteína bruta) comparado com as fezes de animais não ruminantes. METABOLISMO HEPÁTICO E O CICLO DA URÉIA Quando acontece uma falta de energia fermentável, ou quando a porcentagem de proteína bruta da dieta é excessiva ou altamente degradável, nem toda a amônia produzida no rúmen é convertida em proteína microbiana. Esta amônia que esta em altas concentrações no rúmen atravessa a parede ruminal e é transportada para o fígado. O fígado converte a amônia em uréia, a qual vai para a corrente sanguínea. A uréia no sangue pode seguir as seguintes vias: 1) Ela pode retornar ao rúmen pela saliva ou mesmo pela parede ruminal. 2) Pode ser excretada na urina pelos rims. Quando a uréia retorna ao rúmen, ela é convertida em amônia e serve como fonte de nitrogênio para a flora ruminal. Obviamente, a uréia que vai para a urina é perdida. Em dietas com baixos níveis de proteína bruta, a maioria da uréia é reciclada e muito pouco se perde na urina. Contudo, com o aumento progressivo de proteína na dieta, menos uréia será reciclada e uma maior quantidade de uréia será excretada na urina. A SÍNTESE DAS PROTEÍNAS DO LEITE Durante a lactação, a glândula mamária necessita de grande quantidade de aminoácidos para a síntese do leite. O metabolismo de aminoácidos na glândula mamária é extremamente complexo. Os aminoácidos podem ser convetidos em outros aminoácidos, ou podem ser oxidados para a síntese de energia. A maioria dos aminoácidos absorvidos pela 19 Essenciais em Gado de Leite—Nutrição e Alimentação glândula mamária são usados na síntese das proteínas do leite. Cada kg de leite contém cerca de 30 g de proteína; contudo, existe uma grande variação entre animais e também entre raças. Cerca de 90% das proteínas do leite é caseína. Existem vários tipos de caseínas (Tabela 2) e elas contribuem para o alto valor nutritivo de muitos produtos derivados do leite. As proteínas do soro também são sintetizadas a partir de aminoácidos na glândula mamária. A enzima α -Lactalbumina é essencial na síntese de lactose e a β−lactoglobulina é importante na formação do coalho durante a produção do queijo. Alg u m a s prote í n a s do leite (imunoglobulinas) têm um importante papel na resistência do bezerro recém nascido à doenças. As imunoglobulinas, que se encontram em alta concentração no colostro, são absorvidas diretamente do sangue e, deste modo, elas não são sintetizadas na glândula mamária. O leite contém muito pouco nitrogênio não proteico (ex: uréia: 0.08 g/kg). Tabela 2: Principais proteínas encontradas no leite normal das vacas. Proteína Concentração (g/kg) Caseínas α-caseína 14.0 β-caseína 6.2 κ-caseína 3.7 γ-caseína 1.2 Proteínas do soro Imunoglobulinas1 0.6 α-Lactalbumina 0.7 β-Lactoglobulina 0.3 1 Podem aumentar dramaticamente durante a mastite. FONTES DE NIOTROGÊNIO PROTEICO E NÃO PROTEICO NAS DIETAS DE VACAS DE LEITE As recomendações das concentrações de proteína bruta em dietas para vacas de leite 20 variam de 12% (para uma vaca seca) a 18% (para uma vaca em início de lactação). Uma dieta com 16% de proteína é recomendada para animais produzindo de 20 a 25 kg de leite por dia, sendo que a maioria das forragens e concentrados são boas fontes de proteína. Contudo, com o aumento da produção de leite, a síntese de proteínas pelas bactérias do rúmen se torna insuficiênte, e fontes de proteína resistêntes à degradação ruminal podem ser necessárias para suprir as necessidades de aminoácidos de animais de alta produção. Alguns tipos de fontes proteicas resistentes à degradação ruminal incluem resíduos de cervejaria e proteínas de origem animal (sub-produtos de matadouros, farinha de peixe e farinha de pena). Contudo, fonts de nitrogênio não proteica podem ser utilizadas, especialmente quando a ração têm menos de 12 a 13% de proteína bruta. A uréia, provavelmente, é a fonte mais popular de nitrogênio nas dietas para gado leiteiro. Porém, ela deve ser utilizada com cuidado, pois o excesso de uréia pode levar a intoxicação do animal por amônia. Os alimentos com alta energia, baixa proteína e baixos níveis de nitrogênio não proteico em sua constituição são boas fontes alimentares a serem usadas na suplementação animal em associação com a uréia. Alguns exemplos destes alimentos são os grãos de cereais, o melaço, a polpa de beterraba, feno de gramíneas maduras e silagem de milho. A uréia não deve ser usada em associação com fonts alimentares com rápida degração proteica. Alguns exemplos são a farinha de soja, farinha de canola, forragens de leguminosas e gramíneas jovens. Além disso, a suplementação com uréia não deve exceder 150 a 200 g/vaca/dia, e deve ser misturada com outros alimentos para aumentar sua palatabilidade. A uréia deve ser adicionada progressivamente aos animais, para que eles se adaptem ao aumento de nirogênio não proteico na dieta.