Como eu trato Parte 1 1 2 3 Agradecimentos À Administração do Hospital Alemão Oswaldo Cruz, pelo apoio à iniciativa que permitiu a concretização deste projeto. À equipe da área de Marketing da Instituição, pelo empenho e dedicação em transformar uma ideia ambiciosa nesta completa e útil coletânea. E, especialmente, a todos os médicos, enfermeiros, farmacêuticos, fisioterapeutas e outros profissionais do Hospital, pela boa vontade em compartilhar seus conhecimentos com a comunidade médica. 4 5 O início Os doutores Pedro Renato Chocair, diretor clínico do Hospital Alemão Oswaldo Cruz, e Vladimir Bernik, coordenador da Equipe de Psiquiatria da Instituição, discutiram a ideia e planejaram o “Como eu trato”, no princípio de abril de 2011. Graças à total colaboração do Corpo Clínico, Corpo de Enfermagem, departamento de Marketing e Comunicação, Diretoria Executiva e de outros profissionais de nosso Hospital, seis meses depois, em outubro, a primeira edição da obra está concluída e publicada com aproximadamente 250 textos produzidos. 6 10Introdução 11Prefácio 13 Alemanha e alemães: no mundo e na Nefrologia 20 Histórico do Hospital COMO EU TRATO A ALMA 21 Poesia: Esta vida 22 Poesia: Segunda Canção do Peregrino 23 Poesia: Cântico Negro 24 Os Flamboyants 26 Como eu trato a alma 28 O luto do contexto hospitalar 31 O imbricamento entre a clínica e o direito na questão da terminalidade 34 Reflexões sobre o morrer e o viver Como eu trato baseado em evidências 39 Como eu trato baseado em evidências TEMAS ASSISTENCIAIS 44 Assistência aos pacientes cirúrgicos com história de alergia ao látex 46 Atenção especial a pacientes submetidos a tratamentos antineoplásicos 48 Cuidado baseado no relacionamento - RBC (Relationship-Based Care) 50 Cuidados com nutrição enteral e parenteral 52 Gerontologia: reflexões sobre o processo de envelhecimento 54 Interação droga-nutriente 57 Síndrome metabólica 59 Úlcera por pressão (UP) ANATOMIA PATOLÓGICA 62 Avaliação Histológica da Biópsia Hepática na Infecção pelo Vírus C 66 Biópsia estereotáxica do sistema nervoso central: a perspectiva do patologista 69 Exame colpocitológico 71Linfonodos 74 PAAF de tireoide 77 Pólipos epiteliais serrilhados de intestino grosso 79 Pólipos inflamatórios e hamartomatosos de intestino grosso EXAMES LABORATORIAIS 82 Corações, músculos e mentes: a saga da creatino-quinase 84 Auto-anticorpos contra peptídeo citrulinado cíclico (CCP) apresentam alta especificidade e sensibilidade para o diagnóstico de Artrite Reumatoide 87 Avaliação da dor abdominal aguda por métodos de imagem 90 Clostridium difficile 95 O BNP na insuficiência cardíaca 97 Proteína C-reativa ultrassensível na avaliação do risco cardiovascular 99 Síndrome mielodisplásica (SMD) no século XXI: diagnostico, classificação, prognóstico e novas opções terapêuticas MÉTODOS DIAGNÓSTICOS 108 Cintilografia de perfusão miocárdica 110 Ecocardiografia transesofágica: indicações 113 Interpretação do FAN na prática do clínico não reumatologista 118 Líquor: aspectos de maior relevância 120 Monitorização ambulatorial da pressão arterial de 24 horas 124 O exame de polissonografia 126 Teste de inclinação ortostático (Tilt Test): indicações 129 Tratamento ablativo com iodo-131 em câncer diferenciado da tireoide ACUPUNTURA 132 Acupuntura: principais indicações ANESTESIA 134 Avaliação pré-anestésica 138 Anestesia para cirurgia robótica 140 Dor pós-operatória 142 Via aérea difícil CARDIOLOGIA E DOENÇAS CIRCULATÓRIAS 145 Orientação farmacêutica a pacientes em uso de Varfarina 147 Aneurismas da aorta torácica 151 Arritmias cardíacas 163 Arritmias cardíacas: quando indicar o uso de marcapasso 172 Aspirina na prevenção primária de doenças cardiovasculares 174 Crise hipertensiva 177Dislipidemias 180 Dissecção aórtica 183 Edema agudo de pulmões 187 Estatinas: há alguma melhor do que a outra? 189 Estenose aórtica 193 Estenose da artéria renal 197 Estenose carotídea: como agir? 200 Filtro de Veia Cava 204 Hipertensão arterial 207 Insuficiência cardíaca congestiva 210 Insuficiência coronariana aguda: visão do cirurgião 212Linfedema 218 Linfedema periférico 220 Medicamentos com possíveis efeitos adversos no sistema cardiovascular (SCV) 224 Microvarizes e Telangiectasias 228 Particularidades do coração feminino 231 Pericardite aguda 234 Pericardite aguda 238 Profilaxia de TVP 241 Quando indicar o uso do marcapasso definitivo? 244Sincope 247 Síndromes coronarianas agudas: visão do clínico 252 Síndromes coronarianas agudas: visão do intervencionista 256 Tamponamento cardíaco 258 Taquicardias ventriculares 262 Tratamento percutâneo da estenose aórtica 265 Trombose venosa profunda 267 Úlceras de membros inferiores 270Varizes CUIDADOS PALIATIVOS 276 Conduta nutricional nos pacientes em cuidados paliativos 280 Cuidados paliativos DERMATOLOGIA 282Alopecias 285 Anafilaxia – Critérios Diagnósticos e Tratamento 289Eczemas 292 Feridas complexas: conceitos atuais e tratamento 295 Lúpus eritematoso cutâneo 299Onicomicose 7 8 301Psoríase 307 Tinea pedis e Tinea cruris 309 Urticária DOENÇAS INFECCIOSAS E PARASITOSES 313Aids 316 Cancro mole 322Citomegalia 324Criptococose 326Dengue 329 Endocardite infecciosa: visão do cardiologista 333 Endocardite infecciosa: visão do infectologista 337Erisipela 338 Esquistossomose mansônica 340Gonorreia 342Gripe 344 Herpes simples 346 Herpes zoster 348 Meningites bacterianas 352 Moléstia de Hansen (MH) 363 Parasitoses intestinais 366 Parvovirose prolongada pós-transplante renal 373 Pneumonia por Pneumocystis jiroveci 375 Pneumonias hospitalares 378Sarampo 380Sífilis 383Varicela ENDOCRINOLOGIA 384 Crise addisoniana 387 Diabetes descompensado 389 Diabetes Mellitus tipo 1 391 Diabetes tipo 2 393Hiperparatireoidismo 395 Manuseio dos nódulos tireoidianos 398 Pé Diabético 401 Perspectivas no tratamento da obesidade e da síndrome metabólica - visão do endocrinologista 405 Prevenção e Tratamento da Obesidade 412Tireodites 414 Tratamento cirúrgico de doenças glândulas paratiroide 416 Tratamento cirúrgico de doenças glândula tireoide ENDOSCOPIA 419Colonoscopia 421 Ecoendoscopia digestiva na prática clínica: indicações e resultados 429 Ultrasonografia Endoscópica Terapêutica: um novo horizonte 437 Varizes hemorrágicas do esôfago FISIATRIA E FISIOTERAPIA 440 A importância da reabilitação precoce na recuperação do paciente com AVC 445 Como prevenir e atuar TVP: abordagem fisioterapêutica 447 Prevenção de atelectasias em paciente de alto risco 449 Reabilitação precoce em pacientes na Unidade de Terapia Intensiva 451 Utilização do modo ventilatório NAVA em pacientes sob ventilação mecânica invasiva 453 Ventilação não invasiva nas Unidades de Internação do HAOC GASTROENTEROLOGIA 455 A cirurgia minimamente invasiva: laparoscopia, n.o.t.e.s, single port e robótica. Qual permanecerá? 460 Câncer do reto 463 Diverticulite aguda 466 Drenagem Biliar Eco-guiada: um novo horizonte 470 Hemorragia digestiva baixa 472 Cólica biliar 474 Hérnia inguinal encarcerada 476 Pancreatite aguda 479 Complicações de cirrose 484 Doença hepática gordurosa não alcóolica (DHGNA) 488 Gastroenterocolite aguda 493 Hepatites agudas 498 Hepatites crônicas 505 Tumores primários hepáticos 513 Diarreia crônica 517 Hemorragia digestiva alta 522 Câncer de esôfago 525 Doença do refluxo gastroesofágico 527 Câncer precoce no estômago 529 Síndrome Hepatorrenal (SHR) 531 Colecistite aguda 533Hemorróidas 537Soluços 539 Ascite e marcador ‘tumoral’ CA-125 541Fecaloma 543 Colecistectomia no cirrótico 545 Herniorrafia abdominal em pacientes cirróticos 547 Ascite de difícil controle 549 Prática e benefícios da terapia nutricional enteral e parenteral hospitalar 9 Pedro Renato Chocair Diretor Clínico INTRODUÇÃO | Como eu trato 10 Introdução Esta obra, composta por mais de duas centenas de temas de interesse médico, foi elaborada pela livre e desinteressada colaboração de médicos, enfermeiros, farmacêuticos, fisioterapeutas e outros profissionais, que pertencem ao Hospital Alemão Oswaldo Cruz, entidade reconhecida no País e no exterior pela qualidade dos serviços que presta e pela grandeza de seu Corpo Clínico. O conteúdo dos textos traz a experiência dos autores no tema que lhe foi indicado, evidentemente apoiada e sempre atualizada na literatura pertinente. O objetivo deste trabalho é o de colaborar com a classe médica, oferecendo uma fonte rápida de consulta que atualizaremos periodicamente. É a primeira publicação do material, que certamente será aprimorado nas próximas edições. Em hipótese alguma, destina-se a servir como orientação aos próprios pacientes ou estímulo à automedicação. Além de atender às necessidades dos profissionais, é nosso interesse contribuir com os estudantes e residentes de Medicina brasileiros, para que possam esclarecer eventuais dúvidas, acessando o “Como eu trato” no site da Instituição – www.hospitalalemao.org.br. A interação entre autores e leitores também poderá ser feita a qualquer momento por meio da Diretoria Clínica do Hospital ([email protected]), que se encarregará de transmitir a mensagem ao autor. Nossa intenção é fazer a nossa parte para que a busca do conhecimento se aproxime do verdadeiro significado da palavra escola, originária do grego skhole, que significava “lazer”. Assim, acreditamos contribuir com toda a sociedade e demonstrar cada vez mais que, no Hospital Alemão Oswaldo Cruz, tecnologia e carinho trabalham juntos. Pedro Renato Chocair Diretor Clínico Vladimir Bernik Coordenador da Equipe de Psiquiatria e colaborador da Diretoria Clínica na elaboração do "Como eu trato" Prefácio Em 2010, quando todos pensavam em produzir a revista “Visão Médica”, de alto nível e direcionada ao Corpo Clínico do Hospital Alemão Oswaldo Cruz, muitas ideias foram sugeridas e debatidas; umas refutadas, mas outras aproveitadas. Por exemplo, transmitir a experiência pessoal de profissionais competentes em suas áreas a outros que precisassem de orientações. Uma seção que deveria ser de fácil acesso, escrita de modo simples, didático, direto, conciso e atualizado. A ideia evoluiu e “Como eu trato” foi desenhada. Na edição de abril daquele ano, foi publicado o primeiro capítulo que abordou “parasitoses intestinais”. Impressa em papel de fundo com cor distinta das demais páginas da publicação e picotável, com o objetivo de ser recortada e colecionada para que, no futuro, pudesse formar um compêndio e, talvez, com o tempo, um livro. Era a ideia inicial. Uma ideia pequena, mas que deu muito certo. 2011: a ideia evoluiu – “Como eu trato” traz 245 capítulos Em 2011, aquela ideia pequena, torna-se um livro eletrônico de fácil acesso para auxiliar médicos que necessitam de apoio técnico e de orientação. A versão eletrônica de “Como eu trato” surgiu em abril desse ano e pensouse em cem temas ligados à Medicina. No dia 12 de maio, a Diretoria Clínica circulou um e-mail, convidando renomados médicos do Corpo Clínico do Hospital Alemão Oswaldo Cruz a participarem desse projeto, enviando seus textos e artigos de temas de seus conhecimentos e expertise. O objetivo era redigir mais do que um artigo científico repleto de citações e datas. Cada autor deveria passar a pref á cio | C o m o e u t r a t o 11 sua própria experiência pessoal sobre o assunto, a partir de anos de trabalho. Como cada vez mais a publicação contou com colaboradores, a obra se expandiu. Então, uma pergunta surgiu: porque só a Medicina? Isso porque a Medicina depende, para alcançar os seus êxitos, de uma ampla infraestrutura e de uma base legal. Sendo assim, abriram-se os horizontes e estenderam-se os campos para toda a área da saúde; da clínica aos exames subsidiários e suas interpretações; dos recursos básicos aos mais complexos; e de tecnologia de ponta, necessária ao sucesso dos tratamentos e, principalmente, a uma área do Hospital Alemão Oswaldo Cruz que é imbatível: a enfermagem. Dessa forma, também os principais temas da enfermagem foram considerados, como, por exemplo, os temas relacionados aos cuidados de apoio, como a fisioterapia. No mundo polêmico e conflitante de hoje, no qual interesses diferentes se cruzam, a Medicina também deve se apoiar em bases juridicamente estáveis e inquestionáveis. A contribuição do jurista foi imprescindível para assegurar a transparência e a legalidade dos procedimentos e dos atos médicos analisados do ponto de vista da bioética. A garantia para paciente e médico, com mútuas responsabilidades e deveres, estabeleceu-se nos “consentimentos” um acordo, gerando um contrato de prestação de serviços de saúde com vantagem para o paciente e também para o prestador de serviços. Um capítulo desta publicação foi todo dedicado a mostrar a interrelação entre o paciente e a prestação de serviço. A ideia era ampliada cada vez mais. Todos colaboravam escrevendo muito, de modo didático e em prazos antes considerados impossíveis de serem cumpridos, garantindo, assim, o sucesso do projeto. pref á cio | C o m o e u t r a t o 12 Em menos de três meses, com o fechamento do prazo de entrega dos trabalhos em final de julho deste ano, com a diagramação em andamento e a edição em fase de conclusão, o que seria considerado inviável tornouse realidade. Para tal, a Diretoria Clínica do Hospital Alemão Oswaldo Cruz mobilizou todo o seu corpo clínico, reunindo os profissionais mais experientes e em prazo recorde, recebendo dos colaboradores os originais completos para serem enviados para a elaboração da edição. Com a publicação, o Portal do Hospital Alemão Oswaldo Cruz ganhou um novo espaço de atualização em Medicina, na área de saúde, em diagnóstico e terapêutica, nos serviços de subsidiários necessários ao diagnóstico, nas áreas de apoio e nos aspectos éticos e legais. E para completar o projeto, serão distribuídos CDs com o conteúdo. A atualização, a renovação, a fácil acessibilidade e a leitura simples e didática, que apresenta a experiência de cada autor ainda indica algumas poucas, mas importantes fontes de referência cientificamente válidas para os textos elaborados, com a finalidade maior de servirem de apoio ao profissional da própria instituição, dos institutos de ensino, dos profissionais mais jovens e dos serviços de saúde oficiais de todo o país. A Diretoria Clínica do Hospital Alemão Oswaldo Cruz agradece ao dr. Edison de Souza - professor de Nefrologia da Universidade do Estado do Rio de Janeiro e autor deste texto - e à Revista Brasileira de Nefrologia pela autorização de publicarmos o material no “Como eu trato”. Dr. Edison Souza No último Congresso Mundial de Nefrologia, realizado no Brasil em 2007, o conhecido e respeitado nefrologista italiano Giuseppe Remuzzi disse em uma de suas magníficas palestras: “Se você pensa que descobriu alguma coisa, procure saber se um alemão já não descobriu antes”. Essas palavras me estimularam a procurar personagens de destaque da Medicina no povo germânico. Busca que me proporcionou fantásticas descobertas, muito além do mundo da ciência. Faço parte de uma geração catequizada para rejeitar tudo que viesse da Alemanha em função das terríveis histórias da II Guerra Mundial, do Holocausto e anos depois, da construção do muro de Berlim. Pouco a pouco os horrores da guerra foram sendo esquecidos, ou melhor, guardados em lugar seguro, e pudemos ver este país com outros olhos. As novas gerações já têm uma idéia completamente diferente e considero que a loucura de alguns não pode prejudicar a ótica que devemos ter de seus descendentes inocentes. A Alemanha Ocidental, nas últimas décadas do século XX, já era uma das grandes potências econômicas do mundo e, com a queda do muro (1989), unificada, se organiza para manter essa posição. A ciência na Alemanha voltou a tomar fôlego; diminuiu o êxodo dos grandes cientistas, mantendo-se no país os grandes cérebros da nação. Assim, organizamos este editorial em duas partes: na primeira, após uma breve história da Alemanha, enfocaremos seus grandes personagens diretamente relacionados à medicina e à Nefrologia. Na segunda, daremos uma idéia da grandiosidade do povo alemão, citando outros vultos em diferentes áreas da ciência, ALEMANHA E ALEMÃES: NO MUNDO E NA NEFROLOGIA | Como eu trato Alemanha e alemães: no mundo e na Nefrologia 13 música, esporte, religião, literatura, arquitetura e artes. ALEMANHA E ALEMÃES: NO MUNDO E NA NEFROLOGIA | Como eu trato 14 A origem do povo germânico: Para os romanos, “bárbaros” eram todos os que viviam além das fronteiras do Império Romano e, portanto, não possuíam a cultura romana. De origem discutida, ocupavam uma região chamada Germânia e se subdividiam em vários povos: burgúndios, vândalos, francos, saxões, anglos, lombardos, godos e outros. Nos séculos IV e V, os principais povos bárbaros se deslocaram em direção ao Império Romano, empurrados pelos Hunos que vinham do oriente, levando pânico e destruição aonde chegavam. Esse processo acabou por precipitar a fragmentação do império, já decadente devido à crise do escravismo e à anarquia militar. A língua, a religião, os costumes e, sobretudo, as instituições político-jurídicas e sociais dos germanos, bem diferentes dos das populações submetidas, funcionaram como obstáculos à fusão entre as duas sociedades: a romana e a germânica. Após a queda do Império Romano do Ocidente, em 476, o Império Romano do Oriente, com capital em Constantinopla, continuou a existir até 1453. O Sacro Império Romano - Germânico, que existiu desde o século VIII, até 1806, é considerado o primeiro Reich alemão (Reich, Império, em alemão, termo usado para descrever os sucessivos períodos históricos do povo alemão). No momento de maior extensão territorial, o Império incluía o que são hoje a Alemanha, a Áustria, a Eslovênia, a República Tcheca, o oeste da Polônia, os Países Baixos, o leste da França, a Suiça e partes da Itália central e setentrional. A partir de meados do século XV, passou a ser conhecido como o “Sacro Império Romano da Nação Germânica”. O Império Alemão (do alemão: Deutsches Reich) foi um país, dirigido pela Prússia na região da atual Alemanha, existente desde a sua consolidação como Estado-Nação em Versalhes, em janeiro de 1871 (fim da Unificação Alemã) até à abdicação do Kaiser Guilherme II em novembro de 1918, após a derrota na I Guerra Mundial. Segundo o mesmo raciocínio, Adolf Hitler referia-se à Alemanha Nazista (1933-1945) como o Terceiro Reich. Os alemães referem-se com freqüência a 1945 como a Stunde Null (a hora zero), para descrever o quase-total colapso do país. Na Conferência de Potsdam, a Alemanha foi dividida pelos Aliados em quatro zonas de ocupação militar; as três zonas a oeste viriam a formar a República Federal da Alemanha (conhecida como Alemanha Ocidental), enquanto que a área ocupada pela União Soviética se tornaria a República Democrática da Alemanha (conhecida como Alemanha Oriental), ambas fundadas em 1949. A Alemanha Ocidental estabeleceu-se como uma democracia capitalista e a sua contraparte oriental, como um Estado comunista sob influência da URSS. O acordo também determinou a abolição da Prússia e a repatriação dos alemães que residiam naqueles territórios, formalizando o êxodo alemão da Europa Oriental. As relações entre os dois Estados alemães do pós-guerra mantiveram-se frias, até a política de aproximação com os países comunistas da Europa Oriental promovida pelo Chanceler ocidental Willy Brandt (Ostpolitik), nos anos 1970, cujo conceito principal era “Dois Estados alemães dentro de uma nação alemã”. O relacionamento entre os dois países melhorou e, em setembro de 1973, as duas Alemanhas tornaram-se membros da Organização das Nações Unidas. Durante o verão de 1989, mudanças políticas ocorridas na Alemanha Oriental e na União Soviética permitiram a reunificação alemã. Alemães orientais começaram a emigrar em grande número para o lado ocidental, via Hungria, quando o governo húngaro decidiu abrir as fronteiras com a Europa Ocidental. Milhares de alemães orientais ocuparam missões diplomáticas da Alemanha Ocidental em capitais do leste europeu. A emigração e manifestações em massa em diversas cidades pressionaram o governo da Alemanha Oriental por mudança, o que levou Erich Honecker a renunciar em outubro; em 9 de novembro de 1989, as autoridades alemãs orientais surpreenderam o mundo ao permitir que seus cidadãos cruzassem o Muro de Berlim e outros pontos da fronteira comum e entrassem em Berlim Ocidental e na Alemanha Ocidental - centenas de milhares aproveitaram a oportunidade. O processo de reformas na Alemanha Oriental culminou com a reunificação da Alemanha, em 3 de outubro de 1990. Ciência e Pesquisa: A Alemanha é tradicionalmente um país de pesquisadores e inventores e seus cientistas gozam de prestígio em todo o mundo. Por sua vez, o país está aberto para receber pesquisadores de outras nações. Universidades, poder público e iniciativa privada conjugam esforços no fomento à pesquisa e ao desenvolvimento. Destacam-se as Academias de Ciências, que trabalham em estreita cooperação com as universidades, e das quais existem sete no país: Berlim-Brandemburgo, Düsseldorf, Göttingen, Heidelberg, Leipzig, Mainz e Munique. Desempenham ainda papel importante as fundações científicas. Entre as financiadas pelo empresariado, podem ser citadas a Fundação Fritz Thyssen e a Fundação Volkswagen. A Fundação Alexander von Humboldt (AvH), financiada pelos cofres federais, fornece a cientistas estrangeiros estágios para pesquisa na Alemanha e a alemães, estágios no exterior. Bolsas para acadêmicos estrangeiros são intermediadas também pelo Serviço Alemão de Intercâmbio acadêmico (DAAD). Um dado a ser destacado na nossa área é o fato de que nos últimos Congressos Americanos e Mundiais de Nefrologia e de Transplante, o número de trabalhos apresentados pelos alemães só foi superado pelo dos 15 ALEMANHA E ALEMÃES: NO MUNDO E NA NEFROLOGIA | Como eu trato Pesquisa e desenvolvimento floresceram na Alemanha em especial no século XIX e nas primeiras duas décadas do século XX. Já no ano em que foi instituído, 1901, o Prêmio Nobel foi concedido a alemães em duas disciplinas: o de Física, a Wilhelm Conrad Röntgen, e o de Medicina, a Emil Adolph von Behring. No ano seguinte, o de Química foi concedido ao alemão Hermann Emil Fischer. Só até 1933, ano em que Adolf Hitler ascendeu ao poder, os alemães haviam conquistado dez prêmios Nobel de Física, 14 de Química e seis de Medicina. O período nazista representou o fundo do poço para a ciência no país; de um lado, pesquisadores participando do genocídio praticado pelo regime contra os judeus na Europa; de outro, os de origem judaica fugindo da perseguição (muitos foram para os Estados Unidos, onde deram prosseguimento a seu trabalho). Mesmo em tempos mais recentes, muitos alemães de nascimento receberam o Nobel nas três categorias mencionadas, embora vivam e pesquisem nos Estados Unidos. De uns anos para cá, são intensos os esforços para evitar a evasão dos pesquisadores e cientistas. Se, pesquisa e desenvolvimento são as bases da moderna sociedade do conhecimento, para a Alemanha elas adquirem importância vital, por ser um país pobre em matérias-primas. A reunificação, em 1990, representou um grande desafio para o setor. No Leste, onde a ciência e a pesquisa se desenvolveram durante décadas, sob os ditames do regime centralista, foi necessária profunda reforma estrutural para alcançar certa padronização. Os investimentos em pesquisa e desenvolvimento crescem a cada ano. A pesquisa científica é realizada na Alemanha em três setores: nas mais de 300 universidades do país, em centenas de institutos públicos e privados sem finalidades comerciais e em institutos e laboratórios financiados pela economia privada. A pesquisa universitária tem tradição na Alemanha, consolidada pelo preceito da unidade entre pesquisa e ensino pregado por Wilhelm von Humboldt, que reformou as universidades prussianas no início do século XIX. As universidades são as únicas instituições na Alemanha em que a pesquisa abarca todas as disciplinas científicas. Nelas se realiza, sobretudo, pesquisa de base. Projetos de caráter específico e de maior porte, que envolvem equipes numerosas, tecnologia mais sofisticada e custos mais vultosos, são desenvolvidos pelos institutos extra-universitários, financiados em grande parte conjuntamente pela Federação e os Estados. americanos. Personagens de destaque na área médica (pela data de nascimento) ALEMANHA E ALEMÃES: NO MUNDO E NA NEFROLOGIA | Como eu trato 16 Dorotea Cristina Erxleben, em 1754, para assombro de toda a Europa, conseguiu o título de Doutor em Medicina na Universidade de Halle, tendo sido a primeira mulher a receber oficialmente o diploma de médico. “Dorothea Leporin war die Tochter des Arztes Christian Polykarp Leporin und der Pastorentochter Anna Sophia Leporin. Von Kind an wurde das begabte Mädchen von ihrem Vater in der Heilkunde unterwiesen. Er unterrichtete sie, nahm sie zu seinen Patienten mit und ließ sich mit der Zeit sogar von ihr in seiner Praxis vertreten. Dorothea durchlief dieselbe Ausbildung wie ihr Bruder und wie er strebte sie die Erlangung eines akademischen Grades an. Trotz ihres breiten medizinischen Wissens blieb ihr der Zugang zur Universität verwehr”. Barão de Münchhausen - Karl Friedrich Hieronymus von Münchhausen (1720 - 1797) foi um barão alemão, onhecido pelas histórias humorísticas e agressivas que inventava. Os relatos de suas aventuras serviram de base para a série As Aventuras do Barão de Münchhausen, compiladas por Rudolph Erich Raspe e publicadas em Londres em 1785. O médico inglês Richard Asher em 1951 chamou a atenção da classe médica para este terrível fenômeno ao publicar um artigo com relato de três casos numa famosa revista médica: (Münchausen`s Syndrome, Lancet, 1: 339-41, 1951, p. 339) e, desde então, ficaram fáceis o ensino e a divulgação entre os profissionais da saúde. Despertados pela denominação “Münchausen” dada por Asher, muitos médicos, em diferentes países, começaram a relatar casos desta síndrome. No momento existem 1795 citações no Pubmed. Falsificações causando lesões em filhos é denominada Munchausen syndrome by proxy. Primeira descrição no Lancet 13;2 ( 8033) : 342-5 em 1977 por Meadow. Kaspar Friedrich Wolff - 1733 - 1794 - Fisiologista. Fundador da embriologia observacional. Christian Friedrich Samuel Hanenmann - 1755 - 1843 - O pai da HOMEOPATIA. Friedrich Wohler - 1800- 1882 - Químico que pela primeira vez sintetizou a uréia. Joahannes Peter Muller 1801 - 1858 - Fisiologista e Anatomista - Estudos iniciais de embriologia. Justus von Liebig 1803 - 1873, foi um químico alemão. Seus experimentos possibilitaram a criação de fertilizantes químicos, sabão, explosivos e alimentos desidratados. Liebig criou o conceito do laboratório de química. Friedrich Gustav Jakob Henle 1809 - 1885 - Médico, patologista e anatomista - Descreveu a alça de Henle no rim. Theodor Schwann 1810 - 1882 - Fisiologista, Histologista e Citologista - Descobriu a teoria celular, as células de Schwann no sistema nervoso periférico, a pepsina e inventou o termo “metabolismo”. Bernhard von Longenbeck - 1810- 1891 Cirurgião, precursor dos treinamentos em cirurgia na Alemanha. Carl Friedrich Wilhelm Ludwig - 1816 -1895- Médico e Fisiologista - Descreveu pela 1a vez o mecanismo de filtração glomerular. Friedrich Theodor von Freichs - 1819-1885 - Escreveu livros com conclusões semelhantes às de Richard Bright. Rudolf Virchow - 1821- 1902 - O pai da Patologia. Adolf Kussmaul - 1822 - 1902 - Médico que depois foi homenageado com o epônimo em função de respiração característica da cetoacidose diabética. Eduard Friedrich Wilhelm Pfluger - 1829-1910 Fisiologista que trabalhou com Karl Ludwig - Hoje famosa revista leva seu nome Pflüger Archives. Wilhelm Wundt - 1832- 1920 - Médico, Filósofo e Psicólogo - Pai da Psicologia Moderna. Friedrich von Recklinhausen - 1833 - 1940 - Patologista que descreveu a neurofibromatose. J. F. Wilhelm Adolf von Baeyer - 1835 - 1917 - Químico. Prêmio Nobel de Química em 1905. Emil Theodor Kocher - 1841 - 1917 - Recebeu o Nobel de Medicina em 1909 por seus trabalhos em fisiologia, patologia e cirurgia da tireóide. Max Jaffe - 1841 - 1911 - Descreveu a dosagem da Creatinina em 1886. Heinrich Hermann Robert Koch - 1843 – 1910 - Médico, patologista e bacteriologista, um dos fundadores da microbiologia. Em 1882 descobriu o agente da tuberculose. Recebeu o prêmio Nobel de Medicina em 1905. Wilhelm Conrad Roentgen - Físico 1845 - 1923 - Em 1895 realizou a primeira radiografia da história - Ganhou o Nobel de Física em 1901. Paul Langerhans 1847 - 1888 - Descobriu as ilhotas pancreáticas. Ludwig Karl Martin Leonhard Albretch Kossel - 1853- 1917-Médico - Nobel de Medicina em 1910 pela descoberta as bases adenina e timina dos ácidos nucléicos. 17 ALEMANHA E ALEMÃES: NO MUNDO E NA NEFROLOGIA | Como eu trato Emil Adolf von Behring - 1854 - 1917 - Recebeu o primeiro Nobel de Medicina por seus trabalhos com soros antidiftéricos. Paul Erlich - 1854 - 1915 - Recebeu o Nobel de Medicina em 1908 por seus trabalhos em imunidade. Albert Ludwig Sigesmund Neisser - 1855 - 1916 - Descobriu o patógeno da gonorréia. Franz Ziehl (1857 - 1926) bacteriologista e Friedrich Neelsen (1854-1894) patologista, desenvolveram o corante de Ziehl-Neelsen para identificar as micobactérias como as da tuberculose e da doença de Hansen. Alois Alzheimer - 1864 - 1915 - Neurologista primeiro a reconhecer como entidade distinta a doença neurodegenerativa que hoje leva seu nome. Otto Frank - 1865 - 1944 - Conhecido pela associação com Starling. Juntos lançaram a lei de Frank-Starling. August von Wasserman - 1866 -1925 - Descobriu a reação para o diagnóstico da sífilis. Gustav Giemsa - 1867 -1948 - químico que desenvolveu um corante que posteriormente recebeu seu nome. O corante de Giemsa é usado para o diagnóstico histopatológico de malária, tripanosomíase e clamídia. Max Wilms - 1867 - 1918 - Cirurgião que descreveu pela 1a vez o nefroblastoma que depois recebeu o nome de Tumor de Wilms. Eugen von-Hippel - 1867 - 1939 Oftalmologista que participou na descoberta da doença de von-Hippel -Lindau (sueco). Felix Hoffmann - 1868 - 1946 - Químico que sintetizou a Aspirina. Hans Spemann - 1869 - 1941 - Nobel de medicina de 1935, por estudos de embriologia humana. Zimmerman KW - 18?? - 19?? Em 1929 descreveu o mesângio glomerular. Fritz Schaudinn 1871 - 1906 - Zoologista, descobriu em 1905 com o dermatologista Erich Hoffmann o agente causador da sífilis, Spirochaeta pallida, depois chamado Treponema pallidum. Franz Volhard -1872- 1952 - Primeiras classificações de glomerulopatias e importantes estudos sobre suas relações com a hipertensão arterial. Otto Loewi - 1873 -1961 - Nobel de Medicina em 1936, por seus estudos com a acetilcolina em impulsos nervosos. G. Wegner - 1877 - Foi o primeiro a descobrir as propriedades de transporte do peritôneo. Otto Heinrich Warburg - 1883 - 1970 - Fisiologista - Nobel de Medicina em 1931, pelos estudos de enzimas de oxidação e redução. Otto Fritz Meyerhof - 1884-1951 - Bioquímico - Nobel de Medicina de 1922, por estudos sobre a fadiga. George Hass - 1886 - 1871 Em 1926 realizou as primeiras hemodiálises em Humanos na cidade de Giessen. Gerhard Johannes Paul Domagk - 1895-1964 -Patologista e Bacteriologista. Recebeu o Nobel de 1939, por ter descoberto a sulfa. Fritz Albert Lipman - 1899- 1986 - Bioquímico que ganhou o Nobel de Medicina em 1953, por ter descoberto a coenzima A. Ernst Boris Chain - 1906- 1979 - Bioquímico recebeu o Nobel de Medicina de 1945, por seus estudos com a penicilina. Hans Adolf Krebs -1900 - 1981 - Recebeu o Nobel de Medicina em 1953, pelo estudo do ciclo celular do ácido cítrico que recebeu seu nome Ciclo de Krebs. Paul Kimmestiel - 1900- 1970 - Juntamente com Clifford Wilson descreveu as lesões renais da nefropatia diabética. Werner Forssmann – 1904 – 1979 - Nobel de 1956, por estudos sobre o cateterismo cardíaco. Max Delbruch - 1906- 1981 - Nobel de Medicina de 1964, por estudar as infecçoes virais. Friedrich Wegener - 1907- 1990 - Patologista que descreveu os primeiros casos de Granulomatose. Bernard Katz - 1911 -2003 - Nobel de Medicina de 1970, por estudar os mecanismos de transmissões dos impulsos nervosos. Feodor Felix Konrad Lynen - 1911- 1979 - Nobel de Medicina de 1964, pelos estudos sobre o colesterol. Konrad Emil Bloch 1912- 2000 - Nobel de Medicina de 1964, pelos estudos sobre o colesterol. George Ganter - 1923 - Realizou a primeira diálise peritoneal. Klaus Thurau - Início dos estudos de micropunção com ratos com glomérulos superficiais ( Munich -Wistar) descobertos em seu laboratório. Eberhard Ritz - 1928 - Destacado médico e pesquisador contemporâneo (1295 citações no PubMed) especializado em Hipertensão. Gunter Blobel - 1936 - Nobel de 1999, por descobrir que as proteínas têm sinais intrínsecos que direcionam seu transporte e sua localização nas células. Bert Sakmann - 1942 - Nobel de Medicina em 1991, por ter descoberto a técnica de patch-clamp. Christiane Nusslein Volhard - 1942 - Nobel de 1995 por suas descobertas relacionadas ao controle genético do desenvolvimento embrionário. Erwin Neher - 1944 - Nobel de Medicina em 1991 por te descoberto a técnica do patch-clamp. Georges J.F.Kohler 1946- 1995 - Nobel de Medicina em 1984 pelo desenvolvimento dos métodos monoclonais. Willhelm Kriz - Renomado pesquisador de Heildberg, com 206 artigos citados no PUBMED, com muitos estudos sobre o podócito. Gerard Opelz - 1945 - Apesar de ter nascido na Áustria tem trabalhado em Heidelberg durante os últimos 30 anos, sendo responsável pelo maior programa de avaliação do sistema HLA em transplantes no mundo o Collaborative Transplant Study. Kurt Semm - Ginecologista pioneiro na cirurgia minimamente invasiva na década de 1980. Peter Mundel - Pesquisador com grandes contribuições na área de culturas de podócitos e proteínas podocitárias. Kerstin Aman - Renomada Patologista do Instituto de Patologia da Universidade de Erlangen, Nuremberg. Chaussy C - em 1980 realiza a primeira litotripsia extracorpórea. Guido Filler - Alemão radicado no Canadá, conhecido por muitos brasileiros em função da sua presença em nossos Congressos. É um defensor da Cistatina C. Alemães que receberam o Nobel em outras categorias: Hoje perfazem mais de uma centena e por falta de espaço citarei apenas alguns, como os agraciados com o prêmio de Física: Max Planck, Nobel de 1918, o pai da teoria quântica, Albert Einstein em 1921, Gustav Hertz em 1925 e Peter Grunberg em 2007. ALEMANHA E ALEMÃES: NO MUNDO E NA NEFROLOGIA | Como eu trato 18 Em Química - Dentre mais de 20 laureados citamos: Herman Emil Fischer (1902), Adolf von Bayer (1905) e no último ano o berlinense Gerhard Ertl. Em literatura foram três: Thomas Mann (1929), Hermann Hesse (1946) e Henrich Boll (1972) e da Paz mais dois: Gustav Stresemann ( 1926) e Willy Brandt (1971). Nesta última parte citaremos outros alemães de destaque: Johannes Gutenberg, inventor da imprensa no século 15 e Heinrich Hertz, que comprovou em 1888 a existência das ondas magnéticas, Gabriel Fahrenheit que criou uma escala para medir temperatura, Hans Geiger que inventou o contador de radioatividade e Wernher von Braun expert no desenvolvimento de foguetes. Na religião - Martim Lutero, o criador da religião protestante e o atual Papa católico Joseph Alois Ratzinger. Na pintura - Johann Moritz Rugendas (Augsburgo, 1802 - Weilheim, de 1858) pintor alemão que viajou por todo Brasil pintando paisagens e cenas do cotiano. Integrou a missão do barão de Georg Heinrich von Langsdorff durante os três anos que permaneceu no Brasil durante 1822-1825. Rugendas era o nome que usava para assinar suas obras. Os naturalistas Ernst Haeckel e Alexander von Humboldt, além do conhecido Homem de Naendertal, encontrado em terras alemãs. Filósofos: Nietzche, Hegel, Weber, Goeth, Kant e Karl Marx Nos esportes: A famosa seleção campeã do mundo de 1954, Beckenbauer, Schumaker, os tenistas Boris Becker e Stephi Graf, a Adidas. Também tem o mérito de terem organizado 2 copas do mundo, 1974 e 2006 e 2 Jogos Olímpicos em 1936 e 1972. No cinema organiza o Festival de Berlim e tem diretores famosos como Win Wenders. Na arquitetura: Bahaus, escola que foi um marco no design, arquitetura e arte moderna. Nos veículos de transporte: Volkswagen, Mercedes, BMW, Audi e Porsche. Nas lentes: Carl Zeiss. Indústrias farmacêuticas: Hoechst, Bayer e Schering. Nos animais: Pastor alemão, dachshund, weimaraner e rotweiller. Na indústria: O famoso couro alemão, produtos químicos, eletrônicos, máquinas, automóveis e alimentos. Na comida e bebida: A cerveja e a deliciosa culinária. No turismo: cidades maravilhosas e modernas e a famosa rota romântica com os castelos e cidades medievais. Curiosidades: O costume de procurar ovos de Páscoa foi iniciado por uma duquesa alemã, a cervejaria Hofbrauhaus am Platzl fundada em 1589 localizada no Centro de Munique é a cervejaria mais famosa do mundo e Hermann Bruno Otto Blumenau imigrou da Alemanha para o Brasil e fundou a cidade de Blumenau em 1850. Finalmente a Música Termino esse editoral citando o nome desses grandes compositores que com suas músicas tem presenteado nossos ouvidos, corações, almas e logicamente nossos rins. George Philipp Telemann - Magdeburg, 1681- Hamburgo, 1767 Johann Sebastian Bach - Eisnach, 1685 - 1750, Leipzig George Frideric Händel - Halle ( Magdeburg), 1685- Londres, 1759 Ludwig van Beethoven - Bonn, 1770 - Viena, 1827 Felix Mendelssohn Bartoldy - Hamburgo 1809 - Leipzig , 1847 Robert Alexander Schumann - Zwickau, 1810 - Bonn 1856 Jacques Offenbach - Cologne, 1819 - Paris 1880 Richard Wagner - 1813, Leipzig - Veneza,1883 Johannes Brahms - Hamburgo, 1833 - Viena, 1897 Richard Strauss - Munique, 1864 - Garmisch-Partenkirchen, 1949 Carl Orff - Munique, 1895 - Munique 1982 Auf Wiedersehen und danke schön. 19 ALEMANHA E ALEMÃES: NO MUNDO E NA NEFROLOGIA | Como eu trato A Alemanha tem em seus compositores clássicos uma de suas maiores fortunas culturais e artísticas. Tentamos anexar a cada artigo um link para que um trecho de uma de suas composições fosse ouvido. Infelizmente a falta de espaço não nos permitiu e condensamos a grandiosidade de toda essa obra na Nona sinfonia de Beethoven. Não podíamos esquecer-nos do grande maestro Herber von Karajan que apesar de ter nascido na Aústria, passou 35 anos de sua vida à frente da Orquestra Filarmônica de Berlim. H ist ó rico do H ospital | Como eu trato 20 Histórico do Hospital A vocação para cuidar da saúde da comunidade acompanha o Hospital Alemão Oswaldo Cruz há 114 anos. Essa missão está na essência da atividade da Instituição, fundada em 26 de setembro de 1897 por um grupo de imigrantes de língua alemã que sonhava em oferecer à comunidade serviços médicos de qualidade, como forma de retribuir o acolhimento que recebeu do povo brasileiro. Nos últimos anos, por meio do planejamento estratégico que orienta sua conduta, o Hospital definiu suas cinco áreas de referência e estabeleceu metas de expansão baseadas no conceito de crescimento sustentável. Entre as ações realizadas para atingir esses objetivos, houve a implantação de modernas ferramentas de avaliação e melhoria de processos, medidas para reforçar o relacionamento com os profissionais e investimentos na capacitação de pessoal. Iniciativas como essas posicionaram o Hospital entre os melhores do mundo, reconhecimento confirmado pela conquista da certificação da Joint Commission International (JCI), em 2009. Naquele ano, o Hospital inaugurou o Instituto da Próstata, o Centro de Diabetes e Doenças Metabólicas, o Instituto de Geriatria e Gerontologia, e o Centro de Excelência em Cirurgia Bariátrica e Metabólica. O compromisso da Instituição com a pesquisa e o ensino reflete-se na criação do Instituto de Educação e Ciências, que desenvolve programas de educação continuada e de pós-graduação, voltados para a qualificação profissional, além de realizar pesquisas clínicas e epidemiológicas, contribuindo para a geração e disseminação do conhecimento. O Hospital também intensifica ações que reforçam sua vocação para o trabalho social. Em 2008, houve a assinatura de termo de compromisso com o Ministério da Saúde, quando a Instituição foi reconhecida como Entidade Beneficente de Assistência Social e, em 2010, foi inaugurada a Unidade Ambulatorial de Sustentabilidade Social da Mooca, para atender gratuitamente a pacientes do SUS e sediar a administração dos projetos resultantes da parceria com o Ministério. No contexto da expansão do negócio, também estão as inaugurações do Ciama – Instituto da Mama, em parceria com a Pro Matre Paulista, do Centro de Especialidades no Campo Belo, e a construção de um novo prédio no complexo hospitalar, no Paraíso, a ser inaugurado em 2012. “Nada mais interessante do que iniciarmos este capítulo com poesias e textos que nos atingem profundamente e tocam a nossa alma.” Dr. Pedro Renato Chocair Esta Vida Guilherme de Almeida Um sábio me dizia: esta existência, não vale a angústia de viver. A ciência, se fôssemos eternos, num transporte de desespero inventaria a morte. Uma célula orgânica aparece no infinito do tempo. E vibra e cresce e se desdobra e estala num segundo. Homem, eis o que somos neste mundo. Assim falou-me o sábio e eu comecei a ver dentro da própria morte, o encanto de morrer. Um monge me dizia: ó mocidade, és relâmpago ao pé da eternidade! Pensa: o tempo anda sempre e não repousa; esta vida não vale grande coisa. Uma mulher que chora, um berço a um canto; o riso, às vezes, quase sempre, um pranto. Depois o mundo, a luta que intimida, quadro círios acesos : eis a vida Um pobre me dizia: para o pobre a vida, é o pão e o andrajo vil que o cobre. Deus, eu não creio nesta fantasia. Deus me deu fome e sede a cada dia mas nunca me deu pão, nem me deu água. Deu-me a vergonha, a infâmia, a mágoa de andar de porta em porta, esfarrapado. Deu-me esta vida: um pão envenenado. Isto me disse o monge e eu continuei a ver dentro da própria morte, o encanto de morrer. Assim falou-me o pobre e eu continuei a ver, dentro da própria morte, o encanto de morrer. Uma mulher me disse: vem comigo! Fecha os olhos e sonha, meu amigo. Sonha um lar, uma doce companheira que queiras muito e que também te queira. No telhado, um penacho de fumaça. Cortinas muito brancas na vidraça Um canário que canta na gaiola. Que linda a vida lá por dentro rola! Pela primeira vez eu comecei a ver, dentro da própria vida, o encanto de viver. como eu trato a alma | C o m o e u t r a t o 21 Segunda Canção do Peregrino Guilherme de Almeida Vencido, exausto, quase morto, cortei um galho do teu horto e dele fiz o meu bordão. Foi minha vista e foi meu tacto: constantemente foi o pacto que fez comigo a escuridão. Pois nem fantasmas, nem torrentes, nem salteadores, nem serpentes prevaleceram no meu chão. como eu trato a alma | C o m o e u t r a t o 22 Somente os homens, que me viam passar sozinho, riam, riam, riam, não sei por que razão. Mas, certa vez, parei um pouco, e ouvi gritar:-”Aí vem o louco que leva uma árvore na mão!” E, erguendo o olhar, vi folhas, flores, pássaros, frutos, luzes, cores... -Tinha florido o meu bordão. Cântico Negro José Régio “Vem por aqui” — dizem-me alguns com os olhos doces Estendendo-me os braços, e seguros De que seria bom que eu os ouvisse Quando me dizem: “vem por aqui!” Eu olho-os com olhos lassos, (Há, nos olhos meus, ironias e cansaços) E cruzo os braços, E nunca vou por ali... A minha glória é esta: Criar desumanidades! Não acompanhar ninguém. — Que eu vivo com o mesmo sem-vontade Com que rasguei o ventre à minha mãe Não, não vou por aí! Só vou por onde Me levam meus próprios passos... Se ao que busco saber nenhum de vós responde Por que me repetis: “vem por aqui!”? Como, pois, sereis vós Que me dareis impulsos, ferramentas e coragem Para eu derrubar os meus obstáculos?... Corre, nas vossas veias, sangue velho dos avós, E vós amais o que é fácil! Eu amo o Longe e a Miragem, Amo os abismos, as torrentes, os desertos... Ide! Tendes estradas, Tendes jardins, tendes canteiros, Tendes pátria, tendes tetos, E tendes regras, e tratados, e filósofos, e sábios... Eu tenho a minha Loucura ! Levanto-a, como um facho, a arder na noite escura, E sinto espuma, e sangue, e cânticos nos lábios... Deus e o Diabo é que guiam, mais ninguém! Todos tiveram pai, todos tiveram mãe; Mas eu, que nunca principio nem acabo, Nasci do amor que há entre Deus e o Diabo. Ah, que ninguém me dê piedosas intenções, Ninguém me peça definições! Ninguém me diga: “vem por aqui”! A minha vida é um vendaval que se soltou, É uma onda que se alevantou, É um átomo a mais que se animou... Não sei por onde vou, Não sei para onde vou Sei que não vou por aí! como eu trato a alma | C o m o e u t r a t o Prefiro escorregar nos becos lamacentos, Redemoinhar aos ventos, Como farrapos, arrastar os pés sangrentos, A ir por aí... Se vim ao mundo, foi Só para desflorar florestas virgens, E desenhar meus próprios pés na areia inexplorada! O mais que faço não vale nada. 23 Os Flamboyants Rubem Alves A manhã estava linda: céu azul, ventinho fresco. Infelizmente, muitas obrigações me aguardavam. Coisas que eu tinha de fazer. Aí, lembrei-me do menino-filósofo chamado Nietzsche que dizia que ficar em casa estudando, quando tudo é lindo lá fora, é uma evidência de estupidez. Mandei as obrigações às favas e fui caminhar na lagoa do Taquaral. Bem, não fui mesmo caminhar. Meu desejo não era médico, caminhar para combater o colesterol. Caminhar, para mim, é uma desculpa para ver, para cheirar, para ouvir... Caminho para levar meus sentidos a dar um passeio. Tanta coisa: os patos, os gansos, os eucaliptos, as libélulas, a brisa acarinhando a pele — os pensamentos esquecidos dos deveres. Sem pensar, porque, como disse Caeiro, “pensar é estar doente dos olhos”. Aí, quando já me preparava para ir embora, já no carro, vejo um amigo. Paramos. Papeamos. Ele, com uma máquina fotográfica. Andava por lá, fotografando. Não tenho autorização para dizer o nome dele. Vou chamá-lo de Romeu, aquele que amava a Julieta. Me confidenciou: “Vou fazer uma surpresa para a Julieta. Ela adora os flamboyants. E eles estão maravilhosos. Vou fazer um álbum de fotografias de flamboyants para ela... Você não quer vir até a nossa casa para tomar um cafezinho?” como eu trato a alma | Como eu trato 24 Fui. Mas ele me advertiu: “Não diga nada para ela. É surpresa...” Esta história tem sua continuação um pouco abaixo. Recomeço em outro lugar. As crianças da 3ª série do Parthenon, escola linda, me convidaram para uma visita. Elas tinham estado fazendo um trabalho sobre um livrinho que escrevi, O Gambá Que Não Sabia Sorrir. Queriam me mostrar. Foi uma gostosura. É uma felicidade sentir-se amado pelas crianças. Eu me senti feliz. Aí aconteceu uma coisa que não estava no programa. Uma menininha, na hora das perguntas, disse que ela havia lido a minha crônica Se Eu Tiver Apenas Um Ano a Mais de Vida... Espantei-me ao saber que uma menina de nove anos lia minhas crônicas. Lia e gostava. Lia e entendia. Aí ela acrescentou: “Recortei a crônica e trouxe para a professora...” Confirmou-se aquilo de que eu sempre suspeitara: as crianças são mais sábias que os adultos. Porque o fato é que muitos adultos ficaram espantados e não quiseram brincar de fazer de contas que eles tinham apenas um ano a mais para viver. Ficaram com medo. Acharam mórbido. As crianças, inconscientemente, sabem que a vida é coisa muito frágil, feito uma bolha de sabão. Minha filha Raquel tinha apenas dois anos. Eram seis horas da manhã. Eu estava dormindo. Ela saiu da caminha dela e veio me acordar. Veio me acordar porque ela estava lutando com uma idéia que a fazia sofrer. Sacudiu-me, eu acordei, sorri para ela, e ela me disse: “Papai, quando você morrer você vai sentir saudades?” Eu fiquei pasmo, sem saber o que dizer. Mas aí ela me salvou: “Não chore porque eu vou abraçar você...” As crianças sabem que a vida é marcada por perdas. As pessoas morrem, partem. Partindo, devem sentir saudades — porque a vida é tão boa! Por isso, o que nos resta fazer é abraçar o que amamos enquanto a bolha não estoura. Os adultos não sabem disso porque foram educados. Um dos objetivos da educação é fazer-nos esquecer da morte. Você conhece alguma escola em que se fale sobre a morte com os alunos? É preciso esquecer da morte para levar a sério os deveres. Esquecidos da morte, a bolha de sabão vira esfera de aço. Inconscientes da morte aceitamos como naturais as cargas de repressão, sofrimento e frustração que a realidade social nos impõe. Quem sabe que a vida é bolha de sabão passa a desconfiar dos deveres... E, como disse Walt Whitmann, “quem anda duzentos metros sem vontade, anda seguindo o próprio funeral, vestindo a própria mortalha”. O pessoal da poesia está levando a sério a brincadeira. Eu mesmo já fiz vários cortes drásticos em compromissos que assumi. Eram esferas de aço. Transformei-os em bolhas de sabão e os estourei. Pois o pessoal da poesia decidiu que, no programa de um ano de vida apenas, num dos nossos encontros não haveria leitura de poesia: haveria brinquedos e brincadeiras. Cada um trataria de desenterrar os brinquedos que os deveres haviam enterrado. Obedeci. Abri o meu baú de brinquedos. Piões, corrupios, bilboquês, iô-iôs e uma infinidade de outros brinquedos que não têm nome. Seria indigno que eu levasse piões e não soubesse rodá-los. Peguei um pião e uma fieira e fui praticar. Estava rodando o pião no meu jardim quando um cliente chegou. Olhou-me espantado. Ele não imaginava que psicanalistas rodassem piões. Psicanalista é pessoa séria, ser do dever. Pião é coisa de criança, ser do prazer. Acho que meus colegas psicanalistas concordariam com meu paciente. A teoria diz que um cliente nada deve saber da vida do psicanalista. O psicanalista deve ser apenas um espaço vazio, tela onde o paciente projeta suas identificações. Mas a minha vocação é a heresia. Ando na direção contrária. “Você sabe rodar piões?”, eu perguntei. Ele não sabia. Acho que ficou com inveja. A sessão de terapia foi sobre isso. E ele me disse que um dos seus maiores problemas era o medo do ridículo. Crianças são ridículas. Adultos não são ridículos. Aí conversamos sobre uma coisa sobre a qual eu nunca havia pensado: que, talvez, uma das funções da terapia seja fazer com que as pessoas não tenham medo das coisas que os “outros” definem como ridículo. Quem não tem medo do ridículo está livre do olhar dos outros. Pois a Julieta — aquela do Romeu — me trouxe uma pipa de presente. Vou empinar a pipa em algum gramado da Unicamp. E aí ela nos contou da surpresa que lhe fizera o Romeu. Fotografias de flamboyants vermelhos — que coisa mais romântica! Árvores em chamas, incendiadas! Cada apaixonado é um flamboyant vermelho! E nos contou das coisas que o Romeu tivera que fazer para que ela não descobrisse o que ele estava preparando. Mas o mais bonito foi o que ele lhe disse, na entrega do presente. Não sei se foi isso mesmo que ele disse. Sei que foi mais ou menos assim: “Sabe, Julieta, aquela história de ter um ano apenas a mais para viver... Pensei que você gostava de flamboyants e que você ficaria feliz com um álbum de flamboyants. E concluí que, se eu tiver um ano apenas a mais para viver, o que quero é fazer as coisas que farão você feliz...” Um ano apenas a mais para viver: aí os sentimentos se tornam puros. As palavras que devem ser ditas, devem ser ditas agora. Os atos que devem ser feitos, devem ser feitos agora. Quem acha que vai viver muito tempo fica deixando tudo para depois. A vida ainda não começou. Vai começar depois da construção da casa, depois da educação dos filhos, depois da segurança financeira, depois da aposentadoria... As flores dos flamboyants, dentro de poucos dias, terão caído. Assim é a vida. É preciso viver enquanto a chama do amor está queimando... O texto acima foi extraído do jornal “Correio Popular”, de Campinas (SP), onde o escritor mantém coluna bissemanal. Como eu trato Foi uma alegria, todo mundo brincando: iô-iôs, piões, corrupios, bilboquês, quebra-cabeças, pererecas (aquelas bolas coloridas na ponta de um elástico)... Rimos a mais não poder. Todo mundo ficou leve. Aí tive uma idéia que muito me divertiu: que na sala de visitas das casas houvesse um baú de brinquedos. Quando a conversa fica chata, a gente abre o baú de brinquedos e faz o convite: “Não gostaria de brincar com corrupio?” E a gente começa a brincar com o corrupio e a rir. A visita fica pasma. Não entende. “Quem sabe, ao invés do corrupio, um bilboquê?” E a gente brinca com o bilboquê. Aí a gente estende o brinquedo para a visita e diz: “Por favor, nada de acanhamentos! Experimente. Você vai gostar...” São duas as possibilidades. Primeira: a visita brinca e gosta e dá risadas. Segunda: ela acha que somos ridículos e trata de se despedir para nunca mais voltar... 25 como eu trato a alma | Preparei o encontro de poesia de um jeito diferente. Nada de sopas sofisticadas. Fui procurar macarrão de letrinha, coisa de criança. Não encontrei. Encontrei estrelinhas. Fiz sopa de estrelinhas. E toda festa de criança tem de ter cachorro-quente. Fiz molho de cachorro-quente. E nada de vinho. Criança não gosta de vinho. Gosta é de guaraná. Pastora Vera Cristina Weissheimer Enfa. Suzana Bianchini (Coren 50656) Como eu trato a alma como eu trato a alma | C o m o e u t r a t o 26 A palavra hebraica para alma é nefesch, que significa garganta. Os gregos a traduzem por psyche, que significa soprar, respirar. Já em latim é anima, de anemos, que é vento. Para muitos povos, alma é um respirador invisível. No Antigo Testamento, a alma é o sopro da vida, a força de vida que faz de nós seres humanos. Carl Gustav Jung dizia que a alma é uma instância curadora que opera em nós de forma oculta e que assume a direção de nossa vida quando o nosso eu consciente falha. Essas e outras definições demonstram que somos mais do que nosso corpo visível e material. Nossa interioridade precisa ser acolhida, cuidada, porque é ali que está o que temos de mais profundo e mais precioso – o sopro divino em nós. A alma é, por assim dizer, o centro interior de transformação que faz das vivências externas experiências intrínsecas. Mas como tratar a alma quando o corpo está dando sinais de SOS? O acolhimento, a atenção e a escuta ativa são instrumentos vitais para que o paciente se sinta cuidado de forma verdadeira e integral. O monge beneditino Anselm Grün escreve sobre esse núcleo interior que todos temos, esse lugar onde habita o sopro divino em nós: “Por vezes os nossos recursos se encontram escondidos por debaixo de uma grossa casca. Quando alcanço o núcleo interno no qual se encontra concentrada toda a força, nova energia fluirá para os meus pensamentos e ações, algo desabrochará em mim. Em cada um de nós existe este núcleo, repleto de energia e esperança.” Ali onde Deus habita em mim é que permaneço saudável e inteiro; onde a doença perde seu poder – ali está minha alma. Algumas vezes o corpo dói porque a alma adoeceu; noutras vezes, a alma é que dói porque o corpo está doente. Não há como separar um do outro, não temos um corpo e uma alma – somos corpo e somos alma. Não é possível curar o paciente se não o enxergarmos como alguém inteiro. Abraham Heschel escreveu: “A alma tem seu lar onde se reza. A oração é a morada da alma.” Sendo assim, tratar da alma é ajudar o paciente a se reencontrar, ou a encontrar pela primeira vez esse seu núcleo interior onde pode acessar suas forças, sua fé, suas energias vitais e sua cura. Rezar, ou orar, significa entrar em contato com o desejo da alma e ajudar o paciente a fazer esse contato, esse caminho até si mesmo – um caminho terapêutico necessário, seja na trajetória para a vida ou para a morte. Como a alma não aparece em exame algum, o paciente até pode estranhar que queiramos nos (pre)ocupar com o assunto. Mas é ali onde conseguimos colocar nosso amor – que não tem pátria em religião nenhuma e é humano desde que o primeiro humano começou a perambular pela terra – que colocamos também nossa alma. Tratar a alma é ouvir as queixas do paciente em relação à saudade do seu cachorrinho, do qual teve que se afastar; é dar importância à angústia, mesmo quando a dor está sob controle; é dar a mão, mesmo que isso não conste nos protocolos; é ter um pouco mais de tempo, porque por vezes o que o paciente tem para contar pode não ter a ver com a dor em si, mas é sintoma de um quadro maior – a difícil e maravilhosa tarefa de ser um ser humano. Temos ainda, na área da saúde e, mais especificamente, no cuidado ao paciente, um modelo assistencial denominado Relationship-Based Care (RBC) ou Cuidado Baseado no Relacionamento, que se propõe a instrumentalizar os profissionais do cuidado direto e indireto, para que transformem a prática do cuidar. As transformações necessárias para que o paciente e sua família sejam verdadeiramente o centro da prática dos profissionais do cuidar, pedem que estes reflitam sobre três pontos principais do RBC: o relacionamento com paciente e família, o autoconhecimento e o relacionamento com os colegas. Quando se refere ao autoconhecimento, a compreensão de que todos os seres humanos são formados por corpo, mente e espírito, é primordial para trazer a reflexão sobre a necessidade de equilíbrio entre esses três componentes para que haja a saúde, como também a promoção da cura. O profissional que se propõe a transformar sua prática, adotando o RBC como modelo de cuidar, deve iniciar essa transformação pelo autoconhecimento, por uma reflexão profunda sobre seus desejos pessoais e profissionais e sua visão de futuro. A grande reflexão consiste em “se ver com os olhos do outro”, enxergando desta forma como ele é percebido pelo outro e como ele se relaciona com o outro. Essa percepção consiste no momento vital para a construção de um ambiente em que os relacionamentos sejam baseados e constituídos verdadeiramente no respeito entre os seres humanos, respeito entre os membros da equipe multiprofissional e conseqüentemente no respeito pelo paciente e sua família. Esse respeito fará com que todos os envolvidos no processo de cuidar possam dizer que verdadeiramente foram vistos, ouvidos e receberam atenção. 27 como eu trato a alma | C o m o e u t r a t o A construção de relacionamentos baseados no respeito mútuo criará verdadeiros ambientes de cuidado e de cura, onde o cuidar técnico é extremamente importante, mas o cuidar por meio de relacionamentos de respeito entre os seres humanos pode promover a cura da alma, mesmo que por um breve momento, mas que será extremamente impactante para todos os envolvidos no processo do cuidar. psicóloga ingrid esslinger (CRP 06/21550-5) O luto no contexto hospitalar “Porém, embora a gente faça de tudo para não notar, a morte está empoleirada em nosso ombro, espiando com seu inquietante olho de coruja: o que fazer com tal inquilina e com o tempo que ela ainda nos concede?” (Luft, 2006) como eu trato a alma | C o m o e u t r a t o 28 Cada cultura tem suas próprias representações da morte. Em nossa atual sociedade, creio haver um misto daquilo que Ariès (1977) denomina de morte interdita e/ou oculta e que Kovács (2003) denomina de morte escancarada. Na primeira, a morte é vista como inimiga a ser vencida a qualquer custo, muitas vezes às custas daquilo que podemos chamar de vida. A obstinação terapêutica, pode-se dizer, dela é fruto e os grandes combatentes da morte são os médicos aos quais é atribuído (e eles muitas vezes também o fazem), o papel de guardiães da vida (Zaidhaft, 1990). Na segunda, a morte é banalizada, trazida de todas as formas pela mídia (que invade as casas), sem a possibilidade de uma mediação... Há, por assim dizer, uma banalização da morte, podendo levar a uma banalização da vida, do humano... Ambas as formas de representação da morte trazem como consequência a desumanização daquilo que há de mais humano: nossa finitude! Afinal, ela tocará a todos nós, ainda que não saibamos quando, onde e como. Apenas intuímos que talvez ela possa ser suavizada se houver alguém que seja presença e companhia, atravessando junto conosco o vasto campo da solidão. Também como consequência dos avanços científicos e tecnológicos do século passado e deste século, há uma mudança no que concerne ao local da morte, passando este a ser predominantemente o hospital onde, paciente, familiares e equipe de saúde formam, segundo penso, uma unidade de cuidados. Como tal, as ações, omissões, sentimentos, o dito e o não dito por um, terá reflexos no outro. São as reverberações... Qual a importância de entendermos as representações da morte e delas nos apropriamos? Elas são fundamentais para a forma como o processo de luto será ou não vivido, além, é claro, da “bagagem” e características pessoais de cada um. O processo de luto (...) E fostes e eu fiquei. Fiquei começando por onde terminaste. Não houve confronto, houve renúncia. E te devo. Não o que me cobraste. Pois ao te descobrir, me revelei. A iniciativa no acalanto da partida... (...) Vai. Não te posso impedir. Não te seguirei... Nem devo. Tentarei ir pelo caminho de mim. “Perda” , Leda Lisboa Este poema traz, de forma belíssima, sensível e clara, a tarefa principal do processo de luto: deixar o morto ir sem que com ele morramos! O luto é definido como um processo que tem início após a perda significativa de um objeto – entendido no sentido psicanalítico, ou seja, uma pessoa, um relacionamento e até uma situação que tenham sido investidos de afeto e energia, com a qual se tem um vínculo forte. O papel-tarefa do luto é dar um sentido à perda para que a pessoa enlutada consiga seguir em frente. O psiquiatra e psicanalista inglês John Bowlby (1907-1990) define como tarefa deste processo reconhecer e aceitar a realidade; lidar com os problemas que advêm da experiência da perda, permitindo que a pessoa se reorganize sem a presença do objeto perdido. Uma das principais condições para que este trabalho se complete é a possibilidade de compartilhamento e expressão da dor. Pergunto: a formação dos profissionais de saúde, notadamente do médico, os instrumentaliza para lidar com as questões “do coração”? E mais: aos profissionais de saúde é dado o suporte necessário para lidar com o seu próprio luto? A dor destes profissionais é reconhecida, acolhida e validada? Observa-se neste processo de formação, ausência ou escassez de disciplinas que discutam tanto os aspectos cognitivos quanto afetivos relacionados ao processo do morrer e do luto; há também, como apontam vários estudos (Carvalho, Esslinger, Kovács, Shimizu), uma ausência de cuidado a estes cuidadores e esta é minha questão central: como posso cuidar, se não sou cuidado? Como posso ajudar o outro na expressão e elaboração de seu luto se a mim é vetado o contato com os sentimentos? Ou, quando os sentimentos são percebidos, o profissional passar a questionar seu profissionalismo! Franco (2003), ressalta que as relações no contexto hospitalar apresentam múltiplas implicações. São relações profissionais, mas que reeditam vínculos anteriores. Nas palavras da autora: “o profissional que trabalha em hospital sabe que há pacientes especiais, com os quais estabelece uma relação diferenciada. A morte deste paciente provoca luto, como se fosse por uma pessoa com a qual mantém relações de outra ordem, que não a profissional...É, portanto, um luto que precisa ser admitido, reconhecido e vivido em sua integridade, como um luto que tivesse ocorrido em outro contexto”. Alguns depoimentos extraídos de minha pesquisa de doutorado (Esslinger, 2004), demonstram claramente o grau de sofrimento contido na não legitimação dos sentimentos destes profissionais: “O médico, a gente é formado para evitar que as pessoas morram. Vou falar do médico “geralmente” e do médico “eu”. Nossa formação é para curar. Você não é formado para estar junto num processo de morte. Acompanhar isso aí com todas as coisas que são inerentes à família, paciente e tudo isto”. “Parece que a enfermeira que chora ao lado do leito do paciente que acabou de morrer, ou que chora junto com a família, quando a família está lidando com a situação de morte, é uma enfermeira pouco preparada, é uma enfermeira que não sabe lidar com as emoções”. “Desde o primeiro momento eu quis idealizar algumas coisas. Até que ponto a dificuldade em dar o diagnóstico é minha, porque não tolero a frustração de não ser bom; até que ponto é a dificuldade também de não aguentar ver o sofrimento de outra pessoa ou de não ser aceito, de não ser visto como todo poderoso?” Pode-se dizer que no hospital prevalece o luto não franqueado que caracteriza qualquer processo em que aquilo que foi perdido não é reconhecido e/ou valorizado pela sociedade ou em um determinado contexto (por exemplo, a instituição hospitalar). Segundo Doka (2002), há cinco razões para o não reconhecimento da dor daquele que sofre a perda. Uma delas, o enlutado não reconhecido, aplica-se aos profissionais de saúde. Considerando que o cotidiano destes é permeado por inúmeras situações de perdas, doença e morte, não fica difícil entender o porquê do alto índice de adoecimento desta categoria. Numa perspectiva sistêmica, a morte pode ser entendida como um processo transicional, que envolve os mortos e os sobreviventes num ciclo de vida comum, que reconhece a finalidade da morte e a continuidade da vida: cabe aos profissionais de saúde ajudar neste processo, colocando a perda numa perspectiva funcional o que significa ajudar as famílias a estar em harmonia com o passado, não em luta para recapturá-lo, escapar dele ou esquecê-lo. A família e o paciente têm como tarefas: a- O reconhecimento compartilhado da realidade da perda b- A reorganização do sistema como eu trato a alma | C o m o e u t r a t o 29 c- O investimento em outro projeto No médico e na equipe de saúde de forma geral é depositado um “saber/poder”, um “saber/fazer” que dá ao paciente e aos familiares a segurança de que haverá alguém em quem e a quem confiar sua dor. Alguém que, como bem diz Alves , “ande comigo no escuro da noite, segure meu medo em suas mãos”. Pela confiança depositada por parte dos pacientes e familiares na equipe de saúde, num momento de extrema vulnerabilidade, faz-se necessário que este profissional entre constantemente em contato com sua história pessoal de perdas e rompimento de vínculos. Um caminho para a humanização do cuidado... Humanizar é acolher esta necessidade de resgate e articulação de aspectos indissociáveis: o sentimento e o conhecimento. Mais do que isso, humanizar é adotar uma prática na qual o enfermeiro, o profissional que cuida da saúde do próximo, encontre a possibilidade de assumir uma posição ética de respeito ao outro, de acolhimento do desconhecido, do imprevisível, do incontrolável, do diferente, do singular, reconhecendo seus limites. (Baraúna, 2003). Para tanto, torna-se necessário que as instituições repensem a maneira como cuidam de quem cuida. Para fazer referência ao título desta obra: como tratar e/ou cuidar de quem cuida? Existem inúmeros caminhos os quais não vou descrever no presente artigo, mas é inegável que todos eles passam pela integração dos aspectos acima mencionados: ciência e sapientia. Todos os caminhos passam também por um resgate da morte familiar, domada, nomeada, “na hora certa”. Neste sentido, muito do cuidado aos cuidadores profissionais será decorrente de uma mudança de paradigma na instituição hospitalar: do curar, para o cuidar! como eu trato a alma | C o m o e u t r a t o 30 Faz-se extremamente necessário uma adequada percepção de quais as necessidades psicológicas do profissional que tem, nas palavras de Pitta, a dor e a morte como ofício! Faço minhas as palavras de Alves (1997): “Sugiro, para a ciência, uma nova consciência: a de serva da sapientia. O único propósito dos saberes é tornar possível a exuberância dos sabores. Pois o que Barthes disse, afinal de contas, é que dali para a frente ele tomava a culinária como modelo para seu labor intelectual. Quem sabe, algum dia, esquecidos os saberes acumulados, cientistas e mestres se tornarão sábios e as escolas e universidades tomarão as cozinhas como modelo...” Como pode se dar este cuidado na prática? Este tema pode ficar para uma próxima reflexão. “ O sofrimento só é intolerável quando ninguém cuida”. (Dame Cicely Saunders) Referências bibliográficas - Alves, R. Cenas da vida. Campinas, Papirus, 1997. - Alves, R. Entre a ciência e a sapientia. São Paulo, Loyola, 1999. - Ariès, P. História da morte no ocidente. Rio de Janeiro, Francisco Alves, 1977. - Baraúna, T. Humanizar a ação para humanizar o ato de cuidar. O mundo da saúde, v. 27, n 2, p.304-307, 2003. - Bowlby, J. Perda, tristeza e depressão. Vol. III. São Paulo, Martins Fontes, 1973. - Carvalho, V. A. Cuidados com o cuidador/Who cares for the carers? O mundo da saúde, v.27,n.1, p.138-146, 2003. - Doka, K.J. Disenfranchized grief- New directions, challenges and strategies for practice. Research Press, 2002. - Esslinger, I. De quem é a vida, afinal? Descortinando os cenários da morte no hospital. São Paulo, Casa do Psicólogo/Loyola, 2004. - Esslinger, I.; Kovács, M.J.; Vaiciunas, N. Cuidando do Cuidador no Contexto Hospitalar. O mundo da saúde, v. 28, n.3, p. 277-283, 2004. - Esslinger, I.; Kovács, M.J.; Vaiciunas, N. Cuidando do Cuidador em UTIs Pediátrica e NeoNatal. O mundo da saúde, v. 32(1), p. 24-30, 2008. - Esslinger, I. Luto Proibido, In: Revista Mente e Cérebro, p 55 a 57, Ed. Duetto, ano XVIII, n. 216., janeiro/2011. - Franco, M.H.P. Cuidados Paliativos e o Luto no Contexto Hospitalar, Mundo da Saúde, v.27, n.1, 2003. - Kovács, M.J. Educação para a morte – Desafio na formação de profissionais de saúde e educação. São Paulo, Casa do Psicólogo,2003. - Luft, L. Em outras palavras – Crônicas Rio de Janeiro- São Paulo, Record, 2006. - Pitta, A. Hospital: dor e more como ofício. São Paulo, Hucitec, 1990. - Zaidhaft, S. Morte e formação médica – Rio de Janeiro, Francisco Alves, 1990. - Shimizu, H.E. As representações dos trabalhadores de enfermagem não enfermeiros (técnicos e auxiliares de enfermagem) sobre o trabalho em unidades de terapia intensiva em um hospital-escola. São Paulo, Dissertação de doutorado. Escola de Enfermagem, USP, 2000. Dr. Sergio Pittelli (OAB/SP 165.277) O imbricamento entre a clínica e o direito na questão da terminalidade A eutanásia comporta definição clínica e jurídica. Para o melhor entendimento do conceito clínico, é necessário lembrar que a vida é um ciclo biológico que terminará, inexoravelmente, em algum momento. Posto isso, pode-se definir eutanásia, medicamente, como qualquer ação humana, comissiva ou omissiva, que antecipe o término natural desse ciclo, provocando a morte. Ao contrário, distanásia define-se como qualquer ação que prolongue a vida para além do momento do término natural do ciclo. Constitui-se, concretamente, na aplicação de medidas terapêuticas denominadas “fúteis” ou “inúteis” porque não possuem mais a finalidade de cura e tampouco de conforto e, ainda mais: caracterizam-se por prolongar o sofrimento e agonia do paciente e família. Do ponto de vista jurídico, a eutanásia enquadra-se na hipótese da primeira figura do § 1º (“Se o agente comete o crime impelido por motivo de relevante valor moral ou social”) do art. 121 do Código Penal (CP): trata-se, portanto, de homicídio, embora em um modo beneficiado por uma condição privilegiadora, o que significa, no caso, diminuição da pena entre 1/6 e 1/3 daquela aplicada à forma simples ou fundamental, que é de 6 a 20 anos. Não há, evidentemente, tratamento jurídico para medidas caracterizáveis como distanásicas, mas faremos algumas considerações nesse sentido no desenrolar deste texto. Em contraponto às condutas expressas pelos dois conceitos expostos acima e para exprimir o que seria a conduta equilibrada entre ambas, que se caracterizasse, em termos amplos, pelo respeito ao transcorrer natural dos últimos momentos da vida, cunhou-se o termo ortotanásia. Parte dos estudiosos do assunto evita o uso desse termo, porque, pela semelhança com a palavra eutanásia, teria incorporado certa carga de valor simbólico negativo. Utilizam-se, assim, preferencialmente, de termos tais como terminalidade, medidas paliativas e paliativismo. Diferentemente de outros países, não há leis no Brasil que tenham como objeto regulamentar o paliativismo. Há, sim, três normas referentes ao assunto: um dispositivo de lei e duas resoluções do CONSELHO FEDERAL DE MEDICINA (CFM). 31 como eu trato a alma | C o m o e u t r a t o O tema em apreço é eivado de ideias equivocadas e mesmo, algumas, pelo menos, preconceituosas. A finalidade deste texto será, portanto, esclarecer o quanto possível os conceitos a ele afetos. Falaremos de eutanásia, distanásia, ortotanásia e algumas entidades clínicas relacionadas. O dispositivo legal, entretanto, vem a ser exatamente o já citado art. 121 do CP, que, como sabido, não tem por objeto precípuo as situações clínicas terminais (certamente nem se cogitava esse tipo de questão quando da edição deste código, em 1940), tratando o assunto apenas de forma tangencial, ao qualificar a eutanásia como forma privilegiada de homicídio. Trata-se mais de um marco delimitador da ação do médico, uma espécie de “cerca” além da qual estaria o profissional agindo no campo da ilegalidade. Sendo assim, as duas únicas normas precipuamente voltadas para o objeto em questão são infra-legais: as Resoluções 1805/2006 e o CÓDIGO DE ÉTICA MÉDICA, Resolução 1931/2009, ambas do CFM. Consideramos a Resolução 1805/2006 uma elaboração de rara felicidade por incorporar simplicidade (são apenas dois artigos tratando o objeto) e abrangência plena do tema. Transcrevemos abaixo os dois artigos, seguidos dos comentários pertinentes. Art. 1º. É permitido ao médico limitar ou suspender procedimentos e tratamentos que prolonguem a vida do doente em fase terminal, de enfermidade grave e incurável, respeitada a vontade da pessoa ou de seu representante legal. Art. 2º O doente continuará a receber todos os cuidados necessários para aliviar os sintomas que levam ao sofrimento, assegurada a assistência integral, o conforto físico, psíquico, social e espiritual, inclusive assegurando-lhe o direito da alta hospitalar. Do primeiro dispositivo vale ressaltar, inicialmente, tratar-se de norma permissiva e não imperativa. Ou seja, o médico está autorizado, mas não obrigado a proceder nos termos preconizados. como eu trato a alma | C o m o e u t r a t o 32 Por outro lado, as situações em que se aplica o dispositivo caracterizam-se pela tríade terminalidade, gravidade e incurabilidade; estando ausente qualquer um dos três elementos, não está caracterizada a condição abrangida pela norma. As implicações desta constatação serão expostas mais à frente. O sentido da norma completa-se com o texto do art. 2º, que, ao determinar a continuidade dos cuidados sob forma de medidas de alívio e conforto, afasta definitiva e expressamente a ideia de abandono que setores da sociedade atribuem às medidas paliativas. Significativamente, a norma não define terminalidade. Tal condição vem a ser um diagnóstico médico feito no caso concreto. Por último, integram o art. 1º três parágrafos que garantem direitos do paciente, tais como informação e autonomia (§§ 1º e 2º) e obrigam o médico a registrar suas decisões no prontuário (§ 3º). Logo após sua edição, a Resolução 1805/2006 foi objeto de equivocada ação judicial por parte do Ministério Público Federa, tendo tido, num primeiro momento, sua eficácia suspensa liminarmente. Posteriormente, entretanto, o próprio órgão pediu a improcedência da ação, o que efetivamente se concretizou em sentença transitada em julgado, de modo que, hoje, a norma vige plenamente. Vejamos agora o segundo dispositivo, que vem a ser o CÓDIGO DE ÉTICA MÉDICA (CEM), Resolução 1931/2009. Dele, interessa-nos o art. 41 (capítulo V – Relação com pacientes e familiares), abaixo transcrito. (É vedado ao médico:) Art. 41. Abreviar a vida do paciente, ainda que a pedido deste ou de seu representante legal. Parágrafo único. Nos casos de doença incurável e terminal, deve o médico oferecer todos os cuidados paliativos disponíveis sem empreender ações diagnósticas ou terapêuticas inúteis ou obstinadas, levando sempre em consideração a vontade expressa do paciente ou, na sua impossibilidade, a de seu representante legal. O caput do artigo proíbe a eutanásia, medida que, além de satisfazer a exigência legal (art. 121, § 1º do CP) tem o efeito simbólico de afirmar, mais uma vez, a diferença entre eutanásia e cuidados paliativos. O parágrafo único retoma o tema “paliativismo”, ou seja, tem por objeto o mesmo da Res. 1805/2006. Mas aqui devemos apontar para o que nos parece ser uma diferença fundamental: a mudança do caráter permissivo do art. 1º da Res. 1805/2006 para caráter imperativo. Essa conclusão decorre da mudança do verbo utilizado (“deve”) associada à expressão “sem empreender...”. O conjunto parece conotar imperatividade à norma. Com efeito, o verbo dever possui, entre suas significações, segundo o dicionário Houaiss (2001, 1ª ed.), a seguinte: regra imposta pela lei, pela moral, pelos usos e costumes ou pela conveniência legítima do agente; obrigação Ex.: <votar é d. do cidadão> <o d. de amar o próximo> <a hospitalidade é d. de todos> Como a preposição “sem” tem caráter de negação, a soma do sentido imperativo do verbo com a negação/ vedação (neste caso) promovida pela preposição justifica a opinião em apreço. Há, entretanto, dois argumentos que permitem entendimento contrário a este. O primeiro constituído pelo fato de que o verbo dever possui também algumas conotações não imperativas. Exemplo, do mesmo dicionário: uma obrigação à qual o sujeito se submete ger. em razão de um preceito moral ou de um saber prático Ex.: <os alunos devem obedecer ao professor> <devemos todos escovar os dentes diariamente> Entendemos que este significado também é aplicável ao texto da norma em discussão. O segundo prende-se a saber se o poder normativo do CFM abrange esse tipo de determinação de conduta, discussão que não cabe neste texto. Desconhecemos, até o momento, qualquer manifestação oficial do órgão que permita saber seu entendimento próprio. Na ausência de lei (conforme apontado no início deste texto), o “tratamento jurídico” dado à distanásia no ordenamento jurídico nacional são as duas normas ora discutidas. Antes de passar à seguinte e última parte deste texto, registramos que, também pela já apontada ausência de lei regulando a matéria, o assim chamado “testamento vital” deve ser necessariamente balizado nas duas normas do CFM. Assim sendo, só pode o cidadão “testar” nos limites do estabelecido nos dois textos discutidos. Ao fechar a análise dos dois dispositivos, é importante registrar que ambos autorizam apenas e tão somente a supressão de medidas consideradas fúteis e/ou inúteis do ponto de vista terapêutico, devendo ser mantidas todas as medidas relativas ao tratamento do sofrimento físico, psíquico e espiritual, que incluem, evidentemente, cuidados relativos a alimentação, higiene e acomodação adequada. Estabelecidos os conceitos e as delimitações jurídicas do tema, vejamos algumas questões de ordem prática. Em nossa experiência pessoal médica, causa importantíssima do preconceito contra o paliativismo é a confusão que o leigo faz entre as entidades clínicas envolvidas. Na esfera da doação de órgãos, por exemplo, ou mesmo em casos de morte encefálica em não doadores, é necessário esclarecer que morte encefálica e estado neurovegetativo persistente (ENV), além de não serem a mesma coisa, não são coma e a nenhum dos três se aplicam quaisquer medidas abreviadoras da vida. À morte encefálica, porque o paciente já está morto, tanto biológica quanto legalmente. Ao ENV, porque se trata de um quadro sequelar, considerado enfermidade grave e até incurável, mas que não é terminal e ao coma porque, embora seja uma enfermidade grave, é uma condição tratável. Estendendo o âmbito das enfermidades, é necessário esclarecer ainda que quadros de sofrimento intenso em enfermidades não mortais (por exemplo, tetraplegia ou dor patológica não oncológica) não se enquadram nas hipóteses das duas normas do CFM, assim como dor oncológica em pacientes não terminais e mesmo formas de neoplasias presentemente incuráveis, em fase inicial, quando ainda comportam tratamento com finalidade terapêutica. Cremos que o esclarecimento preliminar sobre tais questões possa, eventualmente, auxiliar leigos envolvidos em situações de terminalidade a tomar mais serenamente suas decisões. 33 como eu trato a alma | C o m o e u t r a t o A importância dessa questão é que, ao admitir a imperatividade da norma, sua não observância passaria a constituir falta ética, com todas as implicações disciplinares. Dra. Maria José Femenias Vieira (CRM 36525) Reflexões sobre o morrer e o viver como eu trato a alma | C o m o e u t r a t o 34 Fragmentos Lá estava ela sentada defronte ao microscópio Tão serena e segura Acho que não se enganaria. Entrei tímida Não queria atrapalhar... E perguntei: “Você viu o exame do meu amigo?” Ela respondeu: “Ainda não. Estou atrasada” Tinham tantos exames sobre aquela mesa... Mas, esperta, experiente, nem precisou saber o número do registro Bateu o olho na lâmina e disse: “Só pode ser esse” Eu pensei: “Como pode ter tanta certeza!” Eram várias lâminas. Pareciam todas iguais. Eram róseas e às vezes com um tom de violeta. Comprovou que era aquela com a frase: “Não disse?” É verdade. Tinha dito mesmo. O fragmento era tão pequeno! Devia ter menos do que meio centímetro. Mas continha a sentença para a vida ou para a morte. Mas era tão pequeno... Como era possível?! Aquele laboratório tão frio... Olhou com a lente. Se sem a lente era tão boa, imagine com a lente. Com certeza acertaria. Fiz uma oração. “Deus, faça com que seja o melhor. Mude as células. Por favor, Deus...” Silêncio. Olhou para mim e disse: “É. Parece que é o pior” ....e pensei....muito rapidamente.... Como assim?! O fragmento é pequeno demais! Deve haver algum engano. Não pode ser. Está errado. Talvez, olhar um fragmento maior... Aquele era muito pequeno Levou duas horas para consegui-lo na biópsia Mas era muito pequeno A vida é muito grande Muito preciosa para se transformar num laudo Como se atreve a dar este diagnóstico? Eu não estou preparada para recebê-lo Quero que mude Quero um fragmento maior Do tamanho da nossa vida Do tamanho da minha dor... Primeiramente, devemos lembrar que, hoje em dia, o câncer nem sempre leva à morte. Os medicamentos quimioterápicos, as técnicas cirúrgicas e a propedêutica armada que determinam diagnósticos mais precoces de recidivas permitem que a vida se estenda e, além disso, tenha mais qualidade. Em segundo lugar, o fato de ser portador de uma doença não confere destino fechado, uma vez que a fragilidade da existência demonstra a instabilidade do futuro em relação à saúde física, emocional e social. A única coisa certa que sabemos da vida é que vamos morrer. Não se sabe como, quando e por que; mas esta é uma certeza sem contradição. Vamos morrer e isto doi. Passamos a vida buscando coisas que afastem este pensamento, pois é muito doloroso pensar na própria morte. Deixar de existir. Não fazer mais parte do elenco no grande espetáculo da vida. Antes de conseguir compreender a morte é preciso entender que vida é o que acontece entre o nascer e o morrer. A vida se mostra muito frágil e solitária. Nascemos sozinhos. Morremos sozinhos. E no meio destas duas solidões, a vida acontece. A vida busca o preenchimento da solidão e da dor que o próprio viver contém. Não adianta fugir. Ela chegará. É a grande castração. Chega e nos arrebata da vida. Quando ela atinge pessoas do mundo corporativo, executivos, indivíduos no auge de sua potência profissional e com um extenso e brilhante futuro, pode-se ponderar sobre as reações. Por este motivo, a necessidade de refletirmos sobre a vida e a terminalidade. O diagnóstico de câncer ou outras doenças graves não levam a um destino fechado, porém ocorrerão mudanças na rotina diária, não só do portador da patologia, mas dos familiares, amigos e da própria empresa. Como enfrentar estas mudanças? Como reagir quando chega um diagnóstico, que inverte a sequência do viver, como um carro, que faz um “cavalo de pau” e muda a direção. Como desmarcar reuniões, visita a clientes, palestras, congressos, viagens e passar a ir a médicos, laboratórios, ver agulhas e ficar dentro de máquinas, que nos fotografam por dentro, e às vezes a imagem obtida não é tão alegre? A médica Elizabeth Kübler Ross observou pacientes com diagnósticos de doenças graves, com possibilidade de morte mais precocemente. Talvez tenha realizado estas pesquisas para resolver o próprio complexo da morte que a incomodava e não solucionava. Procurou no outro aquilo que por ela mesma não estava conseguindo resolver. Segundo esta autora, a primeira fase quando se recebe uma notícia da possibilidade de morrer antes do previsto (se é possível fazer esta previsão), é a negação. Isto ocorre quando a expectativa perante fatos da vida não correspondem ao que era esperado. Frases tais como: “não é comigo”, “isso não é verdade”, “deve haver algum engano”, são ditas pelas pessoas ao se depararem com vicissitudes da própria vida ou das pessoas que se relacionam afetivamente de forma mais profunda. Esta fase da negação, no entanto, é importante, pois ajuda o indivíduo e os familiares a se reorganizarem perante a pior dor que poderá chegar. A sensação de ser portador de uma doença grave e a possibilidade da morte consome a energia da vida. Há necessidade de um tempo para mobilizar medidas menos radicais. Andamos de braços dados com a morte desde o nascimento, mas por vezes ela parece distante, como se nunca fosse nos atingir. 35 como eu trato a alma | C o m o e u t r a t o A condução destas reflexões poderão ser por meio do acolhimento do profissional de saúde, sua competência profissional, a atualização frente às novas terapêuticas e métodos de diagnóstico, e a própria história de vida dos envolvidos. Devem-se levar em consideração os recursos financeiros pessoais ou dos planos de saúde e o tempo entre o diagnóstico e inicio da terapêutica. Na cena do clássico cult-movie de Ingmar Bergman, o Sétimo Selo, a morte e um guerreiro jogam xadrez. O diálogo entre os dois personagens demonstra esta guerra silenciosa que se trava desde o primeiro encontro com a vida. A cena começa com o guerreiro fazendo uma oração. Não é possível saber se é de agradecimento, se é para pedir algo, se é por arrependimento, ou talvez os três. A morte vem buscar o guerreiro e diz que já está ao seu lado há muito tempo e que é chegada a hora. O guerreiro então propõe um jogo de xadrez e, se ele der o xeque-mate, poderá viver e a morte o deixará em paz. Este jogo está ocorrendo desde que nascemos. Só que, talvez, nestes momentos mais limítrofes, tenha-se a oportunidade de pensar com mais cuidado no movimento das pedras e a negação ajuda, e mistura-se com ela a segunda fase que Kübler Ross descreve como a da raiva. Esta é a mais difícil para os que estão ao redor, mas por outro lado é boa para o doente, pois ele pode manifestar o seu sentimento e não tem mais nada a perder. O indivíduo questiona a todos e a Deus. Frases como “minha família foi culpada”; “falam muito”; “nada que ajude”; “os médicos são uns incompetentes que nada fazem por mim” são comuns nestes momentos. Manifestam raiva de si próprios, por terem agido de alguma forma que os levou a desenvolverem uma doença que pode levar à morte. Referem que o mundo é muito mau e se sentem injustiçados. É comum dizerem que “há tantas pessoas más no mundo e justo eu fiquei doente” e assim por diante. As pessoas ficam com raiva ao adoecer. A diferença é que algumas manifestam verbalmente e outras preferem continuar na negação ou não sentir raiva, talvez por medo de mais punição, como se houvesse alguém responsável pelo sofrimento. De qualquer forma, esta é uma fase difícil, porque somos apegados ao concreto e, quando ele foge ao nosso controle, é que nos deparamos com a finitude. Neste momento, a maioria das pessoas busca a espiritualidade como apoio. Se esta experiência do morrer e da própria finitude fosse vivida como fazendo parte da realidade da vida, talvez fosse mais verdadeiro o viver. como eu trato a alma | C o m o e u t r a t o 36 A terceira fase que Kübler Ross identificou foi a da barganha. Isto quer dizer que as coisas são feitas esperando uma recompensa. Quando esta recompensa não chega são feitas as promessas, esperando algo em troca. Falta aí a espontaneidade, que é algo que vem de dentro do coração; algo inexplicável, que talvez somente as crianças façam. As crianças vão perdendo estas características, depois que são envolvidos com os adultos. “Você ganha o doce se fizer lição”; “seja bonzinho no médico que você não tomará a injeção” e muitos outros exemplos. E, assim, aprendese a barganha. E por que não utilizá-la quando doentes? Pode ser em doenças graves ou mesmo quadros clínicos mais simples. É comum o paciente falar: “Doutor, farei tudo direitinho se o senhor garantir que vou melhorar”. A barganha com Deus é frequente em doenças graves. As pessoas fazem promessas, doações em dinheiro em troca da cura. Há culpa neste momento, sendo importante mostrar para o doente que ele não está sendo punido por estar doente, pois a morte faz parte da vida. Tanto os bons como os maus morrem. Os homens criaram os conceitos de castigo, incluindo as doenças e a morte como fazendo parte de uma punição. Quando o doente percebe que negar, ter raiva e criar um mercado de trocas não o levou à cura, ele pode entrar na quarta fase denominada depressão em que percebe a perda iminente das coisas que gosta. É uma fase de introspecção, de muita dor, isolamento e choro, pois não há o que fazer. Esta consciência da impotência, da solidão e da percepção da falta de controle sobre a vida, pode dar a consciência de que na realidade nunca se teve controle sobre nada, tendo-se vivido uma onipotência que nunca existiu. Neste momento, surge a aceitação, como a última fase, que de certa forma dá certa tranquilidade, pois o indivíduo deixa de lutar e se entrega. Muitas pessoas continuam jogando e enfrentam com esperança. Não se entregam. Pode-se lembrar daqueles que inclusive servem de estímulo para outras pessoas pela forma como enfrentam esta situações. Continuam trabalhando, escrevendo livros, construindo pontes e museus, recebendo prêmios, desenvolvendo novos planos econômicos, aparecendo na mídia e dando testemunhos cheios de vida e confiança no futuro. Tenho convivido com empresários que se mantêm ativos e acrescentam em suas agendas o compromisso de cuidar de uma doença, mas não permitindo que isto seja um empecilho ao crescimento pessoal e da própria empresa. Preocupam-se com a família e as prioridades são transformadas. Segui a luta de um amigo durante quatro anos contra um tumor que apareceu de forma inesperada. Os médicos disseram aos familiares que ele teria em torno de seis a nove meses de vida. Eles não se deixaram abater por este número obtido a partir de estatísticas. Juntos, paciente, familiares, amigos e profissionais de saúde se uniram movendo as pedras do jogo de xadrez e as estatísticas tiveram que mudar. Este é um exemplo recente e está vivo na minha memória, pois este empresário continuou tomando decisões importantes nas suas idas e vindas do hospital. Além de tudo, deixou as equipes médicas surpresas com tanta pulsão de vida demonstrada. Durante uma das crises econômicas, enquanto os teoricamente “saudáveis” se apavoravam, ele mantinha a serenidade e segurou a crise da empresa, mesmo tendo terminado sessões de quimioterapia. Uma das frases que citou foi mais ou menos assim: “O mundo estava ganhando muito dinheiro e agora vai ganhar menos; mas como toda crise... vai passar”. Os seus parceiros da empresa tomavam antidepressivos, ansiolíticos e remédios para insônia, mas ele continuou com a confiança daqueles que passam pela verdadeira “crise” e encontram o que é prioritário. Ele não desistiu de seus projetos e até plantou uma árvore. Sua secretária mais próxima em certa ocasião citou: “ele é nosso exemplo; ensina princípios de integridade, respeito e valores inegociáveis, que faz acordarmos todo dia e acreditar que todo esforço vale a pena”. Já vi muitos pacientes dizerem adeus à vida. Sempre é triste. Nunca se está preparado para tal. Uma coisa eu sei. Nestas fases de adeus, ninguém pensa que deveria ter aplicado mais dinheiro na bolsa ou comprado mais moeda estrangeira. Todos pensam no por do sol que não viu, no abraço que não deu, no carinho que não recebeu e no perfume das flores e no cheiro do morango. Por favor: não pensem na morte, mas saibam que ela está por aí. Não pensem muito nela, senão esquecerão os morangos, e as cerejas, e as flores e a areia e o mar. Ela está aí, mas o vento batendo no rosto como brisa suave dá um prazer muito grande. Estou falando de vento, brisa, não de ar condicionado. Este resseca a mucosa das narinas... Por outro lado, é bom pensar nela, para lembrar-se de viver. Seguem então as perguntas: Como travamos esta guerra? Como estamos jogando este xadrez? Talvez fosse melhor responder a estas questões no momento em que nos damos conta de que estamos vivos e que a morte está à espreita, podendo se manifestar a qualquer momento. Talvez vivêssemos a vida de uma forma mais coerente e com menos onipotência. Seria bom se esta entrega ocorresse antes da morte surgir tão próxima, uma vez que ela estava presente desde o início. Ter a consciência de que a vida é uma grande entrega entre o nascer e o morrer. É vital que se tenha a percepção da morte, pois é possível viver melhor, com o que realmente é essencial. E cada um sabe o que é essencial... Não somos deuses. Sofremos, choramos, lutamos e jogamos o nosso jogo de xadrez desde o nascimento. O tabuleiro vem pronto. As pedras são colocadas para jogarmos o nosso jogo. Ele nos pertence. Este é um grande presente. Quem move as pedras no início são as conservas culturais, mas temos a oportunidade de avaliar os movimentos, em um determinado instante, ao mirarmos este tabuleiro. O xeque-mate virá. Porém, com sabedoria, ponderação, 37 como eu trato a alma | C o m o e u t r a t o O diferencial nestes momentos é o tipo de personalidade e temperamento, pois em tempos anteriores, quando estava sem qualquer doença, enfrentou outras crises com serenidade e equilíbrio. É muito importante também a entrega da vida ao médico que orquestra o tratamento e deixar que ele cuide. A confiança gera uma parceria que facilita o tratamento e também os prognósticos. serenidade, pode ser até um jogo interessante... Peça isto a Deus. Ele ajuda a jogar... Olhe o tabuleiro do alto. Junto com Ele...ou sem Ele... Esta é também uma escolha. Referências Bibliográficas Kübler-Ross,E – Sobre a Morte e o Morrer - Editora Martins Fontes, São Paulo, 1992 Kübler-Ross,E – A Roda da Vida- Memórias do Viver e do Morrer- Editora Sextante – Rio de Janeiro – 1998 Vieira, MJF – Uma cirurgiã na Encruzilhada in Psicossoma III – Interfaces da Psicossomática – Editora Casa do Psicólogo- São Paulo-2004 Vieira, MJF – E agora, doutora?! Estou câncer com câncer. – Revista de Marketing Industrial 53 ;44 – 49 – São Paulo - 2011 como eu trato a alma | C o m o e u t r a t o 38 Como eu trato baseado em evidências Dr. Paulo D. Picon (CRM/RS 11057) Dr. Rafael V. Picon (CRM/RS 35287) No exercício da Medicina, o convencimento é formado com liberdade intelectual, mas este deve estar sempre apoiado em evidências, admitindo-se uma seqüência hierárquica entre estas, norteado pela assertiva de que “não há prova por mais especial que seja, que possa suprimir-lhe a falta”. Foi somente com a incorporação do método científico como fundamento para a tomada de decisão terapêutica que os médicos conseguiram demonstrar a inadequação de alguns tratamentos recomendados por décadas ou mesmo séculos. Por muito tempo o imaginário médico assumiu que o tratamento de pacientes individuais reproduzisse o experimento científico. Entretanto, no experimento, em condições controladas, após uma intervenção sobre determinado substrato, pode-se medir objetivamente a mudança de condição do substrato imposta pela intervenção. Por analogia, entendeu-se, à exaustão, que a intervenção sobre o homem doente fosse, primordialmente, a causa de sua cura. A isto devemos a catastrófica e secular utilização de sangria para tratamento de “todos os males” e mais recentemente a utilização da “catarse” (limpeza intestinal através de procedimentos laxativos) para numerosas situações clínicas, algumas das quais foram até pioradas pelo tratamento. A morte de René Descartes em 1650, aos 54 anos, atribuída à sangria instituída para tratamento de uma pneumonia é um exemplo do mal que um tratamento ineficaz e até mesmo deletério pode trazer à humanidade. Ele não acreditava neste procedimento específico, mas, acabou anuindo a ele apressando o fim de seus dias. Nada mais avesso ao espírito cartesiano do que seguir modas que desviem a razão dos seus objetivos. Em tempos de modernidade, temos assistido a outro fenômeno, não menos deletério do que os citados acima, que é a apropriação, por parte das grandes corporações, do método de investigação clínica e da sua força de convencimento, para propiciar a criação do fundamento “científico” para vender medicamentos a preços cada vez mais inacessíveis para a maioria das famílias mais abastadas do mundo. O conhecimento científico evoluiu, os métodos diagnósticos e terapêuticos tornaram-se cada vez mais específicos e acompanhados de procedimentos mais complexos. Apesar destes avanços, a comunidade científica observa com preocupação uma progressiva má utilização destes processos de pesquisa e produção do conhecimento. 39 como eu trato baseado em evid ê ncias | C o m o e u t r a t o A Evidência Científica em Medicina Hierarquia das Evidências Médicas à Luz da Epidemiologia Clínica Toda a tomada de decisão em Medicina, nos diferentes cenários clínicos, deve ser embasada, preferencialmente, em evidências inequívocas de causalidade. Assim, idealmente, toda a intervenção médica prescrita deve ser sustentada por documentação científica que demonstre relação causal entre o tratamento e a melhora clínica ou cura. É isso que aborda a Medicina Baseada em Evidência (MBE), nome dado ao atual paradigma da Medicina, que, desde a década de 1970, propõe métodos de hierarquização e avaliação crítica das evidências com o intuito de auxiliar os médicos na tomada de decisão, embasando-a em resultados de estudos de pesquisa clínica: análises de eficácia, de segurança e de custo-efetividade das intervenções médicas. A MBE é também uma prática, definida como o uso consciencioso, explícito e judicioso da melhor evidência científica para a tomada de decisão no tratamento de pacientes, processo que envolve a integração entre o julgamento clínico e a experiência do médico com os dados da literatura disponível. Assim, um bom estudo de caso ou séries de casos pode ser reconhecido como melhor a evidência disponível em cenários clínicos em que não há, ou quando não é possível a realização de estudos controlados. Ciência fundamental para o entendimento da MBE é a epidemiologia clínica que estuda a freqüência das doenças e de seus determinantes em uma população, sempre em busca de associações ou relação causais entre esse e aquele. A epidemiologia é também a disciplina responsável pela criação e compreensão das diferentes metodologias de pesquisa clínica que, por sua vez, geram resultados com potenciais igualmente diversos para definir uma relação de causa e efeito. A relação causal e o rigor metodológico são tão importantes para a MBE que é justamente com base na força para detectar uma causalidade e na qualidade dos estudos clínicos que se classificam as evidências médicas. como eu trato baseado em evid ê ncias | C o m o e u t r a t o 40 Dentro do âmbito da pesquisa médica clínica – que se distingue fundamentalmente da pesquisa médica básica por ter o indivíduo como objeto de estudo e não animais, tecidos, células ou moléculas – diferentes delineamentos, ou metodologias, garantem maior ou menor robustez aos resultados encontrados e, consequentemente, determinam uma relação causal entre o fator em estudo e o desfecho analisado igualmente variável. Nesse sentido, o ensaio clínico randomizado (ECR) é o delineamento de pesquisa que individualmente produz resultados com maior potencial para detectar causalidade entre uma intervenção médica e um desfecho clínico relevante como morte, cura, melhora da qualidade de vida, aumento de sobrevida etc. Sendo assim, esse delineamento merece uma breve explanação. Resumidamente, em um ECR, pacientes com uma mesma doença são aleatoriamente alocados para pelo menos dois grupos: um grupo que receberá tratamento com a intervenção médica em estudo (terapêutica nova ou sem comprovação prévia de eficácia) e um grupo controle que será tratado com intervenção padrão (com eficácia conhecida e já testada) ou, como ocorre em doenças que ainda não dispõem de tratamento, placebo. A alocação aleatória dos pacientes nos diferentes braços do estudo garante, pelas leis da probabilidade, que os grupos em escrutínio sejam homogêneos para todos os parâmetros aferidos e também para os não mensurados. Dessa forma, como em uma equação matemática, é possível isolar a incógnita e definir o seu valor, neste caso, quantificar o impacto da intervenção terapêutica em estudo sobre a evolução de uma doença. Há ainda outro método de pesquisa clínica que confere resultados tão ou mais robustos que os de ECRs: a revisão sistemática com meta-análise ou, simplesmente, meta-análise. Defini-se como: uma síntese estatística dos resultados numéricos de diversos estudos que avaliaram a mesma questão, ou seja, é um delineamento de pesquisa que através de uma revisão sistematizada de toda a literatura médica pertinente e de técnicas de modelagem estatística é capaz de compilar os resultados de, por exemplo, vários ECRs que analisaram a mesma intervenção em um mesmo cenário clínico e determinar, de forma ainda mais precisa e acurada, o impacto de uma terapêutica sobre uma doença. Entretanto, como a metáfora da torta de maçã feita com maçãs podres, devemos também ser muito críticos quanto ao poder destes estudos, pois uma meta-análise cujos ensaios clínicos não cumprirem os rigores da boa ciência estará contaminada em sua fonte. Os estudos de intervenção bem conduzidos e com alocação aleatória de participantes são tidos pela comunidade médica internacional como os geradores dos mais altos níveis de evidência clínica, conhecidos como evidência nível 1 e 2, para meta-análise de ECRs e ECR, respectivamente. Por outro lado, as opiniões de especialistas, ou de comitês de especialistas, não fundamentadas por avaliação crítica da literatura médica ou embasadas apenas em princípios das ciências básicas (mecanicista) geram o mais inferior dos níveis de evidência: evidência nível 5. Entre esses dois pólos há todo um espectro de delineamentos de pesquisa que dão origem aos outros níveis de evidência clínica. Porque é importante a caracterização e a definição de evidência científica? Porque a cada ano mais de dois milhões de artigos são publicados em mais de 20.000 periódicos da área da saúde. Alguns destes periódicos têm seu corpo editorial montado não apenas por interesses acadêmicos, mas também por interesses corporativos. Mesmo as revistas médicas com conselho editorial forte, critérios definidos de declaração de ausência de conflitos de interesses de seus conselheiros, editores e autores, já foram envolvidas em situações embaraçosas tais como: publicações precipitadas (interesse pela novidade) ou cujo conteúdo provou-se falso, ou cujas conclusões dos autores e editores poderiam ser facilmente contestadas à luz da melhor ciência já disponível no momento da publicação. A maioria das publicações científicas tem sua produção atendendo a uma agenda que não é a agenda da sociedade. Segundo a OMS, 90% dos recursos de pesquisa mundiais são dirigidos para investigar apenas 10% das doenças. Este processo exclui doenças que não são lucrativas do ponto de vista meramente comercial e inclui na pauta das pesquisas aquelas condições onde a potencialidade do lucro está mais claramente definida. A tomada de decisão médica: um processo solitário Ao recomendarmos um medicamento ou procedimento médico, precisamos responder a várias perguntas: existe evidência de benefício desta intervenção para esta doença? Existem mais benefícios do que danos? Em qual grupo ou subgrupo de pacientes? Para qual desfecho clínico (reduz a pressão arterial ou reduz a mortalidade?). Em qual momento da evolução da doença este tratamento deve ser inserido? Nenhum medicamento ou procedimento médico será efetivo em todos os pacientes, para todos os desfechos clínicos, ou sequer para o mesmo desfecho clínico em outro período da evolução da doença. Um tratamento eficaz em fases iniciais da doença (ex. medicamentos inibidores da colinesterase para Doença de Alzheimer) pode ser completamente ineficaz ou deletério nas fases finais da doença. A Dra. Márcia Angell, médica, professora sênior da Escola de Medicina da Harvard, ex-editora chefe de uma das revistas médicas mais respeitadas do mundo: o New England Journal of Medicine, questionada sobre o que tem levado os Norte-Americanos a se afastarem da ciência? Respondeu: “Uma das razões é a educação científica precária que temos hoje em nossas escolas públicas. Os professores ganham pouquíssimo, então as pessoas mais talentosas não são atraídas para ensinar. Acabam indo para outras profissões... As crianças aprendem como os animais são classificados e como as coisas são vistas pelo microscópio. Mas elas não aprendem a pensar cientificamente – e isso é justamente o oposto de decorar fatos. Pensamento científico envolve ceticismo, até que haja provas. Deveríamos ensinar a maneira de avaliar evidências e como fazê-lo de forma crítica”. A Dra Márcia Angell chama a atenção para a facilidade com que os médicos são convencidos da benevolência dos novos produtos e os incorporam em suas práticas. É muito importante que se saiba que por vezes, por trás de uma alegada “redução do risco de um determinado evento” o que está colocado é o interesse financeiro em torno daquele medicamento ou procedimento. 41 como eu trato baseado em evid ê ncias | C o m o e u t r a t o Assim, temos que ser exigentes em relação à qualidade das publicações, se elas respondem ou não a questões clinicamente relevantes para a saúde dos pacientes e se a qualidade metodológica aplicada durante o estudo científico (experimento) permite chegar àquelas conclusões. Estamos falando de leitura crítica de artigos científicos, atributo indispensável ao bom médico. Infelizmente, este treinamento não tem sido consistente nos cursos de medicina e boa parte da comunidade médica ainda deixa a desejar quanto a esta habilidade necessária para o bom exercício da medicina contemporânea. Ora, mas será uma prescrição médica uma prova científica? À luz da MBE a resposta será “Sim”, se esta receita estiver acompanhada de uma referência bibliográfica de um ECR irrefutável que provou que aquele tratamento é eficaz e seguro naquela doença específica. Recomendações dos especialistas, individualmente, são consideradas evidência fraca se não estiverem acompanhadas da prova científica que a fundamenta. Mesmo em situações onde há prova científica de eficácia temos que estabelecer um balanço preciso para o binômio: eficácia versus segurança. Ou seja, quanto benefício versus quanto dano? Ao tomar a decisão de tratar um só paciente, os médicos têm que estabelecer qual a melhor dose para aquela situação? Quanto tempo de tratamento? É necessário que se informe ao paciente qual o desfecho clínico que irá melhorar e qual não vai responder à intervenção proposta. Não é prudente nem aceitável que uma nova tecnologia seja disponibilizada sem que ela tenha sido adequadamente estudada em seus aspectos de eficácia e segurança. Quanta eficácia? Quanta segurança? As respostas não são precisas, pois não estamos tratando de matemática e sim de fenômenos biológicos. A melhor resposta encontrada pela medicina contemporânea foi: prova científica. Leia-se: ensaio clínico randomizado, estudo clínico de eficácia e segurança, realizado em condições de isenção de conflitos de interesses, onde a única e genuína preocupação seja responder à pergunta científica. Apesar de conter numerosas limitações (especialmente nas questões de segurança), é atualmente considerado como procedimento mínimo necessário para criação de prova científica. Aos demais métodos de investigação atribuem-se pesos menores ou de meros geradores de hipótese. Infelizmente, não é possível realizar um ECR para cada situação de dúvida terapêutica, nestas situações as decisões são embasadas por estudos de menor qualidade metodológica o que já nos remete a uma situação de maior risco de estarmos optando por um tratamento pouco eficaz e com baixa segurança. Para eventos adversos muito raros são necessários milhares de pacientes serem expostos para que se possa detectar um caso. como eu trato baseado em evid ê ncias | C o m o e u t r a t o 42 Prudência nunca é demais, pois morrer após usar um analgésico é inaceitável se pensarmos que existem várias alternativas terapêuticas que não causam morte. Em saúde pública, esta assertiva é muito importante e tem um caráter protetor que precisa ser compreendido pela sociedade. Impacto da qualidade metodológica dos estudos clínicos Autoridades internacionais afirmam que o processo íntimo da realização e condução dos estudos clínicos é fundamental para sua reprodutibilidade e credibilidade. Por exemplo, durante a decisão de a qual grupo de tratamento o paciente participante da pesquisa será encaminhado (grupo controle ou tratamento ativo) é crucial que o segredo desta alocação seja mantido durante toda a investigação. Se investigadores ou pacientes forem capazes de, voluntariamente ou não, romper este sigilo, este fato implicará em uma superestimativa de até 30% a favor da intervenção em teste nos resultados finais da pesquisa. Ou seja, poderemos ter um benefício superestimado em 30% para a nova intervenção. O fato do estudo não ser duplo-cego (pacientes e investigadores desconhecem o tratamento que está sendo ministrado), permite-nos supor que esta superestimativa será de 20%. Se a análise estatística não for feita de forma a respeitar a randomização, a chamada análise por intenção de tratar, a superestimativa poderá chegar a 15%. Conclusões A prova médica é essencial na fundamentação de uma decisão clínica. Este fato torna a busca da prova ou da evidência, a leitura crítica e o convencimento pela robustez da relação de causalidade, um passo essencial no convencimento do profissional. Se por um lado, a medicina incorporou o método científico na tentativa de reduzir as incertezas, a incorporação deste entendimento por parte dos médicos não é universal. Ao contrário, quanto pior for o ensino nas escolas médicas, pior será a incorporação destes conhecimentos. Recomenda-se a todos os médicos, reciclagem contínua em leitura crítica de artigos científicos para que as tomadas de decisões sejam baseadas na melhor evidência científica disponível. Posto isso, as iniciativas de aprendizagem com especialistas através de leitura de recomendações do tipo “como eu trato” idealmente deveriam partir da premissa de “como a melhor evidência científica disponível orienta que eu trate”. Jul 7;323(7303):42-6. 43 como eu trato baseado em evid ê ncias | C o m o e u t r a t o Referências 1. Sackett DL, Rosenberg WM, Gray JA, Haynes RB, Richardson WS. Evidence based medicine: what it is and what it isn’t. BMJ. 1996 Jan 13;312(7023):71-2. 2. Denis L. Rosenfield. Descartes: Discurso do Método. L&PM Pocket. Porto Alegre. 2004. 3. Fuchs FD, Wannmacher L. Fundamentos da terapêutica racional. Editora Guanabara Coogan. Rio de Janeiro. 2010. 4. Angell M. The truth about the drug companies – how they decieve us and what to do about it. Random House, New York. 2004. 5. Smith R. Curbing the influence of the drug industry: a British view. PLoS Med. 2005 Sep;2(9):e241. Epub 2005 Aug 2. 6. Smith R. Medical journals are an extension of the marketing arm of pharmaceutical companies. PLoS Med. 2005 May;2(5):e138. Epub 2005 May 17. 7. Moynihan R, Cassels A. Selling sickness: how the world´s biggest pharmaceutical companies are turning us all into patients. Nation Books. New York. 2006. 8. Shuchman M. Delaying generic competition – corporate payoffs and the future of plavix. 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Bronzatti (Coren 23219) Assistência aos pacientes cirúrgicos com história de alergia ao látex TEMAS ASSISTENCIAIS | Como eu trato 44 O látex é uma substância extraída da seiva de uma árvore denominada seringueira, principal produtora da borracha natural. O látex da borracha natural (LBN) é composto por mais de 200 proteínas ou polipeptídeos diferentes e somente cerca de um quarto destes são alérgenos, o que quer dizer que pessoas sensíveis ao látex formaram anticorpos da classe IgE a estes produtos.1 Na indústria em geral, o látex da borracha natural, há décadas vem sendo utilizado em larga escala como matériaprima para fabricação de inúmeros produtos, incluindo os itens utilizados em produtos de assistência a saúde para fins diagnósticos e terapêuticos. Atualmente, sabe-se que a alergia ao látex é um problema que acomete cerca de 4% da população mundial. Com o passar dos anos, devido a constantes exposições dos seres humanos aos produtos derivados do látex da borracha natural, esse índice vem aumentando. Desta forma, a alergia ao látex tornou-se um risco crescente aos profissionais da área da saúde e aos pacientes que são submetidos a repetitivos tratamentos clínicos ou cirúrgicos. Os pacientes alérgicos ao látex, quando expostos aos produtos fabricados a partir borracha natural, correm o risco de apresentar reações que podem variar de uma dermatite leve até reações graves, com ameaça à vida, como choque anafilático.2 Um aspecto interessante da alergia ao látex é a existência de uma correlação com as reações alérgicas provocadas por alguns alimentos, principalmente frutas, como banana, kiwi, abacate, maracujá, manga, abacaxi ou mamão. Cerca de 50% dos pacientes alérgicos ao látex também apresentam reações alérgicas a, pelo menos, uma dessas frutas.3 Existe um vasto grupo de risco de indivíduos que manifestam algum tipo de reação alérgica ao látex, além dos profissionais da área de saúde, pacientes com espinha bífida e anomalias urogenitais congênitas, estes últimos considerados de alto risco por serem pacientes submetidos a procedimentos diagnósticos e terapêuticos frequentes.4 Este fato pode ser evidenciado no estudo de Cremer et al (1998) sobre a prevalência de alergia ao látex em população com espinha bífida, no qual se constatou que 40,5% dos pacientes desenvolveram anticorpos IgE.5 A alergia a látex pode se manifestar em qualquer faixa etária. Outros estudos identificaram grupos também predispostos a desenvolver reação alérgica: . Trabalhadores da indústria da borracha; . Pacientes atópicos (rinite e asma). As reações mais comuns são: . Na pele – Dermatite de contato, Urticária, Angioedema; . No sistema respiratório – Asma, Rinite, Conjuntivite; . Em setores variados do organismo – Anafilaxia. Medidas preventivas: Na prática hospitalar se faz necessária a adoção de medidas preventivas eficientes para reduzir riscos cirúrgicos aos pacientes com história de alergia ao látex. É importante informar a história prévia de alergia ao látex no momento do agendamento da cirurgia. A partir dos dados fornecidos, serão providenciados os materiais (sondas, drenos, luvas, curativos, dispositivos intravenosos, etc.), medicamentos e equipamentos isentos de látex, e adotados procedimentos operacionais especiais e diferenciados para limpeza e preparação da sala operatória, a qual deverá ser identificada como “Isenta de Látex”, alertando, assim, todos os profissionais envolvidos na assistência prestada ao paciente. Recomenda-se que a cirurgia eletiva de pacientes com histórico de alergia ao látex seja agendada no primeiro horário do dia, pois é quando encontramos os mais baixos níveis de antígenos dispersos no ar, diminuindo, assim, a exposição às proteínas do látex. Caso não seja possível agendar no primeiro horário, ressalta-se que deverão ser disponibilizadas aproximadamente duas horas e meia para o preparo da sala: limpeza e aspiração de partículas que contenham proteínas de látex, remoção de todos os artigos que possam conter látex na sua composição; garantindo um ambiente adequado. É importante a elaboração de um protocolo operacional padrão multidisciplinar, contendo a relação de todos os materiais, medicamentos e equipamentos isentos de látex. Com o objetivo de aperfeiçoar o atendimento aos pacientes, faz-se necessário disponibilizar um kit contendo todos os produtos isentos de látex será serem utilizados durante a cirurgia. Os equipamentos e materiais que não estejam identificados como isentos de látex, quando necessários, deverão ser encapados com outros produtos antes de seu uso. Na presença de uma reação alérgica decorrente da exposição ao látex, recomendam-se os seguintes cuidados: − Remover imediatamente os produtos não identificados como isentos de látex, reduzindo assim o contato com o possível agente agressor; − Colocar aviso ALERGIA AO LÁTEX na porta da sala de cirurgia e limitar a entrada de materiais e pessoal; − Durante a recuperação pós-anestésica e pós-operatória, deve-se manter todos os cuidados já citados. Referências: 1. Taylor JS, Praditsuwan P. Latex allergy review of 44 cases including outcome and frequent association with allergic hand eczema. Arch Dermatol 1996; 132(3): 265-71. 2. Lemgruber (empresa de industrialização de látex). Alergia ao Látex: Evite se tornar um doente ocupacional… previna-se enquanto é tempo. 2ª ed. Rio de Janeiro, 2001. 3. Delbourg MF, Guilloux L, Moneret-Vautrin DA et al. Hypersensitivity to banana in latex-allergic patients. Identification of two major banana allergens of 33 and 37 kd. Ann Allergy Asthma Immunol 1996; 76(4): 321-26. 4. Burrow GH, Vincent KA, Krajbich JI et al. Latex allergy in non spina bitida patients: unfamiliar intra-operative anaphylaxis. Aust N Z J Surg 1998; 68(3):183-85. 5. Cremer K, Hoppe A, Korsch E et al. Natural rubber latex allergy: prevalence and risck factors in patients with spina bifida compared with atopic children and controls. Eur J Pediatr 1998; 157(1): 13-6. TEMAS ASSISTENCIAIS | Como eu trato 45 Enfª. Ana Maria Teixeira Pires (Coren 46148) Enfª. Fabiana Cristina Mari Mancusi (Coren 57442) Atenção especial a pacientes submetidos a tratamentos antineoplásicos TEMAS ASSISTENCIAIS | Como eu trato 46 Os pacientes oncológicos têm cada vez mais opções de tratamentos antineoplásicos e, portanto, necessitam de orientações atuais, constantes e direcionadas ao seu protocolo de tratamento, que pode incluir cirurgia, radioterapia, quimioterapia e outros medicamentos antineoplásicos (anticorpos, antiangiogênicos, etc.). O conhecimento de parâmetros biológicos que possam influenciar na evolução da doença, resposta ao tratamento antineoplásico e no desenvolvimento de reações adversas é de grande interesse clínico, pois possibilita programação da assistência individualizada aos pacientes e, com isto, redução da morbidade no tratamento. Observa-se que os pacientes oncológicos submetidos a qualquer tratamento antineoplásico têm grande necessidade de receber informações durante todo o tratamento. São muito frequentes os relatos de sofrimento psicológico e ansiedade nesses pacientes. Eles experimentam queda de satisfação com a qualidade de vida durante o tratamento, também devido às mudanças nas suas rotinas. Por essas razões, a equipe de profissionais envolvidos no tratamento, em especial, o enfermeiro, exerce papel relevante quanto à orientação sobre os cuidados gerais, tranquilização e aceitação da terapêutica pelos pacientes.(1) O enfermeiro deve questionar os pacientes sobre suas dúvidas e preocupações pessoais, fornecer as orientações solicitadas e aumentar o vínculo até o final do tratamento. Pode ajudar a equilibrar o tempo e a energia gastos, durante o tratamento, com as prioridades sociais e profissionais desses pacientes e estimulá-los a terem atitudes proativas.(2) O conhecimento dos parâmetros mais influentes na incidência e gravidade das reações permite o planejamento de condutas mais adequadas e otimização do tratamento; muitas vezes, a escolha das condutas deve ser feita com base nas queixas do paciente e na promoção do conforto e bem-estar. Há muita variedade de trabalhos na literatura sobre diferentes condutas, o que não mostra um consenso, mas os enfermeiros atuam guiados por suas experiências individuais e ações de benchmarking. Tais cuidados devem ser baseados na coleta dos dados de cada paciente e exame físico. Esses procedimentos permitem melhor avaliação da probabilidade de ocorrência dos efeitos indesejados do tratamento e, então, programação de um atendimento adequado e individualizado, com objetivo de proporcionar o tratamento sem interrupções e, consequentemente, melhor resposta clínica. Para que o paciente consiga acompanhar estas variedades de sinais e sintomas, a enfermagem do Hospital Alemão Oswaldo Cruz elaborou um manual para ser entregue ao paciente e familiares. Este manual é um guia geral que sumariza algumas informações bá¬sicas sobre os tratamentos antineoplásicos. Contém o conceito de quimioterapia, definição de protocolo, explicação sobre as opções de tratamento, etc. Os efeitos colaterais da quimioterapia variam de acordo com os agentes do protocolo e da sensibilidade individual do paciente. As¬sim, nem todos os pacientes apresentam os mesmos sintomas, ainda que recebam o mesmo agente quimioterápico. Há meios bastante eficientes, atualmente, de prevenir ou ame¬nizar os efeitos colaterais mais comuns da quimioterapia. Empregar todos os meios disponíveis para reduzir o impacto negati¬vo dos efeitos colaterais do tratamento é preocupação primor¬dial da equipe interdisciplinar. Após esta introdução, explicamos alguns efeitos adversos e recomendamos algumas ações. Todas as orientações são lidas em conjunto com o paciente/familiar, para que o entendimento seja total. Com isso, o relacionamento enfermeiro-paciente se fortifica e facilita o plano de cuidados. Especificamos os seguintes temas: fadiga, febre, sangramentos, náuseas e vômitos, diarreia/obstipação intestinal, mucosite, alopecia, alteração em pele e unhas, sexualidade e toxicidade neurológica. Existem atualmente vários protocolos de tratamento que incluem medicações orais. Para tal, também há orientações importantes a fornecer aos pacientes/familiares. Ex.: guarda da medicação, modo de administração, conduta em caso de esquecimento ou vômito. Existem várias legislações que beneficiam os pacientes oncológicos. Para tanto, também fornecemos sites com informações relacionadas ao câncer. Referências: 1. Dow KH, Lafferty P. Quality of life, survivorship, and psychosocial adjustment of young women with breast cancer after breast-conserving surgery and radiation therapy. Oncol Nurs Forum 2000; 27(10): 1555-64. 2. Golant M, Altman T, Martin C. Managing cancer side effects to improve quality of life. Cancer Nurs 2003; 26(1): 37-44. 47 TEMAS ASSISTENCIAIS | Como eu trato A maioria destes pacientes realiza o tratamento via ambulatorial, o que nos motiva a esclarecer condutas de emergência em casa. Citamos alteração neurológica (confusão mental, convulsão), febre, sangramentos, dispneia, dor não controlada com analgésicos prescritos, vômitos e/ou diarreia persistente. Este esclarecimento tranquiliza pacientes/familiares e lhes dá maior segurança. Enfa. Fátima S. F. Gerolin (Coren 39115) Enfa. Luciana Berlofi (Coren 115482) Enfa. Suzana Bianchini (Coren 50656) Cuidado baseado no relacionamento (RBC - Relationship-Based Care) TEMAS ASSISTENCIAIS | Como eu trato 48 Quando refletimos sobre o processo de hospitalização, independentemente do desfecho, pensamos na importância da vivência deste período em que o indivíduo, e muitas vezes sua família, encontra-se dentro do hospital. Para que uma instituição de saúde tenha bons resultados e traga satisfação aos pacientes e familiares, é fundamental a existência de uniformidade na prestação dos cuidados, bem como uma prática baseada em evidências, não pautada no empirismo. Para tanto, precisamos de profissionais capacitados e continuamente estimulados a repensar suas práticas e buscar melhores resultados. Estas são premissas básicas, exigidas para o bom funcionamento de qualquer instituição de saúde. Para irmos além do mínimo necessário, buscamos recursos para melhor entender as relações que permeiam o cuidar, com o objetivo de trazer fluidez nas relações entre os profissionais e, portanto, agilidade na resolução de problemas. Essa busca tende ainda a fortalecer a relação entre o paciente, seus familiares e a equipe multiprofissional, removendo barreiras e colocando o paciente como a mais alta prioridade. Neste sentido, nós, do Hospital Alemão Oswaldo Cruz, optamos pelo modelo de Cuidado Baseado no Relacionamento (Relationship-Based Care – RBC), definido como um modelo assistencial que propõe a transformação da entrega do cuidado, por meio do fortalecimento das relações. Isso estimula toda a organização para criar ambientes adequados para o cuidado, onde os pacientes e seus familiares são, verdadeiramente, o centro da prática do cuidar. Este modelo pressupõe 12 valores, listados como premissas para o RBC: 1. O significado e a essência do cuidado podem ser experimentados no momento em que um ser humano se conecta com o outro. 2. Sentindo-se conectados uns aos outros, existirá a possibilidade de harmonia. 3. Cada componente da equipe multiprofissional e cada um dos diversos departamentos têm uma valiosa contribuição para dar. 4. A relação entre pacientes, familiares e membros da equipe multiprofissional é a essência do cuidado. 5. O autoconhecimento e o autocuidado são requisitos fundamentais para a assistência e para relações interpessoais saudáveis. 6. Relacionamentos saudáveis entre os membros da equipe multiprofissional resultam na entrega de cuidados de qualidade e com altos índices de satisfação dos pacientes, colaboradores e médicos. 7. As pessoas estão mais satisfeitas quando seus papéis e práticas de trabalho diário estão alinhados com seu desenvolvimento pessoal, profissional e seus valores pessoais; quando sabem que estão fazendo uma diferença positiva para os pacientes, acompanhantes e seus colegas de trabalho. 8. O valor do relacionamento com o paciente deve ser entendido, valorizado e acordado por todos os membros da organização de saúde. 9. A relação terapêutica entre família, paciente e profissional da saúde é essencial para a qualidade da assistência. 10. A experiência do paciente melhora quando os profissionais dominam sua prática e sabem que são valorizados pela sua contribuição. 11. As pessoas aceitam melhor as mudanças quando estão inspiradas e partilham uma visão comum; quando a infraestrutura é adequada para apoiar as novas formas de trabalho; quando educação relevante é fornecida para o desenvolvimento pessoal e profissional, e quando elas evidenciam o sucesso do novo plano. 12. As mudanças transformacionais ocorrem, nas relações, uma de cada vez. A equipe multiprofissional reconhece que o objetivo maior de sua prática profissional é cuidar de pacientes e familiares, sendo que os melhores resultados são obtidos quando o paciente se sente seguro dentro de um relacionamento de confiança. O relacionamento entre equipe multiprofissional, paciente e familiares é reforçado pelo foco na continuidade da assistência prestada no âmbito da colaboração interdisciplinar. Essa estrutura é composta de quatro princípios: 1. Autonomia na relação da equipe assistencial com o paciente; 2. Equipe assistencial para suprir as necessidades dos pacientes; 3. Comunicação entre enfermeiro, paciente e equipe assistencial; e 4. Gerenciamento do ambiente do cuidado. O grande desafio, portanto, está em transformar o ambiente de trabalho e o ambiente do cuidar, colocando sempre o paciente e seu familiar no centro de nossas ações. 49 TEMAS ASSISTENCIAIS | Como eu trato Referências: 1. American Nurses Association Bill of Rights for Registered Nurses, (2001), ANA website: http://www.nursingworld.org. 2. Koloroutis M. ed. (2004) Relationship-Based Care: A model for transforming practice. Creative Health Care Management, Minneapolis, MN. 3. Manthey M (2003). Aka Primary Nursing, Journal of Nursing Administration. 33; 7/8: 369-370. Nursing: Scope and Standards of Practice, (2004) American Nurses Association, Silver Spring, MD. 4. Manthey M. The Practice of Primary Nursing. 2th Ed. Minneapolis, MN: Creative Health Care Management, 2002. Orem D E. Nursing: Concepts of Practice. 6th Ed. New York: Mosby, 2001. Care Model. NUTRICIONISTA MYLENE M. RODRIGUES FAIM (CRN-3 17598) Enfa. Rosângela Barboza Silva (Coren 161660) Farma. Rômula Betânia Mendes A. da Rocha (CRF 41361) Cuidados com nutrição enteral e parenteral TEMAS ASSISTENCIAIS | Como eu trato 50 A desnutrição, infelizmente, ainda é um problema frequente em pacientes hospitalizados, e deve ser identificada de forma precoce, a fim de ser prevenida e tratada, pois o estado nutricional prejudicado aumenta o risco de complicações e piora a evolução clínica dos pacientes. Portanto, a terapia nutricional (TN) constitui parte integral do cuidado ao paciente. A TN é definida como o conjunto de procedimentos terapêuticos para manutenção ou recuperação do estado nutricional do paciente, por meio da nutrição enteral e/ou parenteral. Os cuidados em relação à terapia nutricional envolvem desde a indicação da melhor via de administração da TN, seleção da fórmula mais adequada, administração e monitoramento etc.; e para que todos esses cuidados sejam realizados de forma adequada, é necessário que as instituições contem com equipe multidisciplinar, e que tenham protocolos e rotinas específicos para a terapia nutricional. A nutrição enteral (NE) é o método de escolha para oferecer suporte nutricional a pacientes que têm trato gastrointestinal funcionante ou parcialmente funcionante, mas em situação clínica que impossibilite ou contraindique a alimentação por via oral, ou ainda, quando a nutrição por via oral for insuficiente (< 60% das necessidades nutricionais). A nutrição parenteral (NP) é indicada quando a alimentação por via oral e/ou enteral não é possível, por conta de trato gastrointestinal (TGI) não funcionante, obstrução do TGI, inacessibilidade, ou quando a alimentação via oral ou enteral não é desejada. Também pode ser indicada em casos graves de desnutrição, má absorção e hipermetabolismo, ou como complemento à nutrição enteral. Está indicada quando sua duração for de, no mínimo, sete dias, sendo que a via de administração (central ou periférica) deve ser avaliada de acordo com o tipo de fórmula a ser usada, condições clínicas do paciente e tempo de permanência do acesso. Atualmente, existe uma infinidade de fórmulas enterais para as mais diversas indicações, como dietas enterais hipercalóricas e hiperproteicas, dietas com imunonutrientes, dietas oligoméricas, entre outras, tornando a terapia nutricional mais ampla. Em relação à nutrição parenteral, existem as misturas 2:1 que contêm associação de glicose, aminoácidos, vitaminas, eletrólitos e minerais, e as misturas 3:1, com associação de aminoácidos, glicose, lípides, vitaminas, eletrólitos e minerais. Cabe a cada profissional avaliar a real necessidade do paciente e os benefícios que uma fórmula específica pode trazer ao quadro. A avaliação nutricional realizada pelo nutricionista para determinação das necessidades calóricas e proteicas do paciente, bem como de seu estado nutricional junto à equipe médica, é de extrema importância para auxiliar o médico na prescrição da terapia nutricional mais adequada e volume para se atingir as necessidades nutricionais determinadas. A apresentação das dietas enterais também evoluiu. Hoje, é possível indicar dieta desse tipo em sistema fechado; é uma NE industrializada, estéril, acondicionada em recipiente hermeticamente fechado e apropriado para conexão ao equipo de administração, evitando uma série de etapas presentes na nutrição enteral em sistema aberto, como manipulação, envase, armazenamento e transporte, prévias à infusão, que aumentam o risco de contaminação. Os cuidados na administração da terapia nutricional enteral ou parenteral também são de extrema importância para seu sucesso. Uma equipe de enfermagem bem treinada é responsável por garantir que todos os protocolos e rotinas de administração da terapia nutricional sejam realizados. Os principais cuidados de enfermagem na terapia nutricional são: avaliar a integridade da embalagem da NE e/ou NP, validade e identificação do paciente e da dieta antes da infusão, verificação do volume da NE e/ou NP prescrito pelo médico e garantir que seja infundido em sua totalidade, anotar o volume total da dieta infundida em 24 horas, verificar a via de acesso da terapia nutricional prescrita, se enteral (nasoenteral, nasogátricas, gastrostomia, jejunostomia) ou parenteral (central ou periférica), observar o posicionamento do paciente para iniciar a infusão da NE, realizar hidratação do paciente conforme prescrição, realizar balanço hídrico rigoroso, principalmente em pacientes com NP, realizar a lavagem da sonda nos horários determinados, observar sinais de intolerância à TN, observar posicionamento da sonda, realizar cuidados com a pele do paciente no local de inserção da sonda, ostomias ou cateter, realizar controle glicêmico e sinais vitais. Além de todos os cuidados de avaliação, prescrição e administração da TN realizados pela equipe, é necessário estabelecer um plano de monitoramento da terapia nutricional aplicada, a fim de verificar sua eficácia, prevenir complicações metabólicas e sépticas e realizar adequações, se necessário, para atingir suas metas no tratamento. O monitoramento da terapia nutricional deve ser realizado por toda a equipe de assistência ao paciente (médico, enfermeiro, nutricionista e farmacêutico) de forma padronizada, devendo-se ter registros bem completos de todos os profissionais envolvidos, para melhor interpretação dos dados. O monitoramento deve ser realizado periodicamente e pode ser feito pela verificação do volume de nutrição prescrito e infundido, bem como sua relação com as necessidades nutricionais determinadas, exames bioquímicos, exame físico (sinais de edema, desidratação, deficiência ou excesso de micronutrientes), controle glicêmico, peso diário, sinais vitais, alterações gastrointestinais, avaliação das medidas antropométricas a cada 7-10 dias, reavaliação das necessidades nutricionais do paciente e verificação da evolução do estado nutricional. A terapia nutricional requer uma série de cuidados por parte de toda a equipe que assiste o paciente – médico, nutricionista, enfermeiro e farmacêutico ¬ – e a efetividade de todos estes cuidados contribui ricamente para a evolução do paciente. Referências: Ministério da Saúde. Portaria 272 da Secretaria Nacional de Vigilância Sanitária, Regulamento para a Terapia de Nutrição Parenteral. Brasília, 1998. Ministério da Saúde. Resolução RDC 63 da Secretaria Nacional de Vigilância Sanitária, Regulamento Técnico para a Terapia de Nutrição Enteral. Brasília, 2000. Ukleja A et al. Shuster and Task Force on Standards for Nutrition Support: Adult Hospitalized Patients, and the American Society for Parenteral and Enteral Nutrition Board of Directors. Nutr Clin Pract 2010; 25: 403. Waitzberg DL, Júnior PEP, Cecconello I. Indicação, Formulação e Monitorização em Nutrição Parenteral Total Central e Periférica. In: Waitzberg DL. Nutrição Oral, Enteral e Parenteral na Prática Clínica. 3ed. São Paulo; Editora Atheneu, 2000; 735-51. 51 TEMAS ASSISTENCIAIS | Como eu trato A equipe de farmácia, além de garantir rigoroso controle de temperatura no armazenamento e transporte da NP para oferecer uma bolsa de qualidade ao paciente, atua na farmacovigilância e avaliação da interação droga-nutriente e nutriente-nutriente, a fim de promover maior aproveitamento da terapia utilizada. Enfa. Cristina Hussne (Coren 17262) Enfa. Genova Principe Valente (Coren 99777) TEMAS ASSISTENCIAIS | Como eu trato 52 Gerontologia: reflexões sobre o processo de envelhecimento “Não me pergunte sobre a minha idade porque eu tenho todas as idades. Eu tenho a idade da infância, da adolescência e da velhice” Cora Coralina O fenômeno do envelhecimento populacional, que vem ocorrendo mundialmente, é notável e significativo no Brasil. Em nosso país, houve um aumento da expectativa de vida nas últimas décadas, processo decorrente dos avanços alcançados nas condições sanitárias e estratégias de prevenção e tratamento de doenças. No ano 2000, havia no mundo 600 milhões de pessoas com idade igual ou superior a 60 anos. A estimativa é que este número cresça para 1.2 bilhões em 2025 e 2 bilhões em 2050, visto que a faixa etária que apresenta a maior taxa de crescimento é aquela composta por indivíduos com 80 anos ou mais.1 Assim, com o envelhecimento populacional, experimentamos uma mudança no perfil epidemiológico para um aumento na prevalência de doenças crônico-degenerativas. Seja pela diminuição da reserva funcional própria do envelhecimento, seja pelo maior tempo de exposição a agentes patógenos, a predominância de tais moléstias é maior em indivíduos com 60 anos ou mais. O projeto SABE1 descreve a seguinte distribuição de doenças crônicas na população idosa paulista: hipertensão arterial, 53,3%; osteoartrose, 31,7%; cardiopatias, 19,5%; diabetes, 17,9%; osteoporose, 14,2%. Estas patologias, quando acometem indivíduos sexagenários, ou de idade mais avançada, devem ser gerenciadas para que se amenizem os prejuízos. Com base nesses dados e analisando o envelhecimento como um processo, faz-se necessária a capacitação e sensibilização dos profissionais de diversas áreas, principalmente da saúde, para o atendimento ao idoso. A complexidade das ações de saúde é notória e, para que a assistência seja efetiva, é importante que, quando se trata do idoso, essas ações estejam voltadas não apenas para o tratamento das doenças e sim para a adoção de medidas preventivas. A equipe deve estar atenta para interagir com o idoso e adotar “prescrições” adequadas ao seu estilo de vida, pois é ele quem determina a prevenção ou o retardo das incapacidades e o aparecimento de doenças crônico-degenerativas. Quando dizemos “envelhecemos como vivemos” reforçamos o autocuidado como ponto fundamental para mantermos a saúde em dia. Neste contexto, o envelhecimento saudável passa a ser resultante da interação multidimensional entre saúde física, mental, independência na vida diária, integração social, suporte familiar e independência econômica. Dessa forma, o bem-estar na velhice, ou saúde, em um amplo sentido, resulta do equilíbrio entre as várias dimensões da capacidade funcional do idoso, sem necessariamente significar ausência de problemas em todas as dimensões.2 O envelhecimento fisiológico é chamado de senescência e os processos patológicos relacionados são denominados senilidade. Isso deve ser do conhecimento de todos aqueles que atuam com os idosos, para que seja possível evitar eventuais equívocos como: deixar de tratar adequadamente a manifestação de uma doença por atribuí-la ao processo de envelhecimento ou mesmo evitar condutas diagnósticas e terapêuticas para condições fisiológicas. É importante conhecer as peculiaridades da senescência dos diversos órgãos e sistemas e respeitar a condição de diminuição de reserva funcional que caracteriza o envelhecimento, para, então, entender e abordar melhor a senilidade.3 As práticas clínica geriátrica e gerontológica devem, portanto, se preocupar com a manutenção e a promoção das condições de saúde da pessoa idosa. Essa é uma visão holística, com abordagem global das diversas dimensões relacionadas às características físicas e mentais, funcionais, comportamentais e socioeconômicas do idoso, em busca de um planejamento para intervenção, seja ela de reabilitação, aconselhamento ou internação. E então? O que você pensa sobre o seu envelhecimento? “Construímos o mundo a partir dos laços afetivos. Estes laços tornam as pessoas e as situações preciosas, portadoras de valor. Preocupamo-nos com elas. Tomamos tempo para nos dedicarmos a elas. Sentimos responsabilidade pelo laço que cresceu entre nós e os outros. A categoria cuidado recolhe todo esse modo de ser. Mostra como funcionamos enquanto seres humanos”. 5 Referências Bibliográficas 1. Lebrão ML, Duarte YAO (org). O Projeto SABE no Município de São Paulo: uma abordagem inicial. Brasília: OPAS/MS, 2003. 2. Ramos LR. Fatores determinantes do envelhecimento saudável em idosos residentes em centro urbano: projeto Epidoso. São Paulo. Cad. Saúde Pública. 19: 793-798. 2003. 3. Jaluul, O. Análise da dosagem sérica de elementos traço e sua correlação com aspectos clínicos de uma população de idosos saudáveis. Tese (doutorado). FMUSP. São Paulo, 2010. 4. Mercadante EF. A Construção da identidade e da subjetividade do idoso, 115 p. Tese (Doutorado)- Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 1997. 53 TEMAS ASSISTENCIAIS | Como eu trato Propomos aqui uma reflexão sobre o que podemos fazer em relação ao nosso processo de envelhecimento, porque só assim estaremos sensibilizados para tratar o idoso. Em um modelo de sociedade que valoriza a juventude e a idade adulta, pelo que representam em termos de força física e produtividade, o que se observa, como afirma Mercadante4, é que “a identidade do idoso constrói-se pela contraposição à identidade de jovem e, consequentemente, tem-se também a contraposição das qualidades: atividade, produtividade, beleza, força, memória, como características típicas presentes nos jovens e as qualidades opostas a estas últimas presentes nos idosos.” Haja vista a frase: “No meu tempo...”, tão citada por pessoas na idade adulta; que tempo é esse senão o da juventude? Isso nos mostra a visão que temos do nosso próprio envelhecimento; precisamos valorizar o tempo atual, pois este é o nosso tempo. Cada etapa da vida tem sua beleza e faz-se necessário explorá-la e vivê-la intensamente: este o caminho para reinventarmos a velhice. Em cada fase da vida temos necessidades diferentes, mas sempre o mesmo direito a dignidade de poder viver com plenitude. Farmª. Alessandra Pineda A. Gurgel (CRF 17774) Farmª. Lara Cristina Viana de A. Bueno (CRF 27289) Farmª. Priscila Shoji (CRF 60670) Interação droga-nutriente TEMAS ASSISTENCIAIS | Como eu trato 54 A influência dos alimentos durante a administração de medicamentos deve ser considerada tendo em vista que podem comprometer a absorção e biodisponibilidade de algumas drogas. A presença de alimentos no trato gastrointestinal pode acarretar: • Interações físico-químicas: incluem adsorção, formação de complexos e precipitação que afetam a absorção da droga, do nutriente ou ambos; • Alterações do tempo de esvaziamento gástrico: podem ocorrer devido à consistência da dieta ou tipo de nutriente. O estômago vazio favorece uma rápida passagem do medicamento pelo trato gastrointestinal, porém desfavorece sua desintegração, dissolução e, consequentemente, sua absorção. Nesse caso, o local de absorção deve ser considerado; • Competição droga-nutriente por um mesmo sítio de absorção. Para não comprometer o seu efeito, alguns medicamentos devem ser administrados considerando-se os aspectos abaixo: Recomendações Ampicilina Cetoprofeno Ciprofloxacino Fenitoína IMAO’s Isoniazida Lansoprazol Tipos de dieta com restrição Administrar 1h antes ou 2h após as refeições Retarda o esvaziamento gástrico, diminui a absorção em cerca de 30% e diminui os níveis plasmáticos. 1,2,5 X Refeição regular Diminui a extensão da absorção da droga. 1,2 X Dietas enterais, laticínios, alimentos ricos em Fe, Mg, Zn, Ca Diminui a absorção por complexação com cátions divalentes, reduz a biodisponibilidade em 30%. 2,5 Refeição regular As concentrações séricas são alteradas quando tomada Refeição regular, dieta hiperlipídica e dieta enteral com alimento; dieta enteral diminui a biodisponibilidade e níveis séricos da droga. 1,5 Alimentos ricos em tiramina Pode surgir crise hipertensiva (ex.: queijo, salame) e potencialmente perigosa. 2,5 bebidas (ex.: cerveja, vinho) Refeição regular, queijo maturado e peixes (ex.: atum, cavala, salmão) Reduz a biodisponibilidade da droga em até 50%.1,2,5 Dieta hiperproteica Diminuição da absorção da droga por competição com aminoácidos em dietas hiperproteicas. 1,2,5 Refeição regular e dieta enteral Metotrexato Laticínios Norfloxacina Laticínios, alimentos ricos em Fe, Mg, Zn, Ca Diminui absorção, dieta enteral diminui a biodisponibilidade e níveis séricos da droga. 5 Diminui a velocidade e a extensão da absorção da droga. 1,5 Diminui a absorção da droga por complexação com cátions divalentes, reduz a biodisponibilidade em 50%.1,2,5 Administrar 1h antes ou 2h após as refeições X X Evitar alimentos ricos em tiramina e ingestão de cervejas e vinhos. Retarda o esvaziamento gástrico, aumenta o pH gástrico, diminui a solubilidade e a absorção. 1,2,3,5 Refeição regular Levodopa Levotiroxina Mecanismos/Efeitos X X Administrar a levodopa em pequenas doses múltiplas e as proteínas em intervalos espaçados. X X X 55 TEMAS ASSISTENCIAIS | Como eu trato Medicamentos Recomendações Medicamentos TEMAS ASSISTENCIAIS | Como eu trato Mecanismos/Efeitos Refeição regular Pode reduzir a absorção da droga em cerca de 30%.1,2 Rifampicina Refeição regular Retarda o esvaziamento gástrico, a liberação e a dissolução, diminui a absorção da droga. 1,2,3,5 Tetraciclina Laticínios, alimentos ricos em Fe, Mg, Zn, Ca A absorção da droga pode ser reduzida em até 65%. 1,2 Teofilina Café, chá e outras bebidas com cafeína Ocorre saturação enzimática, prejudicando a etapa da eliminação, aumentando a concentração sérica. 1,4 Varfarina Alimentos ricos em vitamina K (ex.: vegetais folhosos verde-escuros) * Reduz ou anula o efeito da varfarina. 2,5 Penicilina 56 Tipos de dieta com restrição Administrar 1h antes ou 2h após as refeições Administrar 1h antes ou 2h após as refeições X X X Ingestão moderada de cafeína. * Controlar a ingesta de alimentos ricos em vitamina K. Referências: 1. FORTES ST, SILVA MLT. Influências de drogas no metabolismo nutricional. In: WAITZBERG DL (editor). Nutrição oral, enteral e parenteral na prática clínica. 3a ed. São Paulo: Atheneu, 2006. 915-24. 2. BAXTER K, ROSARIO BA (trad). Interações Medicamentosas de Stockley. Porto Alegre: Artmed, 2010. 3. Zent C, Smith P. Study of the effect of concomitant food on the bioavailability of rifampicin, isoniazid, and pyrazinamide. Tubercle 1995: 109-113. 4. MARTINDALE – THE COMPLETE DRUG REFERENCE. 36. ed. London: Pharmaceutical Press, 2009. 5. MEDICAMENTOS LEXI-COMP MANOLE. 1a ed. Barueri: Manole, 2009. X Nutricionista Joyce R. Passos Mourão (CRN-3 17.613) Nutricionista Livia Yumi Yokomizo (CRN-3 12.006) Síndrome metabólica Muitas organizações propuseram critérios para o diagnóstico da SM; pela simplicidade e praticidade, a I Diretriz Brasileira de Diagnóstico e Tratamento da Síndrome Metabólica (I-DBSM) preconiza o proposto pela National Cholesterol Education Program’s Adult Treatment Panel III (NCEP-ATP III).1,4,5. Segundo o NCEP-ATP III, a síndrome metabólica representa a combinação de, ao menos, três componentes dos apresentados no quadro abaixo:5. Quadro 1: Componentes da Síndrome Metabólica segundo o NCEP-ATP III ComponentesNíveis Obesidade Abdominal por meio de circunferência abdominal Homens > 102 cm Mulheres > 88 cm Triglicérides≥ 150 mg/dl HDL-colesterol Homens < 40 mg/dl Mulheres < 50 mg/dl Pressão Arterial≥ 130 mmHg ou ≥ 85 mmHg Glicemia de Jejum> 110 mg/dl A presença de Diabetes Melittus não exclui o diagnóstico de SM *Adaptado de I Diretriz Brasileira de Diagnóstico e Tratamento da Síndrome Metabólica, 2005. Existem também outros fatores de risco, como sobrepeso, obesidade, ingestão alta de carboidratos, sedentarismo e tabagismo.6 A predisposição genética, a alimentação inadequada e a inatividade física estão entre os principais 57 TEMAS ASSISTENCIAIS | Como eu trato A síndrome metabólica (SM) pode ser caracterizada como um conjunto de fatores de risco cardiovascular, tais como obesidade central, hipertensão arterial e anormalidades no metabolismo lipídico e glicídico.4,5. fatores que contribuem para o surgimento da SM.1,2,3,4,5 A NCEP-ATP III recomenda que a obesidade seja o alvo principal do tratamento da SM.4,5 A perda de peso melhora o perfil lipídico, reduz a pressão arterial e a glicemia, além de melhorar a sensibilidade à insulina, reduzindo o risco de doença aterosclerótica. O tratamento da SM deve ser baseado, portanto, em aumento da atividade física e modificações da alimentação.5 A dieta DASH (Dietary Approches to Stop Hypertension) é rica em frutas, verduras, cereais integrais, laticínios desnatados, grãos, carnes brancas, castanhas e tem quantidade reduzida de gordura total, saturada, colesterol, sódio e doces; segundo alguns estudos, demonstrou-se que, associada a mudanças no estilo de vida, pode diminuir de forma significativa a pressão sanguínea em hipertensos, aumentar a sensibilidade à insulina e reduzir a maioria dos fatores de risco metabólico.1,2,5 De acordo com a I-DBSM, recomenda-se que o tratamento não medicamentoso da síndrome metabólica se baseie em: redução do sal de cozinha para máximo de 6 g/dia, carboidratos entre 50 a 60% das calorias totais diárias, proteínas correspondendo a 15% do valor calórico total (VCT) ou 0,8 a 1 g/kg/dia, gorduras com cotas inferiores a 15% do VCT, preconizando o consumo dos ácidos graxos poli-insaturados (W3) e limitando o consumo de ácidos graxos trans; fibras devem ser ingeridas diariamente em torno de 20 a 30 g, frutas devem estar presentes no cardápio de duas a quatro porções diárias, sendo ao menos uma rica em vitamina C e as hortaliças cruas e cozidas entre três a cinco porções.5,4,2 TEMAS ASSISTENCIAIS | Como eu trato 58 A inatividade física é determinada como um marco para a SM. Sabe-se que fazer exercícios físicos reduz de forma importante o risco de progressão da doença, como descrevem Katzmarzyk y Laaksonen.1,2 Nesse contexto, é mais importante implementar ações para incluir a atividade física como medida preventiva e no tratamento de condições de risco cardiovascular, entre eles os componentes da SM, fornecer um programa de exercícios regulares bem específicos, com efeitos favoráveis na redução do peso corpóreo e na distribuição de tecido adiposo, melhorando a pressão arterial e o perfil lipídico (elevando o HDL, reduzindo triglicérides e LDL) e incrementando a sensibilidade à insulina.1,2,4 Por fim, deve ser ressaltado que a maior dificuldade a ser enfrentada no tratamento da SM é a adesão do paciente, principalmente quanto às mudanças no estilo de vida. Por esta razão, a atuação integrada de uma equipe multidisciplinar composta por médico, nutricionista, educador físico, enfermeiro, assistente social, psicólogo e farmacêutico, visando ao tratamento do paciente, é altamente desejável e, sem dúvida, um grande passo para conquistas efetivas.1,4 Referências: 1. Barrera MDP, Pinilla AEMD, Cortés ETF et al. Síndrome metabolico: Una mirada interdisciplinaria. Rev. Col. Cardiol. vol 15. nº 3. Bogota. May/June 2008. Casanova MA, Medeiros FJ, Cohen C et al. Análise Qualitativa e Quantitativa do Padrão Alimentar de uma População Hipertensa com Síndrome Metabólica. Rev SOCERJ. 2008; 21(4): 205-211. Julho/Agosto. 2. Eckel RH, Grundy SM, Zimmet PZ. The metabolic syndrome. Lancet.2005; 365 (9468): 1415-428. 3. Brandão AP et al. I Diretriz Brasileira de Diagnóstico e Tratamento da Síndrome Metabólica. Arquivos Brasileiros de Cardiologia. Vol. 84, Suplemento I: 6-35. Abril 2005. 4. Penalva DQF. Síndrome metabolica: diagnótico e tratamento. Rev Med (São Paulo) 2008. 87 (4): 245-50. Enfo. Lindolfo Santos (Coren 40719) Enfa. See Hee (Coren 201695) Úlcera por pressão (UP) Causas: são causadas por fatores extrínsecos e intrínsecos ao paciente. Fatores extrínsecos: a pressão, o cisalhamento, a fricção e a umidade. A pressão é o principal fator causador de UP, e o efeito patológico pode ser atribuído à intensidade da pressão, duração da mesma e tolerância tecidual. Dentre os fatores intrínsecos, destacam-se a idade, estado nutricional, perfusão tecidual e as doenças crônicas, como diabetes mellitus e doenças cardiovasculares. Para avaliação dos riscos de formação de UP, existem várias escalas, dentre elas a de Braden, que foi desenvolvida com base na fisiopatologia das UPs, utilizando dois determinantes considerados críticos: a intensidade e duração da pressão e a tolerância dos tecidos. É composta por seis subescalas: percepção sensorial, umidade da pele, atividade, mobilidade, estado nutricional, fricção e cisalhamento. Os escores variam de seis a 23 pontos, sendo que os mais altos valores indicam baixos riscos para desenvolver UP, e os baixos escores indicam altos riscos para formação dessas lesões. Os pacientes com escore de 16 ou abaixo são considerados de risco para o desenvolvimento de úlceras. Estágios da UP Estágio I - É um eritema da pele intacta que embranquece após a remoção da pressão. Em indivíduos com pele mais escura, a descoloração da pele, o calor, o edema e o endurecimento também podem ser indicações. 59 TEMAS ASSISTENCIAIS | Como eu trato Objetivo: oferecer recomendações para tratamento de úlcera por pressão, assim como aspectos relacionados à avaliação e tratamento de pacientes com esse tipo de lesão. Os tópicos abordados incluem avaliação do paciente com UP, os cuidados com a ferida, o controle da sobrecarga dos tecidos, o controle da colonização bacteriana e da infecção, o reparo operatório (cirurgia plástica) e educação dos profissionais, pacientes e familiares/cuidadores. Introdução: As úlceras por pressão são deformidades definidas como lesões cutâneas ou de partes moles, superficiais ou profundas, de etiologia isquêmica, secundária a um aumento de pressão externa e localizase usualmente sobre uma proeminência óssea. É uma das principais complicações que acometem pacientes críticos hospitalizados, prolonga a hospitalização, dificulta a recuperação, aumenta o risco de desenvolver outras complicações, eleva os custos e permanece um desafio para os profissionais de saúde, gestores e administradores. A prevalência em hospitais dos Estados Unidos varia de 3 a 14% e de 15 a 25% em casas de repouso, de acordo com National Pressure Ulcer Adivisory Panel (NPUAP). Estagio II - Uma perda parcial da pele, envolvendo a epiderme, derme, ou ambos. A úlcera é superficial e apresenta-se clinicamente como abrasão, uma bolha ou uma cratera rasa. Estágio III - É uma perda na espessura total da pele, envolvendo danos ou necrose de tecido subcutâneo, podendo aprofundar-se, mas sem chegar à fáscia. A úlcera se apresenta clinicamente como uma cratera profunda. Estágio IV - É uma perda na espessura total da pele com destruição extensa, necrose do tecido ou danos no músculo, osso ou estrutura de suporte, por exemplo: tendão ou cápsula articular. Tratamento: o tratamento é mais eficaz se for realizado com abordagem de uma equipe multiprofissional, envolvendo paciente, familiares e cuidadores. O tratamento recomendado deve focalizar a avaliação do paciente e da UP, a sobrecarga dos tecidos, o alívio da pressão, o controle da colonização bacteriana, a infecção e o reparo operatório. Avaliação da UP: avaliamos a lesão, inicialmente, pela sua localização, estágio, tamanho, presença de túneis, descolamento, tecido necrótico, presença ou não de tecido de granulação e epitelização. Avaliação do paciente: na avaliação do indivíduo, tratamos da saúde física, das complicações, avaliação nutricional e da dor. Fazemos uma história completa, pois a UP deve ser avaliada no contexto geral da saúde do indivíduo. Os profissionais devem estar atentos às complicações associadas à UP, como endocardite, fístulas, artrite séptica, osteomielite, bacteremia e celulite avançada. TEMAS ASSISTENCIAIS | Como eu trato 60 Avaliação nutricional: é muito importante no tratamento da UP, pois assegura o suporte nutricional adequado, que favorece a cicatrização. Caso a ingesta da dieta por via oral seja inadequada ou impraticável, um suporte nutricional enteral deve introduzido. Sobrecarga nos tecidos: criamos um ambiente que favoreça a viabilidade dos tecidos e promova a cicatrização da UP, pela distribuição da pressão, do controle da umidade, da prevenção da fricção e dano aos tecidos. Evitamos posicionar o paciente sobre a UP, estabelecemos um cronograma por escrito de reposicionamento baseado no risco de desenvolver úlceras adicionais. Ex.: quando o escore na escala de Braden tem risco ≤ 16, reposicionamos o paciente a cada duas horas. Utilizamos superfície de suporte adequada ao risco do paciente para desenvolver UP (superfície estática ou dinâmica). Limpeza da ferida: Para otimizar a cicatrização e diminuir o potencial para infecção, utilizamos solução fisiológica, com pressão de 8 a 15 psi. Evitamos soluções antissépticas, técnicas traumáticas, e usamos solução de limpeza como poli-hexinamida + betaína (Prontosan®) para remover biofilmes da ferida. Desbridamento: Selecionamos os métodos mais apropriados para as condições e meta do tratamento do paciente. As técnicas podem ser cirúrgicas, mecânicas, enzimáticas ou autolíticas, quando não existe nenhuma necessidade clínica urgente de drenagem ou remoção de tecido desvitalizado. Coberturas (curativos): Em feridas, são necessárias coberturas que mantenham sua integridade fisiológica. A condição do leito da úlcera e função da cobertura determinam o tipo de curativo a ser aplicado. Utilizamos coberturas que controlam o exsudato e não ressecam o leito da lesão, controlam o odor, a dor, a colonização, e previnem a infecção local, como curativos que contêm prata na composição. É impossível uma única cobertura com todas essas funções, mas temos opções de curativos para uso conforme a necessidade da ferida em cada estágio da cicatrização. Terapias Adicionais Câmara hiperbárica: tem efeito importante no estímulo da cicatrização pela hiperoxigenação tecidual, na redução do tempo de tratamento e de possíveis complicações. A terapia por sistema VAC (Fechamento Assistido a Vácuo) é um sistema de fechamento de ferida por pressão negativa, ativa e não invasiva, que ajuda a promover a cicatrização por meio de pressão negativa localizada, diminui o tempo de tratamento e prepara o leito da lesão para o reparo cirúrgico. Reparo cirúrgico: os procedimentos cirúrgicos agilizam o processo de cura pelo fechamento direto, enxerto de pele e rotação de retalho muscular. Deve-se ter atenção especial às medidas preventivas no pós-operatório, essenciais para promover a cicatrização e impedir a recorrência do problema, evitando posicionar o paciente sobre a úlcera por duas semanas. Educação: os programas educacionais para profissionais, pacientes, familiares/cuidadores devem ser estruturados, organizados, abrangentes e dirigidos a todos os níveis de profissionais da saúde, incluindo: etiologia da ferida, avaliação da pele, indicação de superfície de suporte e posicionamento apropriado do paciente no leito ou na cadeira. O treinamento é realizado com demonstrações práticas para todos os envolvidos no tratamento do paciente com UP. Referências: Bergstrom N, Braden BJ, Laguzza A et al. The Braden for predicting pressure sore risk. Numrs Res 1987: 36: 205-10. Dealey C. Cuidando de Feridas: um guia para as enfermeiras. São Paulo: Ateneu 1992; 83-126. Bergstrom MN et al. Treatment of Pressure Ulcers. Clinical Practice Guideline Number 15, U.S. Department of Health and Human Services, Public Health Service, Agency for Health Policy and Research. Publication 95-0652. December 1994. TEMAS ASSISTENCIAIS | Como eu trato 61 Dr. Evandro Sobroza de Mello (CRM 95539) Dr. Venâncio Avancini Ferreira Alves (CRM 34238) ANATOMIA PATOLÓGICA | Como eu trato 62 Avaliação histológica da biópsia hepática na infecção pelo vírus C Em pacientes com infecção pelo vírus da hepatite C (VHC), observa-se um variado espectro de alterações histológicas no fígado, incluindo a hepatite aguda e os fenômenos reacionais leves, até as formas mais graves da doença, que incluem as hepatites crônicas – com graus variados de inflamação e fibrose –, a cirrose e o carcinoma hepatocelular. Raros são os casos de hepatite C biopsiados em sua fase aguda, ficando a atenção do patologista voltada para a forma crônica da doença. O diagnóstico histológico de hepatite crônica, pela biópsia hepática, continua sendo de extrema importância para a condução do tratamento em pacientes infectados pelo VHC, pois é a pedra fundamental para a detecção da presença ou não de doença hepática causada pelo vírus, e sua intensidade (graduação e estadiamento); soma-se, portanto, ao diagnóstico de infecção que é dado pelos métodos sorológicos. O parâmetro básico para o diagnóstico histológico de hepatite crônica é a presença de infiltrado inflamatório portal, predominantemente linfocitário, usualmente com número variável de plasmócitos e histiócitos. A inflamação é acompanhada de grau variável de atividade periportal (também chamada de atividade de interface ou necrose em saca-bocados), atividade parenquimatosa (lobular) e fibrose. Existem diversos sistemas de classificação (graduação e estadiamento) das hepatites crônicas, mas em nosso meio, por recomendação da Secretaria de Estado da Saúde de São Paulo, duas são as classificações mais usadas: a da Sociedade Brasileira de Patologia ou a METAVIR. Estas duas classificações têm vários aspectos em comum, ambas levando em conta os aspectos básicos das hepatites crônicas já destacados – atividade periportal, lobular e fibrose. Além delas, na literatura internacional usa-se bastante a classificação proposta por Ishak, em 1995 (atualização da classificação proposta pelo mesmo autor em 1981, que ficou muito conhecida como classificação de Knodell, não devendo ser mais usada). Uma tabela aproximada de correspondência entre esses sistemas está exposta abaixo, tanto para a fibrose (alteração arquitetural), quanto para a atividade. Tabela. Equivalência aproximada das classificações mais usadas no estadiamento e graduação das hepatites crônicas: ALTERAÇÃO ARQUITETURAL (FIBROSE) * SBP, 2000 0 1 2 3 4 METAVIR, 1994 0 1 2 3 4 ATIVIDADE INFLAMATÓRIA ** SBP, 2000 e ISHAK, 1995 Atividade Periportal Atividade Parenquimatosa 0 ou 1 0 0 ou 1 1 ou 2 2 0 – 1 2 2 2 3 – 4 3 0 – 2 3 3 – 4 4 0 – 4 ISHAK, 1995 0 1 ou 2 3 4 ou 5 6 METAVIR, 1994 A 0 1 1 2 3 2 3 3 * na classificação de ISHAK, o escore de fibrose vai até 6, enquanto na METAVIR e na SBP, até 4. ** correspondendo à atividade periportal e parenquimatosa independentemente para SBP e ISHAK, e um misto de periportal e lobular para METAVIR; na classificação de METAVIR, o escore de atividade vai até 3, enquanto em ISHAK e SBP, vai até 4. Esse protocolo pode ser aplicado às diversas etiologias de hepatite crônica, incluindo, além da hepatite C, o vírus da hepatite B, a hepatite autoimune e, menos frequentemente, a doença de Wilson ou algumas hepatites medicamentosas. O protocolo está centrado nos critérios do Consenso Nacional das Hepatites Crônicas da Sociedade Brasileira de Patologia (Gayotto et al, 2000). 1) Tipo de amostra (biópsia por agulha, biópsia em cunha, peça cirúrgica de ressecção, outro): 2) Tamanho da amostra Número de espaços-porta na biópsia: _____________________________ 3) Variáveis histológicas: - Fibrose portal: ( ) 0 (ausente) ( ) 1 (discreta, sem formação de septos) ( ) 2 (com septos porta-porta) ( ) 3 (com septos porta-porta e porta-centro, esboçando formação de nódulos – em “transformação nodular”) ( ) 4 (cirrose) - Inflamação portal ( ) 0 (ausente) ( ) 1 (discreta) ( ) 2 (moderada) ( ) 3 (acentuada) ( ) 4 (muito acentuada) 63 ANATOMIA PATOLÓGICA | Como eu trato Protocolo de avaliação histológica para biópsias hepáticas de pacientes com hepatite crônica viral: - Atividade periportal (atividade de interface) ( ) 0 (ausente) ( ) 1 (presença apenas de “spill over”) ( ) 2 (necrose em saca-bocados discreta – focos ocasionais em alguns espaços-porta) ( ) 3 (necrose em saca-bocados moderada – focos ocasionais em muitos espaços-porta ou numerosos focos em poucos espaços-porta) ( ) 4 (necrose em saca-bocados acentuada – numerosos focos em muitos espaços-porta) - Atividade parenquimatosa ( ) 0 (ausente) ( ) 1 (tumefação, infiltrado linfocitário sinusoidal e ocasionais focos de necrose lítica hepatocitária) ( ) 2 (numerosos focos de necrose lítica hepatocitária) ( ) 3 (áreas de necrose confluente ocasionais) ( ) 4 (numerosas áreas de necrose confluente ou áreas de necrose panacinar) - Evidências histológicas de associação com outras condições: ( ) siderose grau ______ ( ) marcadores de esteato-hepatite ( ) outros:______ Natureza e Tamanho da Biópsia Hepática ANATOMIA PATOLÓGICA | Como eu trato 64 Biópsias cirúrgicas feitas com pinças geram amostras subcapsulares e devem ser desencorajadas, pois os espaços-porta nesta localização são frequentemente volumosos, sendo difícil ou impossível avaliar corretamente a presença de fibrose. Mesmos durante ato operatório, portanto, a biópsia hepática deve ser obtida por agulha. Adicionalmente, a biópsia deve preferencialmente ser obtida no começo da cirurgia, para evitar as alterações secundárias à manipulação cirúrgica. Dados da literatura demonstram que o tamanho da biópsia obtida por agulha influencia enormemente o resultado de sua análise. Vários autores têm considerado 1,5 cm como o tamanho mínimo ideal para diagnóstico em biópsia hepática por agulha. Agulhas de espessura fina também obtêm resultados inferiores. Bedossa e colaboradores apenas alcançaram um platô de precisão no diagnóstico histológico com biópsias de 2,5 cm de comprimento. Portanto, deve-se considerar que biópsias com 1,5 cm de comprimento são o mínimo necessário e, idealmente, devem ter 2,5 cm ou mais. Agulhas de calibre maior, como a trucut, também são recomendadas. Esteatose O espectro esteatose, esteato-hepatite e cirrose tem sido definido como doença gordurosa não alcoólica do fígado (DGNA). A DGNA é comum na população geral, mas sua associação com o VHC é 2-3 vezes maior do que seria esperado apenas ao acaso. Em pacientes com infecção crônica pelo VHC, a esteatose tem sido atribuída a uma série de fatores usualmente associados à DGNA, incluindo elevado índice de massa corpórea, resistência à insulina e idade avançada. As evidências também se acumulam, indicando que a esteatose contribui para a progressão da fibrose em um padrão similar àquele visto na DGNA. Tem-se sugerido que a esteatose pode também ser decorrente de efeito citopático viral, especialmente nos pacientes infectados com genótipo do tipo 3. Atualmente, portanto, é essencial a caracterização da esteatose e suas lesões relacionadas nos pacientes VHC +, em especial a presença e quantificação da fibrose perissinusoidal e centrolobular característica da esteatohepatite. Da esteatose tiramos a lição de que a biópsia no paciente infectado pelo VHC é um instrumento para a detecção de doenças hepáticas associadas ou não ao próprio vírus, e de que devemos estar preparados para outras (provavelmente menos frequentes) que podem estar presentes em um determinado caso. Hepatite crônica pelo VHC, com fibrose portal com septos porta-porta – estadio arquitetural 2 na classificação da SBP ANATOMIA PATOLÓGICA | Como eu trato 65 Hepatite crônica pelo VHC, com inflamação portal e atividade de interface Dra. Maria Regina Vianna (CRM 45383) ANATOMIA PATOLÓGICA | Como eu trato 66 Biópsia estereotáxica do sistema nervoso central: a perspectiva do patologista A biópsia estereotáxica cerebral, conjugada aos avanços na neuroimagem que facilitaram a localização das lesões e ampliaram a capacidade de formular diagnósticos diferenciais pré-operatórios, obteve ampla aceitação como ferramenta diagnóstica em afecções do sistema nervoso central (SNC). Recentemente, a mortalidade e a morbidade deste procedimento decresceram radicalmente, em conjunto com uma maior eficácia no diagnóstico histopatológico, inclusive de lesões não neoplásicas. Durante o procedimento, realiza-se consulta ao médico patologista, que deve sempre estar a par da história clínica do caso analisado e conhecer detalhes da localização e características de imagem da lesão. A análise intraoperatória do material inclui o uso tanto de técnicas citológicas quanto de secções histológicas por congelamento em criostato. A opção do método depende da textura, geralmente amolecida, das lesões do SNC, que permite a preparação de esfregaços citológicos, muito utilizados atualmente. Algumas lesões de consistência mais endurecida ou borrachosa são mais bem avaliadas por cortes em criostatos. O consenso atual, utilizado pelo centro de imuno-histoquímica citopatologia e anatomia patológica - CICAP, é de que o uso combinado das duas técnicas aumenta a eficácia diagnóstica. O objetivo do exame intraoperatório é orientar o neurocirurgião em decisões clinicamente relevantes. Assim, o primeiro passo na avaliação intraoperatória é decidir se o tecido é normal ou patológico. Este passo, aparentemente óbvio, é de crucial importância na avaliação da representatividade do alvo na biópsia estereotáxica. Uma vez estabelecida a representatividade da amostra, o segundo passo é a identificação da natureza do processo: inflamatório / infeccioso ou neoplásico. Doenças inflamatórias e infecciosas podem simular tumores do SNC, tanto na apresentação clínica, quanto nos achados de imagem, e o diagnóstico diferencial é um desafio para o médico patologista. Assim, alguns casos de leucoencefalopatia multifocal progressiva em portadores do vírus HIV podem apresentar quadro morfológico com acentuada inflamação e escassez de células gliais e as alterações características da infecção pelo papovavírus tipo JC, simulando linfoma primário do SNC. Nesses casos, o paciente pode apresentar, clinicamente, uma lesão expansiva, acentuada pelo contraste, tanto à tomografia computadorizada, quanto à ressonância magnética, dificultando ainda mais o diagnóstico diferencial. Quando o processo é identificado como infeccioso, o patologista deve sugerir ao neurocirurgião que proceda à coleta de material para estudos microbiológicos, uma vez que os métodos anatomopatológicos de identificação de microrganismos são, muitas vezes, inconclusivos. Geralmente, lesões como abscessos, carcinomas metastáticos, linfomas e gliomas obviamente malignos são relativamente simples de identificar. A grande dificuldade reside no diagnóstico diferencial entre gliose reacional e glioma de baixo grau. Alguns casos de linfoma apresentam características bastante peculiares de reconhecimento mais complexo. Assim, o diagnóstico de linfoma não Hodgkin de grandes células B intravascular requer, além da integração com os dados clínicos de doença sistêmica multifocal, análise detalhada da amostra para o encontro das células neoplásicas intravasculares (Fig. 1). O diagnóstico definitivo destes casos depende da imunofenotipagem (Fig. 2). Fig. 1 - Células atípicas intravasculares Fig. 2 - Linfoma de grandes células B (CD20) Os passos convencionais na análise de neoplasias primárias do SNC incluem: 1- avaliação da arquitetura tumoral e da celularidade; 2- observação de arranjos histológicos característicos, como pseudorrosetas em ependimomas; 3- caracterização de aspectos citoplasmáticos, como padrão fibrilar em astrocitomas e halo perinuclear em oligodendrogliomas; 4- apreciação de indicadores de malignidade, como atipias citológicas, atividade mitótica, proliferação endotelial microvascular e necrose tumoral (Fig. 3). Fig. 3 - Necrose com paliçada das células neoplásicas em glioblastoma multiforme ANATOMIA PATOLÓGICA | Como eu trato 67 Deve-se salientar que a consulta intraoperatória não é definitiva na avaliação de neoplasias, mas serve apenas como guia para o neurocirurgião, que deve garantir que remanesça tecido suficiente para análise histológica convencional e procedimentos especiais, como colorações específicas e imuno-histoquímica. Esta última é rotineiramente utilizada na identificação de gliomas, na avaliação de proliferação celular e na tentativa de caracterização de sítio primário em neoplasias metastáticas. Finalmente, em alguns casos, a biópsia estereotáxica não permite diagnóstico definitivo e o patologista deve estar preparado para admitir que os achados são negativos ou incongruentes com os dados clínicos, laboratoriais ou de neuroimagem. ANATOMIA PATOLÓGICA | Como eu trato 68 Dr. Celso Di Loreto (CRM 39831) Exame colpocitológico Sua aplicação em larga escala resultou na queda expressiva da mortalidade pelo câncer do colo uterino em várias partes do mundo. Ainda assim, a sensibilidade deste método varia ao redor de 50 a 70% em estudos populacionais. Grande parte destas falhas se deve à colheita (as células malignas não estão presentes na amostra enviada ao laboratório) ou mesmo ao preparo da amostra (as células estão presentes, mas são difíceis de identificar devido a artefatos técnicos). Com o intuito de evitar esses problemas, foi criada a citologia em base líquida, a qual utilizamos rotineiramente no Hospital Alemão Oswaldo Cruz. Esta técnica difere da convencional, pois, enquanto nesta última o material obtido pela raspagem do colo uterino é espalhado na lâmina de vidro sob a forma de esfregaço, na base líquida a escova usada para colher o material é imersa no líquido fixador e enviada para o laboratório, onde as células colhidas são submetidas ao preparado citológico, diminuindo os artefatos técnicos. Após o preparo e a coloração, nós submetemos os espécimes a escrutínio, sendo o resultado dos exames liberado em, no máximo, dois dias. Cada etapa, desde o registro dos espécimes até a liberação do exame, é submetida a controle de qualidade. A revisão de 10% das amostras, incluindo todos os casos que apresentem indícios de maior risco, tanto morfológicos (casos suspeitos ou positivos) quanto clínicos – por exemplo, sangramento ou alterações colposcópicas – é realizada como parte do controle de qualidade. Outro procedimento importante, realizado como rotina, é a comparação dos exames citológicos com os espécimes de exames anteriores, tanto citológicos como histológicos de colo uterino. A foto 1 mostra um caso de citologia líquida com células de lesão de alto grau cervical, a qual foi submetida a correlação com exame de biópsia da mesma paciente demonstrada na foto 2. Utilizamos, na elaboração dos laudos, a nomenclatura Brasileira para Laudos Citológicos de Colo Uterino, aprovada pelo Ministério da Saúde após amplos estudos realizados pelas Sociedades Brasileiras de Patologia e Citopatologia, que permitiram a aplicação dos mais recentes conhecimentos do câncer do colo uterino. De acordo com este modelo de laudo, os espécimes são inicialmente avaliados quanto à qualidade da amostra, ou seja, são identificados os tipos celulares presentes, sua quantificação e a preservação destas células, bem como 69 ANATOMIA PATOLÓGICA | Como eu trato O exame colpocitológico, popularmente conhecido como “teste de Papanicolaou”, em homenagem ao seu criador, é o primeiro e, até hoje, mais eficiente exame de rastreamento para detecção precoce do câncer. possíveis aspectos que prejudiquem sua avaliação, como fundo purulento ou hemorrágico. Após esta etapa, as eventuais alterações morfológicas celulares são classificadas com vista à conduta mais adequada, sendo as eventuais lesões pré-neoplásicas ou neoplásicas classificadas. Os microrganismos presentes são também referidos. Ao longo das últimas décadas, numerosos estudos melhoraram consideravelmente o conhecimento sobre a história natural do câncer do colo uterino. Dentre estes, destacam-se as pesquisas do médico alemão Harald Zur Hausen, que se iniciaram nos anos 70 e demonstraram que alguns tipos de Papilomavírus humanos (HPV) são os agentes causadores desta enfermidade, feito que lhe valeu o prêmio Nobel de medicina em 2008. Atualmente, vários testes para pesquisa destes tipos de HPV estão disponíveis, permitindo maior eficácia no rastreamento. No Hospital Alemão Oswaldo Cruz, realizamos habitualmente a pesquisa de DNA de HPV pela técnica de captura híbrida nos espécimes citológicos de colo uterino, nos casos em que o clínico julgar necessário. As vantagens de ser relativamente barato e não invasivo fizeram do Papanicolaou o teste ideal para rastreamentos populacionais, nos quais a nomenclatura padronizada permite uma rápida comunicação dos aspectos morfológicos por parte do patologista, permitindo ao clínico a conduta adequada. ANATOMIA PATOLÓGICA | Como eu trato 70 No Hospital Alemão Oswaldo Cruz, além dos procedimentos padronizados para o rastreamento, podemos incorporar técnicas mais modernas, como a base líquida, que permite avaliação morfológica mais precisa, com menos artefatos técnicos e maior representatividade. Ainda que o exame citológico apresente elevada especificidade na detecção precoce das lesões do colo uterino, alguns casos de lesões de significado indeterminado ainda persistem. A pesquisa de DNA de HPV de alto risco é altamente específica, sendo a combinação de ambas as técnicas muito eficiente, ainda que não acessível aos rastreamentos populacionais. A incorporação destas técnicas ao exame convencional é um importante avanço. Apesar disso, acreditamos que o fato de estarmos disponíveis para nos comunicarmos com o ginecologista no caso de alguma dúvida ou para integrar os aspectos clínicos, morfológicos e, eventualmente de estudos moleculares, ainda é indispensável para a realização do melhor atendimento. Foto 1 - Citologia de base líquida – Lesão de alto grau Foto 2 - Biópsia de colo uterino – Lesão de alto grau Dra. Yara de Menezes (CRM 45279) Linfonodos Os linfonodos requerem uma fixação inicial bastante adequada, já que as células linfoides são bastante susceptíveis a artefatos de retração, o que prejudica a análise morfológica precisa quanto ao tipo de células envolvidas no processo, por exemplo: células grandes ou pequenas, núcleos clivados ou não clivados, irregularidades da membrana nuclear, padrão de condensação da cromatina, etc. Outro aspecto importante na análise do linfonodo é a avaliação da sua arquitetura. Para isso, recomenda-se que o linfonodo, sempre que tecnicamente possível, seja retirado integralmente, com a cápsula linfonodal. O fixador usado rotineiramente é a solução de formalina a 10%, tamponada, normalmente disponível no próprio centro cirúrgico. Para melhor fixação do tecido, é necessário seccionar o linfonodo (duas ou mais secções transversais, dependendo do tamanho). Nos casos de suspeita clínica de processo infeccioso, é importante a coleta de tecido para cultura ainda nesta fase, com o material a fresco, em procedimento estéril. As pesquisas de microrganismos como micobactérias e fungos podem ser posteriormente realizadas no tecido processado para exame anatomopatológico, mas a sensibilidade do método é geralmente mais baixa do que por estudo microbiológico. O uso de “imprints” ou esfregaços do linfonodo pode ser útil durante o exame intraoperatório de congelação realizado pelo patologista, mas para o exame de rotina, não é necessário, pois não acrescenta informações que não possam ser tiradas do exame histológico. Além disso, o tecido linfoide deve ser manipulado com delicadeza, porque é muito susceptível a artefatos de pinçamento ou pode sofrer até desestruturação, caso haja muita pressão no momento do esfregaço. Não é recomendado um período de fixação inferior a 6 horas, sendo o ideal de 24 horas. Embora para alguns tipos de biópsia pequena possamos realizar um processamento técnico rápido, com resultado do exame histopatológico no mesmo dia, o tecido linfoide não se presta a este tipo de procedimento, adquirindo sérios artefatos de retração 71 ANATOMIA PATOLÓGICA | Como eu trato Aqui serão abordadas as diversas etapas do estudo histopatológico de linfonodos retirados para diagnóstico de processos em que a manifestação clínica acontece por meio de linfadenomegalias secundárias processos neoplásicos ou de natureza reacional. celular. Entretanto, quando o material é abundante, por exemplo, um linfonodo de grandes dimensões, podese tentar o processamento rápido em parte da amostra, no intuito de um diagnóstico mais rápido, deixando o restante para o dia seguinte. Particularmente, prefiro o exame intraoperatório de congelação nos casos de urgência. O exame histopatológico de rotina com cortes do material incluído em parafina, em geral, já permite o diagnóstico de processos reacionais (hiperplasia linfoide reacional inespecífica ou processos específicos com reação granulomatosa) apenas com a coloração pela hematoxilina-eosina e, eventualmente, com pesquisas de bacilos álcool-ácido resistentes pelo método de Ziehl-Neelsen adaptado ao tecido de fungos e de Pneumocystis carinii pelo método de Grocott. Fungos também podem ser pesquisados pela coloração pelo PAS (ácido periódico de Schift) e pela coloração do mucicarmin (no caso de criptococose). Alguns agentes podem também ser pesquisados com o auxílio do exame imuno-histoquímico (leishmania, P. carinii e certos fungos). Nos casos neoplásicos, a coloração pela hematoxilina-eosina frequentemente já permite o diagnóstico diferencial entre as neoplasias linfoides ou não linfoides, com exceção das muito indiferenciadas, que requerem estudo imuno-histoquímico para o diagnóstico diferencial inicial entre carcinoma, melanoma, linfoma e também sarcoma (embora este último grupo de neoplasias raramente curse com metástases linfonodais). Definida a histogênese da neoplasia, o painel imuno-histoquímico poderá ser ampliado para pesquisa de sítio primário ou de diferenciação neuroendócrina nos carcinomas, para verificar a diferenciação celular nos sarcomas e classificar os linfomas. Vamos nos deter aqui a aprofundar mais apenas os aspectos do diagnóstico e subclassificação dos linfomas, já que é no comprometimento linfonodal que a grande maioria tem suas características definidas. ANATOMIA PATOLÓGICA | Como eu trato 72 Embora a maior parte dos casos de hiperplasia linfoide reacional já possa ter o diagnóstico firmado apenas pelo exame morfológico com o auxílio de colorações específicas, já mencionadas, alguns casos requerem estudo imuno-histoquímico adicional para o diagnóstico diferencial com linfomas. Atualmente, para o diagnóstico dos linfomas, é utilizada a classificação da Organização Mundial da Saúde de 2008 (WHO Classification – Tumours of Haematopoietic and Lymphoid Tissues, IARC), muitas vezes referido como o “livro azul”. Resumidamente, esta classificação tem por base a divisão em neoplasias linfoides de células B e células T (referidas como linfomas não Hodgkin) e o linfoma de Hodgkin. Dessa forma, o primeiro aspecto importante para o estudo do linfonodo é a definição dos compartimentos de linfócitos B e T e o quanto eles se encontram alterados, realizando um “mapeamento” inicial imprescindível com os anticorpos anti-CD20 e anti-CD3, marcadores, respectivamente, de linfócitos B e T. Os linfomas B apresentam um número variável de células T reacionais em meio às áreas neoplásicas, de forma que nem sempre haverá um predomínio de células positivas para CD20 num linfoma B. Também vários linfomas apresentam um “fundo inflamatório”, com plasmócitos, histiócitos e granulócitos maduros. Daí a necessidade de a interpretação dos resultados estar atrelada aos aspectos morfológicos: não basta saber apenas se é positivo ou negativo, mas em que célula e em que lugar do linfonodo está. Um diagnóstico diferencial frequente é entre hiperplasia linfoide reacional de padrão folicular e o linfoma de células B folicular. Nestes casos, adicionamos ao painel imuno-histoquímico dois marcadores: bcl-2, que é negativo nas hiperplasias e positivo em cerca de 70% dos linfomas foliculares, e o antígeno de proliferação celular Ki-67, que é alto na hiperplasia reacional folicular e baixo nos linfomas foliculares, pois estes são, de um modo geral, de baixo grau. Para os chamados linfomas de baixo grau (ou indolentes), com predomínio de células pequenas e com baixo índice mitótico (Ki-67 baixo, em geral menor que 40%), utilizamos um painel que inclui, além do CD20 e CD3, o CD10, CD23, CD5, CD43 e ciclina D1, sendo este último marcador importante para o diagnóstico de linfoma de células do manto, que, embora geralmente de pequenas células, cursa com comportamento clínico agressivo. Fala-se muito em definição da “monoclonalidade” por método imuno-histoquímico, principalmente nos linfomas de pequenas células B, através da expressão de cadeias leves Kappa ou Lambda de imunoglobulina. Mas a positividade para estes anticorpos só é obtida pelo exame imuno-histoquímico quando há imunoglobulina citoplasmática, ou seja, quando pelo menos parte das células apresenta diferenciação plasmocitária, o que ocorre em poucos subtipos de linfomas B. Nos outros linfomas B, as células têm apenas imunoglobulina de superfície, o que não é suficiente para a imunomarcação no tecido. Desta forma, particularmente nesses linfomas de pequenas células, é muito importante a correlação com outros métodos diagnósticos, como a fenotipagem das células linfoides em sangue periférico ou aspirado de medula óssea, já que muitos deles leucemizam e/ou comprometem a medula óssea, mesmo em fases iniciais. Já nos linfomas de alto grau (ou agressivos), com predomínio de células grandes ou blásticas, o diagnóstico depende do estudo histopatológico, pois, de modo geral, comprometem a medula óssea apenas em casos muito avançados e, com poucas exceções, não leucemizam. Para estes linfomas, utilizamos os anticorpos CD10 e MUM1, marcadores para definição de padrão de células centro germinativo-símiles ou células ativadas-símiles (póscentro germinativo). O índice de proliferação celular, marcado pelo Ki-67, é superior a 40%, chegando próximo de 100% no linfoma de Burkitt, no linfoma de grandes células B não classificável (intermediário entre linfoma de grandes células e linfoma de Burkitt) e no linfoma plasmoblástico. A pesquisa de bcl-2 é também importante nestes casos como fator prognóstico. Vários dos subtipos de linfomas B e T definidos pela OMS (2008) são, na verdade, entidades anatomoclínicas, necessitando-se, assim, de uma abordagem multidisciplinar próxima, como preconizado pela própria OMS, com integração de dados clínicos, exames de imagem e os diversos exames laboratoriais. Linfoma de Hodgkin clássico 73 ANATOMIA PATOLÓGICA | Como eu trato O painel imuno-histoquímico incluirá pesquisas de CD30, CD15, proteína ALK1 e EMA (antígeno epitelial de membrana) quando o exame morfológico requer o diagnóstico diferencial entre linfoma de Hodgkin, linfoma de grandes células B (subtipo rico em linfócitos T e histiócitos reacionais), linfoma de células T não especificado (com grande número de células grandes) e linfoma de grandes células anaplásico (CD30 + e ALK + ou -). Quando, sob o ponto de vista morfológico, as células supostamente linfoides que infiltram o linfonodo apresentam características que não se “encaixam” em um subtipo de linfoma, deve-se pensar na possibilidade de neoplasia de linhagem mieloide (leucemia mieloide aguda), com apresentação clínica de comprometimento inicial linfonodal, e incluir no painel imuno-histoquímico a pesquisa de mieloperoxidase e CD68 (marcador monocitário e histiocitário). Dra. Fernanda de Barros Correia Cavalcanti (CRM 75598) PAAF de tireoide ANATOMIA PATOLÓGICA | Como eu trato 74 A PAAF (punção aspirativa por agulha fina) de tireoide é frequentemente utilizada para o diagnóstico de nódulos descobertos em exames clínicos, durante a palpação do órgão, ou por algum método de imagem. Várias são as indicações clínicas estabelecidas na literatura que indicam a realização de PAAF, que levam em consideração, por exemplo, o tamanho do nódulo, as características de vascularização e ecogenicidade, as características de produção hormonal e captação de iodo. A decisão, no entanto, de realizar o exame e que conduta tomar diante dos possíveis diagnósticos, será sempre individualizada, em parceria médico-paciente. Uma vez recebido o pedido de exame, mesmo que o nódulo seja palpável, a patologia do laboratório CICAP opta sempre por realizá-lo com orientação ultrassonográfica. A visualização direta, concomitante, da PAAF e do USG, oferece a tranquilidade de visualizar estruturas vasculares, podendo-se evitá-las durante o procedimento, e certificar-se da posição da agulha dentro do nódulo durante todo o exame. Nos casos de nódulos com componente cístico, também é útil a identificação, localização e punção guiada da área sólida residual, após esvaziamento do cisto. O procedimento é bem simples e não requer preparo algum do paciente, não sendo necessário jejum. Após os trâmites de termo de ciência e consentimento informado, na sala de exame, explicamos novamente como será o procedimento. Durante essa conversa, avaliamos o grau de ansiedade do paciente, um dos parâmetros para indicação de anestesia local. Como se trata de punção com uma agulha de 25 a 27 gauges de diâmetro (semelhante ao das seringas utilizadas nas punções para coleta de sangue), a sensação dolorosa é parecida com a de uma punção venosa. Sendo assim, sempre preferimos o exame sem a utilização da anestesia local para não haver alteração da ecogenicidade ou risco de aspiração do anestésico junto com o material desejado. Havendo necessidade de anestesia local, usamos 0,5 ml de lidocaína 1% no subcutâneo para bloqueio retrógrado dos nervos dérmicos, após assepsia local. Para a punção, preferimos a utilização da agulha fina e seringa descartáveis acopladas a aparelho para obtenção e manutenção de pressão negativa, para que o mesmo patologista tenha a liberdade de introduzir a agulha e aspirar o material com uma das mãos, enquanto realizamos oscilações pequenas dentro do nódulo. Essas oscilações visam à obtenção de microrrupturas teciduais, facilitando a perda da coesividade entre as células, que são, então, aspiradas. Imediatamente após a obtenção do material, depositamos uma gota do mesmo em três ou quatro lâminas e realizamos o esfregaço direto, que consiste no deslizamento de uma lâmina em branco sobre a outra com a gota, para espalhar em uma camada fina as células obtidas, a fim de serem mais bem fixadas e, posteriormente, coradas. Coloca-se o esfregaço direto em frasco com álcool para fixação. Se houver indício de alguma doença (por exemplo, linfomas) cuja avaliação por coloração derivada do Romanowsky torna-se importante, deixamos uma lâmina secar em ar ambiente. Sempre preferimos a fixação em álcool da maioria das lâminas, pois somente o material assim fixado pode ser submetido a exames de imunocitoquímica (Fig. 1). Realizamos pelo menos duas punções do mesmo nódulo para, então, procedermos à coloração de algumas das lâminas, a fim de avaliar imediatamente a adequabilidade do material obtido. Se essa avaliação inicial não mostrar material suficiente, realizamos mais punções com esse intuito, no limite do tolerável para o paciente. Esse procedimento é realizado em todos os nódulos indicados para exame. Cada material obtido é, portanto, identificado quanto ao seu posicionamento na glândula. Após a obtenção de material suficiente para análise, certificamo-nos de quaisquer intercorrências imediatas (edema importante, formação de hematoma) e colocamos um curativo superficial para oclusão apenas temporária dos pontos de entrada da agulha, que não requer ser mantido após sua retirada durante a higiene pessoal diária. Informamos ao paciente que é normal a sensação de um pequeno desconforto local por um ou dois dias e nos colocamos à disposição para contato em caso de dúvidas ou aparecimento de sinais ou sintomas diferentes do esperado. A avaliação citológica das PAAF de tireoide atualmente é feita utilizando-se a classificação de Bethesda, resultante do trabalho multidisciplinar do National Cancer Institute Thyroid Fine Needle Aspiration State of The Science Conference realizado em Bethesda, em outubro de 2007. CLASSIFICAÇÃO DE BETHESDA Categoria I Insuficiente ou inconclusivo (artefatos de fixação ou de superposição celular) para diagnóstico Categoria II Benigno (nódulo hiperplásico, coloide ou tireoidite) Categoria III Atipia de significado indeterminado (atipia citológica, que é insuficiente para o diagnóstico de uma neoplasia folicular, mas cujos achados não são convincentemente benignos) Categoria IV Sugestivo de neoplasia folicular Categoria V Sugestivo de malignidade (suspeito para carcinoma papilífero, carcinoma medular, metástase ou linfoma) Categoria VII Maligno (carcinoma papilífero (Fig. 2), carcinoma pouco diferenciado ou anaplásico, carcinoma medular, metástase ou linfoma) 75 ANATOMIA PATOLÓGICA | Como eu trato Os esfregaços obtidos após a fixação são submetidos às colorações histoquímicas (Papanicolaou para os fixados em álcool e Giemsa para os secos) e o material remanescente nas agulhas, também encaminhadas ao laboratório, passa por processamento técnico para obtenção de emblocado celular, a partir do qual se confecciona bloco de parafina para corte histológico corado pela hematoxilina-eosina. Os casos classificados como III e IV, com origem em epitélio folicular, podem se beneficiar de imunocitoquímica para avaliação dos marcadores de risco de lesões foliculares CK19, galectina e HBME-1. Sempre que possível, de acordo com o médico requisitante do exame, indicamos e realizamos essas pesquisas imunocitoquímicas adicionais. Os casos de suspeita ou diagnóstico de linfomas, carcinoma medular ou metástase devem ser sempre submetidos a exame imunocitoquímico pertinente à doença. ANATOMIA PATOLÓGICA | Como eu trato 76 Fig. 1 - Carcinoma medular – Imunocitoquímica para Calcitonina Fig. 2 - Pseudoinclusão nuclear em carcinoma papilífero – coloração de Papanicolaou Dra. Maria Regina Vianna (CRM 45383) O termo pólipo é utilizado para descrever qualquer crescimento ou tumor circunscrito que se projete acima da mucosa adjacente. Dentre os pólipos de natureza epitelial com arquitetura serrilhada dos cólons temos os de aspecto serrilhado. A natureza neoplásica potencial destes pólipos foi descrita recentemente e implica na evolução com alterações displásicas e, eventualmente, adenocarcinoma, com altos níveis de instabilidade de microssatélites. O evento inicial é diminuição da apoptose, com aumento do número de células epiteliais, promovendo o aspecto serrilhado. A lateralidade da lesão tem importância, pois parece que os à direita têm maior potencial maligno, notando-se pior comportamento das lesões maiores e múltiplas. A classificação é controversa. A adotada pelo CICAP baseia-se na presença ou ausência de displasia. O padrão arquitetural e as características proliferativas também são significativos. CLASSIFICAÇÃO DOS PÓLIPOS SERRILHADOS DOS CÓLONS ADOTADA PELO CICAP: I - Pólipos serrilhados não displásicos A. Arquitetura normal, proliferação normal A1. Pólipo hiperplásico de tipo microvesicular A2. Pólipo hiperplásico de tipo rico em células caliciformes A3. Pólipo hiperplásico de tipo pobre em mucina B. Arquitetura anormal, proliferação anormal B1. Adenoma serrilhado séssil II – Pólipos serrilhados displásicos A. Adenoma serrilhado tradicional B. Pólipo misto com componente convencional e componente serrilhado (pólipo hiperplásico, adenoma serrilhado séssil ou adenoma serrilhado tradicional). 77 ANATOMIA PATOLÓGICA | Como eu trato Pólipos epiteliais serrilhados de intestino grosso 1 - Pólipo hiperplásico – Pequenos, mais frequentes no reto, podendo ser encontrados em todo o cólon; 90% deles encontram-se à esquerda. Endoscopicamente são pequenos, sésseis. Na classificação utilizada, distinguem-se três tipos, com base no padrão de crescimento e ausência de anormalidades proliferativas ou de maturação. O tipo microvesicular é o mais comum e acredita-se que seja resultante de um aumento do turnover celular combinado com maturação retardada da base para a superfície das criptas. De fato, não há “hiperplasia”. Há potencial maligno, sobretudo relacionado ao tamanho e localização. Caracteriza-se pela presença abundante de mucina microvesicular e pobreza de células caliciformes. Pode ter estratificação nuclear em sua base. Alguns casos têm espessamento da muscular da mucosa com extensão para lâmina própria, podendo ocorrer também inclusão de criptas na submucosa. O tipo rico em células caliciformes, também mais frequente à esquerda, tem baixo nível de metilação do DNA e ausência ou baixo nível de mutação BRAF ou APC, com mutação KRAS comum. É o segundo mais frequente, com aspecto serrilhado menos evidente. O tipo pobre em mucina é pouco conhecido em suas características moleculares, sendo o menos frequente, talvez representando irritação do microvesicular, com depleção de mucina e inflamação devida a prolapso. Os núcleos são hipercromáticos. 2 - Adenoma serrilhado séssil – Geralmente maior que 0,5 cm, séssil, localizado predominantemente à direita, podendo atingir 2 cm. As características desta lesão são: distorção de criptas, assimetria na proliferação e ausência de zona proliferativa facilmente identificável. Apresenta elevada taxa de metilação do DNA e mutação de BRAF, mas baixa prevalência de mutação APC ou KRAS. Microscopicamente, observam-se criptas dilatadas, com serrilhamento exuberante completo e dilatação basal, podendo ocorrer ramificação horizontal, aumento do número de células caliciformes distróficas, estratificação nuclear focal, mitoses superficiais, redução na quantidade de lâmina própria entre as criptas, epitélio hipermucinoso e, ocasionalmente, crescimento invertido. A porção basal pode estar ramificada, assemelhando-se a um T invertido (Fig. 1). A correlação com o tamanho, localização e aspecto colonoscópico é fundamental. Lesões maiores que 0,5 cm, sésseis e localizadas no cólon direito ou transverso, provavelmente representam um adenoma serrilhado séssil precoce. ANATOMIA PATOLÓGICA | Como eu trato 78 Fig. 1- Adenoma serrilhado séssil de cólon direito Fig. 2- Adenoma serrilhado tradicional 3 - Adenoma serrilhado séssil tradicional – Geralmente pedunculado, exibe arquitetura complexa serrilhada, podendo ser confundido com adenoma viloso. O padrão é de núcleos ovalados, com nucléolo evidente, estratificação nuclear, citoplasma eosinofílico e ausência de maturação na superfície. Embora os núcleos sejam “atípicos”, são diferentes dos núcleos displásicos dos adenomas convencionais, refletindo via molecular diversa. Caracteristicamente, apresentam criptas ectópicas, desenvolvidas com perda da polaridade em relação à muscular da mucosa (Fig. 2). Estes pólipos devem ser ressecados completamente, quando possível, e o paciente deve seguir controle como dos adenomas convencionais. Dra. Maria Regina Vianna (CRM 45383) No centro de imuno-histoquímica citopatologia e anatomia patológica – Laboratório CICAP, do Hospital Alemão Oswaldo Cruz, recebemos, diariamente, numerosos pólipos de intestino grosso ressecados por colonoscopia. Os dados macroscópicos descritos pelo colonoscopista são muito importantes para a linha de raciocínio do médico patologista na análise do espécime. Estes, integrados ao padrão microscópico da lesão, permitem o diagnóstico na maior parte dos casos, restando aqueles de difícil interpretação, em que utilizamos métodos complementares (colorações específicas, exame imuno-histoquímico) para conclusão diagnóstica. Dentre os pólipos não exclusivamente epiteliais, temos: PÓLIPOS INFLAMATÓRIOS 1 - Pólipo inflamatório secundário a doenças inflamatórias intestinais, como retocolite ulcerativa idiopática (10 a 20% dos casos) e Doença de Crohn, além de outras afecções, como esquistossomose, doença isquêmica ou até anastomose cirúrgica. 2 - Pólipo inflamatório tipo prolapso (induzido por prolapso): geralmente ocorre no reto baixo/transição anorretal (pólipo inflamatório cloacogênico), sendo caracterizado por hiperplasia fibromuscular da lâmina própria, espraiamento da muscular da mucosa envolvendo criptas com alterações arquiteturais, tais como alongamento, dicotomização, serrilhamento, além de inflamação, com focos de ulceração e regeneração epiteliais. 3 - Pólipos inflamatórios tipo “cap”: predominantemente do retossigmoide e cólon distal, sendo sésseis, únicos ou múltiplos. Exibem criptas alongadas, dilatadas, tortuosas, com intensa inflamação na lâmina própria e na superfície do tecido de granulação e exsudato fibrinopurulento. 4 - Colite cística profunda poliposa: em raras ocasiões, ocorre isoladamente, podendo relacionar-se a síndrome da úlcera retal solitária. Quando distal (proctite cística profunda), ocorre em paraplégicos. Caracterizam-se por criptas cisticamente dilatadas na submucosa ou na muscular da mucosa, com lâmina própria na periferia. 79 ANATOMIA PATOLÓGICA | Como eu trato Pólipos inflamatórios e hamartomatosos de intestino grosso 5 - Pólipos associados a doença diverticular: podem confundir-se macroscopicamente com adenoma. Observamse dois tipos: divertículo invertido (intussuscepção) ou prolapso poliposo de prega mucosa. Caracterizam-se pela presença de hemorragia, congestão e deposição de hemossiderina na lâmina própria, com fibrose e alterações arquiteturais de criptas, como dilatação e dicotomização. Quando maiores, são semelhantes aos do tipo prolapso. A patogênese está ligada a espessamento da tênia coli, que leva a encurtamento do sigmoide, iniciando o processo patogenético da lesão. 6 - Pólipo inflamatório mioglandular: predominantemente localizado no sigmoide, raramente no íleo, onde pode provocar intussuscepção. Sua patogênese é discutida (trauma? hamartoma?), sendo semelhante ao pólipo da Síndrome de Peutz-Jeghers, com rede de musculatura lisa ramificada e criptas hiperplásicas, cisticamente dilatadas (Fig. 1). Na superfície, possui tecido de granulação, com aspecto serrilhado e discreta depleção de mucina. Dentre os diagnósticos diferenciais, tem-se o pólipo juvenil, distinguindo-se deste pela ocorrência em idade mais avançada e pela presença de musculatura lisa ramificada no processo. Em alguns casos, pode ser impossível chegar-se a conclusão diagnóstica precisa. ANATOMIA PATOLÓGICA | Como eu trato 80 Fig. 1- Pólipo inflamatório mioglandular Fig. 2- Pólipo fibroide inflamatório 7 - Pólipo linfoide: ocorre principalmente no reto, geralmente séssil e único. Caracteriza-se pela presença de folículos linfoides reativos na mucosa e submucosa. 8 - Pólipo fibroide inflamatório: mais frequente no estômago e intestino delgado, podendo atingir até 4 cm. Geralmente limitado à submucosa, caracteriza-se por proliferação mesenquimal, com componente inflamatório e vascular e presença de eosinófilos (Fig. 2). As células mesenquimais fusiformes são negativas para CD117 e S100. PÓLIPOS HAMARTOMATOSOS 1 - Pólipo juvenil: mais frequente nas duas primeiras décadas de vida, mas pode ocorrer em adultos. Localizase predominantemente no reto, geralmente solitário. Há casos de polipose juvenil definidos como (a) mais de cinco pólipos juvenis no cólon e reto, (b) pólipos juvenis em todo trato gastrointestinal e (c) qualquer número de pólipos juvenis em paciente com história familiar de polipose juvenil. Geralmente pedunculado e menor que 3 cm, com superfície lisa. Microscopicamente, caracteriza-se por criptas tortuosas e dilatadas, imersas em estroma inflamado (Fig. 3). Fig. 3 - Pólipo juvenil Fig. 4 - Pólipo de Peutz-Jeghers Fig. 3 - Pólipo juvenil Fig. 4 - Pólipo de Peutz-Jeghers 2 - Pólipo de Peutz-Jeghers: é uma lesão hamartomatosa que ocorre no estômago, intestino delgado e cólon, mais frequentemente associada à síndrome de Peutz-Jeghers (autossômica dominante, exibindo pólipos gastrointestinais e pigmentação mucocutânea), podendo ser isolado. Pode ser séssil ou pedunculado, com até 3,5 cm. A arquitetura básica é de epitélio glandular normal da região onde está inserido, imerso em uma trama ramificada de malha muscular lisa (Fig. 4), em padrão arborescente (“árvore de Natal”). ANATOMIA PATOLÓGICA | Como eu trato 81 Dr. Fernando Kok* (CRM 32255) Dr. Nairo Sumita* (CRM 61649) EXAMES LABORATORIAIS | Como eu trato 82 Corações, músculos e mentes: a saga da creatino-quinase A creatinoquinase (CK, vide box 1) é uma enzima que catalisa a fosforilação da creatina pelo ATP, formando creatina fosfato. No pH neutro, esta reação se dá preferencialmente no sentido inverso, ou seja, há favorecimento da formação de ATP a partir da creatina fosfato. Essa reação é dependente do íon magnésio e pode ser inibida pelo aumento da concentração de outros cátions bivalentes, tais como cálcio, zinco e cobre. A CK está presente em grande quantidade nos músculos esqueléticos, no cérebro, no coração e, de forma menos abundante, em outros órgãos, tais como fígado e rins. A sua forma ativa se apresenta como um heterodímero, com subunidades com peso molecular de cerca de 40 kDa cada. As subunidades B (de brain) e M (de muscle) são codificadas por genes localizados nos cromossomos 14 e 19, respectivamente. São reconhecidas três isoenzimas da CK: BB, MB e MM; a fração BB é mais abundante no cérebro, onde representa cerca de 97% da CK; a fração MB representa 20% da CK encontrada no coração e a fração MM constitui-se em cerca de 99% da enzima encontrada no músculo e em 79% da encontrada no coração (vide tabela 1). É importante notar que, durante a vida fetal, a proporção da fração MB presente no músculo pode chegar a 5%. Mais ainda, no processo de reparo da musculatura esquelética que ocorre, por exemplo, após exercícios intensos, pode ocorrer um aumento da expressão da isoenzima B e consequente aumento da fração CK-MB, sem que isto indique dano cardíaco. A relação dos exames disponíveis para a avaliação da CK encontra-se na tabela 2. Uma das principais funções da creatina fosfato é servir de reservatório de fosfato de alta energia; este, durante a contração muscular, é transferido para o ADP, produzindo, assim, o ATP que será utilizado na manutenção da atividade muscular. A determinação da atividade da CK é importante na investigação de diversas condições clinicas (vide tabela 3). É importante, no entanto, ter claro que existem marcadores, tais como as troponinas T e I, que são mais sensíveis e específicos do que a dosagem de CK-MB para o diagnóstico do infarto agudo do miocárdio. Tabela 1 - Distribuição das isoenzimas de CK, de acordo com o tecido analisado Órgão \ Isoenzima Cérebro Músculo Coração CK-MM 0% 98,9% 78,7% CK-MB 2,7% 1,1% 20% CK-BB 97,3% 0,06% 1,3% Fonte: Tietz Textbook of Clinical Laboratory, 1999. E qual o nome correto: creatinoquinase (CK) ou creatinofosfoquinase (CPK)? O nome correto da enzima é creatinoquinase, uma vez que as quinases são sempre responsáveis pela adição de um grupo fosfato a determinado substrato. Desta forma, embora a abreviatura CPK seja muito utilizada, CK é etimologicamente mais correta. Tabela 2 - Exames laboratoriais disponíveis para a determinação de creatinoquinase e suas isoenzimas O que é macro-CK? A macro-CK é decorrente da formação, muitas vezes transitória, de complexos de CK (em geral da isoenzima BB) com imunoglobulinas da classe IgG. Por ter meia vida mais longa, a presença de macro-CK pode determinar um aumento da atividade da CK que não está associado a doença de qualquer natureza. Desta forma, a possibilidade de macro-CK deve ser considerada sempre que ocorrer elevação de CK sem causa aparente, especialmente em mulheres com mais de 50 anos. Tabela 3 - Principais causas de elevação de creatinoquinase De origem muscular - Distrofia muscular - Doenças inflamatórias musculares (inclusive polimiosite e miosites virais) - Atividade física intensa - Medicamentos: estatinas, anfotericina B e muitos outros. De origem cardíaca (CK-MB) - Infarto agudo do miocárdio - Cardioversão - Cateterismo cardíaco De origem cerebral - Acidente vascular cerebral - Trauma cranioencefálico * Assessores Médicos em Bioquímica Clínica – Fleury Medicina e Saúde 83 EXAMES LABORATORIAIS | Como eu trato Determinação da atividade da creatinoquinase (inclui as três formas da enzima) Quantificação de CK-MB (CK-MB massa) Determinação das isoenzimas de CK, por eletroforese (CK-BB, CK-MB, CK-MM) Pesquisa de macro-CK (vide box 2) Dr. Luis Eduardo Coelho Andrade* (CRM 38661) EXAMES LABORATORIAIS | Como eu trato 84 Autoanticorpos contra peptídeos citrulinados (ACPA) apresentam alta especificidade e sensibilidade para o diagnóstico de Artrite Reumatoide A Artrite Reumatoide (AR) é uma doença sistêmica cuja característica mais marcante é uma poliartrite simétrica crônica e erosiva. É considerada uma das doenças autoimunes mais comuns, atingindo uma prevalência de até 1% na população geral. Embora seu diagnóstico seja eminentemente clínico, pode haver considerável dificuldade em se identificar os elementos clínicos e radiográficos característicos nas fases iniciais da moléstia. Nessas circunstâncias, a disponibilidade de um marcador diagnóstico sensível e específico seria altamente desejável. O Fator Reumatóide IgM (FR) tem sido utilizado há décadas com esta finalidade, entretanto chama a atenção a sua baixa especificidade, apenas 59% a 65%, pois pode ser encontrado em diversas outras doenças reumáticas autoimunes, doenças infecciosas, neoplásicas e mesmo em uma considerável fração de indivíduos sadios. Ademais, o FR é detectado em somente 33% dos pacientes que se encontram na fase inicial da doença. Este é um ponto importante em vista do conceito atual de que o tratamento precoce e adequado dos pacientes é fundamental para redução da morbidade da AR. A busca por marcadores diagnósticos alternativos mais eficazes para o diagnóstico de AR levou à descoberta de dois marcadores mais específicos que o FR IgM há várias décadas: o anticorpo antifator perinuclear (APF), em 1964, e o anticorpo antiestrato córneo de esôfago de rato (AKA), em 1989. Os antígenos alvos desses anticorpos estão presentes em alguns tipos de epitélios ceratinizados, como mucosa oral humana (APF) e mucosa do esôfago de rato (AKA). A forma de detectar e identificar esses autoanticorpos é o teste de imunofluorescência indireta utilizando substratos de manipulação delicada e difícil padronização. Como consequência, o uso clínico desses marcadores ficou restrito a algumas instituições universitárias, principalmente europeias, por mais de 30 anos. Na década de 1980, sucessivos estudos culminaram com a demonstração de que o anticorpo antifator perinuclear (APF) e o anticorpo antiestrato córneo de esôfago de rato, detectados pela técnica de imunofluorescência indireta, equivalem a anticorpos contra profilagrina/filagrina (Figura 1). O APF tem sensibilidade em torno de 70% e especificidade acima de 90%. O anticorpo antiestrato córneo de esôfago de rato tem apresentado sensibilidade mais baixa (em torno de 46%), mas é um dos autoanticorpos de maior especificidade clínica (em torno de 97%). A diferença no desempenho diagnóstico dos dois testes relaciona-se ao painel de epítopos apresentado por cada substrato. A progressiva caracterização molecular desses antígenos revelou que os principais epítopos reconhecidos por esses autoanticorpos são peptídeos citrulinados. A citrulinação consiste na deiminação de um resíduo de arginina pela peptidilarginino deiminase (Figura 2), processo que ocorre abundantemente na profilagrina e filagrina. Outras proteínas com resíduos de citrulina são a vimentina e a fibrina. A literatura contemporânea tem denominado esta nova classe de anticorpos como ACPA (do Inglês, anti-citrullinated protein antibodies). A identificação da natureza molecular dos autoantígenos relavantes aos ACPA permitiu a elaboração de kits de ELISA para pesquisa desses anticorpos. Por sua praticidade e por não necessitar de conhecimento e mão de obra especializados, os kits de ELISA para ACPA possibilitaram a disseminação mundial do uso dessa nova classe de autoanticorpos. O mais difundido desses sistemas de ELISA lança mão de peptídeos citrulinados ciclizados (CCP, do Inglês, cyclic citrullinated peptides), o que contribui para melhor exposição dos epítopos relevantes. Conforme a marca proprietária, são denominados anti-CCP-2 e anti-CCP-3, o que não significa que uma versão seja a evolução do outro. Outras marcas utilizam outros substratos citrulinados, como a vimentina citrulinada, por exemplo. Os estudos comparativos desses métodos mostram equivalência diagnóstica significante. Nossa maior experiência é com o anti-CCP-2, que tem demonstrado alta sensibilidade e especificidade para Artrite Reumatoide em diversos estudos em diferentes etnias e condições sócio-econômicas (Tabela 1). Uma análise global de oito estudos com pacientes europeus e norte-americanos evidenciou sensibilidade de 78% e especificidade de 96% para os anticorpos anti-CCP-2 contra sensibilidade de 74% e especificidade de 65% para o FR IgM. Ademais, vários estudos têm demonstrado que os ACPA ocorrem precocemente no curso da doença, podendo até mesmo preceder a eclosão clínica da mesma. Tabela 1 - Desempenho diagnóstico dos anticorpos antipeptídeo citrulinado cíclico (anti-CCP-2) e do fator reumatóide IgM em oito diferentes centros Europeus Anti-CCP + CENTRO Artrite reumatoide Dundee NR Leeds --- Outras doenças 16/476 (4%) 336/431 (76%) 17/121 (14%) Fator Reumatoide IgM + Artrite reumatoide NR --- Outras doenças 128/473 27% 319/404 79% 58/106 55% Londres 94/104 (90%) 4/118 (3%) 94/100 94% 61/116 53% Viena 83/103 (81%) 1/76 (1,5%) 69/103 67% 17/72 24% Atenas 60/101 (60%) 4/139 (3%) 51/101 50% NR --- Boston 71/105 (68%) 14/153 (9%) 69/105 66% NR --- Los Angeles 81/92 (88%) 9/381 (2%) NR --- NR --- Nijmegen 78/100 (78%) 4/277 (1,5%) NR --- NR --- Sensibilidade Especificidade NR: Não realizado 74% 78% 96% 65% 85 EXAMES LABORATORIAIS | Como eu trato Assim, os ACPA (anticorpos antiprofilagrina/filagrina, anti-CCP-2 e congêneres) aparecem como novos marcadores imunológicos sensíveis e específicos para o diagnóstico da Artrite Reumatoide, especialmente úteis para a abordagem das formas iniciais em que a doença não está plenamente desenvolvida. Além de suas propriedades diagnósticas, alguns autores têm sugerido que os ACPA têm valor prognóstico baseado em estudos que mostraram associação dos mesmos com formas mais erosivas da doença. Figura 1 - Imunofluorescência indireta em células da mucosa oral humana, apresentando coloração evidente dos corpos ceratohialinos perinucleares: anticorpo antifator perinuclear (APF) ou antiprofilagrina/filagrina positivo. EXAMES LABORATORIAIS | Como eu trato 86 Figura 2 - O aminoácido citrulina é proveniente da deiminação da L-arginina. Literatura Recomendada: 1. Nienhuis RLF & Mandema EA: A new serum factor in patients with rheumatoid arthritis. The antiperinuclear factor. Ann Rheum Dis 23: 302-305, 1964. 2. Sebbag M, Simon M, Vincent C, Masson-Bessiere C, Girbal E, Durieux JJ & Serre G: The antiperinuclear factor and the so-called antikeratin antibodies are the same rheumatoid arthritis-specific autoantibodies. J Clin Invest 95: 2672-2679, 1995. 3. 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A radiografia é um método muito limitado, porém é um exame barato e disponível, podendo ser utilizado na avaliação inicial de algumas situações clínicas, como na suspeita de pneumoperitônio, de obstrução intestinal, na pesquisa de litíase urinária e no seguimento de pacientes com distensão intestinal já conhecida. (1) A ultrassonografia também é um método de baixo custo, disponível e de rápida execução, podendo ainda ser realizada à beira do leito. Possui boa sensibilidade e especificidade para diversas situações, tendo a vantagem de não produzir radiação ionizante e permitir a interação médico-paciente, o que pode facilitar o diagnóstico e estreitar o diagnóstico diferencial. É um método que depende da experiência do examinador, além da qualidade do equipamento utilizado. O exame pode ser prejudicado na presença de distensão gasosa, em pacientes obesos e não cooperativos. (2) A tomografia computadorizada é um método que permite avaliação adequada de múltiplas patologias na urgência. É um exame mais reprodutível que a ultrassonografia e que pode ser revisado ou avaliado a distância. Não há limitações em obesos (exceto em pacientes acima da capacidade do equipamento, cerca de 200 quilogramas). A tomografia não é limitada pela distensão gasosa. A utilização de contraste iodado intravenoso facilita a avaliação de muitas patologias, inclusive vasculares, porém seu uso é limitado em pacientes com história de alergia ao iodo e insuficiência renal. É disponível na maioria dos grandes serviços. Sua principal desvantagem está na emissão de radiação ionizante. (1) A ressonância magnética é um método muito pouco utilizado na avaliação de pacientes com abdome agudo, sendo uma alternativa em pacientes selecionados, especialmente quando os outros métodos disponíveis não forem elucidativos. É um método menos disponível, de alto custo e demorado, por vezes pouco tolerado pelo paciente. Na maioria das situações de urgência, tem eficácia semelhante à tomografia computadorizada, porém 87 EXAMES LABORATORIAIS | Como eu trato Avaliação da dor abdominal aguda por métodos de imagem permite a realização do contrate intravenoso com mais segurança em pacientes com histórico de alergia. (3) O diagnóstico diferencial do abdome agudo é vasto, sendo imprescindível uma avaliação clínica inicial adequada para o direcionamento correto dos exames de imagem. Conforme as alterações clínicas observadas, as principais causas de abdome agudo podem ser agrupadas em abdome agudo inflamatório (colecistite aguda, pancreatite aguda, apendicite, diverticulite, entre outras), obstrutivo, vascular, causas urológicas e ginecológicas, entre outras. (4) Na colecistite aguda, o método diagnóstico de escolha é a ultrassonografia. Deve-se ter atenção especial com os idosos, em quem há condições que predispõem à doença biliar (ducto biliar mais calibroso, facilitando a estase biliar, sendo mais frequente a presença de cálculos, e bile litogênica). Neste grupo de pacientes, a doença biliar representa até 1/3 dos casos de dor abdominal e consiste na principal indicação de cirurgia. O diagnóstico clínico é dificultado, pois cerca de metade dos idosos com colecistite aguda apresentam-se sem febre, dor localizada ou alteração no leucograma, o que pode atrasar o diagnóstico, tornando-os mais sujeitos a complicações. (5) Na avaliação da pancreatite aguda, o exame de escolha é a tomografia computadorizada; o método, além de confirmar o diagnóstico, detecta complicações. A ultrassonografia apresenta menor sensibilidade e especificidade, sendo indicada principalmente para a investigação de uma possível etiologia biliar e para controle de coleções, podendo ainda ser utilizada na orientação de intervenção diagnóstica e/ou terapêutica. EXAMES LABORATORIAIS | Como eu trato 88 A ultrassonografia é o método indicado na avaliação inicial de pacientes com suspeita de apendicite aguda; o apêndice inflamado, espessado, é visualizado em 76 a 95% dos casos. A visualização do apêndice com espessura normal exclui o diagnóstico. Na ausência de um apêndice visualizável, deve-se correlacionar o resultado aos dados clínicos e laboratoriais. Mantendo-se a alta suspeição, a tomografia computadorizada passa a ser indicada. A ultrassonografia é o exame de escolha em crianças e gestantes, por não provocar exposição à radiação ionizante, e em mulheres na pré-menopausa, por permitir a avaliação concomitante de uma possível origem ginecológica para a dor. A tomografia apresenta alta sensibilidade e especificidade, sendo a melhor opção para avaliação de pacientes obesos e na presença de coleção associada. A apendagite epiploica é um importante diagnóstico diferencial de apendicite e diverticulite, representando, na maioria das vezes, torção e infarto de um apêndice epiploico. Apresenta-se como uma dor localizada, principalmente nas fossas ilíacas, que é autolimitada e não requer abordagem cirúrgica. Outro frequente diagnóstico diferencial de apendicite, a adenite mesentérica, é a segunda causa mais comum de dor na fossa ilíaca direita, predomina em pacientes jovens e também é autolimitada. A identificação de linfonodos mesentéricos aumentados e do apêndice vermiforme normal são importantes para o seu diagnóstico. A doença diverticular dolorosa e a diverticulite são a causa de 10 a 30% dos casos de abdome agudo; em 2/3 dos casos afetam o cólon sigmoide e apresentam-se com dor na fossa ilíaca esquerda, incidindo principalmente em pessoas com mais de 50 anos. A ultrassonografia costuma ser o exame indicado inicialmente na suspeita de diverticulite. Porém a tomografia computadorizada tem maior sensibilidade, sendo considerado o exame de escolha, permitindo também melhor avaliação de perfuração e coleções associadas. (6) O abdome agudo obstrutivo representa cerca de 20% dos atendimentos por abdome agudo. É suspeitado na presença de dor difusa em cólica, distensão abdominal, náuseas e vômitos, e sua mortalidade pode variar de 5 a 40%, maior na presença de sofrimento vascular. As causas de abdome agudo obstrutivo são diversas, sendo as obstruções de intestino delgado (bridas, hérnias, neoplasias e outras) até cinco vezes mais comuns que as de cólon (neoplasias, volvos e outras). Em pacientes idosos, destaca-se a ocorrência de obstrução por bridas, neoplasias e hérnias. A radiografia simples apresenta sensibilidade semelhante à tomografia para identificação de obstrução intestinal, porém é pouco específica em relação a sua causa, podendo ser usada no acompanhamento do quadro obstrutivo. A tomografia computadorizada é o exame de escolha, permitindo boa avaliação da causa e localização da obstrução, além de possíveis complicações associadas. (7) (8) As causas vasculares de abdome agudo incluem condições agudas da aorta abdominal (rotura de aneurisma e dissecção aórtica) e a isquemia mesentérica aguda. A rotura de aneurisma é mais frequente em homens fumantes, com história de doença vascular periférica e hipertensão arterial sistêmica, apresenta alta mortalidade, em especial na primeira hora do atendimento, e o quadro clínico clássico é de dor abdominal intensa e choque, podendo ou não haver massa pulsátil. A isquemia mesentérica é uma causa incomum, porém muito grave de abdome agudo; os pacientes apresentam dor intensa e de rápida instalação, que, na presença de irritação peritoneal e choque, sugerem a presença de necrose e perfuração; o exame de escolha na sua suspeita é a tomografia computadorizada com contraste intravenoso Existem outras várias causas de dor abdominal que podem ter origem intra ou extra-abdominais, e devem ser avaliadas por exames específicos em função do contexto clínico, incluindo infarto agudo do miocárdio, tromboembolismo pulmonar, pneumonias, cetoacidose diabética, gastroenterite e doença péptica. Referências: 1. Seminars in Ultrasound, CT, and MRI, Vol. 20, Nº2, 1999: 142-147. 2. Radiol Clin N Am 41 (2003) 1227-1242. 3. Radiographics 2007; 27: 1419-1431. 4. Geriatrics 2002; 57: 30-42. 5. Gastroenterol Clin North Am 2001; 30: 531-45. 6. Radiology, Vol 205, 503-512, 1997. 7. Paes Jr. J, Giavina-Bianchi P. Diagnóstico clínico e terapêutica das urgências cirúrgicas São Paulo - Roca 2006. 8. Am Fam Physician 2006; 74: 1537-44. * Médico radiologista do Centro de Procedimentos Guiados por Imagem – Fleury Medicina e Saúde 89 EXAMES LABORATORIAIS | Como eu trato Em resumo, para a avaliação adequada das causas de abdome agudo, é fundamental a realização de uma avaliação clínica cuidadosa. Anamnese e exame físico bem feitos permitem direcionar os exames laboratoriais e de imagem necessários, tornando mais ágil o diagnóstico e tratamento do paciente. Pacientes com suspeita de abdome agudo vascular devem ser avaliados rapidamente por ultrassonografia quando houver suspeita de rotura da aorta, podendo-se realizar o exame na própria sala de emergência; nos casos em que não houver instabilidade hemodinâmica, a tomografia computadorizada está indicada. Muitas causas de abdome agudo têm seu diagnóstico definido pela associação de exames laboratoriais, eletrocardiograma e radiografias simples de tórax e abdome, entre elas: infecção urinária, infarto agudo do miocárdio, pneumonia, cetoacidose diabética, perfuração intestinal e volvos. Não sendo suficiente, passam a ser indicados exames de imagem mais específicos: a ultrassonografia é o exame mais indicado na suspeita de patologia biliar, na avaliação de possível apendicite ou diverticulite, especialmente em crianças e gestantes; a tomografia computadorizada é o exame indicado na suspeita de pancreatite, para o diagnóstico da causa e localização de processos obstrutivos, e para avaliação de apendicite e diverticulite, especialmente em pacientes obesos ou quando a ultrassonografia não for elucidativa. A ressonância magnética não costuma ser indicada em exames de emergência abdominal, salvo alguns casos selecionados. (8) Dr. Jorge Luiz Mello Sampaio* (CRM 103822) Clostridium difficile EXAMES LABORATORIAIS | Como eu trato 90 As infecções por Clostridium difficile (CDI) podem ter apresentações clínicas diversas, desde diarreia até perfuração de cólon, secundária à colite pseudomembranosa. Os fatores de risco clássicos associados a essa infecção são idade avançada, uso de antimicrobianos, internação em unidade de terapia intensiva ou em instituições de assistência à saúde por período prolongado. Os principais antimicrobianos implicados na CDI são clindamicina, quinolonas fluoradas e as cefalosporinas de uso parenteral, em particular ceftriaxona e cefotaxima (1). Apesar de o uso prévio de antimicrobianos representar o fator de risco mais importante para a CDI, tem sido relada a ocorrência de CDI em gestantes sem esse fator de risco (2, 3), e a sua associação com o uso de inibidores de bombas de prótons (4). Vários relatos na literatura descrevem o aumento da incidência de diarreia causada por este agente nos últimos anos, com aumento da duração das internações hospitalares, maior morbidade, mortalidade e aumento de custos (5-11). A CDI pode ocorrer por transmissão cruzada no ambiente hospitalar ou por proliferação de C. difficile da própria microbiota do indivíduo, previamente alterada pelo uso de antimicrobianos. C. difficile é um bacilo gram-positivo anaeróbio, capaz de formar esporos. Essa propriedade permite que a bactéria não seja eliminada de modo eficaz com o uso de álcool-gel, sendo essencial a higienização das mãos com água e sabão (12). Dentre os fatores que podem limitar a ocorrência de casos de diarreia por C. difficile (DCD), os mais relevantes são o uso de antimicrobianos durante o menor tempo possível e a implementação de medidas de precaução de contato (MPC), precocemente. Para isso, a confirmação diagnóstica rápida e com elevados valores preditivos negativo e positivo é fundamental. O agente etiológico e sua virulência A primeira descrição da espécie foi feita em 1935, por Hall e O’Toole, estudando a microbiota fecal de recém-natos (13). Estudos subsequentes evidenciaram que até 70% dos lactentes são colonizados por C. difficile, incluindo cepas toxigênicas, mas são assintomáticos (14, 15). Alguns autores advogam que a ausência de diarreia induzida por C. difficile em crianças colonizadas por cepas toxigênicas, com até um ano de idade, é provavelmente devida à expressão reduzida de receptores para toxina A em enterócitos imaturos (16). Considerando esses dados, o diagnóstico da infecção não deve ser buscado em crianças nessa faixa etária que apresentem diarreia na vigência de tratamento antimicrobiano, mas apenas em casos selecionados, quando houver suspeita de enterocolite necrotizante ou colite pseudomembranosa (17, 18). A associação entre uso de antimicrobianos, colite pseudomembranosa e C. difficile foi descrita apenas em 1978 por Bartlett e colaboradores (19). Os dois principais fatores de virulência de C. difficile são as toxinas A e B (Figura 1). As duas toxinas têm grande homologia, com domínio C-terminal, cuja ligação ao receptor da membrana do enterócito induz endocitose. O pH ácido do endossomo provoca uma alteração conformacional na toxina B, com inserção da porção central hidrofóbica na membrana do endossomo, permitindo que o domínio N-terminal, com ação enzimática, alcance o citosol. A exposição da porção N-terminal ao citosol ativa a quebra autocatalítica, liberando a porção N-terminal da toxina, que glicosila as GTPases Rho, causando desorganização do citoesqueleto e morte celular (20). Além dos genes que codificam as toxinas, a proteína tcdC desempenha um papel fundamental, pois as cepas hipervirulentas apresentam deleção parcial do gene tcdC, e estão associadas a ocorrências das formas mais graves da doença. Em alguns países, a gravidade e o aumento do número de casos têm sido associados à disseminação da cepa NAP1 (North America Pulsed-field type 1), também denominada ribotipo 027, que tem uma deleção no gene tcdC e é resistente às quinolonas fluoradas (21-23). Apesar de alguns trabalhos demonstrarem a ocorrência de CDI no Brasil, a presença dessa cepa ainda não foi descrita (24-27). Figura 1 – Locus de patogenicidade de C. difficile. tcdR – codifica ativador transcricional de tcdA e tcdB; tcdA e tcdB – codificam a enterotoxina A e a citotoxina B, respectivamente; tcdE – codifica facilitador da liberação das toxinas A e B; tcdC – codifica regulador negativo da transcrição dos genes tcdA e tcdB. Diagnóstico laboratorial A amostra de fezes deve ser coletada sem conservante e mantida sob refrigeração (2 a 8 °C) até o processamento. O método considerado padrão ouro para o diagnóstico das CDI é a cultura toxigênica das fezes, que consiste no isolamento da bactéria em meio seletivo anaeróbio, seguido de teste para avaliação da produção de toxinas A e B. Em função do tempo necessário para liberação do resultado – três a cinco dias – o teste é pouco utilizado na prática clínica. A cultura pode ser feita diretamente em meio seletivo contendo cefoxitina e cicloserina, ou em ágar Brucella com sangue de cavalo e taurocolato de sódio, após tratamento com etanol a 95% (Figura 2). Recentemente, foi descrito o uso de meio cromogênico (28, 29). O taurocolato de sódio é essencial quando se utiliza tratamento com etanol, pois este composto estimula a germinação dos esporos (30). Após 48 horas de incubação em anaerobiose, a identificação presuntiva deve ser feita por microscopia pelo método de Gram, que evidenciará bacilos gram-positivos esporulados. A seguir, deve ser comprovada a produção de toxinas A ou B, por ensaio imunoenzimático (31). Figura 2 – Cultura de C. difficile em ágar Brucella com sangue de cavalo a 10% EXAMES LABORATORIAIS | Como eu trato 91 O método com maior sensibilidade e especificidade, utilizando-se a cultura toxigênica como padrão ouro, é a detecção dos genes que codificam as toxinas A ou B, por PCR em tempo real, a exemplo do sistema GeneXpert. Para esse teste, o estudo multicêntrico mais recente, envolvendo 2.296 pacientes, evidenciou sensibilidade de 93,5%; especificidade de 94,0%; valor preditivo positivo de 73,0%; valor preditivo negativo de 98,8% e prevalência de 14,7% (32). Os testes imunoenzimáticos para detecção de toxinas ou glutamato desidrogenase têm sensibilidade inferior e especificidade semelhante àquela da PCR em tempo real. O valor preditivo negativo da PCR em tempo real é superior àquele dos demais testes, enquanto o valor preditivo positivo é superior ou similar àqueles dos testes fundamentados em detecção de antígenos. Várias outras publicações evidenciam que a PCR em tempo real é o teste com maiores sensibilidade e especificidade quando comparado à cultura toxigênica (31, 33-36). A PCR em tempo real para C. difficile ainda não está disponível na maioria dos laboratórios no Brasil. Os dois tipos de testes mais utilizados são os imunocromatográficos (Figura 3A) e os testes pelo método ELISA com imunocaptura (Figura 3B). Há vários testes disponíveis no mercado nacional, mas não há publicação nacional avaliando a sensibilidade e especificidade dos mesmos. O estudo mais recente indica sensibilidades de 33,3 a 53,8% e especificidade de 93,6 a 97,6% para kits com método ELISA (32). EXAMES LABORATORIAIS | Como eu trato 92 Figura 3 – Testes para detecção de toxinas A e B de C. difficile. A – teste imunocromatográfico. Notar a presença de linha de cor roxa na área TEST. B- ensaio imunoenzimático. Notar ausência de cor no teste negativo (1) e cor amarela na amostra positiva (2). Recomendação: Baseando-se na literatura atualmente disponível, na necessidade de implementação precoce de medidas de precaução de contato, e na rapidez de obtenção dos resultados – uma hora – o teste com maior impacto clínico para diagnóstico de diarreia por Clostridium difficile é a PCR em tempo real. Em face de um resultado negativo por PCR e persistência da suspeita clínica, o teste indicado para complementação diagnóstica é a cultura para C. difficile. Alternativas seriam os testes imunoenzimáticos ou imunocromatográficos. Em caso de incompatibilidade clínica-laboratorial, a cultura toxigênica deverá ser o teste de eleição. 93 EXAMES LABORATORIAIS | Como eu trato Referências: 1. Bartlett JG. Detection of Clostridium difficile infection. Infect Control Hosp Epidemiol. 2010 Nov; 31 Suppl 1: S35-7. 2. Severe Clostridium difficile-associated disease in populations previously at low risk--four states, 2005. MMWR Morb Mortal Wkly Rep. 2005 Dec 2; 54(47): 1201-5. 3. Surveillance for community-associated Clostridium difficile--Connecticut, 2006. MMWR Morb Mortal Wkly Rep. 2008 Apr 4; 57(13): 340-3. 4. Howell MD, Novack V, Grgurich P et al. Iatrogenic gastric acid suppression and the risk of nosocomial Clostridium difficile infection. Arch Intern Med. 2010 May 10; 170(9): 784-90. 5. Ghantoji SS, Sail K, Lairson DR et al. Economic healthcare costs of Clostridium difficile infection: a systematic review. J Hosp Infect. 2010 Apr; 74(4): 309-18. 6. Vonberg RP, Reichardt C, Behnke M et al. 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Esse peptídeo apresenta meia vida de 15 a 20 minutos e, por isso, é um parâmetro de extrema utilidade nas situações em que há necessidade de avaliação imediata das mudanças na ativação do sistema de neuro-hormônios e do estado hemodinâmico, particularmente em relação à sobrecarga ventricular. O fato de os níveis de BNP não sofrerem redução após as medidas terapêuticas é indicativo de mau prognóstico. Há evidências, também, de que os níveis de BNP apresentam relação direta com o prognóstico das síndromes coronarianas agudas. O pro-BNP apresenta depuração mais lenta. Sua concentração é, naturalmente, mais elevada na circulação, sendo mais estável e com menor variabilidade biológica que o BNP. É retirado do organismo, principalmente, pela filtração glomerular, com meia vida ao redor de 60 minutos. Importante ressaltar que a disfunção renal interfere na concentração plasmática, tanto do BNP, quanto do pro-BNP. O BNP é útil na exclusão do diagnóstico de insuficiência cardíaca, particularmente, diante de sinais e sintomas discretos ou quando há associação com outras condições clínicas, como doença pulmonar ou obesidade, que também podem cursar com dispneia e dificultar a definição da etiologia desse sintoma. Habitualmente, recomenda-se o valor de 100 pg/mL como o limite superior de normalidade para o BNP. Níveis 95 EXAMES LABORATORIAIS | Como eu trato Os peptídeos natriuréticos são neuro-hormônios com importante papel na homeostase cardiovascular. São conhecidos o tipo A ou ANP, liberado pelos átrios; o tipo B ou BNP – oriundo do termo em inglês Brain Natriuretic Peptide – e o tipo C ou CNP, liberado pelas células endoteliais. O BNP é o mais utilizado na prática clínica e, em humanos, é liberado, principalmente, pelos ventrículos cardíacos, em resposta a uma sobrecarga de pressão ou volume. Os peptídeos natriuréticos promovem diurese, natriurese, vasodilatação periférica, inibição do sistema renina angiotensina e da atividade simpática, estando aumentados em pacientes com insuficiência cardíaca congestiva. O estiramento da musculatura cardíaca é o principal estímulo para a secreção do BNP. Sua síntese ocorre no cardiomiócito, a partir de uma molécula maior denominada pre-pro-BNP. A clivagem enzimática do pre-pro-BNP produz a forma ativa, denominada BNP, e o fragmento inativo, denominado pro-BNP. A dosagem das duas moléculas permite avaliar a gravidade da falência cardíaca, sendo de grande utilidade no manejo do paciente com insuficiência cardíaca. inferiores, praticamente, afastam a insuficiência cardíaca. Já valores acima de 400 pg/mL estão fortemente associados às manifestações clínicas decorrentes dessa cardiopatia. Valores entre 100 e 400 pg/mL necessitam dos dados clínicos e de exame físico, associados a outros métodos diagnósticos, para definição diagnóstica. Ressalta-se que os níveis de BNP, normalmente, elevam-se com a idade, sendo que, para uma mesma faixa etária, as mulheres apresentam níveis de BNP mais elevados do que os homens. Portanto, a dosagem do BNP é um parâmetro de elevada sensibilidade e especificidade no diagnóstico de insuficiência cardíaca congestiva, colaborando com o diferencial dos quadros clínicos de dispneia aguda numa unidade de emergência. É, também, muito útil no manuseio de pacientes com insuficiência cardíaca congestiva descompensada e como fator prognóstico na síndrome coronariana aguda. Referências 1. MAIR, J. Biochemistry of B-type natriuretic peptide - where are we now? Clin Chem Lab Med; 46: 1507-14, 2008. 2. Clerico A, Fontana M, Zyw L et al. Comparison of the diagnostic accuracy of brain natriuretic peptide (BNP) and the N-terminal part of the propeptide of BNP immunoassays in chronic and acute heart failure: A systematic review. Clinical Chemistry; 53: 813-22, 2007. * Assessor Médico em Bioquímica – Fleury Medicina e Saúde EXAMES LABORATORIAIS | Como eu trato 96 Dr. Nairo M. Sumita* (CRM 61649) A proteína C-reativa (PCR) ultrassensível tem se mostrado um marcador útil na avaliação do processo inflamatório vascular, um dos fenômenos responsáveis pela gênese da aterosclerose. A PCR é um polipeptídeo sintetizado no fígado por mediação da interleucina-6, sendo caracterizada como uma proteína de fase aguda que se eleva em resposta às inflamações, infecções, doenças neoplásicas e traumas. Nas situações agudas, esse incremento pode ser observado após 6 a 8 horas, podendo alcançar níveis 1.000 vezes superiores, em relação aos níveis basais, após 24 a 48 horas. Os níveis desse marcador não se alteram após ingestão de alimentos e não apresentam variação circadiana. O processo inflamatório que compromete predominantemente o endotélio vascular induz elevações discretas da PCR – bem mais baixas que as que ocorrem nas inflamações agudas -, fato que permite a sua utilização nas prevenções primária e secundária para eventos coronarianos agudos, acidente vascular cerebral, doença vascular obstrutiva periférica e morte súbita cardíaca, além de acrescentar valor prognóstico ao escore de Framingham. Estudos têm demonstrado uma estreita associação prognóstica da elevação dos níveis da PCR ultrassensível na síndrome metabólica, diabetes e hipertensão, condições estas que também elevam sobremaneira o risco cardiovascular. O termo ultrassensível relaciona-se ao método laboratorial utilizado para a dosagem da PCR, pois as medidas são realizadas com ensaios de elevada sensibilidade analítica, sendo a imunonefelometria e a imunoturbidimetria as metodologias mais comumente aplicadas. Esses recursos são capazes de detectar mínimas concentrações da PCR, que podem alcançar valores tão baixos quanto 0,2 mg/L ou 0,02 mg/dL. Importante ressaltar que métodos não ultrassensíveis para dosagem da PCR também são disponibilizados pelos laboratórios clínicos. Esses ensaios estão indicados para a avaliação de processos inflamatórios decorrentes, por exemplos, de infecções e doenças autoimunes, onde são observados valores substancialmente mais elevados. Nesses contextos, apresentam desempenho analítico superior em relação aos de alta sensibilidade que, inclusive, apresentam um custo mais elevado, razão pela qual possuem aplicabilidade mais justificada na avaliação do risco cardiovascular. 97 EXAMES LABORATORIAIS | Como eu trato Proteína C-reativa ultrassensível na avaliação do risco cardiovascular Os valores da PCR ultrassensível, para a avaliação do risco cardiovascular, nas unidades de concentração mg/dL e mg/L são: • Abaixo de 0,1 mg/dL: risco baixo • De 0,1 e 0,3 mg/dL: risco intermediário • Acima de 0,3 mg/dL: risco aumentado Para utilizar a PCR ultrassensível como marcador de risco cardiovascular, recomenda-se a realização de duas determinações, com um intervalo mínimo de duas semanas entre as dosagens, sendo o valor médio o que deve ser considerado para a estimativa do risco. As concentrações iniciais acima de 1,0 mg/dL devem ser interpretadas como possível quadro de inflamação e/ou infecção aguda. Nessas situações, a dosagem deve ser repetida somente após estabilização das condições clínicas do paciente. Referência: PEARSON, T.A.; MENSAH, G.A.; et al. Markers of inflammation and cardiovascular disease: application to clinical and public health practice: A statement for healthcare professionals from the Centers for Disease Control and Prevention and the American Heart Association. Circulation, v.107, p.499-511, 2003. * Assessor Médico em Bioquímica – Fleury Medicina e Saúde EXAMES LABORATORIAIS | Como eu trato 98 Dra. Maria de Lourdes L. F. Chauffaille* (CRM 44281) Resumo A SMD é um conjunto de doenças hematológicas malignas ainda pouco compreendido. Trata-se de doença clonal de célula precursora hematopoética caracterizada por hematopoese ineficaz em uma ou mais linhagens celulares da medula óssea. A história natural é a progressão da citopenia para leucemia aguda. A expectativa é de que haja aumento do número de casos diagnosticados pelo envelhecimento da população mundial e pelo maior índice de cura no tratamento de tumores sólidos, situação na qual aparecem as chamadas SMD secundárias à quimio e/ou radioterapia. A SMD tem recebido dedicada atenção de pesquisadores e clínicos, especialmente nas últimas três décadas. O diagnóstico, a classificação e os sistemas de escore prognóstico foram atualizados e novas drogas estão disponíveis. Dada a relevância da SMD, o presente texto descreve, de forma simplificada, detalhes essenciais dessas atualizações e oferece uma visão geral das novas opções terapêuticas disponíveis, sem, entretanto, pretender esgotar o tema. Introdução Síndrome mielodisplásica (SMD) constitui-se num grupo heterogêneo de neoplasias mieloides, anteriormente denominado pré-leucemia. Trata-se de proliferação clonal caracterizada por citopenia devida a defeitos de maturação. Pode haver, inicialmente, citopenia isolada ou pancitopenia que, por vezes, evolui para a franca leucemia (40%). Os demais pacientes que não sofrem transformação leucêmica vão a óbito por falência medular (30%) ou por outras causas (30%). A doença é mais incidente em idosos, acima de 65 anos de idade, mas pode ocorrer em qualquer idade. A etiologia da SMD primária é desconhecida. Indivíduos com exposição ambiental a agentes físicos e químicos, como benzeno, têm maior risco de desenvolver a doença. A fisiopatologia é a maturação defeituosa com proliferação aumentada de células precursoras da medula óssea, ou 99 EXAMES LABORATORIAIS | Como eu trato Síndrome mielodisplásica (SMD) no século XXI: diagnóstico, classificação, prognóstico e novas opções terapêuticas seja, hematopoese ineficaz, desencadeada por processo múltiplo, que se inicia numa mutação somática em célula progenitora pluripotente com vantagem proliferativa. Há, também, envelhecimento celular precoce, aumentada apoptose e capacidade limitada de autorrenovação das células precursoras, além de resposta inadequada a estímulos de fatores de crescimento, apesar de o número de receptores ser normal, bem como a capacidade de ligação. Além disso, alterações na angiogênese e no grau de metilação de genes também estão presentes. A primeira classificação das SMD mundialmente aceita foi a FAB (tabela 1) e perdurou por cerca de duas décadas até ser revista e atualizada pela OMS (tabela 2), que alterou a porcentagem de blastos de 30% para < 20% para ser considerada a SMD. Acima de 20%, passou a ser leucemia aguda. Tabela 1. Classificação FAB (Bennett et al, 1982). EXAMES LABORATORIAIS | Como eu trato 100 Subtipo Sigla Blastos MO* Blastos no SP* Sideroblastos Anemia refratária AR < 5% < 1% - Anemia refratária com sideroblastos em anel ARSA < 5% < 1% + Anemia refratária com excesso de blastos AREB 5-20% < 5% +/- AREBt 20-30% < 30% +/- LMMC 5-20% < 5% - 21-29% < 30% - Anemia refratária com excesso de blastos em transformação Leucemia mielomonocítica crônica Leucemia mielomonocítica crônica em transformação • MO: medula óssea • SP: sangue periférico LMMCt Tabela 2: Classificação da OMS (Swerdlow et al, 2008). SP SP - anemia refratária AR Anemia, < 1% de blastos Displasia eritroide, < 5% de blastos - neutropenia refratária NR -trombocitopenia refratária TR Neutropenia, < 1% de blastos Trombocitopenia < 1% de blastos Displasia granulocítica, < 5% de blastos Displasia megacariocítica, < 5% de blastos Anemia Sem blastos Displasia eritroide, > 15% sideroblastos em anel, < 5% de blastos Displasia multilinhagem, com ou sem sideroblastos em anel, < 5% de blastos, sem Auer Displasia uni ou multilinhagem, 5 a 9% de blastos, sem Auer Anemia refratária com sideroblastos em anel ARSA Citopenia refratária com CRDM displasia multilinhagem Citopenia, < 1% de blastos, sem Auer Anemia refratária com AREB1 excesso de blastos tipo 1 Citopenia, < 5% de blastos, sem Auer Anemia refratária com AREB2 Displasia uni ou multilinhagem, Citopenia, excesso de blastos tipo 2 5 a 19% de blastos, com ou sem 10 a 19% de blastos, com ou sem Auer Auer SMD associada a del(5q) del(5q) Anemia, plaquetometria normal Deleção 5q31 isolada, anemia, isolada megacarióticos hipolobados, < 5% de ou aumentada, blastos < 1% de blastos SMD infantil, incluindo citopenia refratária da <5% de blastos, medula hipocelular CRI Pancitopenia infância SMD inclassificável SMD-I Citopenia, < 1% de blastos Não se encaixa em outras categorias, displasia e < 5% de blastos, se não houver displasia: SMD associada a cariótipo Na tentativa de estabelecer quais pacientes têm maior ou menor probabilidade de evolução e sobrevida, foi desenvolvido o INTERNATIONAL PROGNOSTIC SCORING SYSTEM (IPSS), que se baseia na alteração citogenética, citopenias e porcentagem de blastos na medula óssea (MO) (tabela 3). Assim, pacientes com escore baixo têm maior sobrevida e podem ser candidatos a tratamentos específicos. 101 EXAMES LABORATORIAIS | Como eu trato Subtipo Sigla Citopenia refratária com displasia unilinhagem: Tabela 3. IPSS (Greenberg et al, 1997) Variável prognóstica 0 % de blastos MO <5 VALOR DE ESCORE 0,5 1,0 5 – 10 -- 1,5 2,0 11 – 20 21 – 30 Cariótipo* Bom Intermediário Desfavorável -- -- Citopenia** 0/1 -- -- 2/3 -- * Cariótipo bom = normal ou –Y, del(5q) e del(20q) como únicas alterações. Desfavorável = complexo (com mais de três alterações) ou anomalias envolvendo cromossomo 7. Intermediário = outras anomalias. ** hemoglobina < 10g/dL, neutrófilos < 1.500/mm3 e plaquetas < 100.000/mm3. Baixo risco = 0 Intermediário I = 0,5 – 1 Intermediário II = 1,5 – 2 Alto risco >2,5 EXAMES LABORATORIAIS | Como eu trato 102 Recentemente, foi proposto um refinamento do IPSS, o WPSS, que considera os subtipos da OMS com as alterações de Hb < 10g/dL, plaquetas < 100.000/uL, e neutrófilos < 1.800/uL, além de acrescentar a dependência transfusional como parâmetro de importância prognóstica (tabela 4). Ademais, tanto o IPSS quanto o WPSS consideram as anomalias cromossômicas que estratificam os pacientes como sendo de risco baixo, intermediário e alto. Tabela 4: Classificação WPSS (Malcovati et al, 2007). Variável 0 1 Categoria OMS AR, ARSA, 5q- CRDM com ou sem SA 2 3 AREB-1 AREB-2 Cariótipo Bom Intermediário Desfavorável - Necessidade transfusional* Nenhuma Regular - - Grupos de risco são: muito baixo (escore = 0); baixo (escore = 1); intermediário (escore = 2); alto (escore = 3 ou 4) e muito alto (escore = 5 ou 6). * Necessidade transfusional definida como: pelo menos uma unidade de concentrado de hemácias a cada oito semanas em um período de quatro meses. Todavia, as alterações citogenéticas que são detectáveis em cerca de 30-60% das SMD primárias e 80% das secundárias, continuam a ser reavaliadas em estudos com grande número de pacientes, de tal forma que algumas anormalidades novas e importantes serão seguramente incorporadas. A tabela 5 mostra as anormalidades cromossômicas mais frequentemente observadas na SMD. Tabela 5: Alterações cromossômicas mais frequentemente observadas em SMD (Haase et al, 2007). Prognóstico Favorável Alteração Subtipo del(5q) del 5q isolada del(20q) ARSA +21 del(11q) Intermediário del(13q) Baixa taxa de del(12q) progressão se isoladas del(9p) +8 -5/5q- e/ou -77qDesfavorável inv(3)(q21;q26) t(3;3) t(1;3)(p36;q21) Quadro Clínico e Diagnóstico Laboratorial O quadro clínico varia desde assintomático a diferentes graus de anemia (fraqueza, cansaço, adinamia), granulocitopenia (febre e infecções de repetição) e/ou plaquetopenia (sangramento mucoso, epistaxe, gengivorragia, petéquias). Hemograma: o hemograma pode mostrar anemia macrocítica em cerca de 80% dos pacientes, granulocitopenia em 50% e plaquetopenia variável. Uma análise citomorfológica cuidadosa é necessária para documentação das displasias celulares. Deve-se ter um esfregaço adequado, corado de modo que se avalie bem tanto o núcleo como o citoplasma das células. Esfregaços espessos ou excessivamente corados atrapalham a interpretação. Na série vermelha, pode haver hemácias macrocíticas, ovalócitos, acantócitos, eliptócitos, dacriócitos, ponteado basófilo e Howell Jolly, dentre outras alterações. Os granulócitos podem apresentar hipogranulação, alterações de segmentação nuclear, hipo (pseudo Pelger-Huët) ou hipersegmentação, formas em “rosca ou anel”, presença de bastões de Auer em blastos e plaquetas com alterações na forma, tamanho ou granulação. Mielograma: A medula óssea apresenta como característica principal a hipercelularidade., com dispoese de um ou todos os setores, embora possa, mais raramente, ser normo ou hipocelular. Devem ser contadas 500 células nucleadas para a avaliação das alterações displásicas, que incluem: na série eritroide, dissociação maturativa nucleocitoplasmática, sideroblastos em anel (coloração de Perls), eritropoese megaloblástica, irregularidade nuclear, pontes internucleares, cariorrexis, vacuolização citoplasmática e multiplicidade nuclear; na série mieloide, além daquelas observadas no periférico, bloqueio de maturação em nível de mielócitos, monocitose e número de blastos possivelmente aumentado. Alterações de megacariopoese também são comuns, podendo haver megacariócitos uni, bi ou multilobulados e micromegacariócitos. Se mais de 10% das células eritroides, granulocíticas ou megacariocíticas apresentarem displasia, o diagnóstico de SMD pode ser estabelecido na presença de citopenia inexplicável. A coloração por Perls permite a identificação de sideroblastos e de sideroblastos em anel (acúmulo anormal de grânulos de ferro dentro da mitocôndria, dispostos ao redor do núcleo). A demonstração de > 15% de 103 EXAMES LABORATORIAIS | Como eu trato A suspeita clínica de SMD é feita diante de quadro de citopenia (anemia, neutropenia ou plaquetopenia) inexplicável e persistente. sideroblastos em anel fecha o diagnóstico de ARSA. Biópsia de medula óssea: a histologia da biópsia de medula óssea fornece informações adicionais quanto ao grau de fibrose (impregnação pela prata), agrupamento de células imaturas (CD34+) e se há angiogênese aumentada, além de permitir diagnóstico diferencial com outras neoplasias, como linfoma, mastocitose, metástase ou mesmo transformação gelatinosa da medula e doenças infecciosas, dentre outras. Cariótipo: o cariótipo da medula óssea pode demonstrar anomalias cromossômicas clonais entre 30 e 60% dos pacientes e em até 80% das SMD secundárias, sendo mais frequentes as deleções (5q-, 7q-, 20q-), monossomias (-5, -7, -9) e trissomias (+8). A citogenética é variável importante na determinação de prognóstico e sobrevida, devendo sempre ser realizada ao diagnóstico. O estudo cromossômico deve ser feito em amostra aspirada de medula óssea e devem ser analisadas, pelo menos, 20 metáfases por banda G. Caso o cariótipo medular se apresente normal, deve ser repetido sequencialmente, porque alterações podem surgir na evolução da doença. Da mesma forma, pacientes que têm alterações citogenéticas devem ser monitorados periodicamente para a detecção de evolução clonal. Nos casos de cariótipo normal, pode ser feita, adicionalmente, a pesquisa das alterações genéticas mais frequentes por hibridação in situ por fluorescência (FISH), em especial naqueles para os quais se pretenda oferecer tratamento alvo-específico. Imunofenotipagem: Pode contribuir na identificação e quantificação de células CD34+ (células precursoras), monocíticas e mieloides mais maduras. Ademais, auxilia na distinção entre situação reacional da clonal e pode oferecer informações de valor prognóstico. É fundamental para o diagnóstico diferencial entre SMD e hemoglobinúria paroxística noturna (HPN) e linfoma de grande célula granular. EXAMES LABORATORIAIS | Como eu trato 104 Testes moleculares: Várias alterações moleculares foram descritas em SMD, a exemplo de mutação NRAS, P53, RUNX1, TET2, mas, do ponto de vista da condução clínica, no momento, destacam-se: a pesquisa da mutação JAK2 V617F para os casos de SMD com trombocitose ou suspeita de SMD/mieloproliferação e a pesquisa da mutação KIT D816V para afastar mastocitose sistêmica. Os casos de leucemia mielomonocítica crônica (LMMC) devem ser investigados para mutação PDGFRbeta. Diagnóstico Diferencial Como os achados displásicos podem não ser devidos à SMD, outras causas de displasia medular devem ser afastadas. Na verdade, o diagnóstico de SMD só é feito após a exclusão de uma série de outras doenças, tais como: carências vitamínicas (ácido fólico, B12, ferro e piridoxina); disfunção tireoidiana, renal, hepática, doenças autoimunes, infecciosas (hepatite, citomegalovírus, etc.), neoplasias, hemoglobinúria paroxística noturna, HIV, etilismo, uso de medicamentos, anemia hemolítica, dentre outras causas secundárias. Portanto, a investigação deve ser minuciosa e extensa. Além disso, critérios mínimos para a conclusão diagnóstica de SMD foram estabelecidos (tabela 6). São necessários ambos os pré-requisitos e a presença de pelo menos um dos critérios decisivos. Se não houver critério decisivo, mas o paciente provavelmente sofrer de doença mieloide clonal, os cocritérios devem ser aplicados e podem auxiliar na conclusão diagnóstica ou na classificação como “altamente suspeito de SMD”. No entanto, como nem todos os cocritérios estão disponíveis nos serviços médicos, os casos questionáveis devem ser monitorados periodicamente até que se consiga uma conclusão diagnóstica. Tabela 6: Critérios diagnósticos mínimos para SMD (Valente et al, 2007). A. Pré-requisito: - citopenia constante (Hb < 11g/dL; neutrófilos < 1.500/uL e/ou plaquetas < 100.000/uL) - exclusão de outras causas B. Critérios relacionados à SMD (decisivos): - displasia em pelo menos 10% das células de uma linhagem medular; > 15% de sideroblastos em anel; 5 a 19% de blastos na medula ou alteração cromossômica típica (por cariótipo ou FISH) C. Cocritérios para pacientes que preencheram A, mas não B, e que apresentam características clínicas típicas (como anemia macrocítica dependente de transfusão): - citometria de fluxo demonstrando a presença de fenótipo anormal das células da MO com população eritroide e/ou mieloide monoclonal; - sinais moleculares claros de população celular monoclonal em ensaio HUMARA, expressão gênica ou análise de mutação de ponto (ex.: mutação RAS); - formação de colônia persistente ou importantemente reduzida na medula óssea e/ou de células progenitoras circulantes (ensaio CFU). Tratamento Pode-se dividir o tratamento da SMD em três grandes grupos: terapia de suporte, não intensiva e intensiva. Tem-se preconizado, diante de quadro de anemia macrocítica, o uso de ácido fólico (5 mg/dia/três meses), B12 (uma única ampola) e piridoxina (300 mg, três vezes ao dia, por três meses) nos casos recém-diagnosticados, na tentativa de afastar possível anemia carencial. Para pacientes sintomáticos, o tratamento de suporte é necessário com transfusão de hemoderivados (concentrado de hemácias e plaquetas). O concentrado de hemácias deve ser leucodepletado e, para os candidatos a transplante de células precursoras hematopoéticas (TCPH), também irradiado. Para receptores citomegalovírus negativos, os hemoderivados devem igualmente ser negativos. A hemoglobina deve ser mantida em torno de 10 g/dL em indivíduos sintomáticos. Após receberem 20 a 30 unidades de concentrado de hemácias transfundidas, os pacientes podem desenvolver sobrecarga de ferro e, se estiverem dentro do grupo com sobrevida maior (IPSS baixo ou intermediário I) e com menos de 70 anos, há necessidade de quelação do ferro antes que desenvolvam disfunção cardíaca, hepática ou endócrina. A quelação pode ser feita com desferroxiamina, 20 a 60 mg/kg/dia, via subcutânea (por meio de bomba de infusão) ou endovenosa por 8 a 12 h/dia, cinco dias/semana), ou deferiprona, 75-100 mg/kg/dia, via oral, três vezes ao dia, e deferasirox, 20-30 mg/kg/dia, via oral, uma vez ao dia. O uso de desferroxiamina deve ser monitorado com avaliação periódica da função renal, visual e auditiva. A deferiprona pode induzir agranulocitose enquanto deferasirox pode provocar insuficiência renal ou distúrbios gastrointestinais. O controle da quelação pode ser feito pela dosagem de ferritina sérica, biópsia hepática para avaliação do conteúdo de ferro, ressonância nuclear magnética e SQUID (Superconducting Quantum Interference Device). Há várias diretrizes para uso combinado ou isolado dos quelantes. A introdução de antibioticoterapia de amplo espectro é necessária sempre que houver infecção ou febre de origem indeterminada. 105 EXAMES LABORATORIAIS | Como eu trato Pacientes com subtipos de baixo risco não considerados para terapia intensiva precisam ter sua qualidade de vida mantida. Já os pacientes de alto risco, para os quais não está indicado tratamento agressivo, a preocupação principal é impedir a progressão da doença com medidas paliativas, uso de medicamentos alvo específicos e contornar a anemia, trombocitopenia ou neutropenia. Ácido aminocaproico e outros antifibrinolíticos podem ser considerados diante de sangramentos refratários a transfusão de plaquetas. No tocante à terapia não intensiva, a eritropoetina – ou fator de crescimento eritropoético (EPO) – é considerada uma opção para subtipos de baixo risco e intermediário 1. EPO é estimulante da eritropoese normal e seu uso temse demonstrado eficaz na faixa de 20 a 30% dos casos. As doses variam de 40.000 a 60.000 UI, via subcutânea, três vezes/semana. A resposta eritroide desejada é esperada para a quarta semana de terapia e, geralmente, dentro das oito primeiras semanas. Resposta tardia após períodos de até 16 semanas ou, às vezes, maior, já foi observada. Há relação inversa entre EPO sérica endógena e resposta ao tratamento exógeno. Pacientes com EPO endógena baixa (< 200 U/L) têm alta taxa de resposta. Apesar disso, poucos se tornam independentes de transfusão e os que o fazem, geralmente, são aqueles com subtipos mais benignos (AR e ARSA). A EPO tem efeito sinérgico com outras citocinas, particularmente a G-CSF, associação essa que oferece taxa de resposta de 40%. Nessa estratégia, a dose de G-CSF é 1 a 2 ug/kg, uma a três vezes por semana, por via subcutânea. Fatores de crescimento granulocítico (G-CSF – filgrastima ou GM-CSF – molgramostima) têm sido usados em situações de neutropenia grave e são relativamente eficazes em aumentar o número de neutrófilos, mas não têm efeito na sobrevida. EXAMES LABORATORIAIS | Como eu trato 106 A talidomida é agente imunomodulador e antiangiogênico com propriedades imunossupressoras, que tem sido usada em SMD de baixo risco com alguma resposta, particularmente a diminuição da necessidade transfusional. A lenalidomida é análogo da talidomida, muitas vezes mais potente, que ofereceu a pacientes de baixo risco, em estudo da fase II, 67% de independência transfusional e resposta citogenética completa com desaparecimento da del(5q) em 45% dos casos. Hoje, tem-se preconizado o uso de lenalidomida para pacientes com del(5q) com anemia sintomática. Terapia imunossupressora com globulina antitimocítica (ATG) e ciclosporina também tem sido usada em pacientes com SMD hipoplástica. Apresentam maior chance de resposta os indivíduos jovens, com SMD de baixo risco (AR e IPSS Interm-1), com HLA-DR15 positivo, presença de subclone HPN e medula hipoplástica. Agentes hipometilantes, como 5-azacitidina e decitabina, são medicamentos recém-disponibilizados e indicados para SMD de alto risco. A azacitidina foi usada em estudo de fase III com resultados superiores a tratamento convencional (29% versus 21%) após nove meses de terapia e mostrou vantagem significativa na taxa de resposta hematológica, prolongamento do tempo para transformação ou óbito e melhora na qualidade de vida. A decitabina, em estudo de fase III, ofereceu resposta completa a 9%, resposta parcial a 8% e melhora hematológica a 13% dos casos, ou seja, 30% de resposta. Um importante aspecto é que, para ambos os medicamentos, a resposta é observada apenas após longo período de latência. Esquemas semelhantes ao tratamento de LMA (por exemplo, danorrubicina e citarabina, fludarabina, ou topotecan) são preconizados para pacientes com SMD de alto risco. Os pacientes mais jovens que alcançam remissão podem, a seguir, ser encaminhados a TCPH para consolidação. Vários fatores influem no resultado do transplante, tais como porcentagem de blastos, padrão citogenético, risco IPSS e SMD primária ou secundária, que afetam a probabilidade de recaída, enquanto a idade, duração da doença, contagem plaquetária e compatibilidade do doador afetam a mortalidade relacionada ao tratamento. De qualquer forma, o TCPH continua sendo a única opção de cura para SMD. Quanto à LMMC com eosinofilia e alterações cromossômicas envolvendo 5q33, que implicam rearranjo do gene de fusão do receptor de PDGF-β, o uso de mesilato de imatinibe mostrou-se de grande valia. Considerações finais Os estudos conduzidos em SMD nas últimas três décadas proporcionaram avanços no diagnóstico, classificação, prognóstico e melhor compreensão dos mecanismos fisiopatológicos, citogenéticos e moleculares subjacentes. Novos medicamentos estão disponíveis e induzem taxas de resposta animadoras. Porém, ainda resta muito por ser entendido desse conjunto de doenças hematológicas malignas, altamente prevalente, embora ainda subdiagnosticado em nosso meio. A expectativa é de que, num futuro próximo, todos os aspectos citados estejam mais claros, que recomendações atualizadas para um diagnóstico rápido e seguro estejam disponíveis, e diretrizes terapêuticas objetivas proporcionem resultados eficazes. Referências: Bennett JM, Catovsky D, Daniel MT et al. Br J Haematol 1982, 51: 189-99. Corey SJ, Minden MD, Beerber DL et al. Nature 2007, 7: 118-29. Della Porta MG, Malcovati L, Boveri E et al. J Clin Oncol 2009, 27: 754-62. Greenberg P, Cox C, Lê Beau M et al. 1997 89: 2079-2088. Haase D, Germing U, Schanz J et al. Blood 2007, 110: 4385-95. Leitch HA, Vickars LM. ASH Education Book 2009, 664- 72. Malcovati L, Germing U, Kuengden A et al. J Clin Oncol 2007, 25: 3503-10. Nimer S. Blood 2008 111: 4841-51. Swerdlow SH, Campo E, Harris NL et al. WHO Classification IARC press, Lyon, 2008. Valent P, Horny HP, Bennett JM et al. Leuk REs 2007, 31: 727-36. * Assessora Médica para Hematologia - Fleury Medicina e Saúde EXAMES LABORATORIAIS | Como eu trato 107 Dr. Carlos Alberto Buchpiguel (CRM 51371) Dr. Sergio Tazima (CRM 57401) Cintilografia de perfusão miocárdica I. Princípios A cintilografia de perfusão miocárdica constitui uma modalidade de imagem que avalia a perfusão miocárdica em diferentes condições fisiológicas, através da administração de radioisótopos (tálio-201) ou radiofármacos (sestaMIBI99mTc), que se concentram no miocárdio em proporção ao fluxo sanguíneo coronariano regional. EXAMES LABORATORIAIS | Como eu trato 108 Sistemas específicos de detecção, denominados câmaras de cintilação, são atualmente empregados na prática clínica. O teste consiste essencialmente em comparar o estado perfusional nos diferentes territórios coronarianos em condições de estresse e em condições basais de repouso. O estudo compreende, portanto, a aquisição de duas séries de imagens: uma em repouso e outra em estresse físico ou farmacológico, para que se possa efetuar essa análise comparativa. O estudo é considerado normal quando, em situações de estresse máximo e repouso, demonstra boa e simétrica captação do radiofármaco nos diferentes territórios vasculares coronarianos. O estudo é considerado isquêmico quando se observa defeito em um ou mais territórios coronarianos sob estresse máximo, sem correspondência nas imagens de repouso (hipoperfusão transitória). Em essência, as imagens representam a inadequação da oferta de O2 (fluxo coronariano) em relação à demanda miocárdica deste mesmo substrato (proporcional ao grau de trabalho cardíaco). A hipoperfusão persistente é caracterizada quando o defeito de captação é observado tanto nas imagens de estresse como nas de repouso. II. Métodos Os estudos são obtidos com estresse físico, quando o paciente apresenta condições para executar um teste ergométrico efetivo, realizados em esteira ou bicicleta ergométrica. Quando o paciente não consegue realizar um teste de esforço eficaz (p.e. hipertensão arterial severa, doença pulmonar obstrutiva crônica descompensada, doença arterial periférica, deficiência física, etc.), opta-se pelo estresse farmacológico, com o uso de drogas como o dipiridamol, a adenosina e a dobutamina. Os dois primeiros são potentes agentes vasodilatadores que agem preferencialmente ao nível das arteríolas coronárias. Estudos experimentais têm demonstrado aumentos de taxa de fluxo coronário da ordem de 3 a 4 vezes em comparação às taxas de fluxo basal. Sua ação baseia-se no fato que a droga age, preferencialmente, diminuindo a resistência do território arteriolar distal de vasos não obstruídos. No território onde existe uma estenose não ocorre vasodilatação adicional após infusão da droga porque, por conta de mecanismos de autorregulação, este território já se encontra em máxima vasodilatação para compensar a obstrução vascular proximal. Isto provoca um efeito convencionalmente conhecido como “roubo” de fluxo para o território que apresenta maior diferencial arteriovenoso de pressão. A dobutamina constitui um potente agente inotrópico, e seu princípio baseia-se em criar maior demanda de O2 por meio de maior trabalho cardíaco, induzido pela ação da droga. Territórios irrigados por artéria coronária com estenose não poderão aumentar o fluxo proporcionalmente ao trabalho cardíaco induzido e, portanto, provocarão isquemia. Diferentes agentes ou indicadores podem ser empregados para o registro cintilográfico da perfusão miocárdica. A partir de 1974, iniciou-se o uso clínico do tálio-201, o mais antigo e tradicional. O mesmo apresenta como vantagens o fato de ser captado pelo músculo cardíaco através de um processo ativo (bomba de Na+/K+), apresentar redistribuição temporal da sua concentração cardíaca (diretamente relacionada à viabilidade celular) e possuir alta taxa de extração miocárdica em primeira passagem. Contudo, apresenta como desvantagens a baixa energia, que propicia artefatos de atenuação (mamária e diafragmática), características físicas para detecção de imagens subótimas em câmaras de cintilação de cristal de pequena espessura, e a relativa baixa disponibilidade em virtude da necessidade de importação ou fracionamento do produto importado no país. Para contrapor essas dificuldades, foram desenvolvidos fármacos que pudessem ser marcados in loco com isótopos mais largamente disponíveis e com características físicas mais adequadas. O sestamibi (Cardiolite-Lantheus Medical Imaging) marcado com tecnécio-99m foi inicialmente lançado no mercado com resultados clínicos comparáveis aos obtidos com tálio-201, apesar de sua relativa menor eficiência de extração de primeira passagem (65%). Atualmente, outros marcadores estão disponíveis no mercado, tais como o tetrofosmin (Myoview-Amershan) e o furofosmin (Q12Mallinkrodt). Esses agentes não possuem redistribuição significativa temporal, o que obriga à administração de duas doses, uma em condição de repouso e outra em condição de estresse. III. Aplicações clínicas Paralelamente ao valor diagnóstico, tem sido observado um valor prognóstico da cintilografia de perfusão miocárdica. Forte correlação tem sido observada entre o resultado normal do estudo funcional e a baixa taxa de eventos coronarianos futuros em pacientes sabidamente portadores de doença arterial coronariana. A presença de estenose coronariana em um ou mais territórios vasculares com cintilografia de perfusão miocárdica normal, porém, está associada à taxa de eventos futuros (angina, infarto, insuficiência cardíaca congestiva e morte) menor que 1% ao ano. A detecção de reestenose pósangioplastia ou pós-revascularização miocárdica é outra indicação da cintilografia de perfusão miocárdica. Na literatura encontram-se evidências que comprovam o maior valor de predição da cintilografia, comparativamente à presença ou não de angina e ao teste ergométrico. IV. Referências bibliográficas 1. Is¬kan¬drian AS, Ve¬ra¬ni MS. Nu¬clear Car¬diac Ima¬ging: prin¬ci¬ples and ap¬pli¬ca¬tions. 2nd ed. Phi¬la¬del¬phia: FA Da¬vis Com¬pany, 1996; 242-78:2. 2. To¬yo¬ta E, Kos¬hi¬da R, Hat¬tan N, Chi¬lian WM. Re¬gu¬la¬tion of the co¬ro¬nary va¬so¬mo¬tor tone: what we know and whe¬re we need to go. J Nucl Car¬diol 2001; 8:599-605. 3. Ro¬bert F W. Va¬li¬da¬tion of no¬nin¬va¬si¬ve stu¬dies for de¬tec¬ting co¬ro¬nary ar¬tery di¬sea¬se: beauty ver¬sus blood flow. J Nucl Car¬diol 1996; 3part2:S1-S9. 4. Gull¬berg GT, Di Bel¬la EVR, Si¬nu¬sas AJ. Es¬ti¬ma¬tion of co¬ro¬nary flow re¬ser¬ve: can SPECT com¬pe¬te with other mo¬da¬li¬ties? J Nucl Car¬diol 2001; 8:620-5. 109 EXAMES LABORATORIAIS | Como eu trato A cintilografia de perfusão miocárdica tem sido empregada preferencialmente na avaliação da doença arterial coronariana aguda e crônica (DAC). A cintilografia permite avaliar, de forma não invasiva, a extensão e a severidade do comprometimento das artérias coronárias. De forma genérica, o método possui sensibilidade aproximada de 80% e especificidade de 90%, em condições de estresse máximo e excelência de controle de qualidade. A sensibilidade varia conforme o território coronariano, sendo maior na detecção de envolvimento da artéria descendente anterior, seguida da artéria coronária direita e, por fim, da artéria circunflexa. Quanto maior o número de vasos obstruídos, maior a sensibilidade do teste. Ao se conhecer a sensibilidade e especificidade da cintilografia, estabelecida a probabilidade pré-teste de DAC, pode-se facilmente determinar, através do teorema de Baye´s, a probabilidade pós-teste. Contudo, a indicação deste procedimento é reservada aos pacientes que apresentem probabilidade intermediária (20-80%) de doença arterial coronariana, como pacientes com angina atípica e teste de esforço negativo ou duvidoso, teste de esforço positivo em pacientes assintomáticos, pacientes com histórico familiar importante ou fatores de risco para DAC, pacientes que apresentem condições que dificultam ou impossibilitam a análise através do teste ergométrico (distúrbios de condução e ritmo, interferências medicamentosas, deficiência física, doença pulmonar obstrutiva crônica severa, etc.). Dr. Pedro Graziosi (CRM 55034) Dr. Manuel P. Horna (CRM 100253) Ecocardiografia transesofágica: indicações MÉTODOS DIAGNÓSTICOS | Como eu trato 110 Ainda que a ecocardiografia transtorácica (ETT) permaneça como o exame fundamental no diagnóstico cardiovascular por ultrassonografia, a ecocardiografia transesofágica é uma ferramenta complementar de enorme valor, oferecendo melhor visualização de determinadas estruturas cardíacas e vasculares, devido à proximidade do esôfago com a região posterior do coração, e sem a interferência pulmonar ou óssea, permitindo o uso de transdutores de alta frequência e a obtenção de melhor resolução espacial.(1) Todavia, por ser um exame considerado semi-invasivo, é importante conhecer suas indicações. O primeiro uso clínico do ecocardiograma transesofágico (ETE) data de 1976, quando foi utilizado um transdutor endoscópico rígido contendo um único cristal, em modo M (i.e., modo unidimensional).(2) A partir dos anos 80, a tecnologia evoluiu rapidamente com o desenvolvimento de endoscópios flexíveis e a miniaturização dos cristais de ultrassom, permitindo a obtenção de imagens transversais (plano 0º) e perpendiculares (plano 90º), transdutores biplanares, incrementando a análise de estruturas cardíacas tais como a veia cava superior, septo interatrial, apêndice atrial e também o eixo longitudinal do ventrículo esquerdo. Posteriormente, foram criados transdutores rotacionais de 180º, permitindo a aquisição de múltiplas imagens em diversos planos bidimensionais e o uso de múltiplas frequências de imagem (3,5; 5,0 e 7,0 MHz).(3) O transdutor multiplanar foi um grande avanço, pois como pode rastrear a angulação ideal (0º a 180º), permite analisar com muito mais acurácia algumas estruturas cardíacas - por exemplo, na avaliação de alguma vegetação ou complicações da endocardite, na avaliação mais detalhada de dissecção de aorta, na investigação de uma CIA (comunicação interatrial), entre outros. Este já é um recurso técnico implantado em todos os aparelhos modernos. O avanço da tecnologia aponta para a miniaturização dos transdutores e a adição de tecnologia tridimensional, permitindo a aquisição de imagens 3D em tempo real,(1,3) bem como maior desenvolvimento da tecnologia de resolução de imagens bidimensionais, técnica Doppler e color Doppler (já estabelecidas na ecocardiografia). O exame, em geral, é realizado sob sedação leve, utilizando-se técnica apropriada para introdução do transdutor, eventualmente sendo necessária anestesia, e também pode ser realizado em pacientes intubados. Portanto, algumas das contraindicações absolutas ou relativas estão relacionadas a patologias do esôfago, como neoplasia avançada, interposição cirúrgica do esôfago, divertículo de Zenker e história recente de hemorragia (de origem esofágica). Também existem a contraindicações clínicas, em que a necessária sedação pode precipitar a deterioração clínica, como em pacientes com insuficiência respiratória, em condição hemodinâmica limítrofe ou com estimulação vagal na passagem do transdutor, que pode acentuar a bradiarritmia. Em geral, recomenda-se jejum de seis horas e, quando possível, deve-se obter o consentimento informado do paciente ou familiar responsável. Como norma de boa prática, um ecocardiograma transtorácico deve anteceder o ETE, concentrando-se o procedimento na aquisição das informações essenciais, não obteníveis com o transtorácico. Conforme já estabelecido na literatura, as principais indicações desta metodologia, em ordem de frequência, são a pesquisa de fonte cardioembólica (36%), pesquisa de endocardite (14%), avaliação da função de próteses valvares (12%), doença de valva nativa, dissecção aórtica ou aneurisma, tumor intracardíaco, massa ou trombo (cada um com 6 a 8%) e doença cardíaca congênita (4%).(3,4,5) Entretanto, podemos ampliar e detalhar as indicações. Deve-se ter em mente que as estruturas proximais e posteriores do coração e os grandes vasos da base são mais bem avaliados pelo ETE e as estruturas mais apicais, pelo ETT. Justamente por não apresentar as limitações de janela acústica do ETT, podem-se utilizar transdutores de maior frequência, com uma penetração menor, mas de resolução bem mais elevada (podendo detalhar com mais precisão certas estruturas, como vegetações, fístulas, abscessos periprótese, por exemplo). Todavia existem situações em que a indicação não é apropriada, desencadeando-se custos e riscos desnecessários, sobretudo em situações em que não ocorrerá modificação de conduta. Com base nas diretrizes do American College of Cardiology e American Society of Echocardiography (e demais Instituições correlatas), de 2011, definiu-se o atual consenso de indicações mais apropriadas para o ETE.(6) 1- Avaliação para origem/etiologia de embolia cardíaca (sobretudo quando não existe uma origem não cardíaca identificada); 2- Quando for incluída a pesquisa de trombo em apêndice atrial (pouco visualizado no ETT); 3- Melhor identificação do autocontraste (achado de estase sanguínea atrial, que pode propiciar a formação de trombos); 4- Avaliação das inúmeras estruturas que podem dar origem à embolia (por exemplo, vegetações, estruturas protéticas, tumores etc.). Na presença de fibrilação (ou flutter) atrial, é importante a pesquisa de trombos para tomadas de decisão com respeito à cardioversão, anticoagulação e/ou ablação por radiofrequência; 5- Também é indicado ETE para reavaliação da presença ou desaparecimento da fonte emboligênica após alguma intervenção terapêutica, como um período de anticoagulação ou de antibioticoterapia, quando isso puder implicar modificação na conduta; 6- Suporte na investigação de acidentes vasculares isquêmicos criptogênicos (etiologia desconhecida), em que o achado de comunicação interatrial ou de forame oval patente pode sugerir embolia paradoxal e contribuir na definição terapêutica, incluindo procedimento intervencionista com implante de prótese oclusiva; 7- Avaliação de patologia valvar, seja para melhor quantificação da disfunção, seja para melhor análise do aparato valvar, em que possa pesar um melhor planejamento terapêutico; 8- Para diagnosticar endocardite infecciosa (em pacientes com probabilidade pré-teste moderada ou alta, por exemplo, aqueles com bacteremia, prótese valvar, dispositivos intracardíacos etc.) e/ou avaliar complicações (como fístulas, abscessos e perfurações de folheto valvar), seja na valva ou em outro sítio cardiovascular; 111 MÉTODOS DIAGNÓSTICOS | Como eu trato Entre elas, podemos descrever algumas: 9- Avaliação de patologias da aorta torácica, como aneurismas e presença de ateromatose, incluindo importante papel na investigação da dissecção aguda (ou crônica) de aorta; 10- Investigação de tumorações, sobretudo atriais; avaliação intraprocedimentos cardíacos percutâneos (implante de próteses valvares, dispositivos para oclusão de shunts etc.) ou cirúrgicos (plastia de valva mitral, por exemplo); 11- Importante papel na avaliação ecocardiográfica quando a janela acústica limita muito a observação pela ecocardiografia transtorácica.(6) 12- Existe também o emprego significativo do ETE em protocolos de pesquisa, como na investigação de fluxo arterial coronariano, entre tantas outras aplicações.(7) MÉTODOS DIAGNÓSTICOS | Como eu trato 112 A tecnologia tridimensional está apontando para o futuro da ecocardiografia, e este avanço também está se estendendo para o ETE. Os primeiros protótipos de ecocardiografia transesofágica tridimensional (ETE-3D) foram lançados no início da década de 1990. Com a evolução da informática e o grande aumento da velocidade dos processadores digitais, a tecnologia avançou para a obtenção de imagens em tempo real, com ótima correspondência anatômica. A utilização do ETE-3D traz, de forma similar ao ETE-2D, grandes possibilidades de acréscimo de informações diagnósticas, sobretudo como adjuvante no tratamento percutâneo de cardiopatias congênitas (por exemplo, fechamento de comunicação interatrial e fechamento de comunicação interventricular); implante percutâneo de prótese valvar aórtica; fechamento percutâneo de insuficiência mitral funcional (como o fechamento com utilização de clip mitral); oclusão de apêndice atrial esquerdo, entre outros. O método apresenta também maior acurácia na avaliação da valva mitral (incluindo informações para planejamento cirúrgico), e observação de outras estruturas, como tumores atriais, e implementação na quantificação de refluxos.(8) O processo permite, inclusive, a aquisição das imagens em bloco e a reconstrução nas diversas incidências e cortes (em cineloop), para uma reavaliação mais precisa das estruturas do coração. Portanto, ainda que apresente um potencial diagnóstico bastante interessante, na utilização prática da ecocardiografia transesofágica, o conhecimento de suas limitações e, sobretudo, de suas indicações, pode aperfeiçoar muito seu emprego clínico. 1. Manning W. et al. Transesophageal echocardiography: Technology, complications, indications end normal views. In: UpToDate, Basow, DS (Ed), UpToDate, Waltham, MA, USA. 2011. 2. Frazin L. et al. Esophageal echocardiography. Circulation 1976; 54: 102. 3. Zamorano J. L. et. The ESC Textbook of Cardiovascular Imaging. London. Springer. 2010 4. Daniel WG. et al. Safety of transesophageal echocardiography. A multicenter survey of 10,419 examinations. Circulation 1991; 83: 817. 5. Khandheria BK et al. Transesophageal echocardiography. Mayo ClinProc 1994; 69: 856. 6. Douglas PS, Garcia MJ, Haines DE et al. ACCF/ASE/AHA/ASNC/HFSA/HRS/SCAI/SCCM/SCCT/SCMR 2011 Appropriate Use Criteria for Echocardiography A Report of the American College of Cardiology Foundation Appropriate Use Criteria Task Force, American Society of Echocardiography, American Heart Association, American Society of Nuclear Cardiology, Heart Failure Society of America, Heart Rhythm Society, Society for Cardiovascular Angiography and Interventions, Society of Critical Care Medicine, Society of Cardiovascular Computed Tomography, and Society for Cardiovascular Magnetic Resonance Endorsed by the American College of Chest Physicians. J Am Coll Cardiol. 2011; 57(9): 1126-66. 7. Graziosi P. Ecocardiografia transesofágica de estresse com adenosina na avaliação da reserva coronária em pacientes com doença de Chagas. In: Picano (ed.). Ecocardiografia de Estresse - 3ª ed. pp. 229-31. Ed. Revinter. 1999. 8. Badano L, Lang RM, Zamorano JL et al. Textbook of Real-Time Three Dimensional Echocardiography. Springer. 2011. Dr. Edgard Torres dos Reis Neto (CRM 114511) Dr. Diogo Domiciano (CRM 122488) Dr. Marcelo de Medeiros Pinheiro (CRM 77428) 1. Introdução As doenças autoimunes (DAI) têm se tornado cada vez mais presentes na prática clínica diária, não apenas do médico reumatologista, mas de clínicos gerais, infectologistas, nefrologistas, gastroenterologistas e demais especialidades médicas. Com o avanço dos métodos diagnósticos, exames laboratoriais, antes de fácil interpretação, tornaram-se por vezes complexos, em que a relevância clínica do seu resultado depende do conhecimento dos conceitos de sensibilidade, especificidade, valor preditivo positivo e negativo. A pesquisa de anticorpos contra antígenos celulares, também conhecido como fator antinuclear (FAN) ou pesquisa de anticorpos antinúcleo (ANA), tem grande utilidade na investigação de DAI. No entanto, com o incremento da sensibilidade do método, houve queda de sua especificidade e, assim, 10% a 20% dos indivíduos sadios podem apresentar o exame positivo, embora sem nenhuma evidência clínica de DAI. A seguir, descreveremos as técnicas atuais para realização do FAN e como interpretar o exame, enfatizando as peculiaridades do padrão e título. 2. Técnicas realização do FAN Nos idos de 1940, foi demonstrada por Hargraves a presença de material nuclear fagocitado em sangue de pacientes com lúpus eritematoso sistêmico (LES), que deu origem a um ensaio laboratorial denominado pesquisa de células LE. Pela complexidade na interpretação, difícil treinamento e reprodutibilidade e baixa sensibilidade, este teste foi eliminado dos critérios de classificação da doença pelo American College of Rheumatology, em 1997. Uma década mais tarde, a técnica de imunofluorescência indireta (IFI) começou a ser utilizada para a realização do FAN. O substrato escolhido foi o corte de tecido de roedores ou imprint de fígado de camundongo. Com essa metodologia, autoanticorpos presentes no soro de pacientes são capazes de reconhecer antígenos presentes no núcleo do hepatócito, ampliando a identificação de outros autoanticorpos que, outrora, não era possível com a pesquisa das células LE, mais específicas do LES. Inicialmente, cinco padrões de IFI foram observados: periférico e homogêneo, homogêneo, pontilhado fino, pontilhado grosso e nucleolar. 113 MÉTODOS DIAGNÓSTICOS | Como eu trato Interpretação do FAN na prática do clínico não reumatologista Durante a década de 1980, com a melhor padronização de técnicas laboratoriais e maior difusão da IFI, as células HEp-2 puderam ser usadas. Elas são de linhagem de células tumorais de carcinoma de laringe humana cultivada em monocamadas sobre lâminas de vidro. Por serem células vivas e em crescimento, diferentemente do imprint, elas forneceram a identificação de um maior número de antígenos celulares, incluindo o núcleo, mas também o nucléolo, o citoplasma, o aparelho mitótico e a placa cromossômica metafásica. Assim, ao invés de cinco padrões anteriormente descritos, mais de 20 padrões de IFI puderam ser identificados. Novamente, houve incremento da sensibilidade do método e consequente diminuição da sua especificidade. 3. Interpretação do FAN Como consequência do aumento da sensibilidade, 10% a 22,6% de indivíduos sadios podem vir a ter o exame positivo. Watanabe et al, em 2004, avaliaram 597 trabalhadores hígidos de um hospital no Japão e encontraram 20% de frequência de FAN positivo. No Brasil, Santos et al, em 1997, encontraram 12,8% de FAN positivo entre 259 indivíduos com idade acima de 65 anos, e Fernandez et al, em 2003, encontraram 22,6% de exame positivo entre 500 doadores de sangue no hemocentro de São Paulo. Estes dados ressaltam a importância de análise crítica tanto no momento de solicitação do exame, devendo evitar o seu pedido desnecessário fora de um contexto clínico, como também na interpretação do seu resultado. Segundo recomendações do Consenso Brasileiro para pesquisa de autoanticorpos em células HEp-2, o laudo do exame deve ser padronizado (Quadro 1). MÉTODOS DIAGNÓSTICOS | Como eu trato 114 Quadro 1 – Recomendação para laudo do FAN segundo o Consenso Brasileiro para pesquisa de autoanticorpos em células HEp-2 Resultado: Reagente ou Não reagente Núcleo: Nucléolo: Citoplasma: Aparelho Mitótico: Placa metafásica cromossômica: Padrão: Título: Comentário/ Interpretação: 3.1. Como interpretar o padrão do FAN na IFI em células HEp-2 A IFI reflete a topografia de antígenos reconhecidos e autoanticorpos têm associação estrita com algumas DAI. Assim, a identificação de padrões de IFI tem como objetivo direcionar o clínico a testes específicos que identificam o antígeno alvo. Na Tabela 1, estão descritos os principais padrões de IFI em células HEp2, os principais autoanticorpos e as associações clínicas mais frequentes. Outros padrões e associações estão disponíveis no 3° Consenso Brasileiro para pesquisa de autoanticorpos em células HEp-2 e devem ser consultados sempre que necessário. Tabela 1 – Padrões de IFI em células HEp-2, principais autoanticorpos associados e associações clínicas mais frequentes Nuclear Pontilhado Fino Denso Anti-LEDGF/p75 Um dos padrões mais frequentemente encontrados na rotina, sendo encontrados em indivíduos sem evidência objetiva de doença sistêmica. Raramente encontrado em DAI reumática Nuclear Pontilhado Fino Anti-SS-A/Ro LEA, lúpus cutâneo subagudo, lúpus neonatal, síndrome de Sjögren primária, esclerose sistêmica, polimiosite, cirrose biliar primária Anti-SS-B /La LES, lúpus neonatal, síndrome de Sjögren primária Anti-DNA nativo LES Anti-nucleossomo LES Anti-histona Lúpus eritematoso sistêmico induzido por droga, Lúpus eritematoso sistêmico, artrite reumatoide, artrite idiopática juvenil, síndrome Felty e hepatite autoimune Nuclear Homogêneo Nuclear Pontilhado Grosso Anti-Sm LES Anti-RNP LES, doença mista do tecido conjuntivo, esclerose sistêmica Nuclear Pontilhado Centromérico Anti-centrômero Esclerose sistêmica, cirrose biliar primária e síndrome de Sjögren Citoplasmático Pontilhado Fino Denso Anti-PL7/PL12 Polimiosite (raramente) Anti-P-Ribossomal LES Citoplasmático Pontilhado Fino Anti-Jo1 Polimiosite, síndrome anti-sintetase, dermatomiosite Citoplasmático Pontilhado Reticulado Anti-mitocôndria Cirrose biliar primária, esclerose sistêmica Leser et al, em 2004, avaliaram amostragem aleatória de 394 pacientes com FAN-HEp-2 positivos recrutados da rotina de um laboratório clínico e encontraram que os padrões nuclear pontilhado grosso e nuclear homogêneo associaram-se quase exclusivamente a pacientes com doenças reumáticas autoimunes, enquanto os padrões nuclear pontilhado fino denso e nuclear pontilhado grosso reticulado associaram-se quase que exclusivamente a indivíduos sem qualquer evidência de autoimunidade. Em outro levantamento com 30.728 exames de FAN realizados em um grande laboratório de São Paulo, 44% apresentavam positividade nuclear, sendo os padrões 115 MÉTODOS DIAGNÓSTICOS | Como eu trato Autoanticorpo associado Associações clínicas mais frequentes Adaptado de Dellavance et al, 2009. Padrão pontilhado fino (47%) e pontilhado fino denso (41%) os mais frequentes. O padrão pontilhado fino denso apresentou maior frequência de títulos mais altos, enquanto o padrão pontilhado fino, títulos mais baixos. 3.2. Como interpretar o título do FAN na IFI em células HEp-2 No trabalho realizado por Leser et al, o padrão nuclear pontilhado fino, embora tenha sido o mais frequente, em baixos títulos não estava associado com autoimunidade. Em outro estudo, Tan et al, avaliando indivíduos saudáveis, encontraram títulos 1/40 em 31,7% dos casos, 1/80 em 13,3%, 1/160 em 5% e 1/320 em 3,3%. Na maioria das vezes, pacientes com doenças reumáticas autoimunes tendem a ter títulos elevados e indivíduos sadios tendem a ter títulos mais baixos. Entretanto, uma das peculiaridades mais importantes é a consideração do padrão do FAN na interpretação clínica de um paciente. 3.3. Como interpretar o padrão e o título concomitantes Mariz et al compararam 918 indivíduos sadios, provenientes de banco de sangue (12,9% FAN positivo), com 153 pacientes com DAI reumáticas (90,2% FAN positivo). Os títulos de FAN em indivíduos sadios foram significativamente menores que em pacientes com doença reumática autoimune. O padrão nuclear pontilhado fino foi o mais frequente em indivíduos sadios e em pacientes com doença reumática autoimune, entretanto, seus títulos foram menores em indivíduos sadios. Além disso, o padrão nuclear pontilhado fino denso foi encontrado exclusivamente em indivíduos sadios, e os padrões nuclear pontilhado grosso, homogêneo e centromérico não foram observados em nenhum indivíduo sadio. Assim, estes autores demostraram que o padrão do FAN é mais consistente que o título para discriminar o FAN positivo de indivíduos sadios daqueles com doença reumática autoimune. MÉTODOS DIAGNÓSTICOS | Como eu trato 116 4. Valorização do FAN Quando o médico se depara com um exame de FAN positivo, o primeiro questionamento deve ser sobre a relevância do cenário clínico em que ele foi solicitado. Partindo da premissa de que nenhum exame deve ser valorizado sem uma adequada anamnese e exame clínico, recomenda-se que um paciente FAN positivo, dependendo do título e, sobretudo, do padrão, deva ser melhor investigado com relação a outros exames complementares, como hemograma, velocidade de hemossedimentação, proteína C reativa, creatinina, dosagem de complemento, pesquisa de autoanticorpos mais específicos e urina I. Quando não há evidência de DAI associada, o achado do FAN positivo pode ser incidental. Além disso, pode estar associado a doenças inflamatórias crônicas, doenças infecciosas (HIV, hepatite C, hanseníase, citomegalovírus, etc), neoplasias, uso de drogas, entre outros. Por outro lado, pode ser uma manifestação mínima ou precoce de DAI incipiente, uma vez que FAN positivo pode preceder o início do LES em até 9,4 anos (média de 3,3 anos). Para discernir entre um achado incidental ou um dado precoce, o raciocínio clínico é fundamental. 5. Conclusão Com a frequência cada vez maior de pedidos de exames por médicos de diferentes especialidades e o aumento da sensibilidade dos métodos laboratoriais para pesquisa de anticorpos contra antígenos celulares, torna-se necessário o conhecimento e interpretação do resultado deste exame. Como qualquer outro exame, este só deve ser solicitado dentro de um contexto clínico e suspeita diagnóstica, devendo-se evitar o pedido de exame desnecessariamente, inclusive em situações de check-up. Indivíduos sadios podem ter exame positivo, sem nenhuma relação com doença reumática autoimune, sendo a interpretação do padrão e título fundamentais para o discernimento clínico. O reumatologista é o médico mais indicado quando há dúvidas nesta interpretação e o paciente deve ser encaminhado sempre que necessário. REFERÊNCIAS 1. Dellavance A, Gabriel Júnior A, Nuccitelli B, et al. 3º Consenso Brasileiro para pesquisa de autoanticorpos em células HEp-2 (FAN). Recomendações para padronização do ensaio de pesquisa de autoanticorpos em células HEp-2, controle de qualidade e associações clínicas. Rev Bras Reumatol 2009;49:89-109. 2. Dellavance A, Andrade LEC. Como interpretar e valorizar adequadamente o teste de anticorpos antinúcleo. J Bras Patol Med Lab 2007; 43: 157-168. 3. Dellavance A, Leser PG, Andrade LEC. Análise Crítica do Teste de Anticorpos Antinúcleo (FAN) na Prática Clínica. Rev Bras Reumatol 2007; 47: 265-275. 4. Watanabe A, Kodera M, Sugiura K, Usuda T, Tan EM, Takasaki Y: Anti-DFS70 antibodies in 597 healthy hospital workers. Arthritis Rheum 2004; 50: 892-900. 5. Fernandez SAV, Lobo AZC, Oliveira ZNPO, Fukumori LMI,Perigo AM, Rivitti EA: Prevalence of antinuclear autoantibodies in the serum of normal blood donors. Rev Hosp Clin Fac Med 2003; 58: 315-9. 6. Santos LM, Moreira KECS, Rodrigues SH, Alamada Filho CM, Ramos LR, Andrade LEC: Prevalência e valor prognóstico de anticorpos antinucleares em indivíduos idosos. Rev Bras Reumatol 1997; 37: 323-8. 7. Leser PG, Dellavance A, Barbosa SH, et al.: Distinctive features of antinuclear antibodies observed in health and in subjects with autoimmune rheumatic diseases. In: Conrad K, Bachmann MP, Chan EKL, Fritzler MJ, Humbel RL, Sack U, Shoenfeld Y, eds. (org.). From animal models to human genetics: research on the induction and pathogenicity of autoantibodies. Dresden: Pabst Science Publishers 2004: 493-510. 8. Tan EM, Feltkamp TE, Smolen JS, et al.: Range of antinuclear antibodies in “healthy” individuals. Arthritis Rheum 1997; 40: 1601-11. 9. Mariz HA, Sato EI, Barbosa SH, Rodrigues SH, Dellavance A, Andrade LEC. Pattern on the Antinuclear Antibody–HEp-2 Test Is a Critical Parameter for Discriminating Antinuclear Antibody–Positive Healthy Individuals and Patients With Autoimmune Rheumatic Diseases. Arthritis Rheum 2011; 63: 191–200. MÉTODOS DIAGNÓSTICOS | Como eu trato 117 Dr. Luís dos Ramos Machado (CRM 22196) Dr. José Antonio Livramento (CRM 14205) Líquor: aspectos de maior relevância MÉTODOS DIAGNÓSTICOS | Como eu trato 118 O exame de líquor continua sendo um exame imprescindível na propedêutica médica, especialmente quando há envolvimento do sistema nervoso. É um exame simples, rápido e muito pouco agressivo. Deve ser realizado sempre na região lombar, onde a coleta é praticamente isenta de riscos. Principais indicações: 1. Na suspeita de infecções do sistema nervoso: meningites, encefalites, mielites ou associação delas. O exame do líquor pode permitir a identificação do agente etiológico: a. Pelo exame bacteriológico, micológico ou micobacteriológico; b. Por meio de reações de PCR. Estão disponíveis comercialmente reações de PCR para borrelia, brucella, vírus da coriomeningite linfocitária, enterovírus, herpesvírus (HSV1, HSV2, VZV, CMV, EBV, HSV6, HSV7, HSV8), HIV (carga viral), JC vírus, leptospira, listeria, micobactérias, neisserias, pneumococos e outros agentes; c. Pela detecção de anticorpos específicos. Além dessa determinação, é possível avaliar se há produção local de anticorpos (índice de anticorpos específicos). Este índice é essencial para saber se os anticorpos presentes no líquor foram produzidos no sistema nervoso ou resultaram de simples passagem passiva a partir do sangue, sem que haja neuroinfecção; 2. Se houver exames de imagem (tomografia computadorizada ou ressonância magnética) que apresentem imagens de difícil interpretação; 3. Em doenças desmielinizantes: isoeletrofocalização com imunoblotting e imunofixação, em soro e líquor; pesquisa de quebra de barreira hematoencefálica; caracterização de imunoprodução local de IgG; 4. Em demências. É possível determinar rotineiramente biomarcadores específicos para: (a) doença de Alzheimer (assinatura da doença de Alzheimer): proteína tau, proteína fosfo-tau e peptídeo beta-amilóide; (b) doença priônica de Creutzfeldt-Jakob: proteína 14-3-3; 5. Em vasculites do sistema nervoso; 6. Em diversos tipos de neoplasias. Na maioria destas doenças, a pesquisa de células tumorais é o biomarcador mais importante. Além disso, procede-se à dosagem de marcadores oncológicos, assim como à imunofenotipagem e citometria de fluxo em casos particulares, nos quais o número de células apresente aumento que permita o exame; 7. Em doentes imunodeprimidos com queixas neurológicas, como no caso de doenças relacionadas à má absorção intestinal, alcoolismo, esplenectomia, doenças reumatológicas de longo tratamento e outras, em especial, da AIDS; 8. Em doentes com quadros infecciosos de origem não esclarecida, sobretudo quando há comprometimento importante do estado geral; 9. Para aplicação de medicamentos no sistema nervoso ou para injetar substâncias-contraste para exames especiais; 10. Para diminuir a quantidade de líquor no sistema nervoso (punção esvaziadora ou de “alívio”) em doentes com hidrocefalia comunicante de qualquer etiologia ou em casos de hidrocefalia a pressão normal (tap test). A maioria das pessoas submetidas ao exame de líquor afirma que a dor é plenamente suportável, com intensidade pouco maior do que aquela que acontece ao se colher sangue. Em cerca de 90% dos pacientes não há qualquer incômodo relacionado à colheita do líquor. Pode aparecer cefaleia, que melhora com o decúbito ou, mais raramente, lombalgia, que também melhora com o repouso. Há situações em que não deve ser feita a coleta do líquor: É importante dizer que, mesmo em exames de neuroimagem e outros de uso habitual em medicina, tidos como não invasivos, há uma série considerável de incômodos causados ao paciente. Alguns desses incômodos têm morbidade muito maior do que aquela relacionada à coleta do líquor. Entretanto, frequentemente, ao contrário do que ocorre em relação ao líquor, a referência a efeitos pós-exame é minimizada ou mesmo não referida. Segundo editorial recente de Herskovits AZ e Growdon JH, publicado na Archives of Neurology, uma das mais prestigiadas revistas da neurologia, é necessário devolver ao exame de líquor seu papel proeminente no diagnóstico de muitas doenças neurológicas. A coleta de líquor é percebida por muitos pacientes como dolorosa, difícil de realizar e perigosa. Histórias apócrifas circulam acerca de dor lombar crônica pós-punção lombar e também de paralisia de membros inferiores. Tudo isso é falso e improcedente. O paciente deve saber da ausência de risco, da baixíssima morbidade, da utilidade do exame e das informações preciosas que ele pode fornecer acerca de sua doença. Evidentemente, é importante que esse exame seja colhido por especialistas treinados e que as amostras sejam processadas em laboratórios competentes e experientes. Além disso, médicos e pacientes devem ter consciência de que, em muitas situações, os exames de imagem, por mais sofisticados e úteis que sejam, como de fato são, não podem substituir o exame de líquor. Referências 1. Herskovitts AZ, Growdon JH. Sharpen that needle. Arch Neurol 2011; 67:918-919. 2. Machado LR, Livramento JA, Spina França A. Exame de Líquido Cefalorraquidiano. In Mutarelli EG (Ed). Manual de Exames Complementares em Neurologia. Sarvier, São Paulo, 2006:241-62. 3. www.spinafranca.com.br 119 MÉTODOS DIAGNÓSTICOS | Como eu trato 1. Na vigência de hipertensão intracraniana ainda não investigada por outros métodos diagnósticos; 2. Na vigência de síndrome de hipertensão intracraniana com efeito de massa, tipo tumoral, seja qual for sua patogênese; 3. Quando há discrasias sanguíneas que facilitem sangramentos (plaquetopenia, diminuição do tempo de protrombina) ou na vigência de tratamento anticoagulante; 4. Os casos de infecções cutâneas na região lombar, nos pontos de eleição para a punção; 5. Em bacteremias, quando ainda não há controle adequado das condições gerais do paciente, sobretudo antes da aplicação da antibioticoterapia. A punção poderia servir de porta de entrada para que o agente infeccioso atinja o SNC; 6. Quando há hipotensão acentuada do LCR. Nessa eventualidade, não é possível coletar a amostra, apesar da sensação de se atingir o espaço subaracnóideo; 7. Em doentes com obesidade mórbida, quando o comprimento da agulha é insuficiente para atingir o espaço subaracnóideo. Nesses casos, deve ser contraindicada também a punção suboccipital. Dr. Manuel P. Horna (CRM 100253) Dr. Pedro Graziosi (CRM 55034) MÉTODOS DIAGNÓSTICOS | Como eu trato 120 Monitorização ambulatorial da pressão arterial de 24 horas A monitorização ambulatorial da pressão arterial (MAPA) consiste no uso de um aparelho portátil instalado no paciente – um gravador de registros e o manguito – que realiza medidas da pressão arterial durante 24 a 48 horas, geralmente a cada 15 a 20 minutos durante o período de vigília e a cada 30 a 60 minutos durante o sono. Estas medições, obtidas em um dos braços, são gravadas e posteriormente analisadas em programas específicos de computador, oferecendo, fundamentalmente, dados do comportamento da pressão arterial média diurna e noturna e a porcentagem de leituras acima dos valores de referência.(1) O avanço tecnológico, associado a inúmeras publicações na literatura, tem possibilitado um adequado entendimento do método e um uso mais amplo na prática clínica para fins de diagnóstico e avaliação terapêutica de hipertensão arterial sistêmica (HAS), estabelecendo-se, também, seu valor prognóstico na morbimortalidade de doenças cardiovasculares.(1,2) Os valores de referência dessa metodologia foram recentemente modificados após publicações de estudos e consensos que demonstraram seu impacto na morbimortalidade ao longo de 10 anos de seguimento, sendo considerados valores anormais as médias de pressão arterial (PA) de 24 horas acima de 125x75 mmHg, na vigília, acima de 130x85 mmHg, e durante o sono, acima de 110x70 mmHg.(3,4) As principais indicações para uso da MAPA são: suspeita de hipertensão do avental branco, avaliação da eficácia terapêutica anti-hipertensiva, avaliação de hipotensão arterial, avaliação de normotensos com lesão de órgãoalvo, avaliação e correlação de sintomas, avaliação de hipertensão mascarada, hipertensão noturna, disfunção autonômica e hipertensão em gestantes. As três primeiras indicações são consenso das sociedades brasileira, americana, britânica e europeia de hipertensão.(5) Os dados obtidos pela MAPA permitem um melhor conhecimento do comportamento da pressão arterial no cotidiano do paciente nos diferentes períodos do dia e da noite, sendo possível estudar a presença do efeito do avental branco, os picos tensionais, episódios de hipotensão arterial, a característica do descenso fisiológico da pressão arterial durante o sono, a variabilidade circadiana do comportamento da pressão arterial, os eventuais períodos de ascensão pressórica matinal, o comportamento da pressão de pulso e, por fim, sua correlação com as atividades e sintomas. As principais vantagens da metodologia são a obtenção de múltiplas medidas nas 24 horas, a avaliação da pressão arterial durante as atividades cotidianas, a avaliação da pressão arterial durante o sono, a avaliação do padrão circadiano da pressão arterial, a avaliação do efeito anti-hipertensivo nas 24 horas e a possibilidade de estratificação de risco de eventos cardiovasculares. As limitações são a anatomia de braços que não permitam o ajuste adequado do manguito, valores muito elevados da pressão arterial sistólica, situações clínicas associadas a tremor corporal (Parkinsonismo, etc.) e pulsos muito irregulares (fibrilação e flutter atriais). Um grande número de estudos tem concluído que o risco de complicações cardiovasculares secundárias à hipertensão arterial (incluindo o desenvolvimento hipertrofia ventricular esquerda e sua regressão por tratamento apropriado) correlaciona-se mais com a MAPA do que com medidas casuais da pressão arterial.(6) O estudo SystEur demonstrou que, na avaliação prognóstica da HAS sistólica, a variável que apresentou melhor correlação com eventos cardiovasculares maiores, como acidente vascular cerebral, infarto agudo do miocárdio e óbito, foi a pressão arterial sistólica durante o sono, seguida da pressão arterial sistólica de 24 horas e da pressão arterial sistólica de vigília.(5,7) O significado clínico de episódios sintomáticos de hipotensão arterial pode traduzir ação medicamentosa, síncope, lipotimia pós prandial, hipotensão postural, disautonomia e presença de diabetes mellitus. A elevação da pressão de pulso, caracterizada pela diferença da PA sistólica e diastólica acima de 50 mmHg, tem valor preditivo positivo para doença cardiovascular em pacientes hipertensos acima de 60 anos.(10) O estudo Framinhgam demonstrou em 6.539 pacientes, ao longo de 17 anos de pesquisa, que a pressão arterial diastólica (PAD) é o fator de maior risco de evento cardiovascular em pacientes com idade menor que 50 anos. Na faixa etária de 50 a 59 anos, os fatores de maior risco são a pressão arterial sistólica (PAS), a PAD e a pressão de pulso (PP); a partir dos 60 anos, o fator de maior risco é a PP.(11) Em relação ao descenso fisiológico da pressão arterial durante o sono, existe maior incidência de AVC em pacientes hipertensos acima de 60 anos, com atenuação do descenso fisiológico durante o sono (non dipper) constatado pela MAPA.(12,13) A ausência de descenso noturno da pressão arterial constatada pela MAPA encontra-se correlacionada com o aumento da albuminúria (> 300 mg/24h) e elevada taxa de morbimortalidade cardiovascular nos pacientes hipertensos portadores de diabetes mellitus (DM) tipo 2.(14) A MAPA também tem um papel na avaliação das causas secundarias de HAS, pois identifica o perfil de comportamento da PA (por exemplo, se está relacionada ao sono, como na apneia do sono, se é episódica, como no feocromocitoma, ou se tem relação com outras manifestações clínicas específicas), colaborando, tanto no diagnóstico, como na terapêutica. A hipertensão do avental branco – definida como a presença de níveis pressóricos elevados na consulta médica, com estudo de MAPA em 24 horas normal – tem prevalência de 10 a 21%, é mais frequente em mulheres jovens não obesas, podendo ser observada também em idosos e gestantes, e foi considerada de caráter benigno, segundo 121 MÉTODOS DIAGNÓSTICOS | Como eu trato A média da pressão arterial é o melhor dado a ser analisado: apresenta maior índice de correlação com o diagnóstico, a lesão de órgão-alvo e prognóstico cardiovascular, e é considerada como o único parâmetro relacionado à mortalidade.(8) Valores acima de 135 mmHg na pressão média sistólica de 24 horas denotam risco elevado de novo evento cardiovascular em pacientes hipertensos tratados.(9) o estudo PIUMA, que acompanhou 1.392 pacientes durante 7,5 anos, observando ausência de valor preditivo para eventos cardiovasculares fatais e não fatais.(9,15) Recentes estudos demonstraram o desenvolvimento futuro de hipertensão estabelecida após cinco a seis anos de seguimento e aumento do índice de massa ventricular esquerda em comparação com a população não hipertensa.(16, 17) A presença de ascensão pressórica matinal, caracterizada pela diferença da PA sistólica matinal menos a menor PA sistólica durante o sono acima de 55 mmHg, encontra-se correlacionada com maior prevalência de AVC isquêmico em pacientes acima de 60 anos.(18) A avaliação da eficácia terapêutica anti-hipertensiva por MAPA está baseada na diminuição da PA média e na atenuação da variabilidade da pressão arterial, sendo esta última considerada como fator independente de risco para dano de órgão-alvo e eventos cardiovasculares.(15) A variabilidade da pressão arterial é medida pelo índice vale-pico (valor ideal acima de 0,50) ou pelo índice de homogeneidade (ideal acima de 3), índice validado em diferentes estudos clínicos, apresenta correlação inversa com a variabilidade da PA, é reproduzível, apresenta correlação positiva com a regressão de hipertrofia do VE e está correlacionada com a diminuição do dano de órgão-alvo. Em conclusão, a MAPA é instrumento útil e prático para uma melhor acurácia diagnóstica e condução do tratamento das alterações dos níveis de pressão arterial sistêmica. Destacando-se a abordagem na hipertensão arterial sistêmica, principalmente quando existem comorbidades associadas (por exemplo, insuficiência cardíaca, doença cardíaca isquêmica, aortopatias, etc.) que exigem um refinamento no controle. O conhecimento de suas limitações técnicas e indicações especificas faz com que se possa extrair o máximo desse importante instrumental diagnóstico. MÉTODOS DIAGNÓSTICOS | Como eu trato 122 Referências: 1. Myers MG. Ambulatory blood pressure monitoring for routine clinical practice. Hypertension 2005; 45:483. 2. Pickering TG et al. White coat hypertension: time for action. Circulation 1998; 98: 1834-5. 3. Kikuya M et al. On Behalf of the International Database on Ambulatory blood pressure monitoring in relation to Cardiovascular Outcomes (IDACO) Investigators Diagnostic Thresholds for Ambulatory Pressure Monitoring Based on 10-Year Cardiovascular Risk. Circulation 2007; 115: 2145-2152. 4. Sociedade Brasileira de Cardiologia. Sociedade Brasileira de Hipertensão. Sociedade Brasileira de Nefrologia. VI Diretrizes Brasileiras de Hipertensão. Arq Bras Cardiol 2010; 95 (1 supl.1): 1-51 5. Sociedade Brasileira de Cardiologia – IV Diretriz. Para uso da Monitorização Ambulatorial da Pressão Arterial II Diretriz para uso da Monitorização Residencial da Pressão Arterial IV MAPA / II MRPA. Arq. Brás. Cardiol, volume 85, Suplemento II, Jul/2005. 6. Dolan E et al. Superiority of ambulatory over clinic blodd pressure measurement in predicting mortality: the Dublin outcome study. Hypertension 2005; 46: 156. 7. Staessen J et al. For the Systolic Hypertension in Europe Trial Investigators. Predicting cardiovascular risk usi ng conventional vs ambulatory blood pressure in older patients with systolic hypertension. JAMA 1999; 282:539-46. 8. Perloff D et al. The prognostic value of ambulatory blood pressure. JAMA 1983; 248:2792-8. 9. Verdecchia P et al. Ambulatory blood pressure. An independent preditor of prognosis in essential hypertension. Hypertension 1994; 24: 793-801. 10. Verdecchia P et al. Ambulatory pulse pressure: a potent predictor of cardiovascular risk in hypertension. Hypertens 1998; 32:983-8. 11. Franklin et al. Does the relation of blood pressure to coronary heart disease risk change with aging? The Framingham Heart Study. Circulation 2001; 03: 1245-9. 12. Kario et al. Nocturnal fall of BP and silent cerebrovascular damage in elderly hyoertensive patients. Hypertension 1996; 27:130-5 13. Shimada et al. Nocturnal fall of blood pressure and silent cerebrovascular damage in elderly hypertensive patients. Hypertension. 27; 130-5, 1996. 14. Equiluz-Bruck et al. Nondipping of nocturnal blood pressure is related to urinary albumin excretion rate in patients with type 2 diabetes mellitus. Am J Hipertens 1996; 9: 1139-43. 15. Verdechhia P et al. Different Prognosis Impact of 24-Hour Mean Blood Pressure and Pulse Pressure on Stroke and Coronary Artery Disease in Essenctial Hypertension. Circulation, 2001; 103: 2579-2584. 16. Bidlingmeyer I et al. Isolated office hypertension: a prehypertensive state? J Hypertens 1996; 14: 327 17. Palatini P et al. Target-organ damage in stage I hypertensive subjects with white coat und sustained hypertension: results from the HARCEST study. Hypertension 1998; 31:57. 18. Kario et al. Morning surge in blood pressure as predictor of silent and clinical cerebrovascular disease in elderly hypertensives. Circulation 2003; 107: 1401-6 MÉTODOS DIAGNÓSTICOS | Como eu trato 123 Dr. Luciano Ribeiro Pinto Jr. (CRM 20350) O exame de polissonografia MÉTODOS DIAGNÓSTICOS | Como eu trato 124 A polissonografia apareceu na década de 1960, tornando-se o principal método diagnóstico para os transtornos do sono, sendo utilizada até os dias atuais. O exame é realizado em laboratórios de sono, registrando-se, durante uma noite de sono, diversas funções de nosso organismo, envolvendo principalmente sistema nervoso, respiratório e cardiovascular. Eletrodos aderidos no couro cabeludo registram a atividade elétrica cerebral ou eletroencefalograma; eletrodos colocados nos cantos dos olhos registram os movimentos oculares, enquanto os fixados na região do mento captam a atividade muscular. Esses três parâmetros – eletroencefalograma, eletro-oculograma e eletromiograma de mento – fornecem elementos que caracterizam os diversos estágios do sono. O sono é constituído de quatro fases ou estágios: N1, N2, N3 e o REM, do inglês rapid eye movement (movimento rápido dos olhos). O estágio N3, ou sono de ondas lentas, é a fase mais profunda do sono e se concentra principalmente no primeiro terço da noite. O sono REM ocupa de 20 a 25% do tempo total de sono, mais concentrado no terço final da noite, e se caracteriza pela atonia muscular e pela ocorrência de sonhos. Sensores colocados nas narinas captam o fluxo aéreo e esforço respiratório, enquanto cintas torácicas e abdominais registram os movimentos respiratórios. As principais alterações respiratórias são as apneias, que podem ser centrais, obstrutivas ou mistas, as obstruções parciais, denominadas de hipopneias, e o microdespertar relacionado a esforço respiratório, conhecido por RERA (respiratory effort related arousal). Quanto ao índice de apneia e hipopneia, o limite da normalidade é a ocorrência de até cinco eventos respiratórios por hora de sono. Por intermédio de um oxímetro também se registra a saturação da oxi-hemoglobina, que deve permanecer acima de 90% durante toda a noite. Com sensores colocados no tórax, obtém-se o posicionamento do paciente na cama e outro, colocado na região cervical, registra o ronco. Com sensores aderidos nos membros inferiores, registramse os movimentos das pernas e, finalmente, os batimentos cardíacos são dados por um eletrocardiograma. Após o término do registro, pela manhã, o exame é lido por profissionais especializados, os quais marcam os diversos estágios do sono, os eventos respiratórios, os microdespertares e os movimentos dos membros inferiores. O computador faz uma análise e fornece os vários parâmetros fisiológicos do sono: 1. O Tempo Total de Sono consiste na soma de todos os períodos que o paciente dormiu, independentemente da fase do sono, desde o início até o final do registro polissonográfico; 2. A Eficiência do Sono se caracteriza pela porcentagem do tempo total de sono, devendo ser maior que 85%; 3. A Latência do Sono é o tempo decorrido desde o início do registro até o início do sono, devendo ser inferior a 30 minutos; 4. A Latência REM se caracteriza pelo tempo decorrido do início do sono até o primeiro episódio REM, devendo ficar entre 70 e 120 minutos, sendo que valores inferiores podem ocorrer em narcolépticos; 5. A distribuição dos diversos estágios se dá pelo tempo, em minutos e em porcentagem, sobre o tempo total de sono; 6. Microdespertares são despertares breves, comumente associados a eventos respiratórios anormais; 7. Movimentos de membros inferiores são contrações que podem acometer as pernas de maneira repetitiva; 8. Índice de distúrbio respiratório é o número de apneias, hipopneias e RERAs, por hora de sono, devendo ficar abaixo de cinco por hora; 9. Saturação da oxi-hemoglobina; 10. Registro do ronco. O médico solicitante estabelece uma correlação da polissonografia com a clínica do paciente, para que se tenha uma conduta adequada nos diversos transtornos englobados pela Medicina do Sono. 125 MÉTODOS DIAGNÓSTICOS | Como eu trato Os parâmetros acima mencionados são colocados em um gráfico, para que se estabeleça a correlação entre eles. Ao final, o médico neurofisiologista clínico, baseando-se nesses dados, emite uma conclusão, na qual ressalta: 1. índice de distúrbios respiratórios – normal ou aumentado e em que intensidade; 2. valores de saturação da oxi-hemoglobina e dessaturações; 3. presença ou ausência de ronco; 4. presença de microdespertares e movimentos de pernas; 5. ritmo cardíaco e a presença de arritmias; 6. estrutura do sono, caracterizada pela porcentagem do tempo total de sono (eficiência do sono), latência do sono, e distribuição dos respectivos estágios do sono; 7. presença de alterações mais específicas, como comportamentos anormais ou grafoelementos patológicos no traçado eletroencefalográfico, importantes para o diagnóstico diferencial entre parassônias e epilepsias, sendo que, nesses casos, o monitoramento com câmera de vídeo é fundamental. Dra. Silvana C. Bastos (CRM 74526) Dr. Pedro Graziosi (CRM 55034) MÉTODOS DIAGNÓSTICOS | Como eu trato 126 Teste de inclinação ortostático (Tilt Test): indicações O teste de inclinação (TI) ou Tilt Test é um método muito utilizado para a investigação de síncopes, présíncopes, tonturas, palpitações relacionadas ao ortostatismo e quadros disautonômicos.1 No entanto, a principal indicação tem sido a investigação da síndrome neurocardiogênica ou vasovagal.1,2 Há cerca de 20 anos, o TI tem demonstrado efetividade e segurança em identificar pacientes com síncope neurocardiogênica, cujo estímulo deflagrador parte de receptores sensoriais miocárdicos, mediado pelo estresse ortostático, resultando em hipotensão e bradicardia reflexa, responsáveis pelos eventos sincopais. Na prática clínica, utilizam-se as indicações preconizadas pela Diretriz Europeia de Síncope, atualizada em 2009, a qual descreve as recomendações da metodologia e das indicações e tipos de resposta.2 Essa diretriz estabelece que o TI seja realizado para fins diagnósticos nas situações descritas a seguir. Indicações do teste de inclinação Recomendação Classe I • Em pacientes jovens, sem doença cardíaca evidente ou suspeita, com síncopes recorrentes de origem inexplicada, nos quais a história não é suficientemente típica para o diagnóstico de síncope neuromediada. • Em casos de episódio único de síncope inexplicada, ocorrida em situação de alto risco de trauma físico ou com implicações ocupacionais; síncope recorrente na ausência de cardiopatia ou ainda, se em um paciente portador de cardiopatia, forem excluídas as causas cardíacas de síncope. • Em casos em que a demonstração da susceptibilidade à síncope neuromediada tiver relevância clínica. Recomendação Classe II • Quando o entendimento do padrão de resposta hemodinâmica durante a síncope puder alterar a programação terapêutica. • Na diferenciação de síncope convulsiva e epilepsia. • No diagnóstico diferencial entre síncope reflexa e hipotensão ortostática. • Para a avaliação de pacientes com quedas recorrentes inexplicadas. • Na abordagem de pacientes com pré-síncope ou tonturas recorrentes. • Na avaliação de pacientes com síncopes recorrentes e doenças psiquiátricas. A realização de TI para controle de tratamento ou seguimento em longo prazo não tem sido recomendada. Alguns autores recomendam diferentes opções terapêuticas, dependendo do tipo de síncope vasovagal; portanto, nesse caso, o TI serviria como orientação terapêutica. Protocolos Diversos aspectos críticos são descritos sobre o protocolo do TI, desde o tempo de realização, fase de ortostase passiva prolongada, uso de drogas para sensibilização, angulação, população estudada, sensibilidade e especificidade do TI.1,3 A Diretriz Europeia de Síncope, publicada em 2004, relata uma análise de estudos que utilizaram 20 ou 45 minutos de fase passiva seguida por sensibilização com nitrato e concluíram que a sensibilidade dos exames com menor ou maior duração é semelhante (69% versus 62%) sem diminuição da especificidade (94% para os protocolos com 20 minutos de fase passiva).1 Desde então, recomenda-se que o TI seja constituído por 20 minutos de fase passiva e 20 minutos de fase sensibilizada (nitroglicerina ou isoproterenol). Deste modo, o protocolo clássico (sem uso de drogas sensibilizantes) vem sendo substituído pelo protocolo combinado de fase passiva seguida por fase sensibilizada. A nitroglicerina sublingual não é comercializada no Brasil desde 2002; assim, o vasodilatador utilizado é o dinitrato de isossorbida, na dose de 1,25 mg (1/4 do comprimido de uso sublingual). O isoproterenol vem sendo abandonado devido a menor sensibilidade, pela inconveniência do acesso endovenoso e efeitos colaterais, principalmente nos pacientes com cardiopatia isquêmica. Metodologia Tipo de respostas ao teste de inclinação O critério de positividade do TI ocorre quando há reprodução espontânea dos sintomas clínicos associados ao colapso hemodinâmico (bradicardia ou hipotensão). A classificação modificada do VASIS (Vasovagal Syncope International Study) é a mais aceita para definir os tipos de resposta ao teste de inclinação: tipo 1 ou mista; tipo 2 ou cardioinibitória; e tipo 3 ou vasodepressora (tabela 1). Mas além da resposta vagal, O TI possibilita o diagnóstico de outras formas de disautonomia e intolerância ortostática.2 A hipersensibilidade do seio carotídeo é confirmada durante a massagem, pela presença de pausa sinusal maior ou igual a três segundos ou queda da pressão sistólica maior ou igual a 50 mmHg. Outra disautonomia frequente é a Síndrome de Taquicardia Postural Ortostática ou Síndrome Postural Ortostática Taquicardizante, que apresenta aumento da frequência cardíaca (FC) maior ou igual a 30 bpm (batimentos por minuto) durante a inclinação em relação à FC basal ou superior a 120 bpm durante o período de ortostase associado aos sintomas de palpitações, pré-síncope ou síncope 127 MÉTODOS DIAGNÓSTICOS | Como eu trato O TI deve ser realizado por médico capacitado e auxiliar de enfermagem, e não se recomenda a presença de familiares. O ambiente deve ser tranquilo, com pouca iluminação e temperatura agradável para evitar estímulos ao paciente. A sala deve ser equipada por material de reanimação cardiovascular, embora raramente seja utilizado. Monitoração do eletrocardiograma e medidas da pressão arterial devem ser realizadas durante todas as fases do exame. A maca utilizada para inclinação deve dispor de suporte para os pés e cintos de segurança e o ângulo de inclinação deve ser de 60 a 70 graus. O jejum de quatro horas para líquidos e seis horas para sólidos é recomendado devido aos sintomas reproduzidos durante o TI (náuseas, vômitos e síncope). Pode ser realizado no período matutino ou vespertino. Estudos para avaliar eficácia e terapêutica devem ser realizados no mesmo período, para efeito de comparação. Em pacientes acima de 40 anos com história de síncope, é recomendável a massagem dos seios carotídeos, pois, durante o período de inclinação, aumenta a sensibilidade desta técnica.4 Tabela 1- Classificação das respostas positivas ao teste de inclinação Tipo 1 ou mista A FC cai no momento da síncope, mas não a valores inferiores a 40 bpm. Se ocorre queda da FC abaixo de 40 bpm, a duração é menor que dez segundos. A pressão arterial (PA) cai antes da FC. Tipo 2 A ou cardioinibitória sem assistolia A FC cai para menos que 40 bpm por tempo superior a dez segundos. A PA cai antes da frequência cardíaca. Tipo 2 B ou cardioinibitória com assistolia Ocorre assistolia maior que três segundos. A queda da PA precede ou coincide com a queda da FC. Tipo 3 ou vasodepressora A FC não cai mais do que 10% em relação ao pico no momento da síncope. Exceção 1 - incompetência cronotrópica Não há aumento significativo da FC durante a inclinação (isto é, menor que 10% da FC pré-inclinação). Exceção 2 - Síndrome da Taquicardia Postural Aumento excessivo da FC (isto é, maior que 130 bpm), tanto Ortostática (POTS) no início, quanto durante toda a inclinação antes da síncope. MÉTODOS DIAGNÓSTICOS | Como eu trato 128 Complicações e Contraindicações O TI é um teste provocativo; nas condições recomendadas acima e após exclusão de causas cardíacas, é seguro. Os sintomas reproduzidos durante o TI são prontamente revertidos com retorno rápido à posição supina ou à posição de Trendelenburg. Não é infrequente a ocorrência de assistolia prolongada, porém, na maioria dos casos, não é necessária a ressuscitação cardiovascular ou uso de drogas; a técnica anterior, em geral, reverte o quadro. O efeito colateral mais encontrado com o uso do dinitrato de isossorbida é a cefaleia e, nos idosos acima de 80 anos, pode ocorrer uma resposta hiper-reativa com hipotensão e aumento excessivo da FC. Para este grupo, recomendamos o protocolo passivo prolongado. As contraindicações para a realização TI (ou aplicação não justificada) ocorrem em: pacientes com cardiopatia obstrutiva severa, estenose aórtica acentuada, miocardiopatia hipertrófica importante, estenose mitral crítica; pacientes com doença coronariana obstrutiva proximal significante, em quem a bradicardia e hipotensão podem trazer complicações mais expressivas; doença cerebrovascular obstrutiva; gravidez; e nos pacientes que não conseguem ficar em pé por período prolongado. O teste de inclinação é um exame não invasivo, importante na avaliação diagnóstica da síncope inexplicada e tem papel relevante no diagnóstico diferencial das disautonomias. Contudo, é fundamental que as indicações sejam criteriosas e que os protocolos obedeçam às normas internacionais, para correta interpretação dos resultados. Referências: 1. Brignole M, Alboni P, Beneditt DG et al. Guidelines on management (diagnosis and treatment) of syncope –update 2004; 6(6): 467-537. 2. Moya A, Sutton R, Ammirati F et al. Guidelines for the diagnosis and management of syncope(version 2009) :the Task Force for the Diagnosis and Management of syncope of the European Society of Cardiology(ESC).Eur Heart J. 2009; 30(21): 2631-71. 3. Hermosillo AG, Marquez MF, Jauregui-Renaud K et al. Tilt Test in neurocardiogenic syncope: isosorbide versus isoproterenol. Acta Cardiol. 2000; 55(6): 351-5. 4. Diretrizes para Avaliação e Tratamento de Pacientes com Arritmias Cardíacas. Arq Bras Cardiol. 2002; 70(5): 9-10. Dr. Carlos Alberto Buchpiguel (CRM 51371) Dr. Sergio Tazima (CRM 57401) I. Princípios Há décadas é reconhecido o valor da terapia com iodo-131 como tratamento complementar (adjuvante) no carcinoma diferenciado da tiroide. A destruição celular de eventual tecido remanescente pós-tiroidectomia total ou mesmo de metástases de carcinoma diferenciado da tiroide reside na propriedade funcional que estes tecidos possuem de captar iodo, de forma análoga e semelhante ao que ocorre com o tecido tiroideano normal. Na tiroide, o iodo é absorvido e transportado para os folículos através da ação da bomba de iodeto, que sofre estímulo contínuo humoral no organismo. Através o eixo hipotálamo-hipófise-tiroide, o organismo registra a necessidade de maior ou menor absorção de iodo para produção e reposição dos estoques de hormônios produzidos pela tiroide. O principal estímulo humoral para se incrementar a captação de iodo pela glândula tiroide e, consequentemente, a produção hormonal, é a liberação pela glândula hipófise do hormônio estimulador da tiroide (TSH). Portanto, através de estímulo endógeno (TSH) e com o emprego de um isótopo radioativo do iodo (I-131), o mesmo é captado pelo tecido tiroideano promovendo, assim, pela ação da radiação, destruição celular progressiva e programada. II. Objetivos Resumidamente, podemos citar dois principais objetivos do tratamento com iodo radioativo (iodo-131) do carcinoma diferenciado da tiroide: 1) O primeiro é de se promover a ablação completa de restos de tecido tiroideano após uma tiroidectomia total, visto que, por mais habilidoso que se seja o cirurgião, é muito frequente a persistência de quantidades mínimas de tecido residual em loja cirúrgica tiroideana. O tratamento destes “restos” cervicais tem por finalidade erradicar qualquer quantidade de tecido tiroideano (mesmo que desprovidos de células tumorais), pois sua ausência facilita e sensibiliza o acompanhamento laboratorial com dosagens periódicas de tireoglobulina (Tg). Quanto menos tecido remanescente, maior a sensibilidade e confiabilidade do ensaio laboratorial de tireoglobulina. Outro aspecto não menos relevante é o grau de evidência existente que comprova uma relação direta entre o tratamento ablativo no câncer diferenciado da tiroide com uma menor taxa de recorrência da doença; Este impacto prognóstico torna-se mais importante em pacientes sem evidência de tecido tumoral residual pós- 129 MÉTODOS DIAGNÓSTICOS | Como eu trato Tratamento ablativo com iodo-131 em câncer diferenciado da tireoide cirurgia, porém que apresentam alguns sinais clínicos ou histopatológicos que configuram um risco um pouco mais elevado de recidiva da doença, tais como tumores com dimensões acima de 4,0cm, presença de infiltração linfonodal na apresentação inicial, multicentricidade do tumor na peça cirúrgica, idade > 45 anos, sexo masculino, e histologia do tumor de comportamento mais agressivo. Nestas situações o tratamento ablativo (preventivo) agrega impacto prognóstico mais significativo. 2) O segundo objetivo é tratar doença tumoral residual ou doença metastática conhecida. Nesta situação, o tratamento tem intenção curativa mais do de preventiva, pois o paciente já foi diagnosticado com doença tumoral em outros sítios (metástases). Apesar de o iodo radioativo ser um agente terapêutico em uso por mais de cinco décadas, ainda hoje, é considerado a modalidade de tratamento mais eficaz do câncer diferenciado da tiroide, após a cirurgia. III. Preparo prévio A primeira etapa do preparo é o estímulo para que células tiroideanas normais ou tumorais captem de forma efetiva o iodo-131 administrado por via oral. Portanto, o paciente deve permanecer sem uso da hormonioterapia substitutiva (T3/T4) por período não inferior a 03 semanas. Neste período, à medida que o organismo vai se utilizando dos estoques de hormônio produzidos e liberados no sangue antes da tiroidectomia total, vai ocorrendo uma elevação progressiva nos níveis sanguíneos de TSH, que per si irá estimular funcionalmente os focos de tecido tiroideano remanescente. Considera-se apropriado um nível de TSH sanguíneo não inferior a 30 UI/mL. MÉTODOS DIAGNÓSTICOS | Como eu trato 130 Outra forma de estímulo é a denominada exógena, onde se emprega TSH humanizado produzido de forma sintética, conhecido por TSH recombinante. Com este medicamento, através de duas injeções intramusculares realizadas 24 horas e 48 horas previamente à administração da dose de iodo-131, é possível obter um efetivo estímulo sem que haja necessidade de suspensão da terapia hormonal substitutiva. Isto evita todos os sintomas decorrentes do hipotiroidismo induzido pela suspensão da terapia substitutiva, o que é extremamente desejável em pacientes com comorbidades clínicas importantes ou em pacientes que apresentam intolerância ao hipotiroidismo. O único inconveniente deste tipo de estímulo exógeno é o custo da medicação, que é elevado considerando a complexidade de sua produção. Outro fator extremamente importante é o controle da dieta e de uso de medicamentos e substâncias que possam conter alta concentração de iodo em suas respectivas formulações. No caso da dieta, é recomendado que o paciente faça uso de uma dieta padronizada, pobre em iodo, por pelo menos duas semanas antes da administração da dose. Por exemplo, peixes e frutos do mar, algas marinhas, sal iodado, alimentos enlatados ou embutidos, bem como outros alimentos que se caracterizam por um excesso de iodo são proibidos neste período. Medicamentos e substâncias que contenham na sua fórmula altas taxas de iodo são também proibidos, sendo que alguns necessitam de períodos mais prolongados de suspensão, como é o caso da amiodarona – que, por vezes, pode exigir períodos tão longos como 6 meses. Contrastes iodados utilizados em exames de tomografia computadorizada e em estudos radiológicos como urografia excretora devem ser evitados por período de 1-2 meses. IV. Cálculo e administração da dose Existe ainda bastante controvérsia quanto ao método mais apropriado para cálculo da dose de iodo-131 a ser administrada. Contudo, recomenda-se para tratamento ablativo doses de 100mCi (3700 MBq) e para tratamento de doença metastática doses entre 200 a 350mCi (7400 a 12950 MBq). Alguns grupos têm defendido o uso de doses ambulatoriais (doses até 30mCi), principalmente quando os pacientes são categorizados como de baixo risco. Contudo, ainda não existem grandes séries prospectivas comparando o impacto prognóstico da baixa dose com o emprego de doses mais elevadas. O inconveniente de se utilizar doses mais elevadas de iodo-131 consiste na necessidade de internação em quartos especialmente preparados para esse tipo de tratamento, com isolamento do paciente por período de 48 a 72 horas. Embora o uso destes quartos promova incremento dos custos de tratamento, o uso dos mesmos permite uma maior segurança quanto aos cuidados de proteção radiológica, sendo que apenas os profissionais que trabalham e são licenciados para trabalhar com fontes radioativas são expostos de forma controlada e muito limitada à radiação ionizante. V. Internação A dose de iodo-131 é administrada com o paciente internado em quartos especialmente projetados e disponíveis no Hospital Alemão Oswaldo Cruz. Durante a internação, o paciente deve receber medicações que controlam os sintomas e efeitos colaterais agudos da ingestão de iodo radioativo, dentre os quais destacam-se o uso de inibidores da bomba de prótons (Omeprazol) para evitar a ocorrência de gastrites, antieméticos (Metoclopramida), e medicação anti-inflamatória em situações de necessidade. Prescreve-se hidratação oral (3-4 litros/dia), e estimula-se o bochecho com suco de limão pelo menos 3 vezes ao dia para estimular a salivação e a redução do tempo de residência do iodo-131 nas glândulas salivares. Quanto mais tempo o iodo-131 age no interior das glândulas salivares, maior a incidência de sialoadenite, a qual pode causar desconforto, dor e até mesmo perda transitória de paladar. Deve-se ao máximo restringir o contato de médicos e enfermeiros com o paciente nas primeiras 24 horas, sendo essa restrição válida até que o nível de exposição atinja níveis de segurança para o público em geral. Usualmente, com boa hidratação oral, e caso o paciente não apresente grande massa tumoral sistêmica, a liberação para alta ocorre entre 24 e 48 horas após ingestão da dose de radioiodo. VI. Pós-alta hospitalar VII. Referências bibliográficas 1. Kamel N, Corapcioglu D, Sahin M, Gürsoy A, Küçük O, Aras G. I-131 therapy for thyroglobulin positive patients without anatomical evidence of persistent disease. J Endocrinol Invest; 27(10):949-53, 2004. 2. Mazzaferri EL, Jhiang SM. Long-term impact of initial surgical and medical therapy on papillary and follicular thyroid cancer. Am J Med.;97(5):418-28, 1994. 3. DeGroot LJ, Kaplan EL, McCormick M, Straus FH. Natural history, treatment, and course of papillary thyroid carcinoma. J Clin Endocrinol Metab; 71(2):414-24,1990. 4. American Thyroid Association (ATA) Guidelines Taskforce on Thyroid Nodules and Differentiated Thyroid Cancer, Cooper DS, Doherty GM, Haugen BR, Kloos RT, Lee SL, Mandel SJ, Mazzaferri EL, McIver B, Pacini F, Schlumberger M, Sherman SI, Steward DL, Tuttle RM. Revised American Thyroid Association management guidelines for patients with thyroid nodules and differentiated thyroid cancer. Thyroid.;19(11):1167-214, 2009. 131 MÉTODOS DIAGNÓSTICOS | Como eu trato Uma vez que tenha reduzido seus níveis de exposição aos limites de segurança aceitáveis para circulação normal na sociedade, o paciente recebe alta hospitalar e radiológica. Em casa e no trabalho, é orientado para continuar com processo de hidratação oral e ficar distante de gestantes e crianças com idade inferior a 13 anos, por período aproximado de 7 a 10 dias. O paciente é orientado para realizar uma pesquisa de corpo inteiro entre 5 e 7 dias após a ingestão da dose terapêutica, utilizando a mesma dose empregada para o tratamento. Este exame permitirá registrar como o iodo-131 se depositou no organismo, para efeito de comparação com exames realizados no período de seguimento ambulatorial. Inicia-se a reposição hormonal no dia seguinte à alta hospitalar, para evitar ou atenuar os efeitos indesejáveis do hipotiroidismo induzido, e o paciente é reencaminhado para o seu clínico para seguimento e conduta. Dra. Chien Hsin Fen (CRM 73677) Dr. Andre Wan Wen Tsai (CRM 97344) Dr. Chin An Lin (CRM 62041) Dr. Juang Horng Chau (CRM 62923) Dra. Liliana Lourenço Jorge (CRM 97563) Dr. Maurício Hoshino (CRM 78685) Dra. Miriam Akemi Komatsu (CRM 62591) Dra. Paola Maria Ricci (CRM 51873) Dra. Yolanda Maria Garcia (CRM 48096) acupuntura | C o m o e u t r a t o 132 Acupuntura: principais indicações A acupuntura é uma técnica milenar na qual o efeito terapêutico é obtido ao se estimular o organismo por meio da inserção de agulhas em determinados pontos do corpo. O nome deriva das palavras latinas acus (agulha) e punctio (punção). O mecanismo de ação mais conhecido dessa terapia é no tratamento da dor. Vários trabalhos mostram que a inserção da agulha desencadeia a liberação de neurotransmissores e ativa o sistema supressor da dor. Estudos com neuroimagem funcional também evidenciam ativação de áreas da matriz nociceptiva com o agulhamento. A acupuntura também atua no sistema simpático e parassimpático, auxiliando na regularização das funções neurovegetativas, cardiovasculares e genitourinárias. Há também inúmeras publicações em trabalhos experimentais sobre os efeitos da agulha no sistema imunológico. Indicações Em 1997, o National Institute of Health organizou o primeiro consenso sobre acupuntura e concluiu que esta modalidade terapêutica é eficaz para o tratamento de dor no pós-operatório, da náusea e vômito provocados pela quimioterapia e da odontalgia pós-operatória. Porém havia outras condições em que a acupuntura poderia ser indicada como terapia alternativa ou complementar, entre elas: acidente vascular cerebral (reabilitação), cefaleia, cólica menstrual, epicondilite, fibromialgia, dor miofascial, osteoartrite, lombalgia, síndrome do túnel do carpo e asma. Com o reconhecimento e maior aceitação desta terapia no Ocidente e crescente número de publicações na literatura sobre a acupuntura, a Organização Mundial da Saúde (OMS) divulgou, em 2002, uma lista de doenças em que o tratamento com a acupuntura tem eficácia comprovada em ensaios clínicos controlados, como artralgia, lombalgia, cervicalgia, cefaleia, rinite, dismenorreia primária e depressão. As pesquisas também apontam que cada vez mais pacientes buscam acupuntura por não estarem satisfeitos com a terapia convencional ou porque querem um incremento no seu tratamento. Mao e Kapur (2011) relataram que 46% e 26% dos pacientes submetidos ao procedimento obtiveram, respectivamente, melhora importante ou alguma melhora dos seus sintomas. As maiores causas para a procura da acupuntura nos Estados Unidos são: lombalgia, cervicalgia, artralgia e cefaleia. Somente em 2007, cerca de três milhões de adultos americanos foram tratados com essa terapia. A acupuntura é, atualmente, uma terapia reconhecida em vários países ocidentais. Na Alemanha, os planos de saúde reembolsam a acupuntura no tratamento da lombalgia e artralgia de joelho. Na Inglaterra, é uma das terapias recomendadas para o tratamento de lombalgia crônica pelo protocolo de saúde do governo (NICE National Institute for Health and Clinical Excellence). Uma revisão de 2009 da American Family Physician (revista da American Academy of Family Physicians – EUA) mostra os seguintes níveis de evidência para o tratamento de patologias álgicas com acupuntura. Nível de evidência A: cervicalgia, cefaleia (migrânea ou idiopática crônica) e lombalgia. Nível de evidência B: dor em ombro, osteoartrite de joelho, fibromialgia, dor temporomandibular e dor pós-operatória. Vantagens Devido à sua eficácia, e por não promover interações medicamentosas, a acupuntura pode ser indicada para indivíduos com doenças crônicas e em uso de diversos medicamentos. Desta forma, grávidas, idosos, imunossuprimidos e pacientes com alergia medicamentosa ou insuficiência renal crônica podem ser submetidos a este tratamento com mínimos riscos de reações adversas. É importante ressaltar que a acupuntura é um método terapêutico e coadjuvante no tratamento de qualquer patologia. A medicação para a doença de base não deve ser suspensa pelo profissional que realiza este procedimento sem a anuência do médico responsável. Além disso, ela pode e deve ser associada a outras terapias, quando necessário, entre as quais a fisioterapia, terapia ocupacional e a psicoterapia. Referências: Han JS. Acupuncture: neuropeptide release produced by electrical stimulation of different frequencies. Trends Neurosci; 26: 17-22, 2003. Kelly RB. Acupuncture for pain. Am Fam Physician; 80: 481-4, 2009. Lund I, Näslund J, Lundeberg T. Minimal acupuncture is not a valid placebo control in randomised controlled trials of acupuncture: a physiologist’s perspective. Chin Med; 4: 1-9, 2009. Mao JJ, Kapur R. Acupuncture in primary care. Prim Care; 37: 105-17, 2010. Pai HJ. Acupuntura: de terapia alternativa a especialidade médica. 1ª ed. São Paulo: Ceimec, 2005, p. 192. 133 acupuntura | C o m o e u t r a t o Na prática clínica, recomenda-se acupuntura para pacientes com alguma patologia listada pela OMS. É importante que os mesmos tenham realizado investigação prévia para confirmação diagnóstica, pois a acupuntura pode mascarar sintomas clínicos pelos efeitos proporcionados. O intervalo e o tempo das sessões dependerão de caso para caso; entretanto, a maioria dos pacientes que se beneficiam do agulhamento tem alguma resposta ao tratamento nas primeiras sessões. É comum que haja pequenos sangramentos em alguns pontos da punção e, portanto, pacientes em uso de anticoagulantes podem ter hematomas leves e passageiros. Dra. Claudia Marquez Simões (CRM 104993) Avaliação pré-anestésica ANESTESIA | Como eu trato 134 O objetivo da avaliação pré-anestésica é preparar o paciente, com vistas à otimização do resultado cirúrgico, identificando e tratando doenças desconhecidas ou descompensadas, identificando potenciais dificuldades anestésicas, identificando e quantificando potenciais riscos e permitindo, assim, um planejamento perioperatório. Além disso, oferece a oportunidade de explicar e discutir o procedimento anestésico a ser realizado com o próprio paciente, reduzindo a ansiedade e estabelecendo uma melhor relação médico-paciente. Uma avaliação pré-operatória criteriosa pode reduzir custos e otimizar o movimento cirúrgico do hospital, com o objetivo de eliminar cancelamentos de cirurgia. Alguns exames subsidiários poderão ser solicitados de acordo com a idade e comorbidades - além do porte cirúrgico - devendo sempre ser avaliados de maneira individual. Estado físico Sociedade Americana de Anestesiologia Estado físico p1 p2 p3 p4 p5 Definição Paciente hígido, sem comorbidades Doença sistêmica, compensada Doença sistêmica com sinais de descompensação leve Doença sistêmica com sinais de descompensação grave Morte encefálica, doador de órgãos Caracterização do estado físico p2 e p3 para as principais doenças ASA p2 Uso ocasional de nitrato (2 – 3 vezes/mês)* ASA p3 Angina instável* Uso regular de nitrato* Tolerância ao exercício Não limitante Limitante Hipertensão Controlada com um medicamento Não controlada ou controlada com múltiplos medicamentos Diabetes Bem controlada, sem lesão de órgãos alvo aparente Não controlada ou com lesãoes de órgão alvo, ex.: claudicação, lesão renal, lesão ocular Revascularização miocárdica Respiratório DPOC Dependerá dos sintomas* Dependerá dos sintomas* Tosse produtiva, sibilos controlados por medicação inalatória, infecções respiratórias ocasionais Dispneia aos exercícios diários, sibilos constantes e mal controlados, infecções respiratórias repetidas Asma Controlada por medicações VO/ inalatórias Mal controlada Não limita exercícios Renal Creatinina entre 1,0 e 2,0 Alguma restrição alimentar Limita atividade física Internações por descompensação Altas doses de corticoides inalatórios ou VO Creatinina > 2 Diálise peritoneal ou hemodiálise Porte cirúrgico Alto Tipo de cirurgia - cirurgia de emergência, principalmente em paciente idoso - cirurgias arteriais e ramos da cirurgia vascular periférica - cirurgias prolongadas com grande perda de fluido e de sangue - endarterectomia de carótida % risco cardíaco >5% Intermediário - cirurgia de cabeça e pescoço e otorrinolaringológicas - cirurgia neurológica - cirurgia intraperitoneal e intratorácica - cirurgia ortopédica - cirurgias uroginecológicas <5% Baixo - procedimentos endoscópicos - procedimentos superficiais - cirurgia de mama - cirurgias oftalmológicas < 1% 135 ANESTESIA | Como eu trato Doença / condição física Cardiovascular Angina Avaliação das vias aéreas: achados sugestivos de uma via aérea difícil Achado Tosse seca Sangramento fácil Refluxo gastroesofágico Diabetes mellitus Ronco Trauma Radioterapia prévia Craniotomia temporal Tabagismo Implicações Possível compressão traqueobrônquica Risco de epistaxe ou sangramentos de via aérea superior Risco de aspiração pulmonar Possível alteração articular com redução da extensão cervical Obstrução da via aérea superior por tecidos moles Necessidade de estabilização cervical e ausência de extensão Fibrose, alteração da anatomia, estruturas friáveis, edema Limitada mobilidade mandibular Salivação, tosse, laringoespasmo Classificação de Mallampati modificada por Samsoon e Young Classe I Classe II Classe III ANESTESIA | Como eu trato 136 Classe IV palato mole, fauce, úvula e pilares amigdalianos visíveis palato mole, fauce e úvula visíveis palato mole e base da úvula visíveis palato mole totalmente não visível Avaliação cardiovascular: recomendações da I Diretriz Brasileira de Avaliação Pré-Operatória da Sociedade Brasileira de Cardiologia Referências bibliográficas 1. Caramelli, Bruno et al. I Diretriz de Avaliação Perioperatória. Arq. Bras. Cardiol., 2007, 88;5:e139-e178. 2. Priebe HJ. [Perioperative cardiac care for non-cardiac surgery : 2009 Guidelines of the European Society of Cardiology]. Anaesthesist 2010;59:443-52. ANESTESIA | Como eu trato 137 Dra. Denise Quinto (CRM 90933) Anestesia para cirurgia robótica ANESTESIA | Como eu trato 138 A cirurgia robótica é uma importante evolução na cirurgia e traz vantagens para o paciente em relação à cirurgia aberta, como rápido retorno à atividade com menor tempo de internação, menos dor e, por isso, menor utilização de analgésicos, diminuindo a possibilidade de efeitos colaterais relacionados a eles, como náuseas e vômitos. Esse tipo de cirurgia oferece também melhores resultados cosméticos, menor sangramento e, para o cirurgião, melhor visualização do campo operatório por meio de imagem tridimensional, além de permitir o uso de instrumentos com grande mobilidade, que mimetizam os movimentos da mão humana e filtram o tremor. Vários tipos de cirurgias podem ser feitas com o robô: cardíacas, torácicas, urológicas, ginecológicas, entre outras e, com o avanço da tecnologia, novos conhecimentos relacionados ao manuseio de pacientes submetidos a tais cirurgias devem também ser implementados pelo anestesiologista. Todos os pacientes recebem avaliação pré-anestésica – pela qual é obtida a história completa do paciente –, avaliação das comorbidades e de exames pré-operatórios, e eles são orientados a respeito do jejum, medicações de uso contínuo, e esclarecidos quanto às técnicas anestésicas, recebendo medicação pré-anestésica. Os pacientes são monitorados de acordo com as comorbidades presentes e complexidade da cirurgia, anestesiados e posicionados. Em todas as cirurgias, cuidado especial deve ser tomado com relação ao posicionamento do paciente na mesa cirúrgica para evitar lesões, principalmente nos braços: na maioria das vezes, ambos os braços ficam ao longo do corpo, portanto deve-se prestar atenção particular à proteção dos cabos de monitorização e equipos de soro para não machucar a pele do paciente e observar-se a posição das mãos. Em alguns casos, o paciente fica de lado, com o braço erguido para melhor visualização do campo; dessa forma, o braço pode ficar hiperabduzido, causando lesão de plexo braquial. Além dos braços, atenção deve ser dada à proteção do rosto do paciente, para que nada fique apoiado sobre ele – isso pode provocar lesões de face e olhos. Pacientes colocados em Trendelemburg acentuado devem ser posicionados na mesa cirúrgica com cuidado para não escorregarem cefalicamente. Alguns cirurgiões usam ombreiras e outros fixam o tórax na mesa cirúrgica. Qualquer que seja a técnica, é necessária precaução quanto a lesões de ombro, tórax, braços e plexo braquial. Deve-se observar também se os braços do robô não tocarão o paciente, para evitar lesões. Duas punções venosas são sugeridas, pois, após o posicionamento, o anestesiologista não tem mais acesso ao paciente, que estará totalmente coberto, com o robô em posição para a cirurgia. A técnica anestésica escolhida está a critério do anestesiologista, mas é necessário promover o relaxamento muscular para propiciar um pneumoperitônio e campo cirúrgico adequados. O paciente não pode apresentar nenhum tipo de movimentação, pois são colocados trocáteres que estão encaixados no robô e o movimento do paciente provocaria lesões em órgãos internos, além de diminuir o campo visual do cirurgião. Em algumas cirurgias, faz-se necessário o uso de pneumoperitônio e Trendelemburg acentuado, que causam alterações cardiovasculares, pulmonares e cerebrais importantes, o que é bem tolerado pela maioria dos pacientes, visto que os parâmetros ficam dentro de limites fisiológicos, mas deve-se ter cuidado em pacientes limítrofes. O Trendelemburg acentuado também coloca o paciente em risco de cegueira, pelo aumento da pressão intraocular. Os pacientes podem apresentar, em decorrência do Trendelemburg acentuado, edema de face, olhos e vias aéreas, que piora com o uso de grandes volumes de soro em tal posição. Caso o paciente apresente edema de face considerável, a extubação deve ser muito cautelosa. Nas cirurgias torácicas e cardiovasculares, há também insuflação de CO2, além do uso de intubação seletiva (ventilação monopulmonar), levando a alterações hemodinâmicas importantes. Em todos esses casos, os pacientes devem receber punção arterial. Há maior experiência em cirurgias robóticas urológicas, nas quais induzimos os pacientes com propofol, usado depois para manutenção. A intubação é realizada com o auxilio de cisatracúrio, utilizado continuamente para relaxamento muscular; para analgesia, usamos fentanil intermitentemente e dexmedetomidina de modo contínuo, que auxilia na analgesia transoperatória e permite o uso de menores quantidades de analgésicos no pós-operatório. Referências: Baltayian S.: A brief review: anesthesia for robotic surgery. J.Robotic Surg (2008); 2:59-66. Nishanian E.V.,Mets B. Anesthesia for Robotic surgery.In Miller´s Anesthesia. 6th ed. Philadelphia: Elsevier, Churchill Livigstone, 2005. 139 ANESTESIA | Como eu trato Em prostatectomias, existem ainda algumas particularidades relacionadas ao volume administrado. Tais pacientes são posicionados em Trendelemburg acentuado (45 graus), e deve-se administrar o mínimo de volume possível nessa posição, restabelecendo-se a volemia após a horizontalização da mesa. Em prostatectomia radical, a orientação é pouco volume durante o Trendelemburg. Dr. Mauricio Nunes Nogueira (CRM 25401) Dor pós-operatória ANESTESIA | Como eu trato 140 Introdução: Observa-se que muitos pacientes chegam ao quarto com dor de intensidade variável. Sendo assim, é muito difícil estabelecer um protocolo para tratamento imediato de dor pós-operatória, principalmente para cirurgiões, frente à diversidade de condutas adotadas no tratamento e das respostas individuais dos pacientes. O mais importante é aprimorar e agilizar o tratamento da dor, levando mais conforto, tranquilidade e segurança aos pacientes. A dor deixa uma lembrança muito negativa da instituição de saúde e da experiência cirúrgica quando o paciente recebe alta hospitalar. Assim, o tratamento adequado da dor assume cada vez mais destaque. METAS A SEREM ATINGIDAS: Paciente calmo, consciente, sem dor e com o mínimo de efeitos colaterais medicamentosos. Quando o paciente chega ao quarto, a enfermeira faz a avaliação da dor de acordo com a escala de dor padronizada. Ela delega a alguém a administração do analgésico, seguindo orientação da prescrição médica. Dessa forma, o paciente deverá ser prontamente medicado contra dor. OBSERVAÇÃO IMPORTANTE: Verificar histórico de reação alérgica antes de prescrever e aplicar o analgésico. Situação 1: Paciente no quarto com escore de dor entre 2 e 6, já tendo recebido dipirona, anti-inflamatório, tramadol ou morfina. Se o paciente não recebeu dipirona ou apenas 1 g, completar sempre com 2 g por via intravenosa. Atenção especial com relação ao uso de anti-inflamatórios (toradol ou bextra). TRAMADOL: 1 ampola intravenosa de 8/8 horas. Se o paciente pode fazer uso da via oral e tiver escore de dor entre 2 e 6, prescrever: • ULTRACET – 1 comprimido via oral de 8/8 horas ou • TRAMAL – 50 mg via oral de 8/8 horas Se houver persistência da dor, suspender as medicações supracitadas e administrar: • OXYCONTIN – 10 mg via oral, 8/8 ou 12/12 horas e morfina, 1 a 2 mg, por via intravenosa, nos intervalos do oxycontin para o resgate de dor, ajudando na titulação da dose ideal do oxycontin para o paciente em questão. Situação 2: Paciente com escore de dor entre 7 e 10, já recebeu dipirona, anti-inflamatório, tramadol ou morfina. Se o paciente não recebeu dipirona ou apenas 1 g, completar sempre com 2 g por via intravenosa. Atenção especial com relação ao uso de anti-inflamatórios (toradol ou bextra). Administrar 3 a 4 mg de morfina por via intravenosa a cada 15 minutos até boa melhora do quadro álgico. Repetir quando necessário. Nesta situação, se o paciente estiver em condições de fazer uso da via oral, prescrever: • OXYCONTIN – 20 mg via oral, 8/8 ou 12/12 horas e manter morfina nos intervalos do oxycontin para o resgate de dor, ajudando na titulação da dose ideal desse fármaco para o paciente. SITUAÇÕES ESPECIAIS: Em paciente agitado, confuso e sem obedecer a comando verbal, com aparência de dor e com sonda vesical de demora, observar: Presença de dor não relacionada com sonda vesical: observar o escore de dor e medicar com morfina, 1 a 2 mg ou 3 a 4 mg a cada 15 minutos, até melhora adequada da dor. Posteriormente, manter prescrição por via intravenosa ou oral. Em paciente com escore de dor de 2 a 10 sem sonda vesical, deve-se descartar, primeiramente, a presença de “bexigoma”, que pode levar a erro de interpretação na avaliação da dor. Na ausência de retenção urinária, aplicar a dose do analgésico de acordo com o escore da dor e, posteriormente, manter prescrição intravenosa ou por via oral. • Paciente com escore de dor de 7 a 10, após receber morfina 15 mg: medicar com ketamina 10 mg intravenosa diluída em uma solução de 10 ml de água destilada ou soro fisiológico 0,9%. Uma observação muito importante é que nem sempre a prescrição analgésica deixada pelo cirurgião é suficiente para o tratamento adequado de um paciente do qual não conhecemos o perfil de sensibilidade à dor. A maioria das prescrições deve ser feita com regularidade de horário, poucas se necessário (s/n). Uma solução analgésica de 10 mg de morfina diluída em 10 ml de água destilada pode ser usada fracionadamente como resgate para dor em pacientes que já receberam todas as medicações analgésicas prescritas e continuam doloridos. Em todas as situações especiais é necessário comunicar ao cirurgião ou pedir a presença de um anestesiologista para validar a aplicação do analgésico. Referências bibliográficas: 1. Bhavani-Shankar Kodali, MD, Jasmeet S Oberoi, MD Management of postoperative pain. Last literature review version 19.1: Janeiro 2011. 2. Woolf CJ, Chong MS. Preemptive analgesia - treating postoperative pain by preventing the establishment of central sensitization. Anesth Analg 1993; 77: 362. 3. Kehlet H, Dahl JB. The value of “multimodal” or “balanced analgesia” in postoperative pain treatment. Anesth Analg 1993; 77: 1048. 141 ANESTESIA | Como eu trato • Desconforto gerado pela sonda vesical, como espasmo: medicar com buscopan composto, 1 ampola diluída em 10 ml de água destilada ou soro fisiológico 0,9%. Dr. Milton Carlos Dantonio (CRM 69684) Via aérea difícil A incapacidade de manutenção de uma via aérea pérvia, ou mesmo a perda do seu controle, pode trazer consequências dramáticas ao paciente, visto que uma condição de hipoxemia grave é capaz evoluir para lesão neurológica irreversível ou mesmo óbito. ANESTESIA | Como eu trato 142 Chamamos de Via Aérea Difícil – VAD – quando um profissional experiente encontra dificuldade de aplicar ventilação sob máscara, dificuldade de intubação ou ambos. Há situações que podem antecipar uma VAD, como, por exemplo, trauma de face ou vias aéreas superiores, obesidade, síndromes congênitas, malformações e sequelas de queimaduras. Em outros casos, a dificuldade pode não estar explícita, sendo necessário pesquisá-la de forma dirigida; são os chamados fatores preditivos. Estudos correlacionam características anatômicas com dificuldade de intubação, além de mostrarem que a elaboração de alguns testes pode pressupor a ocorrência de intubação difícil. Quanto maior o número de testes realizados e sinais identificados, maior a acurácia da avaliação. Costumava-se considerar intubação traqueal difícil quando se realizava três tentativas ou se gastava mais que dez minutos para completar a manobra de intubação, utilizando-se a laringoscopia convencional. Porém, a definição se mostrava imprecisa e arriscada, uma vez que várias tentativas de laringoscopia podem levar a sangramento e edema das vias aéreas, dificultando a ventilação manual, trazendo sérias complicações. Este diagnóstico deverá ser feito já na primeira tentativa de laringoscopia, devendo-se buscar as condições ideais; caso não seja possível realizar a intubação traqueal, a intubação é considerada com difícil (com apenas uma tentativa e menos de 30 segundos). O sucesso de uma intubação depende de um grupo de medidas que proporciona condição ótima de laringoscopia, que consiste em: laringoscopista experiente, ausência de hipertonia muscular, posição olfativa apropriada, compressão laríngea externa e lâminas de laringoscópio de tamanho adequado. Indicadores de dificuldade de intubação: História pregressa: - história prévia de intubação difícil e cirurgia em região do pescoço. Exame físico: - distância tireomentoniana curta, mobilidade cervical reduzida, abertura bucal pequena, macroglossia, pescoço curto, incisivos centrais superiores grandes, mobilidade de mandíbula diminuída, obesidade, retrognatismo, conformação do palato em ogiva, classificação de Mallampati, etc. É importante buscar a identificação de uma VAD antes do procedimento, permitindo um adequado manuseio e utilização de materiais próprios como fibroscopia flexível ou rígida, fast track, máscara laríngea, etc. Caso a VAD não seja identificada, os mesmos materiais poderão ser utilizados considerando-se as condições do paciente. É sabido que a dificuldade de ventilação é uma condição ainda mais preocupante do que a própria dificuldade de intubação. Isto pode levar à condição crítica de “não intubo, não ventilo”, necessitando, às vezes, de intervenção invasiva, como a cricotireoidostomia ou traqueostomia de urgência. Essa dificuldade pode ser rastreada por histórias de apneia do sono, ronco, pescoço curto, retrognatismo, presença de barba e ausência de dentes. Caso haja sinais de provável ventilação difícil, deve-se aventar a possibilidade de intubação traqueal com o paciente acordado e a melhor estratégia para isso é manter ventilação espontânea, evitar drogas depressoras da ventilação, evitar bloqueadores neuromusculares e posicionar de forma ideal. Notas: 1. Estas técnicas têm complicações graves: usar somente em situações de risco iminente de vida 2. Estabelecer via aérea definitiva assim que possível 3. Manejo pós-operatório – cuidados na extubação Referência: Practice guidelines for management of the difficult airway: an updated report by the American Society of Anesthesiologists Task Force on Management of the Difficult Airway. Anesthesiology 2003; 98: 1269-77. 143 ANESTESIA | Como eu trato Traduzido e adaptado pelo Núcleo de Educação Serviços Médicos de Anestesia Ltda. Técnicas de resgate para a situação “não intubo, não ventilo” Falha na intubação e dificuldade na ventilação Máscara facial Oxigenar e ventilar o paciente Extensão da cabeça Tracionar mandíbula Vedar máscara facial Cânula oro ou nasofaríngea Reduzir pressão cricoide, se necessário Falha na oxigenação com mascara facial (ex. SpO2 < 90% com FiO2 100) Chamar ajuda LMATM Oxigenar e ventilar o paciente No máximo duas tentativas Reduzir pressão cricoide na inserção sucesso Oxigenação satisfatória e estável: manter oxigenação e despertar o paciente “não intubo, não ventilo” com hipoxemia 144 Plano D: Técnicas de resgate para “não intubo, não ventilo” Cricotireoidostomia por punção Equipamento: cânula resistente à curvatura. Ex.: Patil (Cook) Sistema de ventilação transtraqueal. Ex.: Manujet III Técnica: 1. Inserir cânula através da membrana cricotireóidea 2. Manter posição da cânula 3. Confirme posição na traqueia pela aspiração de ar com uma seringa 4. Conectar o sistema de ventilação à cânula 5. Iniciar ventilação a jato com cautela 6. Confirmar oxigenação e exalação de ar pela via aérea superior 7. Se a ventilação/oxigenação falhar ou surgir enfisema subcutâneo ou qualquer outra complicação, realizar cricotireoidostomia cirúrgica Cricotireoidostomia cirúrgica Equipamento: cânula traqueal número 5,0 1. Identificar membrana cricotireóidea 2. Incisão vertical na pele e membrana cricotireóidea. Aumentar a incisão por meio de dissecção com Kelly curvo 3. Tração caudal da cartilagem cricoide 4. Inserir tubo e inflar o “cuff” Ventilar com baixa pressão e verificar o posicionamento do tubo traqueal e ventilação pulmonar Farmª Alessandra Pineda A. Gurgel (CRF 17774) Farmª Daniela Ferreira Brandão (CRF 16218) Farmª Priscila Shoji (CRF 60670) Orientação farmacêutica a pacientes em uso de Varfarina A Organização Mundial da Saúde (OMS) estima que a adesão a tratamentos de longo prazo para doenças crônicas atinge em torno de 50%, com expectativa de diminuição.1 Neste contexto, a adesão ao tratamento com varfarina torna-se fundamental para o sucesso terapêutico com risco mínimo à saúde do paciente, uma vez que o anticoagulante possui difícil ajuste de dose, monitoramento delicado, múltiplas interações medicamentosas e alimentares e reações adversas de risco potencial.2,3 A orientação farmacêutica também pode contribuir para o alcance mais rápido do INR desejado e a manutenção deste por mais tempo, contribuindo para a melhoria da qualidade do tratamento.4 A orientação de alta de varfarina é oferecida pelo Serviço de Farmácia para qualquer paciente em uso do medicamento, em concordância prévia com o médico responsável, com o propósito de estimular a adesão ao tratamento por meio da conscientização e participação ativa do paciente em sua terapia medicamentosa. Durante a orientação, o farmacêutico conversa com o paciente, acompanhante ou cuidador a respeito do medicamento, suas indicações, sua ação esperada, seus efeitos indesejados e a influência da dieta e bebidas alcoólicas no tratamento. São esclarecidos ao paciente, em linguagem acessível, os seguintes pontos: • A varfarina evita a formação de coágulos/trombos que podem ocorrer no estado clínico em que o paciente se encontra.2 • Evitando estes coágulos, o sangue torna-se mais fluido e, por este motivo, se administrada em excesso, pode causar sangramentos indesejados e hematomas em diversas partes do corpo. Cortes e ferimentos simples podem demorar mais tempo para cicatrizar e, nestes casos, é fundamental que o médico seja procurado.2,3 • O mecanismo de ação da varfarina é influenciado pela quantidade de vitamina K contida na dieta. A vitamina K (encontrada principalmente em vegetais folhosos verde-escuros) deve ser ingerida em quantidade constante todos os dias, ficando a critério médico a suspensão ou alteração da quantidade destes alimentos na dieta.2,3 • A ação da varfarina também pode ser influenciada por outros medicamentos, inclusive os de venda sem prescrição médica, como analgésicos, antiácidos e anticoncepcionais. Qualquer medicamento, de uso crônico ou 145 CARDIOLOGIA E DOENÇAS CIRCULATÓRIAS | Como eu trato A adesão ao tratamento conota uma relação interativa e colaborativa entre o farmacêutico e o paciente, respeitando o papel do paciente como corresponsável pelas consequências do tratamento farmacológico.1 São determinantes da adesão fatores sociais, econômicos, clínicos e comportamentais, estando estes diretamente relacionados à compreensão do uso adequado dos medicamentos por parte do paciente.1 não, não deve ser utilizado sem que antes se consulte o médico. O uso da varfarina deve ser informado a qualquer médico ou dentista com quem o paciente se consulte.2,3 • Bebidas alcoólicas e ervas medicinais, como ginseng, ginkgo biloba e erva de São João, também podem interferir no tratamento, devendo ser evitadas.2,3 • Como qualquer excesso do medicamento pode ocasionar sangramentos indesejados, é fundamental tomar as doses no mesmo horário todos os dias, a fim de evitar esquecimentos, e nunca tomar uma dose esquecida junto à do próximo horário. Por esta razão, também é fundamental fazer exames periódicos para o monitoramento do medicamento, sempre informando o médico dos resultados.2 • A varfarina pode causar náuseas, vômitos e alterações do paladar. No aparecimento de hematomas pelo corpo, febre, náusea persistente e dores nas articulações, o médico deve ser imediatamente procurado.3 O médico é sempre consultado previamente pelo farmacêutico sobre a concordância em se realizar a orientação e para melhor compreensão do caso do paciente, contribuindo também para uma abordagem mais adequada para cada situação. A orientação farmacêutica é realizada preferencialmente nos dias anteriores à alta hospitalar, tendo em vista a grande quantidade de informações que o paciente recebe por parte de toda a equipe multiprofissional envolvida em seu plano de cuidados, e que podem ser esquecidas ou confundidas, impactando o processo de adesão. O entendimento das informações pelo paciente e a existência de dúvidas sobre o assunto são avaliados durante e ao final da orientação, e a evolução farmacêutica e avaliação da orientação multiprofissional são registradas em prontuário. CARDIOLOGIA E DOENÇAS CIRCULATÓRIAS | Como eu trato 146 Ainda como reforço às informações transmitidas, os tópicos apresentados também são disponibilizados por meio de material didático, como panfletos e folders que o paciente leva para casa, contendo as orientações prestadas sobre o uso de varfarina e informações gerais sobre uso de medicamentos, além de telefones e e-mails para contato com o farmacêutico e Serviço de Farmácia. Referências: 1. AMERICAN PHARMACISTS SOCIETY. Enhancing Patient Adherence: Proceedings of the Pinnacle Roundtable Discussion. Highlights Newsletter, Washington, 2004 n. 4; 7: 1-12. Disponível em: <http://www.pharmacist.com/AM/Template.cfm?Secti on=Home2&CONTENTID=11174&TEMPLATE=/CM/ContentDisplay.cfm>. Acesso em: 19 abr. 2011. 2. PATIENT EDUCATION INSTITUTE. X-Plain Tutorials. Warfarin – Introduction for New Users. National Library of Medicine, [s.l.], 2010. Disponível em: <http://www.nlm.nih.gov/medlineplus/tutorials/warfarinintroduction/ct059303.pdf>. Acesso em: 25 abr. 2011. 3. MAYO CLINIC STAFF. Warfarin side effects: Watch for dangerous interactions. Mayo Clinic, [s.l.], 2010. Disponível em <http:// www.mayoclinic.com/health/warfarin-side-effects/HB00101>. Acesso em: 29 abr. 2011. 4. DONAVAN, J.L. et al. Pharmacy-managed anticoagulation: Assesment of in-hospital efficacy and evaluation of financial impact and community acceptance. J Thromb Thrombolysis, [s.l.], 2006; n. 1: 22: 23-30. Disponível em: <http://www.ncbi.nlm. nih.gov/pubmed/16786229>. Acesso em: 29 abr. 2011. Dr. Enio Buffolo (CRM 11871) Dr. José Honório Palma da Fonseca (CRM 46329) Aneurismas da aorta torácica Introdução Pacientes com aneurisma não tratado seguem um curso natural que, invariavelmente, acaba com sua ruptura, quando não morrem antes por doenças associadas, como aterosclerose coronariana, renal ou cerebral. O crescimento dos aneurismas, avaliado por tomografia computadorizada, demonstra um aumento anual de 0,42 cm no diâmetro da aorta torácica doente, o dobro do observado na aorta abdominal. Está comprovado que a incidência de ruptura é diretamente proporcional ao tamanho do aneurisma, ou seja, quanto maior o diâmetro, maior a chance de ruptura. Neste ponto, vale lembrar a lei de Laplace: “A tensão na parede de um vaso é diretamente proporcional a seu raio”. Por este motivo, é de fundamental importância o seguimento seriado próximo de pacientes sem indicação cirúrgica no momento. Etiologia A etiologia dos aneurismas da aorta é variada. As duas causas mais frequentes são a aterosclerose e a degeneração cística da camada média. Em um círculo vicioso, a aterosclerose envolve, inicialmente, placas na camada íntima, que, com o passar do tempo, levam a uma fibrocalcificação, com degeneração e enfraquecimento da camada média. A aorta abdominal é, sem dúvida, o segmento mais afetado, na proporção de quatro casos para um de aorta torácica, especialmente na porção infrarrenal. Existem etiologias menos comuns, entre elas síndrome de Marfan, doença de Takayasu, arterite de células gigantes, doença de Behçet, além de causas infecciosas, como, por exemplo, a sífilis. No passado, a origem sifilítica era muito frequente e, em referências antigas, os aneurismas torácicos eram, em sua maioria, determinados pelo microrganismo causador dessa doença, diferentemente dos localizados na 147 CARDIOLOGIA E DOENÇAS CIRCULATÓRIAS | Como eu trato Define-se aneurisma da aorta como uma dilatação de um ou mais segmentos da aorta que envolva todas as suas camadas: íntima, média e adventícia. Na prática, considera-se aneurisma quando o diâmetro da aorta for maior do que uma ou duas vezes o tamanho normal. A doença da aorta torácica aflige aproximadamente seis a oito indivíduos a cada 100 mil por ano. A aorta ascendente é a porção mais comumente afetada (cerca de 50% dos casos), seguida do segmento descendente (em torno de 40%) e da crossa da aorta (uma pequena fração). Atualmente, a incidência dos aneurismas da aorta vem aumentando progressivamente, refletindo, talvez, uma melhora nos métodos diagnósticos, assim como o aumento da população idosa, o que caracteriza uma epidemia silenciosa tanto do aneurisma da aorta torácica como abdominal. aorta abdominal, cuja origem era aterosclerótica. A explicação teórica para isso está relacionada com o fato de que, histologicamente, a aorta ascendente apresenta muito mais vasa vasorum que outros segmentos, estando, portanto, mais suscetível à disseminação hematogênica do treponema. Hoje em dia, esses aneurismas são menos comuns, porém deve-se sempre pesquisar tal etiologia, pois pode ter implicação terapêutica. Alguns casos de aneurismas na mesma família alertaram para a possibilidade da existência de um fator genético. Além disso, pesquisas constataram a presença de uma enzima proteolítica que levaria à destruição da camada média e do tecido elástico, com tendência à formação de aneurismas. Recentemente, demonstrou-se uma atividade elastolítica na parede doente, fato não evidente em aortas normais. O tabagismo é implicado não somente como fator causal, mas também na aceleração do crescimento do aneurisma. Na maioria dos casos, os aneurismas não acarretam sintomas, sendo achados em exames de rotina para avaliação de outras afecções (Rx torácico, ultrassom de abdômen, ecocardiograma). Nos casos sintomáticos, as manifestações são muito variáveis na decorrência da compressão de órgãos vizinhos. Assim sendo, a compressão da traqueia ou brônquio pode levar a dispneia ou tosse seca, a compressão do nervo laríngeo recorrente esquerdo, observando nas dilatações próximas à aorta descendente, leva à disfonia, e os crescimentos para o mediastino podem levar a compressões venosas com pletora de face, dilatação das veias do pescoço e edema da fossa supraclavicular. Os aneurismas da porção ascendente da aorta podem se manifestar com insuficiência da válvula aórtica por dilatação do anel valvar, concomitantemente ao aumento do diâmetro da aorta ascendente. A compressão da veia cava superior, mesmo sendo mais rara, pode estar presente e causar sintomas. Comparativamente, os aneurismas da aorta abdominal são menos sintomáticos nessa fase que os da aorta torácica, pois existem menos estruturas adjacentes que, quando acometidas, podem determinar sintomas. CARDIOLOGIA E DOENÇAS CIRCULATÓRIAS | Como eu trato 148 Exames Subsidiários A radiografia de tórax é um bom método para realizar a triagem dos pacientes que apresentam suspeita de aneurisma da aorta torácica. A limitação desse método, eficiente e barato, é a falta de detalhes, como a extensão das dilatações, o comprometimento das artérias coronárias e a quantificação de uma insuficiência aórtica. Para uma programação cirúrgica ideal, faz-se necessário utilizar outros métodos diagnósticos. A aortografia é usada nos aneurismas da aorta torácica, pois informa sua extensão, seus limites precisos, os ramos (que saem da aorta) envolvidos, a existência de doença coronariana associada e a magnitude do acometimento da válvula aórtica. O diagnóstico de lesão coronariana aterosclerótica associada aproxima-se de 50% nos aneurismas abdominais e é frequente também nos torácicos, uma vez que a etiologia é a mesma, impondo-se nos aneurismas ateroscleróticos a cinecoronariografia. A tomografia computadorizada, sobretudo a helicoidal, informa com precisão o diâmetro do aneurisma, do coto proximal e distal, assim como sua extensão. A imagem tridimensional proporcionada por esse exame permite também observar as cavidades (pericárdica e pleural) onde está ocorrendo a ruptura, além das estruturas adjacentes acometidas pela expansão da aorta. Atualmente, os ecocardiogramas transtorácico e transesofágico, conforme aumentou a experiência com eles, adquiriram grande importância, tanto no diagnóstico pré-operatório quanto no acompanhamento durante a operação e na evolução ambulatorial: quantificam a função ventricular e a disfunção da válvula aórtica, permitem visualizar as paredes hipocontráteis, analisam o resultado cirúrgico na sala de operação e monitoram os resultados a longo prazo. Sua grande vantagem é o fato de serem métodos pouco invasivos. Com a qualidade das imagens da tomografia com reconstrução helicoidal de que dispomos na atualidade, a aortografia clássica para complementação diagnóstica faz-se necessária apenas excepcionalmente. A ressonância magnética da aorta na fase de avaliação pré-operatória é inadequada e desnecessária. Tratamento O tratamento cirúrgico é recomendado a todos os pacientes portadores de aneurismas da aorta maiores que 6 cm, tendo em vista o prognóstico grave observado na história natural. Todavia, a regra não é válida para todos os pacientes. Nos indivíduos com síndrome de Marfan e nos aneurismas excêntricos, a indicação deve ser feita mais precocemente. Para os pacientes sintomáticos, a intervenção cirúrgica é indicada de forma sistemática, à exceção dos extremamente doentes ou debilitados. Os betabloqueadores são utilizados rotineiramente, tanto na fase anterior à operação quanto no pós-operatório tardio. A tática cirúrgica a ser empregada no tratamento depende da porção da aorta a ser substituída, pois cada segmento apresenta certas peculiaridades, e o sucesso requer planejamento adequado. A cirurgia de emergência e a insuficiência cardíaca congestiva são fatores independentes que determinam maior mortalidade cirúrgica. A mortalidade hospitalar relaciona-se, ainda, com idade avançada, presença de doença pulmonar crônica ou a localização do aneurisma. Quanto às mortes tardias, mais da metade decorre de doença cardíaca ou cerebrovascular e, em torno de 1/4, da ruptura de outro aneurisma. Os aneurismas localizados no arco aórtico dificilmente podem ser tratados com um simples clampeamento, pois, na maioria das vezes, envolvem toda a extensão dessa porção; portanto, os vasos da base estão comprometidos. No início de sua aplicação, tal operação era realizada utilizando-se derivações entre a aorta ascendente, os vasos da base e a porção descendente, com grande índice de complicações neurológicas. Os resultados cirúrgicos melhoraram com o uso da circulação extracorpórea associada a hipotermia profunda e parada circulatória total. Crawford et al introduziram a técnica da inclusão, na qual todas as saídas dos vasos da base, deixadas em uma calota única, eram suturadas diretamente na prótese de Dacron. O tempo para realização da cirurgia quando se utiliza a parada circulatória é curto, variando, na literatura, de 30 a 40 minutos. A correção dos aneurismas da aorta descendente envolve a retirada do segmento dilatado e, para tanto, interrompe-se, necessariamente, a circulação nesse nível. Desde cedo se observam na literatura relatos das complicações determinadas pela oclusão da aorta após a artéria subclávia esquerda: elevação súbita da pressão com distensão do ventrículo esquerdo e consequente parada cardíaca, assim como lesões de órgãos distais, entre eles rins e medula, por falta de circulação. Vários métodos foram e são utilizados para prevenir esses problemas: hipotermia profunda, desvio femorofemoral utilizando circulação extracorpórea, desvio aorto-aórtico sem o uso de heparina e o método desenvolvido por Crawford et al, no qual a aorta descendente é trocada, empregando-se somente vasodilatadores e máquinas de “cell saver”. Entretanto, apesar de ainda ocorrerem casos de paraplegia, a maioria dos cirurgiões atualmente utiliza a circulação extracorpórea (átrio femoral esquerdo, femorofemoral) como forma de diminuir a chance de isquemia em órgãos abdominais ou na medula. Recentemente, iniciou-se um método revolucionário de tratamento dos aneurismas da aorta descendente. Por meio de endoprótese inserida na artéria femoral por cateter, sob visão radiológica, exclui-se a porção dilatada da circulação, impedindo, assim, que esta evolua com ruptura ou expansão. O tratamento endovascular achase em fase de expansão de indicações tanto para aneurismas verdadeiros da aorta descendente quanto para dissecções tipo B, úlceras de aorta, hematoma intramural e traumatismos da aorta. O sucesso e os bons resultados tardios dependem fundamentalmente da seleção dos casos, sendo necessários bons cotos proximal e distal para ancoragem do stent. 149 CARDIOLOGIA E DOENÇAS CIRCULATÓRIAS | Como eu trato Em geral, os aneurismas da aorta ascendente originam-se da degeneração cística ou mixomatosa da camada média, sendo, na maioria, fusiformes, com envolvimento do anel aórtico. Atualmente, o procedimento de escolha é a cirurgia desenvolvida e descrita por Bentall e DeBono que preconiza a substituição da aorta ascendente por um tubo de Dacron valvulado, utilizando-se prótese valvular com reimplante do óstio das coronárias esquerda e direita. Em alguns raros casos em que existe aderência importante (reoperação) ou distorção considerável do óstio de ambas as coronárias, pode-se utilizar a técnica descrita por Cabrol, na qual a perfusão das coronárias é restabelecida por um tubo de Dacron mais fino, anastomosado na prótese valvulada. Mais recentemente, na tentativa de preservar a válvula aórtica nativa, foi introduzida a técnica de Tirone, em que o tubo de Dacron é anastomosado no anel aórtico sem a utilização de prótese metálica, aproveitando-se a própria valva do paciente e reimplantando-se as coronárias. O entusiasmo com esta opção terapêutica tem feito com que aproximadamente 2/3 dos casos de aneurismas da aorta descendente (dissecantes ou verdadeiros) possam ser tratados por via endovascular. A correção dos aneurismas de extensão toracoabdominal, que correspondem a 5% dos casos, é procedimento agressivo e de risco. Descrita por Crawford et al em 1978, a técnica para correção consiste na realização de uma toracofrenolaparotomia com exposição retroperitonial da aorta, após o que a aorta é aberta e seus ramos são implantados em conjunto ou individualmente. Muitos progressos têm sido relatados nessa área, como melhora na qualidade das próteses, na prevenção da isquemia renal e nas técnicas anestésicas; porém uma das questões mais estudadas que ainda não está totalmente resolvida é a isquemia medular, determinando paraplegia. Em séries expressivas da literatura, essa desastrosa ocorrência incide ainda entre 5% e 15% dos casos. Entre os fatores que aumentam o risco de paraplegia incluem-se: ligadura das artérias intercostais, hipotensão arterial durante o ato cirúrgico, embolia e reperfusão. Algumas formas de evitar esse dano foram propostas, como: correção cirúrgica rápida no intuito de diminuir o tempo de isquemia medular, utilização do potencial evocado somatossensitivo, drenagem do líquido cefalorraquidiano durante o ato cirúrgico, aumentando o espaço para a medula isquêmica e edemaciada e infusão de papaverina intratecal para dilatar as artérias medulares. Acredita-se que a melhor forma de diminuir a ocorrência de paraplegia seja a perfusão da aorta associada ao pinçamento sequencial. Assim, enquanto se faz a primeira anastomose após a artéria subclávia esquerda, perfunde-se a aorta até o terço médio da aorta descendente, onde se coloca uma pinça. Conforme se realizam as anastomoses dos ramos que saem da aorta, abaixa-se essa pinça com o intuito de manter a perfusão distal. É de fundamental importância a manutenção de pressão arterial satisfatória durante e imediatamente após a operação. CARDIOLOGIA E DOENÇAS CIRCULATÓRIAS | Como eu trato 150 Referências 1- Bentall HI, De Bono A. A technique for complete replacement of ascending aorta. Thorax 1968 23: 338-40. 2- Albuquerque LC, Braile DM, Palma JH et al. Diretrizes para o tratamento cirúrgico das doenças da aorta da Sociedade Brasileira de Cirurgia Cardiovascular. Atualização 2009. Rev. Bras. Cir. Cardiovasc. 2009; 24: 7-34. 3- Grabenwöger M, Hutschala D, Ehrlich M P et al. Thoracic aortic aneurysms; Treatment with endovascular self expanding stent grafts. Ann. Thorac. Surg. 2000; 69: 441-5. 4- Buffolo E, Palma JH, Souza JAM et al. Revolutionary treatment of aneurysms and dissections of descending aorta: The endovascular approach. Ann Thorac. Surg. 2002; 74: 1815-17 5- Crawford ES, Svensson LG, Coselli J et al. Surgical treatment of aneurysm and for dissection of the ascending aorta, transverse arch. Factor influencing survival in 717 patients. J. Thorac. Cardiovasc. Surg. 1989; 98: 659-73. Dr. Anísio Alexandre A. Pedrosa (CRM 65632) Arritmias cardíacas Taquiarritmias supraventriculares O termo taquicardia supraventricular (TSV) refere-se, genericamente, aos estados patológicos em que ocorre a formação anormal do estímulo elétrico em qualquer estrutura atrial, resultando em FC elevada para a condição funcional do indivíduo. São definidas segundo a estrutura atrial responsável pela manutenção do circuito: sinusal, atrial, nodal ou envolvendo vias acessórias (condução AV). As TSV são consequentes das alterações anatômicas ou funcionais (congênitas ou adquiridas) das estruturas atriais, deflagradas por reflexos do SNA ou por disfunções tóxico-metabólicas e, portanto, devem ser analisadas dentro de um contexto geral, considerando a possibilidade de representar manifestação de doenças sistêmicas. 1. Classificação das taquiarritmias supraventriculares a. segundo as características eletrofisiológicas • Mecanismos: - automáticas; - reentrantes; - deflagradas. b. Segundo a apresentação clínica 1. Sustentadas (> 30s) /não sustentadas (< 30s); 2. Autolimitadas (interrupção espontânea)/persistentes (interrupção médica); 3. Paroxísticas (início súbito)/incessantes (persistem apesar da tentativa de interrupção); 4. Assintomática/sintomática (palpitações, síncopes, IC, angina); 5. Primárias (cardiopatias)/secundárias (distúrbios sistêmicos). 151 CARDIOLOGIA E DOENÇAS CIRCULATÓRIAS | Como eu trato As taquiarritmias podem ser sumariamente classificadas de acordo com o seu local de origem em supraventriculares ou ventriculares. Esta classificação simplificada tem importância na definição da abordagem da arritmia, tanto em situações de emergência como de forma eletiva. 2. Mecanismos etiopatogênicos As TSV se associam a inúmeras situações clínicas em que os mecanismos não são completamente conhecidos. Os 3 mecanismos etiopatogênicos conhecidos foram elaborados a partir de estudos desenvolvidos em laboratório experimental de eletrofisiologia: a) automatismo anormal; b) automaticidade deflagrada; c) mecanismo de reentrada. a. Automatismo anormal A capacidade de gerar espontaneamente estímulos elétricos está muito reduzida nas fibras atriais e restrita às células do NS, NAV, da crista terminal e anel AV. Entretanto, frente a causas diversas locais como isquemia, trauma, acidose metabólica e hiperpotassemia, as fibras atriais podem atingir o potencial limiar de excitabilidade e assumir o comando do ritmo cardíaco. b. Automaticidade deflagrada Ao submeterem as fibras à condição de alteração eletrolítica e a um regime de estimulação elétrica com frequência baixa, pesquisadores observaram nova despolarização espontânea, que se inicia ainda na fase de repolarização (fases 2 e 3). A esse fenômeno denominaram pós-despolarizações (ou pós-potenciais) – que, por sua vez ocasionavam outro fenômeno, denominado automaticidade deflagrada por pós-potencial precoce ou tardio. CARDIOLOGIA E DOENÇAS CIRCULATÓRIAS | Como eu trato 152 c. Mecanismo de reentrada Mines (1913)(37) demonstrou que um estímulo elétrico pode ser perpetuado, em um movimento circular por tecido miocárdico, quando estabelecidas algumas condições: 1. duas frentes de ativação; 2. bloqueio unidirecional em uma das frentes de ativação; 3. comprimento de onda (ciclo da taquicardia x período refratário do tecido) da taquicardia menor que o comprimento do circuito utilizado pela frente de onda. O átrio direito possui 2 estruturas compostas por células com condução lenta: NS e NAV, que podem favorecer a ocorrência de circuitos reentrantes, desde que se estabeleça a dissociação longitudinal do impulso elétrico atrial e a condução unidirecional, fatos incomuns quando essas estruturas são normais. A presença de cicatrizes, provocando bloqueio anatômico da condução e distorção espacial do arranjo tecidual, promove alteração na condução do estímulo, resultando em condução lenta. Esta é a alteração fisiopatológica mais importante que dá origem às taquicardias atriais que ocorrem na presença de cardiopatias, com dilatação atrial ou no pósoperatório de atriotomia. 3. Mecanismo fisiopatológico a. Taquiarritmias atriais As taquiarritmias atriais são classificadas (ao ECG) em taquicarcia atrial (TA), flutter atrial e fibrilação atrial (FA). Os principais critérios utilizados são a origem, regularidade e frequência da atividade atrial. Atualmente, existem numerosos estudos, experimentais e clínicos, demonstrando que estes 3 tipos de taquiarritmias apresentam mecanismos fisiopatológicos distintos. Moe (1962)(38) sugeriu que a FA depende de múltiplos microcircuitos reentrantes em ambos os átrios; Lewis (1921)(39) sugeriu que o flutter atrial depende de um único macrocircuito reentrante no átrio direito; já as TA podem ser automáticas ou reentrantes, com diversas localizações no AD e AE. • Taquicardias atriais Podem se apresentar com ritmo atrial ectópico, (P diferente da sinusal), de fácil reconhecimento e que se originam na vizinhança do NS (T.S.A. reentrante ou T.S. inapropriada), cujas características morfológicas, idênticas às da sinusal, são secundárias a um mecanismo fisiológico ou patológico específico. As TA automáticas ocorrem principalmente em crianças, e o quadro clínico inicialmente é benigno pela ausência de sintomas e de cardiopatia estrutural. Entre 20 e 40%, podem apresentar remissão espontânea. Entretanto, quando sintomáticas, muitas vezes são refratárias às drogas antiarrítmicas; podem evoluir com quadro de ICC (taquimiocardiopatia) e raramente levam a MS. Apresentam-se sob a forma incessante ou em episódios autolimitados muito frequentes, com fenômeno de aquecimento e desaquecimento. As TA reentrantes são frequentes em pós-operatórios tardios de cardiopatia congênita. • Flutter atrial O flutter atrial foi descrito por Jolly e Ritchie (1911)(40). A teoria inicialmente proposta sugeria que fosse causado por um distúrbio focal de formação do impulso, originado no tecido atrial. Mines (1913)(37) elaborou a teoria de reentrada: demonstrou que um estimulo elétrico podia reexcitar o miocárdio em movimento circular, percorrendo um circuito anatomicamente estabelecido. Trabalhos recentes realizados por Cosio (1986)(43), Olshanski (1990)(44), Olgin (1995)(45), Kalman (1996)(46) e Nakagawa (1996)(47), entre outros, demonstraram que o flutter atrial do tipo I decorre de um circuito reentrante, restrito ao AD, que utiliza a crista terminalis, a cava inferior e a válvula de Eustachio como barreiras na porção posterior do circuito, e o anel da tricúspide como barreira anterior. Após descrição do ECG inicial por Jolly e Ritchie (1911)(40), o flutter atrial recebeu nova caracterização por Puech (1970)(48) que classificou em 2 tipos: flutter típico, com ondas P negativas nas derivações D2, D3 e aVF (aspecto de “dente de serra”) e flutter atípico, com ondas P positivas nas derivações D2, D3 e aVF, (+ rápido). Wells (1979)(49) definiu: flutter atrial tipo I (clássico), com frequência atrial entre 240 e 340 e tipo II, entre 340 e 433 (rápido); apenas o tipo I era influenciado pela estimulação atrial rápida, ou seja, o circuito apresentava hiato de excitabilidade e poderia ser acelerado ou interrompido durante est. atrial. O flutter típico (tipo I), por ser mais frequente na clínica, foi reconhecido também como comum, e o flutter atípico (tipo II), como incomum (figura 1). Figura 1: Flutter atrial com condução AV variável • Fibrilação atrial Caracteriza-se pela presença de eletrogramas atriais com amplitude variável e ritmo irregular. É a arritmia mais frequente na clínica. Geralmente complica a evolução de diversas cardiopatias (valvopatias, miocardiopatias), mas ocasionalmente pode ocorrer sem causa aparente (FA solitária). A prevalência aumenta com a idade: adultos jovens (0,004%); 40-65 < 1%; 65-74 de 2 a 5% e acima de 75 > 5%. Tromboembolismo pode ocorrer em até 33% dos casos. 153 CARDIOLOGIA E DOENÇAS CIRCULATÓRIAS | Como eu trato O flutter atrial pode ocorrer em coração normal (flutter idiopático), ou em cardiopatias estruturais, pós-cirurgia de c. congênita, pacientes com DPOC ou tireotoxicose. Konings (1994)(54) classificou FA em 3 tipos, correlacionando a complexidade dos circuitos reentrantes com o ECG e sugeriu que um foco ectópico poderia contribuir na indução e manutenção da FA. Haissaguerre (1996)(55) localizou áreas específicas, relacionadas à origem das veias pulmonares, capazes de deflagrar atividade focal de alta frequência e desencadear TA e FA, e que a destruição dessas áreas por meio de radiofrequência interrompia os episódios de FA. Assim, há 2 mecanismos fisiopatológicos básicos na FA: a. modificação difusa primária do tecido atrial, funcional (reflexos autonômicos) ou orgânica (distensão atrial), levando a múltiplos circuitos reentrantes tipo leading-circle; e b. alteração focal primária (TA), provocando FA (secundária) (figura 2). Figura 2: Fibrilação atrial com resposta ventricular elevada CARDIOLOGIA E DOENÇAS CIRCULATÓRIAS | Como eu trato 154 b. Taquiarritmias envolvendo a junção atrioventricular (AV) • Mediadas por vias acessórias As vias de condução acessória são formadas, em geral, por tecido atrial normal, que invade o anel AV e atinge o miocárdio ventricular; mais raramente, ocorre conexão entre os nódulos AV acessórios e as fibras ventriculares. As vias acessórias da cond. AV são responsáveis pelas chamadas síndromes de pré-excitação ventricular porque, ao utilizar estas vias, o estímulo normal pode atingir precocemente os ventrículos, em relação ao estímulo que segue pelo sist. de cond. normal e reexcitar átrios e ventrículos, perpetuando um movimento circular. Os sintomas podem variar de simples palpitações autolimitadas até taquicardias mantidas, acompanhadas ou não de síncopes, e podem necessitar de intervenção médica para sua reversão. Dependendo de suas características histológicas e funcionais, as vias acessórias podem provocar: 1. Síndrome de WPW, a mais comum; ocorre entre 0,1% a 0,3% da população geral e se caracteriza pela presença de taquicardias paroxísticas - ECG de repouso c/ intervalo P-R <120 ms e QRS > ou igual a 120ms. Além dessas taquicardias por movimento circular, esses pacientes correm o risco de desenvolver fibrilação atrial, que raramente deflagram fibrilação ventricular e provocar MS em um subgrupo especial de indivíduos (figura3). 2. Síndrome, pouco comum, relacionada com v. anômalas de condução lenta e condução retrógrada exclusiva. As taquicardias são incessantes e podem levar ao quadro clínico de taquicardiomiopatia (manutenção da FC elevada persistente). 3. Taquicardias de apresentação clínica incomum que se utilizam de fibras que conectam o NAV ao fascículo do RD; são conhecidas como fibras de Mahaim. Figura 3: Taquicardia atrioventricular (pré-excitação ventricular –WPW) Figura 4:Taquicardia supraventricular por reentrada nodal 155 CARDIOLOGIA E DOENÇAS CIRCULATÓRIAS | Como eu trato • Mediadas por reentrada nodal (TRN) A TRN é a TPSV, com R-R regular, mais comum nos atendimentos de urgência. As TRN são pouco comuns na infância; 70% são mulheres, predominando entre a 3a e 5a década de vida. O circuito reentrante é quase que exclusivamente desencadeado por uma extrassístole atrial ou ventricular. A persistência do circuito reentrante dá origem à TRN. Na forma comum de TRN, a onda P ativa-se simultaneamente com o complexo QRS e, portanto, há coincidência de ambas as ativações, tornando difícil a visibilização da onda P no ECG periférico (figura 4). Taquiarritmias ventriculares (TV) TV é a sequência de três ou mais batidas ventriculares, com frequência entre 100 e 250 batimentos por minuto. Pode ser observada na evolução de qualquer cardiopatia e, às vezes, em situações clínicas onde a cardiopatia não pode ser identificada. O quadro clínico depende do tipo de apresentação da taquicardia, da repercussão hemodinâmica, da etiologia e do mecanismo fisiopatológico. Assim, TV sustentada (TVS) caracteriza-se p/ duração >30 seg.; TVNS, por sequência de três ou mais batimentos com duração < 30 seg.; TV monomórficas: batimentos com única morfologia ou polimórficas: duas ou mais morfologias. 1. Incidência e prevalência A incidência de TVS é extremamente baixa; não existem estudos populacionais demonstrando a ocorrência na população geral. Em pacientes com IM prévio, a incidência é < 5%. Podem ocorrer nos primeiros meses de evolução ou após períodos de até 30 anos. 2. Etiopatogenia A TV pode ocorrer em indivíduos com o coração estruturalmente normal e, nesse caso, é denominada idiopática. As mais frequentes, entretanto, dependem de um substrato anatômico/funcional secundário a uma agressão miocárdica. Classificação etiológica CARDIOLOGIA E DOENÇAS CIRCULATÓRIAS | Como eu trato 156 a. taquicardia ventricular em indivíduos sem doença cardíaca estrutural 1. TV monomórfica idiopática (a. TV com origem na via de saída do VD; b. TV fascicular do VE; c. TV adrenérgica dependente); 2. TV polimórfica associada a intervalo QT longo; 3. TV polimórfica não associada a intervalo QT longo (a. Síndrome do “intervalo QT curto”, b. TV polimórfica em indivíduos com supradesnivelamento do segmento ST nas derivações V1 e V2 - Síndrome de Brugada e c. TV polimórfica adrenérgica dependente). b. TV em portadores de cardiopatia estrutural 1. TV ocorrendo na evolução da cardiopatia isquêmica (a. na fase aguda, b. na fase crônica); 2. TV secundária a cardiopatias não isquêmicas (a. fase crônica da c. chagásica; b. displasia arritmogênica de VD; c. miocardiopatia dilatada idiopática, d. miocardiopatia hipertrófica e e. pós-operatório tardio de pacientes submetidos à correção cirúrgica de cardiopatias congênitas). Mecanismos etiopatogênicos Inúmeras situações clínicas estão relacionadas a episódios de TV. Os mecanismos responsáveis por essas situações, entretanto, não são completamente conhecidos. Os três mecanismos eletrofisiológicos descritos para explicar as TSV tentam explicar também a formação anormal do impulso elétrico no miocárdio ventricular: a. automatismo normal; b. automaticidade deflagrada; c. mecanismo de reentrada. Fisiopatologia a. Taquicardias em pacientes sem cardiopatia definida 1. Taquicardia ventricular monomórfica idiopática a. Origem no ventrículo direito A via de saída do VD é a origem mais frequente das arritmias ventriculares em indivíduos com coração estruturalmente normal. O padrão do ECG é característico, e apresenta complexo QRS com morfologia de BRE c/ SÂQRS entre 30 a 120 no plano frontal (D2,D3 e AVF positivos) (figura 5). As manifestações clínicas dependem da frequência das rajadas de taquicardia: variam entre 110 a 250 bpm. São mais frequentes durante a vigília, sugerindo dependência da adrenérgica. b. Origem no ventrículo esquerdo A taquicardia idiopática do VE também apresenta padrão ECG e clínico característico, igual ao de VD, ocorre na ausência de cardiopatia estrutural e apresenta prognóstico benigno. Acontece da fase neonatal à idade adulta. Clínica: crises de palpitações paroxísticas e sustentadas, podendo ocorrer formas repetitivas autolimitadas ou incessantes ocasionalmente; FC não muito rápida (130 a 160) e provoca crises bem toleradas. Alguns pacientes demoram para procurar atendimento (figura 6). 2. Taquicardias ventriculares polimórficas É a denominação genérica de ritmo de origem ventricular com FC, em geral > 200 e complexos QRS com 3 ou mais morfologias. As TVP são instáveis e muitas vezes autolimitadas, e podem deflagrar TVS e FV. Estão associadas com síncopes recorrentes ou morte súbita, e mesmo com coração estruturalmente normal implicam em mau prognóstico. São classificadas conforme intervalo QT: intervalos QT prolongados são denominados de Torsade de Pointes (TDP): padrão ECG característico (rotação de 180 graus do QRS de modo progressivo e repetitivo, em torno de um eixo imaginário). As síndromes de QT longo caracterizam-se por int. QTc > 0,44, síncopes recor. ou MS secundária a TDP. As situações clínicas associadas são geneticamente determinadas ou adquiridas (figura 7). a. TV polimorficas associada a intervalo QT prolongado: Síndrome do QT longo congênito: as formas genéticas mais conhecidas são as relatadas em por Jervell e LangeNielsen (1957)(59). Recentemente, foram demonstradas mutações em genes controladores de canais iônicos específicos, responsáveis pela repolarização ventricular. Essas mutações gênicas foram ligadas aos canais de K+: localizadas no cromossoma 11 (LQT1) e no cromossoma 7 (LQT2), ligadas ao gene do canal de potássio HERG, no cromossoma 3 (LQT3). Wetli (1979) demonstrou experimentalmente que a cocaína bloqueia os canais retificadores de K, prolonga a duração do PA e induz a pós-potenciais precoces. Esse achado pode sugerir que uma das causas de MS em usuários de cocaína, seja a indução de int. QT longo e TDP. TV polimórfica não associada a intervalo QT longo Recentemente foram descritas três síndromes clínicas relacionando síncope, MS e TVP na ausência de intervalo QT longo. As taquicardias não dependem de ciclo longo-curto ou EV tardia para sua indução (diferente das Sínd. de QT longo conhecidas), como mau prognóstico, alta incidência de MS por FV. Pedro e Joseh Brugada (1992)(60) descreveram a Síndrome de Brugada em 8 pacientes recuperados de PC. A arritmia documentada foi TVP que evoluiu p/ FV. O intervalo QT era normal, e não havia alteração cardíaca estrutural. O ECG demonstrou BRD e elevação persistente do segmento ST, principalmente nas derivações V1 - V3. b. TV em portadores de cardiopatia estrutural Cardiopatia isquêmica As arritmias da cardiopatia isquêmica podem estar relacionadas diretamente às alterações funcionais da isquemia ou, secundariamente, à reparação tecidual. Portanto, as arritmias da cardiopatia isquêmica dependem de alterações funcionais e anatômicas, que ocorrem na evolução da doença, existindo correlação entre o mecanismo fisiopatológico da TV e a fase evolutiva do infarto miocárdico (IM): a. Fase aguda do IM 157 CARDIOLOGIA E DOENÇAS CIRCULATÓRIAS | Como eu trato Intervalo QT longo adquirido: síncopes e MS têm sido descritas em pacientes em uso de fenotiazinas e antidepressivos tricícliclos, entre outras drogas. O registro dos eventos demonstra alongamento do intervalo QT e TVP. Esses efeitos pró-arrítmicos foram relacionados com altas dosagens de medicamentos. Entretanto, também têm sido relatados em pacientes em uso crônico com doses habituais. Alguns antibióticos podem prolongar a repolarização ventricular em indivíduos normais ou exacerba-la em portadores de síndrome do QT longo congênito. Eritomicina, Espiramicina, Sulfametoxasol-Trimetroprim Pentamidina e Ampicilina mostraramse reprodutíveis na indução de síndrome de QT longo adquirido. Outras drogas associadas com TDP foram: Probucol, Adenosina, Papaverina e Ketanserine. Distúrbios metabólicos locais permitem que vários mecanismos fisiopatológicos ocorram (isolados ou associados). O automatismo anormal parece explicar o mec. do ritmo idioventricular acelerado que ocorre na fase aguda do IM de parede inferior. Trata-se de ritmo reconhecidamente benigno, e a FC varia de 60 a 120; é autolimitado, não provoca distúrbio hemodinâmico e não interfere não interfere no prognóstico tardio. b. Fase crônica do IM: A TVS na fase crônica do IM está relacionada ao circuito anatômico formado pela interação da cicatriz do IM e o miocárdio sobrevivente. Cardiopatias não isquêmicas a. Na fase crônica da cardiopatia chagásica A TVS recorrente é uma síndrome clínica reconhecida na cardiopatia chagásica crônica. O EEF demonstrou que seu mecanismo é reentrante. Sosa demonstrou que existe substrato anatômico para TVS, caracterizado por área de cicatriz localizada e às vezes associada com aneurismas ventriculares. b. Displasia ventricular direita arritmogênica c. TVS na miocardiopatia dilatada idiopática: A TVS é rara, e sua ocorrência correlaciona-se com a reentrada ao utilizar os ramos direito e esquerdo do sistema de condução, ou com áreas com cicatrizes à semelhança da cardiopatia chagásica. CARDIOLOGIA E DOENÇAS CIRCULATÓRIAS | Como eu trato 158 d. Cardiomiopatia hipertrófica: O mecanismo fisiopatológico da TV não é conhecido. A TVNS é observada em pelo menos 25% dos registros de Holter. Embora aparentemente benigna, McKennae observou aumento do risco de MS de até 7 vezes nos pacientes em que é documentada. Diagnóstico eletrocardiográfico: A TSV apresenta QRS estreito (<120ms), bem definidos, regulares e semelhantes entre si. A FC por definição é > 100 bpm, mas em média está entre 140 e 180, e raramente ultrapassa 200 (exceto em crianças). Raramente o QRS é alargado (> 110 ms), ocasionando dificuldades no diagnóstico diferencial com TV. A partir da obtenção do diagnóstico definitivo de TSV ou TVS durante EEF, foi possível estabelecer a correlação com aspectos observados durante ECG nas 12 derivações. Brugada (1991)(56) desenvolveu algoritmo com sensibilidade e especificidade > 90% para taquicardia com QRS largo, sendo realizadas 4 perguntas para reconhecimento da taquicardia: 1. Existe algum QRS no plano horizontal com morfologia rS? A ausência deste sinal, por si só, identifica a TV; 2. Na presença de algum rS, a duração do início da onda r até o nadir de S é > 100ms? Se for positiva, o diagnóstico é TV; 3. Se o complexo rS tiver duração < 100ms deve-se verificar dissociação AV, que confirma TV; 4. Se a dissociação AV não é visualizada, observa-se a morfologia do QRS (V1 e V6), de acordo com algoritmo abaixo; A. Taquicardia com BRD: complexos bifásicos ou monofásicos (V1) e relação r < S em V6= TV; complexos trifásicos com rRr’ sugerem TSV; B. Taquicardia com BRE: R em V1 com duração > 30 ms ou a duração do início de R ou q até nadir de S > 60 ms= TV. O diagnóstico diferencial é estabelecido inicialmente pela regularidade das ondas P. A FA distingue-se dos outros tipos por apresentar irregularidade acentuada entre ondas P sucessivas. A seguir, é realizada a distinção entre TA (FC < 220 bpm) do flutter atrial (FC> 220 bpm). A T.aquicardia sinusal diferencia-se da T. Atrial pela morfologia e orientação de P, que na primeira segue a P sinusal (positiva D1,D2,D3 e aVF). Quando existe uma interdependência de P com um QRS (P/QRS 1:1), devemos suspeitar da participação do NAV no circuito, e o diagnóstico fica entre a TRN, TAV (via acessória) e TA. A posição da P no intervalo. R-R pode sugerir esses diagnósticos durante o ECG comum. Quando a P coincide c/ QRS, sugere que o mecanismo seja a TRN. A demonstração da P sucedendo o QRS com intervalo R-P entre 0,12 e 0,20ms sugere T. atrioventricular ( via anômala). Quando a P precede o complexo QRS (relação RP > PR ou RP >0,20s), sugere taquicardia atrial. A importância desses mecanismos é a possibilidade de ablação do circuito. Como todos são passíveis de ablação com resultados significativos, este diagnóstico é confirmado durante o EEF que precede a ablação. Figura 5 : taquicardia ventricular (QRS largo) – padrão de BRE Figura 6: taquicardia ventricular (QRS largo) – padrão de BRD CARDIOLOGIA E DOENÇAS CIRCULATÓRIAS | Como eu trato 159 Figura 7: taquicardia ventricular polimórfica(QRS largo) – Torsades des pointes Abordagem das taquiarritmias na emergência: A forma de abordagem das taquiarritmias é determinada pelas repercussões hemodinâmicas. A TV sem pulso e a FV são abordadas seguindo o algoritmo já estabelecido e conhecido para condutas em parada cardiorrespiratória (ACLS). CARDIOLOGIA E DOENÇAS CIRCULATÓRIAS | Como eu trato 160 As taquiarritmias que cursam com instabilidade hemodinâmica (hipotensão, angina, IAM, congestão pulmonar, sinais de baixo débito), independente do local de origem (supraventricular ou ventricular), devem ser tratadas prontamente por meio de utilização da cardioversão elétrica (CVE) como opção imediata. O choque inicial dever ser de 100J, seguido por 200J, 300J e finalmente 360J, sempre utilizando choques sincronizados. Se hemodinamicamente estável, com QRS estreito, seguir algoritmo das figuras 8 e 9 . Figura 8 – Algoritmo para tratamento de taquiarritmias em pacientes hemodinamicamente instáveis Figura 9 – Algoritmo para o tratamento de taquiarritmias em pacientes hemodinamicamente estáveis. Lembrar sempre que, nos pacientes hemodinamicamente instáveis, concomitante à aplicação dos choques, as drogas devem ser administradas obedecendo ao mesmo algoritmo utilizado para a intervenção em pacientes estáveis. Quando se diagnostica taquicardia atrial, fibrilação atrial ou flutter atrial em pacientes hemodinamicamente estáveis, é necessário que haja preocupação inicial em controlar a frequência ventricular. A decisão de usar drogas para reversão deve ser considerada somente se concluir que se trata de arritmia aguda (< 48 horas), devido ao risco de ocorrência de fenômenos tromboembólicos ou, se disponível, deve ser realizado ecocardiograma transesofágico para identificar a presença de trombos intracavitários. Simultaneamente ao tratamento das arritmias, devemos considerar as possíveis causas reversíveis como IAM, hipóxia, embolia pulmonar, distúrbios eletrolíticos, tireotoxicose, além de descompensação da insuficiência cardíaca. Medidas gerais adicionais devem ser aplicadas ao mesmo tempo. Após a reversão da F.A., devemos iniciar a anticoagulação do paciente para evitar fenômenos tromboembólicos. As manobras vagais podem servir a propósitos terapêuticos ou diagnósticos, facilitando a visualização do ritmo atrial. Deve ser sempre precedida da ausculta carotídea em busca de sopros que sugiram a presença de placas em carótidas. Referências Bibliográficas 37. 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Bradiarritmias Sob a denominação de bradiarritmias estão incluídos os distúrbios do ritmo cardíaco caracterizados por redução da frequência, de modo permanente ou intermitente. Há uma considerável variação de frequência cardíaca em repouso entre indivíduos normais e, por isso, não existe um valor padrão de referência. Spodick e cols estimaram a variação “normal” da frequência cardíaca no período vespertino entre 46 e 93 batimentos por minuto para homens e entre 51 a 91 para mulheres(1,2,3,4). Atletas treinados são particularmente propensos à bradicardia, com valores comumente inferiores a 40, em repouso(5,6,7). Por convenção, a bradicardia ocorre quando a frequência é inferior a 60 batimentos. Esta definição, entretanto, é inadequada porque não representa limites para a correlação clínica ou hemodinâmica. Nesse sentido, sabe-se que, em corações normais, bradicardia acentuada é compensada por variações do volume sistólico. Por outro lado, cardiopatas com volume sistólico reduzido apresentam sintomas de baixo débito na presença de bradiarritmia e, por isso, foi introduzido o conceito de bradicardia sintomática para caracterizar os casos em que a redução da frequência provoca prejuízos clínicos e/ou hemodinâmico(8). As bradiarritmias incluem, basicamente, a disfunção do nódulo sinusal e os bloqueios atrioventriculares. A. Disfunção do nódulo sinusal Disfunção do nódulo sinusal (DNS) é o conjunto de distúrbios eletrocardiográficos e/ou eletrofisiológicos que expressam as modificações anatômicas e/ ou funcionais que envolvem o nódulo sinoatrial (NSA). Sua prevalência é estimada em 1 em cada 600 indivíduos com idade acima de 65 anos, sendo responsável por aproximadamente 50% dos implantes de marcapasso nos Estados Unidos(9). A DNS pode ser conseqüência de patologias próprias do nódulo sinusal (doença intrínseca), que se caracteriza pela substituição do tecido sinusal por tecido fibroso, ou a causas extrínsecas (quadro 1). Injúria permanente por isquemia ou infecção é incomum e, independente da causa, a DNS pode ter várias apresentações eletrocardiográficas (figura 1): 163 CARDIOLOGIA E DOENÇAS CIRCULATÓRIAS | Como eu trato Arritmias cardíacas são distúrbios do ritmo cardíaco fundamental que são genericamente agrupados, de acordo com o seu mecanismo eletrogênico e frequência cardíaca de apresentação, em bradiarritmias ou taquiarritmias. • bradicardia sinusal: ocorre por depressão na automaticidade do próprio nódulo sinusal; • pausa sinusal ou parada sinusal: falha na formação ou condução do impulso do nódulo sinusal para o tecido atrial (bloqueio sinoatrial); • sindrome braditaquicardia; automaticidade e condução anormal no átrio predispõe ao surgimento de fibrilação ou flutter atrial. Esta é particularmente preocupante, pois a overdrive supression da automaticidade sinusal provocada pela taquicardia pode resultar em longas pausas e síncope ao seu término. Por outro lado, as drogas utilizadas para controlar a frequência da taquicardia podem deprimir ainda mais o automatismo do NSA(8) (figura 1). Figura 1: pausa sinusal (> 6seg- síndrome Braditaqui) Síndrome do nó sinusal CARDIOLOGIA E DOENÇAS CIRCULATÓRIAS | Como eu trato 164 B. Distúrbios da condução atrioventricular Do ponto de vista anatômico, a condução atrioventricular pode estar comprometida ao nível do nódulo atrioventricular ou do feixe de His. Lesões localizadas abaixo da bifurcação do tronco do feixe de His podem provocar desde bloqueio dos ramos até graves comprometimentos dos fascículos que resultam em bradiarritmias sintomáticas. Assim como na DNS, as causas desses distúrbios podem ser intrínsecas ou extrínsecas, congênitas ou adquiridas (quadro 1). Ao contrário do nódulo sinusal, entretanto, o nódulo atrioventricular e o feixe de His, por constituírem uma discreta conexão entre os átrios e ventrículos, injúrias focais causadas por isquemia, infecção ou trauma por cateteres podem ser causas comuns de problemas(8). As localizações anatômicas dos retardos da condução atrioventricular apresentam ótima correlação com os achados eletrocardiográficos e, por isso, a classificação desses distúrbios mais utilizada e consagrada pelo uso é a eletrocardiográfica (figura 2). • Bloqueio atrioventricular de 1º grau: o intervalo PR é prolongado (> 0,20 s), mas mantém sempre a relação 1;1 entre a despolarização atrial (P) e ventricular (QRS). Pode estar associado a bloqueio atrioventricular de 2º ou 3º graus ou disfunção do nódulo sinusal. • Bloqueio atrioventricular de 2º grau: a despolarização atrial (onda P) nem sempre corresponde à ventricular (QRS) na relação 1:1. De alguma maneira, em algum momento, ocorre uma falha permanente ou intermitente na condução atrioventricular. Pode ser dividido em: - tipo I: ocorre aumento progressivo do intervalo PR, com intervalo PP estável, até que ocorra uma falha na condução do estímulo ao ventrículo (Wenckebach típico). Esses aumentos do intervalo PR são progressivamente menores, levando ao encurtamento dos intervalos RR. Além disso, o intervalo PR que se segue à P bloqueada é menor que o intervalo PR que antecede à P bloqueada. Geralmente é causado por um retardo no nódulo AV; - tipo II: ocorre um bloqueio súbito da condução atrioventricular sem que haja aumento progressivo dos intervalos PR precedentes. Está mais frequentemente associado à doença do sistema His-Purkinje; - tipo III: a condução atrioventricular está bloqueada de modo fixo, mantendo uma proporção > ou igual a 2:1, isto é, a cada duas ou mais despolarizações atriais, uma é bloqueada. • Bloqueio atrioventricular de 3º grau: a condução atrioventricular nunca se faz presente, não existindo correlação entre a despolarização atrial e ventricular (dissociação atrioventricular). Os estímulos provenientes dos átrios são totalmente bloqueados (bloqueio atrioventricular total), sendo o ritmo cardíaco determinado por escape abaixo da região do bloqueio. Esse ritmo de escape pode ser juncional, estável e responsivo aos estímulos do sistema nervoso autônomo (QRS estreito), ou idioventricular (QRS alargado), caracterizado por baixa frequência, instabilidade elétrica (predispondo a assistolias prolongadas), não responsivo ao sistema nervoso autônomo e localizado ao nível do sistema His-Purkjnje) (10). Figura 2: Eletrocardiograma dos bloqueios atrioventriculares bloqueio atrio-ventriculares Abordagem da bradiarritmia nas emergências: O tipo de abordagem ao paciente com bradiarritmia é determinado pela severidade dos sinais e sintomas. A pronta obtenção da anamnese, história clínica e o exame físico são essenciais para a decisão terapêutica. Entretanto, o reconhecimento da instabilidade hemodinâmica implica em rápida intervenção terapêutica, postergando a realização desses procedimentos. Os seguintes questionamentos imediatos devem ser considerados: • A bradicardia é patológica? • Os sinais e sintomas são relevantes? • Os sinais e sintomas estão relacionados à bradicardia? Nessa abordagem, é importante considerar também as bradiarritmias secundárias às intoxicações por farmácos de diversas origens e ações, cujo tratamento deve incluir o uso de antagonistas específicos (quadro 2). Considerando todos esses elementos, recomenda-se aplicar prontamente o algoritmo que resume a abordagem atualizada dos pacientes com bradiarritmia em situações de emergência (figura 3). CARDIOLOGIA E DOENÇAS CIRCULATÓRIAS | Como eu trato 165 Esse algoritmo sugere, portanto, que a abordagem deve ser iniciada com uso de manobras gerais antes mesmo da determinação do tipo de bradiarritmia. Se os sinais e sintomas forem considerados importantes, deve-se instituir imediatamente o tratamento, procurando estabelecer simultaneamente o diagnóstico da arritmia. O tratamento específico depende da importância das manifestações clínicas. Quanto maior a severidade dos sintomas, menor deve ser o intervalo entre as medicações; as intervenções devem ser mais rápidas e simultâneas. Nesses casos, os agentes farmacológicos indicados são atropina a cada 3 a 5 minutos, até a dose vagolítica máxima de 0,04 mg/kg, (parada cardíaca assistólica), dopamina na dose de 5 µg/kg/, sobretudo se ocorrer hipotensão arterial associada à bradicardia e adrenalina, na dose de 2 a 10µg /min, se persistirem sintomas graves. Lidocaína, entretanto, pode ser letal para os casos de bradicardia com ritmo de escape idioventricular(11). Para todas as situações de emergência abordadas acima, o papel do marcapasso está muito bem definido. As suas diversas modalidades, indicações e manuseio serão discutidos a seguir. Em 1952, Paul M. Zoll(14) descreveu um caso de ressuscitação cardiopulmonar utilizando marcapasso externo, por ele desenvolvido: “impressiona como o miocárdio é facilmente excitável — você apenas o toca e obtém uma rajada de batimentos”. Desde então, uma série de dispositivos para estimulação cardíaca foi desenvolvida, culminando com os sistemas de geradores e cabos-eletrodos adaptados para as mais diversas situações médicas, emergenciais ou eletivas. Indicações de marcapasso provisório: CARDIOLOGIA E DOENÇAS CIRCULATÓRIAS | Como eu trato 166 As situações consideradas de emergência, que implicam na indicação de marcapasso provisório, são distúrbios graves da função sinusal e da condução atrioventricular e/ou intraventricular, particularmente se não responsivos à terapia farmacológica. Podem ser considerados irreversíveis (definitivos) ou reversíveis (distúrbios com etiologia definida e que, sob adequada terapêutica, podem ser corrigidos). Estes são mais frequentes e correspondem às situações associadas a processos inflamatórios como miocardite e pericardite, ou distúrbios eletrolíticos, como hiperpotassemia ou hipomagnesemia, frequentemente responsáveis por bradiarrritmias graves. Efeitos ou intoxicação por drogas e eventos isquêmicos são considerados mais comuns entre as situações reversíveis. Considerando os aspectos clínicos e hemodinâmicos, podemos agrupar as indicações de marcapasso para situações de emergência relacionadas à bradicardia em: a. situações de instabilidade hemodinâmica: as manifestações clínicas de instabilidade hemodinâmica mais comuns são hipotensão arterial (pressão arterial sistólica menor que 80mmHg), síncope, alteração do estado de consciência, angina e edema agudo de pulmão(16,17,18). O retardo na utilização do marcapasso pode não ser tolerado pelo paciente até sua chegada ao hospital (fase pré-hospitalar). É consenso entre os especialistas que o marcapasso deve ser considerado para todo paciente em parada cardiorrespiratória, devendo estar sempre disponível durante as manobras de ressuscitação, especialmente nos casos de atividade elétrica sem pulso. b. Situações de risco iminente de instabilidade hemodinâmica: para pacientes com disfunções do sistema de condução, cuja evolução pode proporcionar sério risco de comprometimento hemodinâmico, há indicações para marcapasso preventivo. Corresponde às situações em que existe bradiarritmia com grave disfunção miocárdica e/ ou elétrica, recentemente instalada, reversível ou não, geralmente associada à doença coronariana aguda. Hipotermia severa é uma das poucas e relativas contraindicações para marcapasso no paciente com bradicardia. A bradicardia pode ser fisiológica nestes pacientes devido à diminuição do metabolismo associado à hipotermia. Os ventrículos são mais suscetíveis à fibrilação e mais resistentes à desfibrilação. O uso de marcapasso está relativamente contraindicado também em pacientes com parada cardíaca com duração maior que 20 minutos, devido ao baixo índice de sucesso na ressuscitação nesses casos. A maioria das bradiarritmias em crianças é consequência da hipóxia ou hipoventilação, e responde à adequada intervenção em vias aéreas, com ou sem uso de drogas. Portanto, o marcapasso é raramente requerido nas paradas cardíacas em pediatria, mas deve ser considerado nas bradiarritmias associadas a defeitos congênitos ou após cirurgia cardíaca. Principais técnicas de estimulação cardíaca artificial temporária: Em essência, a estimulação cardíaca artificial consiste na utilização de qualquer técnica capaz de aplicar energia de modo direto ou indireto ao miocárdio, obtendo como resposta sua despolarização. Desse modo, os diversos tipos de estimulação cardíaca aplicáveis às situações de emergência podem ser classificados em marcapasso transcutâneo e marcapasso transvenoso. Marcapasso transcutâneo O marcapasso transcutâneo é seguro e efetivo para tratamento emergencial de pacientes com bradiarritmia sintomática, cuja maior vantagem é a rapidez de instalação, garantindo as condições hemodinâmicas enquanto se aguarda o marcapasso transvenoso. O sistema é composto de uma unidade geradora que permite operar em modo assíncrono ou demanda, com seleção de frequência de estimulação de 30 a 180 batimentos por minuto, corrente de saída de 0 a 200 mA e largura de pulso variando de 20 a 40 mseg. Observou-se que o aumento da largura de pulso de para 20 mseg diminui a corrente necessária para a captura ventricular, minimizando a 2 mseg estimulação de musculatura esquelética, reduzindo a dor e a possibilidade de indução de fibrilação ventricular(20). No início do tratamento emergencial, a estimulação transcutânea deve ser feita em modo assíncrono, com frequência de 100ppm e com corrente de saída elevada (maior que 180 mA). Concomitantemente, o pulso deve ser palpado nas artérias femorais ou carótidas, representando a resposta hemodinâmica ao marcapasso. O limiar médio varia de 40 mA a 80 mA; entretanto, na prática clínica, podemos encontrar valores que variam de 20 mA a 140 mA. Zoll demonstrou, em grande série, sucesso na captura transcutânea em 105 de 134 (78%) pacientes em situações clínicas diversas(23). A tolerância ao marcapasso transcutâneo é individual; porém, para correntes de saída maiores que 50 mA, é necessária sedação associada à analgesia(24). Não há relato de lesão em musculatura esquelética, pulmões ou miocárdio, além de não ter sido detectada, em ensaios bioquímicos, a liberação de mioglobina, CK miocárdica e DHL miocárdica em indivíduos normais(28). O risco da indução de arritmias ventriculares é muito baixo, mas não deve ser esquecido(29). Marcapasso transvenoso O marcapasso transvenoso consiste na estimulação do endocárdio atrial e/ou ventricular por meio de um eletrodo introduzido em veia central, utilizando pulsos de corrente elétrica deflagrados por um gerador externo. Originalmente criado no final dos anos 50, tornou-se a 1ª escolha para o tratamento imediato das bradiarritmias sintomáticas, até os anos 80. É considerado, na prática clínica, o tipo mais seguro e eficiente de marcapasso temporário. Entretanto, por se tratar de procedimento invasivo, que requer conhecimento técnico, habilidade e gasto de tempo considerável, tem sido preterido ao transcutâneo como primeira escolha em situações de emergência(30). Os eletrodos mais utilizados são bipolares — o cátodo e o ânodo estão na ponta e no anel, respectivamente, com 2 cm de distância, portanto intracardíacos — ou unipolares, e um dos polos, preferencialmente o ânodo, deve ficar na pele. O diâmetro varia de 3 Fr a 6 Fr e os dois cabos metálicos isolados em paralelo são revestidos por plástico flexível. A flexibilidade varia com o diâmetro e o revestimento plástico, de forma que os eletrodos mais rígidos podem ser moldados (formatação em J) e são mais facilmente manipulados, mas requerem a fluoroscopia para assegurar o posicionamento e 167 CARDIOLOGIA E DOENÇAS CIRCULATÓRIAS | Como eu trato A unidade geradora é dotada de um cardioversor-desfibrilador e monitor eletrocardiográfico com capacidade de distinção dos complexos QRS em relação às espículas de marcapasso. Os eletrodos (multifuncionais) são placas autoadesivas impregnadas com gel condutor de aproximadamente 8 cm de diâmetro e área de contato de 50 cm². Esta maior superfície do eletrodo, juntamente com o gel, reduz o limiar para estimulação cardíaca e o grau de estimulação muscular, reduzindo consequentemente a dor, assim como as queimaduras do tecido(21). A posição dos eletrodos é essencial para obtenção de bons limiares, de forma que o polo negativo deva estar na região anterior do tórax (ápex ou sobre a derivação V3) e o polo positivo, na região posterior direita ou esquerda entre a borda inferior da escápula e a coluna vertebral(22). evitar perfurações da parede cardíaca. Alguns eletrodos flexíveis apresentam um balão na ponta (cateter flutuante), que auxilia no direcionamento para o ventrículo direito através do fluxo sanguíneo, sem necessidade de fluoroscopia(31). Os geradores de pulso são dispositivos que apresentam ajustes básicos de frequência (30ppm a 180ppm), sensibilidade (0,1 mV a assíncrono) e corrente de saída (0,1 mA a 20 mA). Alguns incorporam funções especiais, como estimulação programada e mecanismos antitaquicardia, além de serem dotados de vários modos de estimulação: AAI, VVI, DDD ou DVI (figura 4). As vias de acesso mais comumente utilizadas para implante de marcapasso transvenoso são as veias jugular interna (preferencial), subclávia, braquial e femoral. Os locais mais seguros para posicionamento dos caboseletrodos são ponta e parede diafragmática. Na impossibilidade do uso de fluoroscopia, utiliza-se a orientação eletrocardiográfica: o eletrodo conectado à derivação V1 do eletrocardiograma permite caracterizar sua posição na cavidade ventricular, quando é documentado amplo complexo QRS (maior que 6 mV) com elevação do segmento ST(32). A energia de saída do gerador deve ser mantida em valores três vezes superiores ao limiar obtido, devendo ser frequentemente reavaliada. Em seguida, a frequência e a sensibilidade devem ser ajustadas de acordo com o estado hemodinâmico do paciente e o controle radiográfico deve ser realizado para avaliação da posição do eletrodo ou presença de pneumotórax. As complicações mais freqüentes do marcapasso transvenoso estão relacionadas à punção venosa central e à manipulação dos cateteres intravascular e intracavitário, que ocorrem em cerca de 3% dos casos(33, 34) (quadro 3). CARDIOLOGIA E DOENÇAS CIRCULATÓRIAS | Como eu trato 168 O marcapasso transvenoso está contraindicado em atendimentos de emergência fora do hospital. São consideradas contraindicações absolutas para este tipo de estimulação: prótese valvar tricúspide, endocardite aguda e distúrbios severos da coagulação. Referências bibliográficas: 1. Spodick, DH, Raju P, Bishop RL, Ritkin RD. Operational definition of normal sinus heart rate, Am J Cardiol 1992; 69:1245-6. 2. Spodick DH, Raju P, Bishop RL, Ritkin RD. Normal sinus heart rate: apropriate rate thresholds for sinus tachycardia and bradycardia. South Med J 1996;89:666-7. 3. Brodisky M, Wu D, Denes P, Kanakis C, Rosen KM. 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Causas de Bradiarritmias Causas Intrínsecas Degeneração idiopática (Idade) Infarto agudo do miocárdio* ou isquemia Doenças infiltrativas (Sarcoidose, Amiloidose, Hemocromatose) Doenças vasculares do colágeno Lupus eritematoso sistêmico, A.reumatóide, Esclerodermia Distrofia muscular miotônica Trauma cirúrgico Troca valvar, Cardiopatia congênita, TX. cardíaco Doenças infecciosas (Doença de Chagas, Endocardites) Causas Extrínsecas Síndromes mediadas autonomicamente Síncope neurocardiogênica Hipersensibilidade do seio carotídeo Distúrbios situacionais Tosse, Micção, Defecação, Vômito Drogas Bloqueadores ß-adrenérgicos e do canal de cálcio Clonidina ,Digoxina, Agentes antiarrítmicos Hipotireoidismo, Hipotermia, Hipocalemia, Hipercalemia Distúrbios neurológicos Quadro 2. Drogas responsáveis por bradiarritmias e seus antagonistas DROGAS ANTAGONISTAS Carbamatos e organofosforados Atropina Antidepressivos tricíclicos e Quinidina Bicarbonato Verapamil e diltiazem Cálcio, Glucagon Cloroquina Diazepam, Epinefrina Digoxina Fenitoína ß-bloqueadores Isoprenalina, Glucagon 169 CARDIOLOGIA E DOENÇAS CIRCULATÓRIAS | Como eu trato Ann Emerg Med 1984;13:822-7. 20. Mark W, Kenneth AE. Temporary cardiac pacing. In: Kenneth AE. Cardiac Pacing. 2nd ed. Cambridge: Blackwell Science, 1996. 21. Falk RH, Battinelli NJ. External cardiac pacingusing low-impedance electrodes suitable for defibrilation – a comparative blinded study. J Am Coll Cardiol 1993; 22:1354-1358. 22. Falk RH, Ngai STA. External cardiac pacing: influence of electrode placement on pacing threshold. Crit Care Med 1986;14(11):93123. Zoll PM, Zoll RH, Falk RH, et al. External noninvasive cardiac temporary pacing: clinical trials. Circulation 1985;71:937-44. 24. Madsen JK, Meibom J, Videbak R, et al. Transcutaneous pacing: experience with the Zoll noninvasive temporary pacemaker. Am Heart J 1988;116:7-10 25. Zoll PM, Zoll RH, Belgard AH. External noninvasive electric stimulation of the heart. Crit Care Med 1981;9:393-4. 26. Klein LS, Miles WM, Heger JJ, et al. Transcutaneous pacing: patient tolerance, strength-interval relations and feasibility for programmed electrical stimulation. Am J Cardiol 1988;62:1126-9. 27. Pride HB, McKinley DF. Third-degree burns from the use of an external cardiac pacing device. Crit Care Med 1990;18:572-3. 28. Madsen JK, Pedersen F, Grande P, et al. Normal myocardial enzymes and normal echocardiographic findings during noninvasive transcutaneous pacing. PACE 1988;11:1188-93. 29. Voohrees WD, Foster KS, Geddes LA, et al. Safety factor for precordial pacing: minimum current thresholds for pacing and for ventricular fibrillation by vulnerable-period stimulation. PACE 1984;7:356-60. 30. Francis GS, Williams SV, Achord JL, et al. Clinical competence in insertion of a temporary transvenous ventricular pacemaker. J Am Coll Cardiol 1994;23:1254-7. 31. Lang R, David D, Klein HO, et al. The use of the balloon-tipped floating catheter in temporary transvenous cardiac pacing. PACE 1981;4:491-6. 32. Goldberger J, Kruse J, Ehlert FA, et al. Temporary transvenous pacemaker placement: what criteria constitute an adequate pacing site? Am Heart J 1993;126:488-93. 33. Austi JL, Preis LK, Crampton RS, et al. Analysis of pacemaker malfunction and complications of temporary pacing in the coronary care unit. Am J Cardiol 1982;49:301-6. 34. Silver MD, Goldschlager N. Temporary transvenous cardiac pacing in the critical care setting. Chest 1988;93:607-13. 35. Nishimura M, Katoh T, Hanai S, et al. Optimal mode of transesophageal atrial pacing. Am J Cardiol 1986;57:791-6. 36. Andersen HR, Pless P. Transesophageal pacing. PACE 1983;6:674-9. Quadro 3. Complicações do marcapasso transvenoso. Complicações Trauma arterial, Embolia aérea, Pneumotórax, Taquicardia ventricular, Perfuração miocárdica, Trombose venosa, Tromboflebite, Infecção do sítio, Estimulação frênica ou diafragmática Figura 3 . Algoritmo para a Abordagem da Bradiarritmia na Emergência CARDIOLOGIA E DOENÇAS CIRCULATÓRIAS | Como eu trato 170 * Correlação da bradiarritmia com os sintomas: dor torácica, taquipnéia, redução do nível de consciência e os sinais: hipotensão arterial, choque, congestão pulmonar, insuficiência cardíaca congestiva, infarto agudo do miocárdio. Figura 3 . Algoritmo para a Abordagem da Bradiarritmia na Emergência CARDIOLOGIA E DOENÇAS CIRCULATÓRIAS | Como eu trato Figura 4: Marcapasso provisório (endovenoso) 171 Dr. Dikran Armaganijan (CRM 15730) Aspirina na prevenção primária de doenças cardiovasculares CARDIOLOGIA E DOENÇAS CIRCULATÓRIAS | Como eu trato 172 A metanálise dos estudos de prevenção secundária mostrou que o uso do ácido acetilsalicílico (AAS) reduziu em 22% o número de infartos do miocárdio (IM) e de acidentes vasculares cerebrais (AVC) em pacientes com ou sem antecedentes de doença cardiovascular. Várias metanálises têm focado a eficácia do AAS na prevenção primária de eventos cardiovasculares e novas pesquisas incluíram estudos recentes, aumentaram o tamanho da amostra e o poder de precisão das múltiplas análises. A multiplicidade de doenças cardiovasculares de etiologia aterosclerótica sugere a inclusão de diferentes modalidades clínicas para análise dos efeitos do AAS na prevenção primária. Dentre elas: 1) doença arterial coronária (DAC) com IM não fatal ou fatal e morte por doença cardiovascular; 2) IM não fatal confirmado por IM que não resultou em morte cardiovascular; 3) total de eventos cardiovasculares compostos por morte cardiovascular, IM ou AVC; 4) AVC isquêmico ou hemorrágico que pode ou não resultar em morte; 5) mortalidade cardiovascular relacionada à doença cardiovascular ou AVC; e 6) todas as causas de mortalidade não relacionadas com evento cardiovascular. Os diabéticos assintomáticos não deveriam participar dos estudos de prevenção primária, todavia, sua inclusão permitiu avaliar os efeitos preventivos do AAS numa população assintomática e de alto risco cardiovascular. Recentemente, uma das metanálise avaliou os efeitos do AAS na prevenção primária de doenças cardiovasculares, incluindo 100.038 pessoas, provenientes de nove estudos multicêntricos, 50.868 medicados com AAS e 49.170 em uso de placebo. Nessa amostra, foram incluídos dois estudos com pacientes diabéticos e assintomáticos, visando aos efeitos do AAS na prevenção primária dos pacientes de alto risco cardiovascular. A análise sistemática dos nove estudos mostrou que o AAS reduziu significativamente (p=0,0001) a incidência de eventos cardiovasculares sérios (25%), de IM não fatal (33%), de AVC (25%) e de mortalidade de causa vascular (16%). Contudo, não reduziu significativamente a incidência de DAC e mortalidade cardiovascular de todas as causas de mortalidade (p≤igual a 0,01). A heterogeneidade da população incluída permitiu comparar individuos com diferentes graus de risco cardiovascular; o tamanho da amostra propiciou avaliar a incidência e a gravidade dos efeitos colaterais (sangramentos maiores ou menores), e as diferentes posologias do AAS mostrou sua possível correlação com as intercorrências clínicas (sangramentos, gastrites e hipertensão arterial, entre outras). Nessa metanálise, a heterogeneidade da amostra populacional não influenciou os resultados comparativos entre os que foram tratados com AAS ou fizeram uso de placebo. Ademais, as metanálises resultam de estudos publicados sem regras terapêuticas pré-estabelecidas. Em 2012, a publicação atualizada após seis anos de seguimento mostrou que o AAS reduziu em 10% o número total de eventos cardiovasculares, impulsionado pela redução de IM não fatal (20%). A redução da mortalidade de todas as causas cardiovasculares foi insignificante (1%), a mortalidade por neoplasias também não foi significante (7%), entretanto, houve elevada prevalência de sangramentos (30%). Esses dados mostram que, para prevenir um evento cardiovascular, precisamos tratar 120 pacientes e, para a ocorrência de sangramento, precisamos tratar 73 pacientes com AAS. Os autores concluem que os “benefícios modestos” e o elevado risco de sangramentos não justificam o uso rotineiro do AAS na prevenção primária de doenças cardiovasculares. Contudo, é preciso identificar grupos populacionais que realmente vão se beneficiar com o uso do AAS e estabelecer doses terapêuticas adequadas, visando a efetividade e baixo risco de sangramento. A partir das últimas Diretrizes publicadas em 2002, as Forças Tarefas dos Serviços de Prevenção, compostas por especialistas em atenção primária e prevenção, realizam revisões sistemáticas da literatura e desenvolvem recomendações para o rastreamento de doenças e outras medidas preventivas em saúde. Essas recomendações estão embasadas em evidências científicas e constituem referência mundial no assunto. Atualmente, homens com idades entre 45 e 59 anos e com risco de IM > 4% em 10 anos, homens com idades entre 60 e 69 anos e com risco de IM > 9% em 10 anos e homens com idades entre 70 e 79 anos e com risco de IM > 12% em 10 anos são candidatos ao uso do AAS, desde que não haja risco elevado de sangramento. Da mesma forma, mulheres com idades entre 45 e 59 anos e com risco de AVC > 3% em 10 anos, mulheres com idades entre 60 e 69 anos com risco de AVC > 8% e mulheres com idades entre 70 e 79 anos e com risco de AVC > 11% em 10 anos são candidatas ao uso do AAS, desde que não haja risco elevado de sangramento. Está contraindicado o uso de AAS em homens com idades inferiores a 45 anos, na prevenção primária do IM, e em mulheres com idades inferiores a 55 anos, na prevenção primária do AVC. Da mesma forma, está contraindicado o uso de AAS em homens e mulheres com idades superiores a 80 anos. A estratificação de risco para a mortalidade cardiovascular, nos próximos dez anos, está baseada no escore de Risco de Framingham. Participam desse escore a história de antecedentes familiares de doença cardiovascular, idade do paciente e antecedentes pessoais de diabete, hipertensão arterial, tabagismo e dislipidemia. Na prática clínica, a abordagem individualizada em pacientes de risco e o uso da aspirina na prevenção primária de doenças cardiovasculares reduzem significativamente a incidência de IM nos homens e AVC nas mulheres, desde que haja correção efetiva dos fatores de risco. O risco de sangramento é elevado, por isso, as doses do AAS devem ser mínimas, entre 81 e 100 mg/dia e, eventualmente, 100 mg em dias alternados. Referências Bibliográficas 1. Ridker PM, Cook NR, Lee IM, Gordon D, Gaziano JM, Manson JE, et al. A randomized trial of low-dose aspirin in the primary prevention of cardiovascular disease in women. N Engl J Med. 2005; 352:1293-304. 2. Berger JS, Roncaglioni MC, Avanzini F, Pangrazzi I, Tognoni G, Brown DL. Aspirin for the primary prevention of cardiovascular events in women and men: a sex-specific meta-analysis of randomized controlled trials. JAMA. 2006; 295:306-13. 3. U.S. Preventive Services Task Force. Aspirin for the Prevention of Cardiovascular Disease: U.S. Preventive Services Task Force Recommendation Statement. Ann Intern Med. 2009;150:396-404. 4. Wolff T, Miller T, Ko S. Aspirin for the primary prevention of cardiovascular events: an update of the evidence for the U.S. Preventive Services Task Force. Ann Intern Med. 2009;150:405-10. 5. Antithrombotic Trialists’ (ATT) Collaboration, Baigent C, Blackwell L, Collins R, Emberson J, Godwin J, Peto R, Buring J, Hennekens C, Kearney P, Meade T, Patrono C, Roncaglioni MC, Zanchetti A. Aspirin in the primary and secondary prevention of vascular disease: collaborative meta-analysis of individual participant data from randomised trials. Lancet. 2009;373(9678):1849-60. 6. Bartolucci AA, Tendera M, Howard G. Meta-Analysis of Multiple Primary Prevention Trials of Cardiovascular Events Using Aspirin. Am J Cardiol. 2011; 107(e12): 1796-1801. CARDIOLOGIA E DOENÇAS CIRCULATÓRIAS | Como eu trato 173 Dr. Luiz Aparecido Bortolotto (CRM 51365) Crise hipertensiva CARDIOLOGIA E DOENÇAS CIRCULATÓRIAS | Como eu trato 174 Para se tratar a crise hipertensiva, é muito importante definir as principais situações de elevação aguda da pressão arterial que caracterizam a verdadeira crise hipertensiva e diferenciá-las daquelas situações nas quais a pressão arterial é muito elevada, mas não acompanhada de alterações clínicas graves, que exijam redução imediata da pressão. Assim, emergência hipertensiva é uma elevação acentuada da PA (> 180/120 mmHg) complicada pela evidência de disfunção grave e rapidamente progressiva de órgãos-alvo da hipertensão arterial, com risco de morte ou lesão irreversível iminente, e que requer redução imediata da pressão arterial para prevenir ou limitar as lesões de órgãos-alvo. As urgências hipertensivas são situações associadas a grave elevação da PA (> 180/120 mmHg) sem disfunção rapidamente progressiva de órgãos-alvo e sem risco de morte iminente, sendo desejável reduzir-se a pressão arterial em algumas horas. Estes dois tipos de situação clínica que caracterizam as crises hipertensivas se diferenciam da pseudocrise, que é a hipertensão arterial grave descontrolada assintomática, isto é, pressão arterial elevada isoladamente, sem sintomas e sem lesões em órgãos-alvo novas ou progressivas, e que raramente requer tratamento agressivo e imediato. As crises hipertensivas são mais frequentes em pacientes afrodescendentes e em pacientes idosos. A falta de tratamento adequado da hipertensão arterial é o principal fator desencadeante, mas outras causas devem ser consideradas, tais como hipertensão renovascular, síndrome hemolítico-urêmica, glomerulonefrite aguda e uso de drogas simpatomiméticas (por exemplo, vasoconstritores nasais) ou cocaína e anfetaminas. Tabela 1 - Principais emergências e urgências hipertensivas Emergências hipertensivas Cerebrovasculares - Encefalopatia hipertensiva, hemorragia intracerebral, hemorragia subaracnoide; Cardíaca - Insuficiência coronariana aguda: angina instável e infarto agudo do miocárdio, insuficiência ventricular esquerda com edema agudo de pulmão, dissecção aguda da aorta, pós-cirurgia de revascularização miocárdica; Outras - Eclampsia ou iminência de eclampsia, excesso de catecolaminas circulantes (crise de feocromocitoma, drogas lícitas (vasoconstritores nasais) ou ilícitas (cocaína), alimentos ou medicamentos com IMAO), epistaxe grave, sangramento pós-operatório de suturas vasculares. Urgências hipertensivas - Hipertensão acelerada maligna, infarto cerebral com hipertensão grave, hipertensão rebote após cessação súbita de anti-hipertensivos (clonidina, por exemplo), hipertensão grave em pacientes necessitando de cirurgia imediata ou pós-operatória, hipertensão grave (PA > 180/120 mmHg) sintomática: cefaleia intensa, dispneia, epistaxe discreta/moderada, paresia, tontura limitante, pré-eclâmpsia grave. O diagnóstico das crises hipertensivas deve ser feito com base nos níveis de pressão arterial, no quadro clínico associado e nos achados de exames complementares. O tratamento de emergências hipertensivas baseia-se em medicações por via endovenosa, enquanto para as urgências hipertensivas, recomendam-se medicações por via oral. INDICAÇÕES Nitroprussiato de sódio 0,25-10 g/kg/min infusão EV contínua Náuseas, vômitos, tremor muscular, sudorese, convulsão Principais emergências hipertensivas Enalaprilato 1,25-5 mg a cada 6h EV Resposta variável Edema agudo de pulmão Nitroglicerina 10-20 mg EV 10-40 mg IM Taquicardia, cefaleia, flush, piora angina Eclampsia Hidralazina 0,25-10 g/kg/min infusão EV contínua Náuseas, vômitos, tremor muscular, sudorese, convulsão Principais emergências hipertensivas Metoprolol 5 mg EV (repetir de 10/10 minutos, se necessário até 20 mg) Bradicardia, asma, BAVT, ICC Dissecção de aorta, síndrome coronária aguda Medicamentos usados para o tratamento de urgências hipertensivas MEDICAMENTOS DOSE EFEITOS ADVERSOS Nitroprussiato de sódio 0,1-0,2 mg VO + 0,1 mg/h até 0,6 mg Tontura, boca seca, sonolência Captopril 25 mg VO + 25 mg após 2h Queda de PA maior em HRV e hipovolemia Furosemida 40 mg VO Hipocalemia, hipotensão 175 CARDIOLOGIA E DOENÇAS CIRCULATÓRIAS | Como eu trato MEDICAMENTOS Medicamentos indicados para o tratamento de emergências DOSE EFEITOS ADVERSOS As metas para o controle da pressão arterial nas emergências hipertensivas, de maneira geral, devem ser a redução de cerca de 25% da pressão arterial média na primeira hora, mantendo-se a pressão ao redor de 160/110 mmHg nas 2 a 6 horas seguintes. A velocidade para se atingir a meta varia conforme a situação clínica. Nas cardiovasculares, tais como edema agudo dos pulmões, síndrome coronária aguda ou dissecção de aorta, a meta pode ser alcançada em 30-60 minutos. Nas cerebrovasculares, procura-se atingir a meta em 2 a 3 horas, nunca reduzindo a pressão a valores abaixo de 160/100 mmHg em 2 a 3 horas. Na pseudocrise hipertensiva, não há necessidade de internação e ansiolíticos e analgésicos podem ser necessários. Os pacientes devem receber prescrição de anti-hipertensivos para uso diário, e é conveniente que sejam reavaliados dentro de poucos dias. Referências 1. Vaughan CJ, Delanty N. Hypertensive emergencies. Lancet 2000; 356: 411-17. 2. Blumenfeld JD, Laragh JH. Management of hypertensive crises: the scientific basis for treatment decisions. Am J Hypertens 2001;14:1154–67. 3. Varon J; Marik PE. The diagnosis and management of hypertensive crises. Chest 2000; 118: 214-27. CARDIOLOGIA E DOENÇAS CIRCULATÓRIAS | Como eu trato 176 Dr. Roque Marcos Savioli (CRM 22338) Dislipidemias Os fosfolípides formam a estrutura básica das membranas celulares. O colesterol é precursor dos hormônios esteroides, dos ácidos biliares e da vitamina D. Além disso, como constituinte das membranas celulares, o colesterol atua na fluidez destas e na ativação de enzimas aí situadas. Os triglicérides são formados a partir de três ácidos graxos ligados a uma molécula de glicerol e constituem uma das formas de armazenamento energético mais importante no organismo, sendo depositados nos tecidos adiposo e muscular. Os ácidos graxos, classificados como saturados e insaturados, são extremamente importantes para o metabolismo energético do organismo, bem como fazem parte das estruturas da membrana celular. Os lípides, por sua insolubilidade aquosa, necessitam das proteínas plasmáticas para entrar na corrente sanguínea. Dessa forma, ligam-se às apolipoproteínas (apo), constituindo as lipoproteínas plasmáticas, que podem ser: 1. Ricas em TG, maiores e menos densas, representadas pelos quilomícrons, de origem intestinal, e pelas lipoproteínas de densidade muito baixa ou “very low density lipoprotein” (VLDL), de origem hepática; 2. Ricas em colesterol de densidade baixa “low density lipoprotein” (LDL) e de densidade alta ou “high density lipoprotein” (HDL). Existe ainda uma classe de lipoproteínas de densidade intermediária ou “intermediary density lipoprotein” (IDL) e a lipoproteína (a) - Lp(a) -, que resulta da ligação covalente de uma partícula de LDL à apo (a). A função fisiológica da Lp(a) não é conhecida, embora alguns estudos admitam seu papel na aterogênese, principalmente na trombogênese. O perfil lipídico plasmático é definido pelas determinações bioquímicas do colesterol total, HDL-colesterol (HDL-C), TG e do LDL-colesterol (LDL-C) após jejum de 12 a 14 horas. 177 CARDIOLOGIA E DOENÇAS CIRCULATÓRIAS | Como eu trato As dislipidemias são alterações no metabolismo lipídico, significativamente correlacionadas com doenças e eventos cardiovasculares. Dos pontos de vista fisiológico e clínico, os lípides biologicamente mais relevantes são os fosfolípides, o colesterol, os triglicérides (TG) e os ácidos graxos. As determinações das apo B e AI e da Lp(a) não são indicadas para avaliação ou estratificação do risco cardiovascular, tendo em vista as limitações tecnológicas, alto custo e ausência de evidências importantes da relação dessas lipoproteínas com doença cardiovascular. Quando o paciente chega ao consultório com seus níveis lipídicos alterados, ou seja, colesterol total maior do que 200 mg/ml, HDL-C menor do que 40 mg/ml, em homens, maior do que 50 mg/ml, em mulheres, e triglicérides acima de 150 mg/ml, obrigatoriamente temos que estratificar o seu risco cardiovascular, para estipular a estratégia terapêutica a ser adotada. Pacientes com doença arterial coronária manifesta atual ou prévia (angina estável, isquemia silenciosa, síndrome coronária aguda ou cardiomiopatia isquêmica), doença arterial cerebrovascular (acidente vascular cerebral isquêmico ou ataque isquêmico transitório), doença aneurismática ou estenótica de aorta abdominal ou seus ramos, doença arterial periférica, doença arterial carotídea (estenose maior ou igual a 50%) e diabetes mellitus tipo 1 ou 2 são considerados de alto risco (Escore de Framingham > 20%), devendo ter estratégia terapêutica mais agressiva e precoce, com medidas farmacológicas e dietéticas. Nos indivíduos sem doença aterosclerótica significativa e portadores de risco intermediário (probabilidade entre 10% e 20% de infarto ou morte por doença coronária no período de dez anos), maior atenção deverá ser dada aos fatores agravantes, ou seja, presença de hipertensão arterial, tabagismo, diabetes e obesidade abdominal, que poderão agravar o risco dos pacientes e, consequentemente, mudar toda a estratégia de tratamento. Nos pacientes com doença aterosclerótica significativa ou com risco elevado, a obtenção do nível de LDL-C igual ou inferior a 70 mg/dL traz redução adicional da incidência de eventos cardiovasculares. CARDIOLOGIA E DOENÇAS CIRCULATÓRIAS | Como eu trato 178 As metas terapêuticas a serem atingidas devem ser: com risco baixo, LDL< 160, risco intermediário, LDL< 130, risco alto e diabetes, LDL < 100 ou 70, e aterosclerose significativa, LDL < 70 mg/ml. Os níveis de TG devem ser sempre menores do que 150 mg/ml e o HDL-C maior do que 40 mg/ml, em homens, e 50 mg/ml, em mulheres. Todos os pacientes com dislipidemia isolada e aqueles com risco cardiovascular aumentado devem ser orientados à instituição de medidas não farmacológicas relacionadas à mudança do estilo de vida, ou seja, prática regular de atividade física, nutrição saudável etc. O tratamento farmacológico deve ser iniciado em pacientes com risco baixo (seis meses depois) ou intermediário (três meses depois) que não atingirem as metas após medidas não farmacológicas. Nos indivíduos de alto risco, as medidas não farmacológicas e o tratamento com hipolipemiantes devem ser iniciados simultaneamente. O tratamento farmacológico das dislipidemias consiste na prescrição de um hipolipemiante, que pode ser: 1. Estatinas e inibidores da HMG-CoA redutase, uma das enzimas-chave na síntese intracelular do colesterol. Estes medicamentos reduzem o LDL-C de 15% a 55% em adultos. A duplicação das doses acrescenta, em média, 6% na redução de LDL-C. Elas reduzem os TG de 7% a 28% e elevam o HDL-C de 2% a 10%. As estatinas reduzem a mortalidade cardiovascular e a incidência de eventos isquêmicos coronários agudos, necessidade de revascularização do miocárdio, AVC. Devem ser administradas por via oral, em dose única diária, preferencialmente à noite, para os fármacos de curta meia vida ou em qualquer horário naqueles com meia vida maior, como a atorvastatina e a rosuvastatina. O efeito terapêutico só será mantido com doses diárias, não devendo o fármaco ser usado em dias alternados ou de forma descontinuada. Os efeitos colaterais mais frequentes estão relacionados a mialgias, efeitos gastrintestinais e, mais raramente, a hepatotoxicidade ou rabdomiólise. Durante o seu emprego, devem ser monitorados os níveis de CPK, TGO e GamaGT. Níveis de CPK dez vezes acima do normal e/ou TGP três vezes acima do normal podem ser indicativos de suspensão da droga. 2. A ezetimiba é um inibidor de absorção do colesterol que atua na borda em escova das células intestinais, inibindo a ação da proteína transportadora do colesterol. Usada isoladamente, reduz em cerca de 20% o LDL-C. Tem sido mais frequentemente empregada em associação com as estatinas, em função da potenciação da redução do colesterol intracelular (redução da síntese pela estatina e da absorção intestinal pela ezetimiba). Em média, a dupla inibição proporciona reduções cerca de 20% maiores dos níveis do LDL-C em comparação com a mesma estatina, na mesma dose, isoladamente. 3. Colestiramina - reduz a absorção intestinal de sais biliares e, consequentemente, de colesterol. Com a redução da absorção, reduz-se o colesterol intracelular no hepatócito e, por este motivo, aumenta-se o número de receptores de LDL e a síntese de colesterol. O efeito sobre a colesterolemia é variável, reduzindo, em média, 20% dos valores basais de LDL-C. 4. Fibratos - utilizados para as hipertrigliceridemias, reduzindo os TG em 30% a 60%. Podem ocasionar aumento do HDL-C de 7% a 11%. O uso do genfibrozil reduziu a incidência de eventos cardiovasculares maiores e atenuou a progressão de aterosclerose em monoterapia. Durante o seu uso, podem ocorrer distúrbios gastrintestinais, mialgia, astenia, litíase biliar (mais comum com clofibrato), diminuição de libido, erupção cutânea, prurido, cefaleia e perturbação do sono. 5. Ácido nicotínico - reduz a ação da lipase tecidual nos adipócitos, levando à menor liberação de ácidos graxos livres para a corrente sanguínea. Como consequência, reduz-se a síntese de TG pelos hepatócitos. Reduz o LDL-C em 5% a 25%, aumenta o HDL-C em 15% a 35% e diminui os triglicérides em 20% a 50%. Quando administrado isoladamente, na forma tradicional, observou-se diminuição de 27% nos eventos coronários agudos e, após 15 anos de acompanhamento (dez anos após a interrupção do medicamento), houve diminuição significativa da mortalidade total. O uso dessa droga, por sua vez, está limitado pelos efeitos colaterais que provoca, como rubor facial, pruridos e queixas gastrintestinais. Novos preparados farmacêuticos estão sendo testados para se minimizar as reações indesejáveis ao fármaco. 6. Ômega 3 – ácidos derivados do óleo de peixes provenientes de águas frias e profundas reduzem a síntese hepática dos TG. Os mais importantes são o eicosapentaenoico (EPA) e o docosa-hexaenoico (DHA). Em altas doses (4 a 10 g ao dia) reduzem os triglicérides e aumentam discretamente o HDLC. Podem, entretanto, aumentar o LDL-C. Em portadores de doença arterial coronária, a suplementação de 1 g /dia de ômega 3 em cápsulas, reduziu em 10% os eventos cardiovasculares (morte, infarto do miocárdio, acidente vascular cerebral). Referências 1- Greenland P, Alpert JS, Beller GA, et al, 2010 ACCF/AHA guideline for assessment of cardiovascular risk in asymptomatic adults: a report of the American College of Cardiology Foundation/ American Heart Association Task Force on Practice Guidelines. Circulation. 2010; 122: e584–e636. 2- Sposito,CA, Caramelli B, Fonseca FAH, Bertolami MC. IV Diretriz Brasileira Sobre Dislipidemias e Prevenção da Aterosclerose Departamento de Aterosclerose da Sociedade Brasileira de Cardiologia. Arq Brasil Cardiol 2007, 88: Sup I , Arquivos Brasileiros de Cardiologia - Volume 88, Suplemento I, Abril 2007. 3- ROSENSON, R.S – ATPIII GUIDELINES FOR TREATMENT OF HIGH CHOLESTEROL. http://www.uptodate.com/contents/atp-iiiguidelines-for-treatment-of-high-blood-cholesterol?source=search_result&selectedTitle=3%7E150 In 10/08/2011 18h 45 m CARDIOLOGIA E DOENÇAS CIRCULATÓRIAS | Como eu trato 179 Dr. Henrique Jorge Guedes Neto (CRM 33990) Dissecção aórtica CARDIOLOGIA E DOENÇAS CIRCULATÓRIAS | Como eu trato 180 As dissecções aórticas se caracterizam pela separação das camadas da aorta por uma coluna de sangue que se expande longitudinalmente, circunferencialmente e em variável extensão. Essa coluna de sangue, ao penetrar na camada média, tende a propagar a área de dissecção, podendo ter progressão proximal ou distal. Como consequência dessa divisão da camada média, distinguem-se duas luzes aórticas, separadas por uma lâmina (flap) médio-intimal: luz falsa e luz verdadeira. Na maioria dos pacientes, a dissecção tem início a partir de um ponto de ruptura da camada íntima, que é o orifício de entrada que origina a dissecção da média. Outros pontos de comunicação entre as luzes, os orifícios de reentrada, podem ocorrer no trajeto da dissecção. No percurso, ramos arteriais importantes (coronárias, carótidas, renais, tronco celíaco, mesentéricas, ilíacas) podem ser comprimidos ou ocluídos. As comissuras da válvula aórtica podem perder a sustentação, levando ao aparecimento de insuficiência aórtica grave. A parede externa aórtica pode se romper, dando origem a hemoperiocárdio, hemotórax, hemorragia retroperitoneal e morte. Pode ainda haver dilatação da aorta com formação de aneurisma. CLASSIFICAÇÃO Diversas classificações foram postuladas para diferenciar e tipificar as dissecções aórticas. A primeira delas foi descrita por DeBakey et al, em 1965, definindo as dissecções, de acordo com sua localização e extensão, em três tipos: tipo I – quando a dissecção engloba a aorta ascendente: tipo II - quando a dissecção engloba a aorta descendente; tipo III – quando a dissecção se origina após a artéria subclávia esquerda, subdividindo-se no tipo IIIa – limitada à aorta torácica descendente, e IIIb – estendendo-se desde a aorta torácica até a abdominal. A classificação de Stanford, desenvolvida por Daily et al,em 1970, tem sido mais amplamente utilizada. É baseada na abordagem terapêutica, não estando relacionada à origem ou extensão distal das dissecções e as divide em: tipo A – quando a aorta ascendente está envolvida e tipo B – quando a aorta ascendente não está envolvida, isto é, após a emergência da artéria subclávia esquerda. Existe uma tendência mais moderna de se agrupar as dissecções aórticas clássicas, os hematomas intramurais e as úlceras penetrantes de aorta sob a denominação de “Síndromes Aórticas Agudas”. ETIOPATOGENIA A patogênese da dissecção ainda é um assunto que gera bastante discussão. A principal controvérsia reside na questão do evento inicial. Duas teorias são postuladas para explicar a questão. A primeira teoria afirma que o orifício de entrada na camada íntima é o evento primário na gênese da dissecção, permitindo a entrada de sangue na camada média, levando à separação dos tecidos da parede aórtica. Tal ponto de vista é mais consagrado e apoia-se em estudos de necropsia e de correlação com ecocardiografia e ressonância magnética (RM). A segunda tese postula que, inicialmente, ocorre a formação de um hematoma intramedial, que separa as lâminas elásticas e gera subsequente ruptura da camada íntima com formação do orifício de entrada. Essa hipótese foi estabelecida a partir da observação de alguns pacientes com dor torácica, sugestiva de dissecção, em que as imagens iniciais mostraram apenas hematoma intramural sem conexão com a luz da aorta, mas que tardiamente desenvolveram orifício de entrada comunicante com a luz da aorta verdadeira. Considera-se que o evento inicial seja devido à ruptura de pequenos vasos da camada média e da vasa vasorum por forças de cisalhamento. EPIDEMIOLOGIA Sua incidência varia de 0,5 a 3 casos por 100.000 pessoas por ano, de acordo com a prevalência dos fatores de risco na população estudada. Nos Estados Unidos, em estudo recente, a incidência foi estimada em 2,9 casos por 100.000 habitantes por ano, com cerca de 7.000 novos casos ao ano. No Brasil não há dados específicos; no entanto, com o crescimento da população de idosos e a elevada incidência de hipertensão, a decepção aórtica tem sido descrita com maior frequência. O sexo masculino é o mais frequentemente acometido. A relação sexo masculino/feminino pode chegar a 5:1. QUADRO CLÍNICO E DIAGNÓSTICO Dor aguda, de forte intensidade, em região retroesternal, que rivaliza em intensidade com o infarto agudo do miocárdio. É acompanhado de sudorese, náuseas e pode evoluir para síncope em até 10% dos casos. Geralmente, existe a hipertensão arterial com taquicardia que, se não diagnosticada e tratada, leva à instabilidade hemodinâmica. Após a suspeita clínica, começa-se com protocolo de investigação diagnóstica para dor torácica: Eletrocardiograma – inespecífico (afasta outros diagnósticos) Exames laboratoriais – inespecíficos (afasta outros diagnósticos) Rx de tórax – alargamento de mediastino (80%) Ecocardiograma – exame preferencial, baixa sensibilidade e especificidade. Transesofágico é o melhor tipo. Tomografia computadorizada – melhor exame; visualiza flap, separa as duas luzes (sinal patognomônico) e permite a visualização do orifício de reentrada (complementar com angiotomografia). Ressonância magnética, arteriografia e ultrassonografia intravascular podem ser complementares. EVOLUÇÃO Pode evoluir para ruptura, isquemia ou formação de aneurisma. Hoje em dia chamamos de síndrome aórtica aguda, que é representada pelo hematoma intramural, a úlcera penetrante ou a dissecção de aorta. TRATAMENTO Clínico: sedação da dor e estabilização hemodinâmica em UTI, com controle rigoroso da hipertensão. Se a doença progredir, mesmo com tratamento clínico adequado, levando a persistência da dor, má perfusão de ramos viscerais e/ou dos membros inferiores e dilatação da falsa luz ou ruptura, indicamos o tratamento cirúrgico. Cirúrgico: Dissecção tipo A – quem trata é o cirurgião cardíaco. Dissecção tipo B – opta-se por técnicas endovasculares, pois são menos invasivas e têm resultado razoável. As cirurgias endovasculares ou “abertas” devem revascularizar todos os ramos envolvidos pela dissecção. Outra CARDIOLOGIA E DOENÇAS CIRCULATÓRIAS | Como eu trato 181 técnica usada é a da cirurgia híbrida, na qual usamos técnicas “abertas” menores de revascularização de ramos em conjunto com a técnica endovascular. As síndromes aórticas agudas são um desafio para o cirurgião vascular, tanto pela sua gravidade, quanto pela complexidade do seu tratamento. Referências 1 - Brito CJ. Cirurgia vascular endovascular e angiologia. 2ª edição; Revinter – 2008. 3 – Maffei, FHA. Doenças vasculares periféricas. 4ª edição; Medsi – 2008. CARDIOLOGIA E DOENÇAS CIRCULATÓRIAS | Como eu trato 182 Dr. Marcello Simaro Barduco (CRM 65583) Edema agudo de pulmões O edema agudo de pulmões é uma situação muito frequente em serviços de emergência e se constitui em um dos quadros de maior angústia para o paciente e para a equipe de atendimento. Apresenta-se, invariavelmente, como quadro de insuficiência respiratória de instalação abrupta, sendo bastante comum que o paciente apresente-se agitado, cianótico e pouco colaborativo à primeira abordagem do time da emergência. São diversos diagnósticos diferenciais e pode ocorrer por variadas cardiopatias, com tratamentos distintos. Acontece por extravasamento repentino de líquido para o interstício pulmonar e alvéolos, atrapalhando a troca gasosa, diminuindo a complacência pulmonar e tornando, desta forma, o esforço respiratório muito maior. Está sempre relacionado a cardiopatias em que a pressão de capilar pulmonar se eleva exageradamente, suplantando os mecanismos de drenagem de fluidos do interstício pulmonar, levando ao edema intersticial e ao edema alveolar. Causas menos comuns, como o edema pulmonar neurogênico, a hiperatividade alfa-adrenérgica (feocromocitoma), entre outras, também ocorrem por elevação da pressão hidrostática capilar, porém sem cardiopatia associada. Quadro Clínico As manifestações clínicas do edema pulmonar estão diretamente relacionadas ao grau de congestão intersticial e alveolar. Assim, o quadro pode se iniciar com taquipneia, que gradativamente evolui para dispneia evidente em repouso, taquicardia, sudorese fria, cianose de extremidades, uso de musculatura acessória, sibilos respiratórios e crepitação pulmonar, que pode, progressivamente, atingir ápices. Vale destacar que o aparecimento de estertores crepitantes na ausculta está relacionado à inundação alveolar, revelando sempre quadros mais graves. Da mesma forma, a inexistência de estertores não afasta o diagnóstico. Como o quadro é frequentemente de instalação rápida, o mais comum é que os pacientes cheguem ao serviço de emergência com claros sinais de insuficiência respiratória aguda, apresentando baixa saturação à oximetria, agitação psicomotora, às vezes confusão mental, podendo chegar a rebaixamento do nível de consciência nos casos mais graves. A ausculta cardíaca está comumente comprometida, tanto pela agitação psicomotora que o paciente costuma apresentar, quanto pela existência de diversas alterações na ausculta pulmonar e à taquicardia que se apresenta na maioria das vezes. A caracterização de terceira bulha, sopros cardíacos ou a percepção de frequência cardíaca inadequada (bradi ou taquicardias exacerbadas) podem sugerir a etiologia do quadro. Da mesma forma, alterações 183 CARDIOLOGIA E DOENÇAS CIRCULATÓRIAS | Como eu trato Introdução nos níveis de pressão arterial podem se caracterizar como causa do edema pulmonar. Crises hipertensivas estão comumente relacionadas à gênese do edema, assim como pode haver hipotensão em situações de choque cardiogênico com congestão pulmonar. Diagnósticos Diferenciais Como todos os quadros de insuficiência respiratória de instalação súbita têm apresentação semelhante na chegada aos serviços de emergência, é fundamental avaliar as possibilidades diagnósticas diversas para uma abordagem adequada do quadro. Estão entre os quadros mais facilmente confundidos com o edema agudo pulmonar a Embolia Pulmonar, as crises de DPOC exacerbadas, o pneumotórax espontâneo e as crises de asma grave. Detalhes na história clínica e no exame físico é que irão direcionar o diagnóstico inicial da causa da insuficiência respiratória aguda. Mesmo quando definido o quadro como sendo secundário ao edema agudo de pulmões de origem cardiogênica, é essencial estarmos atentos às possíveis causas de descompensação aguda da cardiopatia. Esta manifestação é frequente em casos de isquemia miocárdica aguda, crises hipertensivas, disfunções valvares agudas (insuficiência mitral aguda por ruptura de cordoalha tendínea e insuficiência aórtica secundária a dissecção aguda de aorta), taquiarritmias ou bradiarritmias intensas e choque cardiogênico secundário a miocardiopatia dilatada descompensada. Como cada causa do edema agudo pulmonar cardiogênico tem tratamento específico, é essencial seu reconhecimento para que, uma vez conseguida a estabilização inicial do paciente por medidas terapêuticas, que serão abordadas adiante, sejam tomadas as condutas para reverter a causa inicial do quadro. Exames Laboratoriais CARDIOLOGIA E DOENÇAS CIRCULATÓRIAS | Como eu trato 184 Na abordagem inicial da insuficiência respiratória aguda, o valor de exames laboratoriais é discutível. Estes são essenciais para a confirmação do diagnóstico de edema pulmonar e suas possíveis causas. Discorreremos rapidamente a respeito daqueles que são de uso mais frequente na prática clínica: Radiografia de Tórax: realizada sempre no leito, além de avaliar a silhueta cardíaca, mostra sinais de congestão pulmonar, como a cefalização da trama vascular, o borramento do contorno peri-hilar pulmonar e edema intersticial com surgimento de linhas B de Kerley, podendo também mostrar derrame cisural e pleural. Eletrocardiograma: pode mostrar arritmias que participam da gênese do quadro (fibrilação atrial aguda, por exemplo), sinais de isquemia miocárdica, sobrecarga de câmaras e bloqueios de ramo, que sugiram miocardiopatia prévia e sinais sugestivos de derrame pericárdico (complexos de baixa voltagem). Exames Laboratoriais: importantes na determinação de quadros isquêmicos (marcadores de necrose miocárdica, como CKMB e troponina), condições clínicas prévias que possam ter contribuído para a gênese do quadro (função renal, eletrólitos), nível de compensação cardíaca prévia (BNP), e avaliação inicial e evolução do tratamento da insuficiência respiratória (gasometria arterial). A avaliação do D-dímero pode excluir a possível etiologia embólica pulmonar como causa da insuficiência respiratória, caso seu resultado seja normal. Ecocardiograma: sempre importante na avaliação da causa que levou ao edema agudo de pulmão, pode mostrar disfunção ventricular sistólica global (miocardiopatia) ou regional (isquemia), avalia disfunção diastólica, comum em etiologias que envolvam quadros hipertensivos, diagnostica alterações estruturais valvares, complicações em infartos (CIV, rotura de músculo papilar ou de parede livre de ventrículo esquerdo, aneurisma ventricular), podendo ainda ajudar em alguns diagnósticos diferenciais, como embolia pulmonar (hipertensão pulmonar com comprometimento exclusivo de ventrículo direito). Tratamento Como citado anteriormente, o edema agudo de pulmão pode ser a via final comum de manifestação de diversas patologias cardíacas. Desta forma, o diagnóstico preciso da causa é essencial para a estabilização definitiva do quadro. Ocorre que as ações iniciais não podem esperar o diagnóstico da etiologia do edema de pulmão, com risco de óbito por insuficiência respiratória. Então, a abordagem do paciente que chega à sala de emergência nestas condições deve sempre priorizar o controle da insuficiência respiratória em detrimento do diagnóstico imediato de sua causa. O paciente deve permanecer recostado, com as costas elevadas, de forma a facilitar o acúmulo de líquido apenas nas bases pulmonares. Desta forma, facilita-se o trabalho respiratório tanto do diafragma quanto da musculatura acessória, permite-se que os ápices pulmonares permaneçam menos congestos e as trocas gasosas ocorram com maior facilidade. A monitoração do paciente é essencial para que tenhamos parâmetros de avaliação da sua resposta às intervenções terapêuticas. A melhora nos níveis de saturação periférica de oxigênio e a redução da taquicardia reflexa são sinais interessantes de reversão da congestão pulmonar. A abordagem mais instintiva e adequada é a suplementação de oxigênio, preferencialmente por meio de máscara, já que a oferta por cateter é sempre insuficiente. Máscaras com reservatório podem oferecer altas concentrações de oxigênio, sendo preferidas. A elevação da concentração de O2 no sangue causa vasodilatação pulmonar com melhora do desempenho cardíaco. A morfina é uma droga interessante na abordagem inicial destes quadros, pois causa venodilatação intensa, diminuindo a pré-carga cardíaca, e reduz a ansiedade associada ao quadro. Doses de 2 mg sequenciais a cada dois minutos costumam ser bem toleradas e podem ser muito eficazes. No caso de reação adversa, como indução de hipoventilação, o naloxone na dose de 0,4 mg em intervalos de 2 a 3 minutos pode ser utilizado. Outras drogas bastante utilizadas na abordagem inicial do edema agudo de pulmões são os vasodilatadores da classe dos nitratos, independentemente da existência de isquemia miocárdica. Tanto os sublinguais quanto os intravenosos têm efeito principalmente nos vasos de capacitância, mas também causam vasodilatação arterial. Em pacientes recém-chegados que não apresentem hipotensão, tais drogas devem ser utilizadas na dose de 5 mg sublingual a cada 5 a 10 minutos e após a obtenção de acesso venoso, devem ser administradas na dose de 0,3 a 0,5 mg/kg/min., inicialmente, elevando-se a dose a cada 5 minutos, até a obtenção do controle pressórico. Como se trata de droga de alto potencial hipotensor, a monitoração de pressão arterial deve ser contínua e a titulação da dose deve ser ajustada conforme essa resposta. Em casos mais raros, pode ser utilizado o nitroprussiato de sódio, como em emergências hipertensivas mal controladas com a abordagem anterior ou em casos de valvopatias agudas associadas à gênese do edema pulmonar (insuficiências mitral ou aórtica agudas). A ação vasodilatadora arterial mais evidente diminui a pós-carga, reduzindo a fração do débito cardíaco que é regurgitada, com consequente melhora hemodinâmica e diminuição da congestão pulmonar. A dose inicialmente preconizada é de 0,1 mg/kg/ min., sendo titulada até que a congestão pulmonar esteja controlada ou a pressão arterial sistólica atinja níveis próximos a 90 mmHg. Em casos relacionados à hipotensão, devemos considerar a hipótese de choque cardiogênico associado a edema pulmonar. Nestes casos estão indicadas drogas vasoativas (dopamina, dobutamina) para melhorar a função sistólica do ventrículo esquerdo, com redução da pressão capilar pulmonar e do edema. A utilização de ventilação com pressão positiva não invasiva, por máscara de CPAP, tem papel fundamental, principalmente no controle dos quadros mais graves. As diversas ações que a oferta de oxigênio em alto fluxo sob pressão positiva oferecem ao paciente incluem a diminuição do trabalho da musculatura respiratória, a redução do líquido alveolar e intersticial, facilitando as trocas gasosas, a redução da pré-carga e pós-carga cardíacas, por efeitos hemodinâmicos diretos intratorácicos, e o recrutamento alveolar que o método permite. Diversos estudos mostram que houve redução significativa da necessidade de intubação orotraqueal em casos de edema agudo de pulmões, quando se passou a utilizar de forma rotineira a pressão positiva pelo CPAP. Hoje é considerada conduta de eleição nestes casos. 185 CARDIOLOGIA E DOENÇAS CIRCULATÓRIAS | Como eu trato Os diuréticos de alça (furosemida) também são de extrema valia na abordagem do edema agudo de pulmão. Sua ação venodilatadora reduz rapidamente a pré-carga, o trabalho cardíaco e o consumo de oxigênio pelo miocárdio. Utilizam-se doses médias de 40 a 80 mg, administradas por via intravenosa. Em pacientes com doença renal associada, podem ser necessárias doses mais altas. O efeito diurético ocorre posteriormente ao efeito nos vasos de capacitância. Atualmente, a intubação orotraqueal permanece reservada a situações de grave instabilidade hemodinâmica secundária, principalmente arritmias e choque cardiogênico. A abolição do trabalho respiratório nos casos em que há necessidade de uso de drogas vasoativas por choque cardiogênico ou para a sedação na cardioversão elétrica ou passagem de marca-passo transcutâneo permanecem como indicações de escolha para a intubação orotraqueal, em casos de edema agudo de pulmão. Mais uma vez, destaca-se que, resolvida a insuficiência respiratória aguda, é essencial que nos atenhamos à determinação da causa primária que levou o paciente ao edema agudo pulmonar. O seu controle/tratamento é que vai garantir a estabilidade de longo prazo deste paciente. Referências Hunt AS et al. ACC/AHA guidelines for the evaluation and management of chronic heart failure in adults: a report of the American College of Cardiology / American Heart Association task force on practice guidelines. Circulation 2001; 104: 29963007. Knobel M, Bastos JF. Edema Agudo dos Pulmões. In Serrano Jr CV, Timerman A, Stefanini E (Eds).Tratado de Cardiologia SOCESP – 2a Ed. – Barueri, SP – Manole, 2009: 1820-6. Lorraine BW, Michael AM. Acute pulmonary edema. N Engl J Med 2005; 353: 2788-96. Harris P, Heath D. Pulmonary edema. In Harris P, Heath D (Eds.). The human pulmonary circulation. 3. Ed. New York Churchill Livingstone, 1986, 373-83. CARDIOLOGIA E DOENÇAS CIRCULATÓRIAS | Como eu trato 186 Dr. Dikran Armaganijan (CRM 15730) Dra. Luciana Vidal Armaganijan (CRM 104559) Estatinas: há alguma melhor do que a outra? Diferentes classes de medicamentos têm sido utilizadas para a redução dos níveis de colesterol: resinas de troca (colestiramina), inibidor da absorção intestinal do colesterol (ezetimiba) e os inibidores competitivos da HMG-CoA redutase (estatinas). Além da redução lipídica, outras propriedades denominadas pleiotróficas têm contribuido para os benefícios das estatinas e, desde sua aprovação, diversos estudos clínicos vêm demonstrando que as estatinas reduzem eventos cardiovasculares, tanto na prevenção primária como na prevenção secundária da doença arterial coronária. No Brasil, dispomos de sete estatinas distribuídas em três grupos: naturais (lovastatina e pravastatina), semissintética (sinvastatina) e sintéticas (atorvastatina, rosuvastatina e fluvastatina). Evidências experimentais, estudos clínicos populacionais e a ampla utilização na prática clínica possibilitaram a identificação de diferenças relacionadas aos efeitos metabólicos, equivalência de doses posológicas efetivas e efeitos adversos dessa classe de medicamentos. A lovastatina e a sinvastatina são lipofílicas e pró-fármacos que necessitam de conversão enzimática para exercer efeitos terapêuticos. As demais são drogas ativas e não necessitam de conversão enzimática. A pravastatina e a rosuvastatina são as mais hidrofílicas, e a atorvastatina e a rosuvastatina têm maior meia-vida, em torno de 14 e 21 horas, respectivamente. Os efeitos metabólicos diferenciais se relacionam com a inibição da HMGCoA (liberação do cálcio, transporte de glicose, secreção e/ou resistência à insulina, entre outros). Contudo, tais diferenças não modificaram a indicação terapêutica. A equivalência posológica relacionada à potência das estatinas mostrou que 10mg de rosuvastatina equivalem a entre 10 e 20mg de atorvastatina, 20 e 40mg de sinvastatina, 40 e 80mg de pravastatina e entre 80 e 160mg de lovastatina. A opção pela escolha da estatina depende da estratificação do risco absoluto de evento cardiocirculatório. Na prática clínica os pacientes são estratificados em baixo, moderado e elevado risco absoluto para a ocorrência de evento cardiocirculatório, durante um período de 10 anos: baixo risco <10%, moderado risco >10% e <20% e alto risco>20%. Quanto maior é o risco, mais baixas são as metas dos níveis séricos de LDL-colesterol, e maior é a necessidade de doses elevadas de estatina. Nessas circunstâncias, dar preferência às estatinas mais potentes (atorvastastatina e rosuvastatina), em baixas doses, ou associar ezetimiba com 187 CARDIOLOGIA E DOENÇAS CIRCULATÓRIAS | Como eu trato Estudos de coorte observacionais e prospectivos têm demonstrado importante relação entre concentração sérica de colesterol e doença cardiocirculatória. Apesar do risco absoluto ser maior em pacientes com doença vascular preexistente, níveis elevados de LDL-colesterol respondem, também, pelo aumento da mortalidade total, mortalidade coronária, eventos coronários mais graves e acidente vascular cerebral. estatinas de qualquer grupo. Os efeitos adversos são dosedependentes e, apesar de raros, podem ser importantes devido à sua gravidade. A mialgia compromete 39% dos pacientes em uso de estatina e valores de CK e/ou TGP superiores a três vezes os valores normais sugerem troca ou suspensão do medicamento. A pravastatina é a menos hepatotóxica, porém menos efetiva no controle da LDL-colesterol. Apesar da baixa prevalência, a miopatia e a rabdomiólise constituem graves complicações em pacientes medicados com estatina. A miopatia compromete 11 entre 100.000 pacientes tratados/ano, e a rabdomiólise 3,4 entre 100.000 pacientes tratados/ano, com uma mortalidade em torno de 10%. Os efeitos pleiotróficos das estatinas têm sido a justificativa para sua indicação terapêutica. Entretanto, a escolha do medicamento relaciona-se à sua eficácia, de preferência em baixa dosagem, com poucos efeitos colaterais e custo acessível, pois trata-se de um medicamento com indicação de uso contínuo e por períodos prolongados. Referência bibliográficas 1 – Kwang KK, Sakuma I, Quon MJ. Differential metabolic effects of distinct statins Atherosclerosis 2011;215:1-8 2 – Santos LN, Silva FV. Reações Adversas às Estatinas: mecanismo de ação e evidências clínicas. Revista de Ciências Médicas e Biológicas 2010;9(1)79-86 3 – Koh KK. Effects if statins on vascular wall: vasomotor function, inflamation, and plaque stability. Cardiovascular Res 2000;47:648-57 CARDIOLOGIA E DOENÇAS CIRCULATÓRIAS | Como eu trato 188 Dr. Fábio de Cerqueira Lario (CRM 93871) Estenose aórtica A estenose aórtica ocorre quando há a redução do orifício de abertura valvar, provocada pela diminuição da mobilidade das válvulas. Essa condição leva a fluxo turbulento, com perda de energia e, ainda, a hipertrofia ventricular esquerda devido à sobrecarga de pressão. Esse conjunto de alterações é responsável pelo desenvolvimento dos sintomas clássicos da estenose aórtica: angina de peito, dispneia e síncope. As principais causas de estenose valvar aórtica são: Degenerativa (esclerose e calcificação das válvulas); Valvopatia reumática; Vongênita (fusão das válvulas, valva bicúspide, etc.); Outras (lúpus eritematoso sistêmico, hipercolesterolemia familial). O diagnóstico pode ser confirmado por meio da história, exame físico, ecocardiograma e cateterismo cardíaco, quando necessário. Achados clínicos: sinais e sintomas: Angina: é o sintoma inicial em aproximadamente 35% dos pacientes; ocorre em resposta a isquemia miocárdica, devido ao desequilíbrio entre oferta e demanda de oxigênio no miocárdio. Síncope: primeiro sintoma em aproximadamente 15% dos pacientes e, em geral, ocorre durante o esforço. Pode ocorrer devido ao desequilíbrio entre a resistência periférica, que cai, e o débito cardíaco, que não aumenta, devido a reflexo vasodepressor, ou ainda, por arritmias. Insuficiência Cardíaca Congestiva (ICC): sintoma inicial em aproximadamente 50% dos pacientes. Ocorre devido à disfunção diastólica, aumento da pós-carga e, em fases avançadas, redução da contratilidade miocárdica. Exame físico: Os principais achados de exame físico são o sopro sistólico ejetivo (rude, principalmente em área aórtica, com irradiação para a fúrcula e carótidas e também para o ápice), o pulso parvus-tardus, o desdobramento paradoxal 189 CARDIOLOGIA E DOENÇAS CIRCULATÓRIAS | Como eu trato Considerações Gerais da segunda bulha, o íctus tipo muscular e, nos casos mais avançados, sinais de insuficiência cardíaca. Exames complementares: Eletrocardiograma: os achados mais comuns são a sobrecarga ventricular esquerda, atrial esquerda e alterações da repolarização; Radiografia de tórax: em geral não há aumento da silhueta cardíaca, apenas em casos avançados; Ecocardiograma com Doppler colorido: é a principal ferramenta clínica para diagnóstico e acompanhamento dos pacientes com estenose aórtica, capaz de fornecer detalhes anatômicos e funcionais da valva aórtica (determinação dos gradientes de pressão transvalvares e da área valvar), e também das alterações secundárias das cavidades cardíacas (hipertrofia ventricular esquerda, hipertensão pulmonar, etc.); Cateterismo cardíaco: utilizado para avaliação de coronariopatia associada e, nos casos de dúvida diagnóstica, podem-se obter medidas dos gradientes de pressão e cálculo da área valvar (termodiluição). História natural A história natural da estenose aórtica em adultos consiste, em geral, em um longo período latente, com morbidade e mortalidade baixas. Uma vez que os sintomas surgem, o quadro muda drasticamente, e os indivíduos sintomáticos apresentam uma taxa de mortalidade de 75% em três anos. Entretanto, os pacientes assintomáticos apresentam bom prognóstico, com risco de morte súbita menor que 1% ao ano. Contudo, é importante ressaltar que os sintomas podem ser sutis e devem ser cuidadosamente pesquisados pelo cardiologista no acompanhamento de pacientes com estenose aórtica importante. CARDIOLOGIA E DOENÇAS CIRCULATÓRIAS | Como eu trato 190 Classificação Embora a estenose aórtica seja melhor descrita como um continuum, por razões práticas, a sua gravidade pode ser graduada com base nos conjuntos de dados hemodinâmicos e de história natural: Leve (área de 1,5 cm2, gradiente médio menor que 25 mmHg, ou velocidade do jato menor que 3 m/s); Moderada (área de 1 a 1,5 cm2, gradiente médio de 25 a 40 mmHg, ou velocidade de jato de 3 a 4 m/s); Grave (área menor que 1 cm2, gradiente médio maior que 40 mmHg, ou velocidade do jato maior que 4 m/s). Porém, quando o débito cardíaco é baixo, por exemplo, disfunção de Ventrículo Esquerdo (VE), pode haver estenose aórtica com gradiente pressórico baixo. Além disso, alguns pacientes com estenose grave permanecem assintomáticos, enquanto outros com estenose moderada desenvolvem sintomas. As decisões terapêuticas são principalmente baseadas nos sintomas; logo, a área valvar e o gradiente pressórico não devem ser os determinantes primários na indicação da troca valvar. Tratamento A terapia farmacológica não é efetiva para a estenose aórtica grave, mas podem ser utilizados diuréticos para o controle da insuficiência cardíaca, até que o tratamento definitivo possa ser realizado. Em casos selecionados (hipertensos, com pós-carga aumentada), os vasodilatadores também podem ser utilizados como ponte para o tratamento cirúrgico definitivo, ou, nos indivíduos com contraindicação, a substituição valvar. O único tratamento eficaz para a estenose aórtica é remover a obstrução provocada pela valva estenótica. Isso pode ser feito pela troca valvar por prótese (biológica ou mecânica), valvotomia por cateter-balão, ou ainda por valvoplastia e implante percutâneo de prótese valvar. Conforme já mencionado, o tratamento cirúrgico de troca valvar é indicado nos casos de estenose aórtica importante em indivíduos sintomáticos, dada a alta morbidade e mortalidade após o desenvolvimento de sintomas nesses casos. A escolha do tipo de prótese (biológica ou mecânica) deve ser individualizada, levando-se em conta a necessidade de anticoagulação oral para as próteses mecânicas, que apresentam maior durabilidade e, portanto, em geral, são preferencialmente utilizadas em indivíduos jovens, ou nos indivíduos idosos que já apresentem indicação clínica de anticoagulação por outros motivos (por exemplo, fibrilação atrial). Para os indivíduos com múltiplas comorbidades, quando o risco do tratamento cirúrgico é inaceitável, pode-se lançar mão de implante percutâneo da prótese aórtica, já realizado em nosso meio. A valvotomia por cateter balão é reservada como ponte para o tratamento cirúrgico definitivo, e tem sido menos utilizada, após o desenvolvimento das próteses com implante percutâneo. Nos pacientes assintomáticos, a troca valvar não está indicada, pois a mortalidade cirúrgica global para a troca valvar aórtica é ao redor de 2 a 3%, o que é inconcebível para esses indivíduos, para quem o risco de morte súbita é menor que 1% ao ano. Desse modo, os indivíduos assintomáticos com estenose aórtica importante devem ser acompanhados periodicamente pelo cardiologista e realizar ecocardiograma, no mínimo, anualmente, para avaliação de progressão da doença. Quando a história clínica não é muito clara ou a identificação de sintomas é particularmente difícil, a realização de teste ergométrico nos indivíduos assintomáticos pode ajudar, desmascarando sintomas latentes ou respostas hemodinâmicas anormais durante o teste (aumento menor que 20 mmHg na pressão arterial durante o teste, por exemplo). O teste ergométrico nesse subgrupo de pacientes também pode ser útil para o aconselhamento de atividades físicas. Por fim, pacientes com estenose aórtica grave e baixo débito cardíaco frequentemente apresentam baixos gradientes pressóricos transvalvares (médio < 30 mmHg). Pode ser difícil distingui-los dos que apresentam baixo débito e estenose leve ou moderada, quando a disfunção contrátil do VE e não a obstrução provocada pela valva estenótica é a principal responsável pela disfunção contrátil e o baixo volume sistólico. Em ambos os grupos, o baixo débito cardíaco pode ser responsável pelo baixo valor da área valvar calculada. Para auxiliar na distinção entre esses grupos, pode-se utilizar o ecocardiograma sob estresse físico, ou com baixas doses de dobutamina. Se, durante o teste, houver incremento no volume sistólico, aumento da área valvar superior a 0,2 cm2 e pouca ou nenhuma mudança no gradiente pressórico, é provável que o problema primário não seja a estenose valvar e sim a disfunção contrátil do VE. Quando não houver incremento na área valvar durante o teste, com o aumento do volume sistólico e do gradiente transvalvar, trata-se de estenose aórtica verdadeira, com boa resposta ao tratamento cirúrgico. Finalmente, os indivíduos que não apresentarem aumento do volume sistólico maior que 20% durante o teste com dobutamina, o que configura “falta de reserva contrátil”, apresentam prognóstico mais reservado, tanto com o tratamento clínico, quanto com o cirúrgico. Indicações de troca valvar aórtica: Classe I 1. Pacientes sintomáticos, com estenose aórtica (EAo) grave; 2. Pacientes com EAo grave, que serão submetidos a cirurgia de revascularização miocárdica; 3. Pacientes com EAo grave, que serão submetidos a cirurgias de aorta ou de outras valvas cardíacas; 4. Pacientes com EAo grave e disfunção sistólica do ventrículo esquerdo. Classe IIa 1. Pacientes com EAo moderada, submetidos a outras cirurgias cardíacas. Classe IIb 1. Indivíduos assintomáticos com EAo grave e resposta anormal ao esforço físico (sintomas ou hipotensão sintomática); 2. Pacientes com EAo grave assintomáticos com progressão rápida. 3. Pacientes que serão submetidos a revascularização miocárdica e que também possuam EAo leve, quando CARDIOLOGIA E DOENÇAS CIRCULATÓRIAS | Como eu trato 191 houver evidência de calcificação importante da valva, ou de rápida progressão da doença. 4. Pacientes assintomáticos com EAo muito grave (gradiente médio maior que 60 mmHg ou velocidade de jato maior que 5 m/s), quando a mortalidade cirúrgica esperada for menor que 1%. Referências: 1. Bonow RO, Carabello BA, Chatterjee K, et al. Focused update incorporated into the ACC/AHA 2006 guidelines for the management of patients with valvular heart disease: a report of the American College of Cardiology/American Heart Association Task Force on Practice Guidelines (Writing Committee to Revise the 1998 Guidelines for the Management of Patients With Valvular Heart Disease): endorsed by the Society of Cardiovascular Anesthesiologists, Society for Cardiovascular Angiography and Interventions, and Society of Thoracic Surgeons. Circulation 2008;118(15):523-661. 2. Libby P, Braunwald E. Braunwald’s heart disease : a textbook of cardiovascular medicine. 8th ed. Philadelphia: Saunders/ Elsevier; 2008. 3. Crawford MH, Srivathson K. Essentials of diagnosis & treatment in cardiology. New York: Lange Medical Books/McGraw-Hill, Medical Pub. Division; 2004. 4. Otto CM. Aortic stenosis--listen to the patient, look at the valve. N Engl J Med. 2000;343(9):652-54 CARDIOLOGIA E DOENÇAS CIRCULATÓRIAS | Como eu trato 192 Dra. Valéria Cardoso de Souza (CRM 66020) Estenose da artéria renal O tratamento da EAR com SR, quando realizado em centros com equipe multidisciplinar experiente na abordagem da EAR, incluindo profissionais adequadamente treinados em ATP e SR e nefrologistas, é um procedimento com baixos índices de complicações, cursando, na grande maioria dos casos, com alcance dos objetivos da terapia, tanto para o paciente, quanto para a equipe médica, não havendo justificativa para não ser indicado. O grande problema do SR surgiu na última década, quando estudos multicêntricos (STAR trial, ASTRAL trial e DRASTIC trial), mostraram resultados insatisfatórios do SR, tanto no controle da hipertensão arterial (HA), quanto no controle da insuficiência renal isquêmica (IRI). Quando se fala no tratamento da EAR, duas entidades devem ser consideradas: a doença displásica da artéria renal e a doença ateromatosa da artéria renal. No tratamento da displasia fibromuscular, o stent não deve ser utilizado, sendo o tratamento realizado somente com ATP, diferentemente da doença ateromatosa, em que o stent tem fator determinante na melhora do resultado. Neste tópico, vamos nos concentrar no tratamento da EAR relacionada a doença ateromatosa, que é o fator causal predominante. Como agir na presença da EAR: 1- Pontos a considerar: a) A EAR é bastante frequente e não obrigatoriamente um fator relacionado à etiologia da HAS, sendo encontrada em 77% das autópsias de portadores de HA e em 50-81% de normotensos. Tanto a EAR quanto a hipertensão arterial sistêmica essencial são bastante frequentes. b) A incidência de IRI vem aumentando e, muito provavelmente, está relacionada ao aumento de sobrevida da população. A EAR é uma doença progressiva. Quando a estenose é maior que 60%, o risco de IRI aumenta, e se a estenose for acima de 80%, o risco de oclusão da artéria renal é ainda maior. No entanto, nem sempre a EAR está relacionada com a etiologia da IRI. c) O grau de EAR deve ser considerado: 193 CARDIOLOGIA E DOENÇAS CIRCULATÓRIAS | Como eu trato Certamente o tratamento endovascular da estenose da artéria renal (EAR) não é novidade. Inicialmente, era realizado somente com angioplastia transluminal percutânea (ATP) e, posteriormente, com o advento do stent metálico, com angioplastia associada ao implante de stent renal (SR), observando-se inquestionável melhora no resultado do tratamento da EAR. • EAR inferior a 50%, não significativa; • EAR de 50 a 70%, moderada; • EAR acima de 70%, significativa. 2- Quando e como investigar a EAR: a) Critérios clínicos: rim pequeno unilateral, sopro em flanco, hipertensão arterial associada a doença ateromatosa difusa, episódio de hipertensão arterial em jovem ou acima de 50 anos, piora súbita da função renal, hipertensão maligna. b) Exames não invasivos: • Testes funcionais (doppler e cintilografia); • Testes anatômicos (angiotomografia e angiorressonância). c) Exames invasivos: • Dosagem de renina plasmática nas veias renais; • Angiografia renal: indicada quando exames não invasivos tiverem resultado discrepante ou forem negativos, com alta suspeita clínica de EAR, suspeita clínica de displasia fibromuscular como etiologia da hipertensão arterial e necessidade de determinar o grau de EAR. A angiografia renal deverá ser realizada quando, ao se confirmar EAR acima de 70%, houver indicação de correção. 3- Como tratar a EAR: a) Tratamento medicamentoso: poderá estar associado à perda da função e massa renal, se a EAR for significativa. b) Correção da EAR: • Endovascular (angioplastia - stent); • Cirúrgica: a revascularização cirúrgica é mais invasiva e sem evidência de ser melhor. É difícil justificar, na maioria dos casos, não se tentar primeiro a angioplastia, que é um procedimento já estabelecido e com baixos riscos. CARDIOLOGIA E DOENÇAS CIRCULATÓRIAS | Como eu trato 194 4- Resultado do tratamento da EAR com SR: a) O sucesso técnico é alto (98%). A incidência de re-estenose (23-26% em 8-19 meses) pode ser reduzida com o tratamento medicamentoso com antiagregante plaquetário e estatina. b) Sucesso clínico: • Cura da hipertensão: - doença ateromatosa - 11%; - hiperplasia fibromuscular - 44%; - frequentemente é possível reduzir a medicação hipotensora. • Estabilização da função renal: 38%. • Melhora da função renal: 30%. 5- Complicações do SR: A incidência de complicações no tratamento da EAR com SR, quando realizado por profissional experiente, reduziu nos últimos anos com o aprimoramento do tratamento clínico (hidratação EV, uso de n-acetilcisteína) e a melhoria dos materiais utilizados (stent de baixo perfil, guias hidrofílicos, etc.). O uso do filtro de proteção, tal como o utilizado na angioplastia carotídea para prevenção de ateroembolia, ainda é controverso, não havendo disponibilidade no mercado de um sistema de proteção desenvolvido especificamente para a artéria renal. 6- Considerações Finais: a) Inquestionavelmente, o tratamento da EAR com SR, quando bem indicado e executado, é um procedimento seguro e com resultado positivo, tanto na HA como na IRI. Os estudos ASTRAL, DRASTIC e STAR apresentam falhas graves na seleção dos pacientes e também na execução do SR. Aguardamos o resultado do estudo CORAL: estudo iniciado em 2004 pelo National Institute of Health, que incluirá 1.080 pacientes, tendo como objetivo primário a incidência de IAM, IC, IR, STROKE e óbito. O objetivo secundário é a melhora da função renal, do controle da PA e a redução da medicação utilizada. Este estudo parece ter uma seleção criteriosa quanto ao tratamento e os centros participantes. A data prevista para término é 2013. Esperamos que este estudo tenha uma resposta clara se o SR foi benéfico na população estudada. Os estudos mal conduzidos trouxeram impacto negativo não só na abordagem da EAR, como para fins de reembolso do tratamento. O desenvolvimento pela indústria de novos materiais (sistema de proteção compatível com a anatomia da artéria renal, etc.) também foi negligenciado. b) Enquanto aguardamos respostas do estudo CORAL, como conduzir paciente com EAR? • Nem toda EAR deve ser tratada com SR. • Somente pacientes com adequada indicação clínica e estenose hemodinamicamente significativa (acima de 70% confirmada por angiografia ou ultrassom intravascular) devem ser tratados com SR. • Indicações de SR segundo o American College of Cardiology/American Heart Association: - Hipertensão Arterial: EAR acima de 70% associado à HA maligna, HA resistente a tratamento medicamentoso ou HA progressiva; - Insuficiência Renal: Piora progressiva da função renal associada a EAR significativa bilateral ou em rim único. - Insuficiência Cardíaca Congestiva: EAR acima de 70% associada à insuficiência cardíaca congestiva súbita, inexplicável, recorrente ou edema pulmonar. Figura 1: M, 56a, diagnóstico de hipertensão arterial há 10 anos. Pressão arterial de 150 X 90 mmHg com associação de três medicamentos. Exames não invasivos (ultrassom + ressonância magnética) mostraram estenose significativa das artérias renais e redução volumétrica do rim esquerdo. Nefrograma com radioisotopo basal e pós-captopril evidenciou 68% de função renal à direita e 32% à esquerda. Indicada avaliação angiográfica e stent renal. Tratamento com stent renal bilateral em dois tempos. Pressão arterial de 120 x 60 mmHg sem medicação. Caso realizado em conjunto com Dr. Pedro Chocair. Fig.1-a) Aortografia abdominal: EAR direita acima de 70% por placa excêntrica (ponta de seta) e oclusão da artéria renal esquerda (seta). Fig.1-b) Cateterismo seletivo da artéria renal esquerda, com oclusão proximal. Fig.1-c) Reopacificação do segmento medial da artéria renal esquerda via circulação colateral com artéria lombar. Fig.1-d) Artéria renal esquerda após recanalização e angioplastia. Fig.1-e) Artéria renal esquerda pós-stent renal. Fig.1-f,g) Artéria renal direita pós-stent renal, com bom fluxo intrarrenal. 195 CARDIOLOGIA E DOENÇAS CIRCULATÓRIAS | Como eu trato Referências: 1. Cooper CJ, Murphy TP. Is renal artery stenting the correct treatment of renal artery stenosis? The case for renal artery stenting for treatment of renal artery stenosis. Circulation 2007; 115: 263–269. 2. Hirsch AT, Haskal ZJ, Hertzer NR et al. ACC/AHA Guidelines for the Management of Patients with Peripheral Arterial Disease (Lower Extremity, Renal, Mesenteric, and Abdominal Aortic): A Collaborative Report from the American Association of Vascular Surgery/Society for Vascular Surgery, Society for Cardiovascular Angiography and Interventions, Society for Interventional Radiology, Society for Vascular Medicine and Biology and the American College of Cardiology/American Heart Association Task Force on Practice Guidelines. Circulation 2006; 113: e463–e654. 3. White CJ, Olin JW. Diagnosis and management of atherosclerotic renal artery stenosis: improving patient selection and outcomes. Nat Clin Pract Cardiovasc Med 2009; 6: 176–190. 4. Bax L, Woittiez AJ, Kouwenberg HJ et al. Stent placement in patients with atherosclerotic renal artery stenosis and impaired renal function: a randomized trial. Ann Intern Med 2009; 150: 840–841. 5. Cooper CJ, Murphy TP, Matsumoto A et al. Stent revascularization for the prevention of cardiovascular and renal events among patients with renal artery stenosis and systolic hypertension: ration ale and design of the CORAL trial. Am Heart J 2006; 152: 59–66 Fig. 1-a Fig. 1-d Fig. 1-b Fig. 1-e Fig. 1-c Fig. 1-f Fig. 1-g CARDIOLOGIA E DOENÇAS CIRCULATÓRIAS | Como eu trato 196 Figura 2: F, 89 anos. Edema agudo de pulmão associado a hipertensão arterial maligna em rim único funcionante. Tratamento com Stent Renal, com bom resultado clínico e sem intercorrências. Fig.2-a) Aortografia abdominal: aorta sinuosa, rim direito atrófico. Rim esquerdo com volume preservado e estenose acima de 70% em segmento medial da artéria renal. Caso realizado em conjunto com Dra. Liliana Bahia Secaf. Fig.2-b) Angiografia seletiva de artéria renal esquerda pré-stent: placa de ateroma calcificada no segmento medial da artéria renal condicionando estenose suboclusiva. Fig.2-c) Angiografia de controle pós-stent renal: artéria renal esquerda amplamente patente. Fig. 2-b Fig. 2-a Fig. 2-c Dra. Valéria Cardoso de Souza (CRM 66020) Estenose carotídea: como agir? Observou-se superioridade no tratamento cirúrgico sobre o tratamento clínico, tanto na doença carotídea sintomática – NASCET (na estenose carotídea acima de 70%, o risco de acidente vascular cerebral isquêmico com o tratamento clínico é de 13,1%, contra 2,5% com o tratamento cirúrgico), como na doença carotídea assintomática – ACAS (na estenose carotídea acima 60%, o risco de acidente vascular cerebral isquêmico é de 10,6% com o tratamento clínico, contra 4,8% com o tratamento cirúrgico). Durante o seguimento tardio no NASCET, também foi identificada redução da incidência de acidente vascular cerebral isquêmico de 22,2 para 15,7% em cinco anos nos pacientes com estenose de 50-69% com o tratamento cirúrgico comparativamente com o tratamento medicamentoso. Estes trabalhos foram decisivos não somente para demonstrar o melhor tratamento, mas também para pontuar a incidência de complicações decorrentes do tratamento cirúrgico aceitáveis; assim, o tratamento cirúrgico não poderá ter incidência de complicações igual ou superior à do tratamento clínico, conservador. No final dos anos 80, Dr. Teron, na França, indica a angioplastia transluminal percutânea como alternativa ao tratamento cirúrgico na estenose carotídea em pacientes com alto risco cirúrgico. Apesar da precariedade dos materiais nesta época, implicando maior incidência de efeitos adversos, o Dr. Teron despertou o interesse pelo tratamento não cirúrgico, tanto na comunidade médica, quanto na indústria. Nos anos 90, a angioplastia carotídea com implante de Stent surge como opção terapêutica em pacientes com contraindicações ao tratamento cirúrgico com endarterectomia. Apesar de ser um “bom” tratamento, a incidência de acidente embólico cerebral durante a realização da angioplastia com Stent era superior à encontrada na cirurgia, sendo notória a necessidade de um sistema que não permitisse a passagem de êmbolos durante o procedimento. Em 1996, com a disponibilidade no mercado do primeiro sistema para impedir ou, no mínimo, reduzir a incidência de embolia cerebral durante a angioplastia com Stent carotídeo, o conceito de “proteção cerebral” ganha força. Em 2000, Wholey e Mathias publicam o resultado de estudo multicêntrico demonstrando a redução da incidência 197 CARDIOLOGIA E DOENÇAS CIRCULATÓRIAS | Como eu trato A conduta terapêutica da estenose carotídea teve o seu marco com a divulgação do resultado de estudos comparativos entre o tratamento clínico com o tratamento cirúrgico, nos anos 1980: NASCET (North American Syntomatic Carotid Trial) e ACAS (Asyntomatic Carotid Atherosclerosis Study). de acidente vascular cerebral isquêmico na angioplastia carotídea com Stent de 4,2% para 1,7% com a utilização do sistema de proteção cerebral. Hoje contamos com todo um arsenal de materiais desenvolvidos especificamente para a realização da angioplastia carotídea com implante de Stent, a época do improviso e adaptação acabou e não ha dúvidas quanto à necessidade de proteção cerebral. Como eu trato a Estenose Carotídea: A investigação da estenose carotídea é realizada com métodos de imagem não invasivos (ultrassom-doppler, angiorressonância e angiotomografia) que orientam quanto à necessidade de tratamento clínico ou com stent/ endarterectomia. Apesar de a angiografia digital ainda ser o padrão ouro na avaliação da estenose carotídea, por se tratar de modalidade diagnóstica invasiva, somente estará indicada quando os métodos não invasivos forem discrepantes ou não conclusivos; nesta circunstância, a angiografia digital não deve ser postergada, uma vez que as implicações negativas do diagnóstico falso negativo são bem superiores ao risco de uma angiografia digital diagnóstica. Uma vez diagnosticada a estenose carotídea, utilizando critérios de indicação terapêutica definidos pelo NASCET (paciente sintomático com estenose carotídea ipsilateral igual ou superior a 50%) e pelo ACAS (paciente assintomático com estenose carotídea ipsilateral superior a 60%), após avaliação clínica multidisciplinar, se houve opção pelo tratamento com stent carotídeo, o paciente é encaminhado para o serviço de radiologia intervencionista. Para cálculo do grau de estenose carotídea, utilizamos o critério do NASCET, ou seja, comparase o ponto com maior grau de estenose com o diâmetro interno do seguimento normal da carótida interna acima da área de estenose. CARDIOLOGIA E DOENÇAS CIRCULATÓRIAS | Como eu trato 198 Quase todos os pacientes chegam para o tratamento com stent carotídeo com avaliação por métodos de imagem não invasivos, sendo realizado o estudo com angiografia digital carotídea e vertebrobasilar extra e intracraniano e, confirmado-se a estenose carotídea com indicação de tratamento, procede-se à angioplastia com stent sob técnica de proteção cerebral. O tratamento medicamentoso com antiagregação plaquetária dupla, estatinas e controle da pressão arterial, é essencial para melhor resultado imediato e a médio-longo prazo do stent carotídeo. O seguimento é feito com avaliação clínica neurológica e por imagem com ultrassom-doppler carotídeo. Estudos multicêntricos publicados em 2010, CREST (Carotid Revascularization Endarterectomy versus Stenting Trial) e SAPPHIRE (Stenting and Angioplasty with Protection in Patients at High Risk for Endarterectomy) demonstram que tanto a endarterectomia como o stent carotídeo são tratamentos com bom resultado e baixa incidência de complicações. Como particularidade do CREST, observou-se que nas semanas após o procedimento, o risco de AVCI foi discretamente superior no grupo do stent, ao passo que o risco de ataque cardíaco foi pouco superior no grupo cirúrgico. Pacientes acima de 70 anos têm melhor resultado com a cirurgia e com idade inferior com stent. O SAPPHIRE demonstrou que pacientes com tratamento minimamente invasivo com stent apresentam menor incidência de efeitos adversos nas primeiras duas semanas após o procedimento, com recuperação mais precoce da qualidade de vida; após um mês, não se observou diferença entre as duas modalidades terapêuticas. O estudo apontou eficácia similar de ambos os tratamentos, porém com vantagem do stent em pacientes de alto risco. Hoje, o stent carotídeo no tratamento da estenose da carótida é uma opção à cirurgia com endarterectomia, apresentando baixa incidência de complicações imediatas e tardias, podendo ser realizado em pacientes de alto risco cirúrgico ou não. A opção terapêutica depende não somente das condições clínicas do paciente como também da experiência do serviço e a incidência de complicações: tanto com stent carotídeo, quanto com a endarterectomia, não pode ser superior a 6%. Referências: 1- International Carotid Stenting Study Investigators. Carotid artery stenting compared with endarterectomy in patients with symptomatic carotid stenosis (International Carotid Stenting Study): an interin analysis of a randomised contrlled trial. Lancet 2010; 375: 985-997. 2- Brott TG, Hobson RW, Howard G et al. Stenting versus endarterectomy for treatment of carotid-artery stenosis. N Engl J Med 2010; 363: 11-23. 3- Carotid Stenting Trialists’ Collaboration, Bonati LH, Dobson J et al. Short-term outcome after stenting versus endarterectomy for symptomatic carotid stenosis: a preplanned meta-analysis of individual patient data. Lancet 2010; 376: 1062. CARDIOLOGIA E DOENÇAS CIRCULATÓRIAS | Como eu trato 199 Dr. Adilson Ferraz Paschôa (CRM 42525) Filtro de Veia Cava CARDIOLOGIA E DOENÇAS CIRCULATÓRIAS | Como eu trato 200 O tromboembolismo venoso é uma causa importante de morbidade e mortalidade, e afeta aproximadamente um a cada 1.000 habitantes por ano. A anticoagulação é o tratamento recomendado na maioria das situações. No entanto, quando a anticoagulação é inefetiva ou contraindicada, a interrupção da veia cava com filtros é a alternativa mais apropriada no sentido de se evitar a ocorrência de embolia pulmonar (EP). O reconhecimento de que um fragmento de trombo pudesse se desprender a partir das veias dos membros inferiores e atingir os pulmões data do século XVIII. Em 1784, John Hunter realizou a primeira ligadura de veia femoral por conta de uma tromboflebite e, em 1893, Bottini relatou a primeira ligura de veia cava inferior para evitar uma EP. Desde então, numerosas técnicas e dispositivos foram elaborados não somente para evitar a EP, mas também com o intuito de preservar, pelo menos parcialmente, o fluxo na veia cava inferior. O método mais significativo da evolução da interrupção da veia cava é a utilização de filtros. O primeiro filtro concebido foi o de Mobin-Uddin. A membrana de silicone em forma de guarda-chuva, com um orifício para manter o fluxo, mostrou-se muito trombogênica e foi retirada em pouco tempo do mercado. Em 1973, Greenfield introduziu um filtro de aço inoxidável, cujo desenho e estrutura trouxeram melhores resultados e menores complicações. Até hoje, o filtro de Greenfield é o modelo a ser comparado e superado pelas versões mais modernas. Os primeiros filtros eram inseridos por abertura direta da veia; a evolução de dispositivos e a utilização da técnica de Seldinger permitiram que os filtros fossem implantados por via percutânea. A busca do aprimoramento do desenho e propriedade dos filtros tem sido uma preocupação que resultou em vários modelos. As características mais consideradas dizem respeito à facilidade de liberação, capacidade de reter os trombos, preservação do fluxo na veia cava e, mais recentemente, possibilidade do filtro ser recuperado. Idealmente, o filtro deve ter geometria que o mantenha no centro do vaso, mecanismo de fixação na parede que impeça a migração e rádio-opacidade que permita a liberação com segurança. Além do mais, a possibilidade de reposicionamento, resgate após o tempo ideal de indicação, baixo perfil do mecanismo de introdução e baixo custo são qualidades desejadas. Assim, baseando-se nas características esperadas para o filtro ideal, é possível afirmar que até então nenhum dos disposistivos disponíveis apresenta todas essas qualidades. Deve-se indicar o filtro de acordo com a necessidade clínica. Se por um lado a incorporação tecidual do filtro permanente é esperada para mantê-lo no local, evitando-se o deslocamento, o mesmo não se espera de um filtro de indicação temporária, pois se pretende resgatar o dispositivo sem dano à parede venosa. Diante dos conceitos apresentados, podemos considerar os diferentes filtros em quatro categorias: • Filtro Permanente: filtros desenhados para permitir a filtração ao longo da vida. Esse tipo de filtro tem como característica principal o mecanismo de fixação. • Filtro Temporário: esses filtros são necessariamente resgatados após o período de indicação; são mantidos no local através de um guia ou de um catéter, cuja extremidade é exteriorizada através da pele ou sepultada no tecido subcutâneo. • Filtro Conversível: essa modalidade funciona inicialmente como um filtro permanente, mas o núcleo central, que funciona como filtro, pode ser removido através de um dispositivo de inserção percutânea, ficando a parte em contato com a parede da veia incorporada indefinidamente. • Filtro Removível Opcional: esse tipo de filtro tem elemento de fixação na parede através de ganchos e força radial, permitindo que seja um filtro permanente; no entanto, pode ser recuperado através de técnica percutânea. O filtro de Greenfield é o dispositivo com maior quantidade de avaliações na literatura, com o qual os outros filtros mais novos são comparados. A análise dos primeiros vinte anos de experiência, publicada em 1995, demonstrou a perviedade da veia cava inferior acima de 95% e embolia pulmonar recorrente em 4% dos casos. O filtro original, lançado em 1973, era de ácido inoxidável e exigia um dispositivo de liberação de 24 Fr, com a consequente agressão ao vaso puncionado. Existem outros importantes filtros com particularidades que ora privilegiam uma ou outra característica. Por exemplo, o “Bird’s Nest” é um emaranhado de quatro fios de ácido inoxidável que permite a adaptação em cavas de diâmetro superior a 4 mm. O Vena Tech é um filtro de uma liga de Phynox (cobalto, cromio, ferro e níquel) e, com o mesmo dispositivo, é possível a introdução tanto pela veia femoral quanto pela veia jugular. Essa liga metálica permite a compatibilidade com a ressonância magnética (RMN). Na Europa, esse filtro está liberado para veias cava até 35mm de diâmetro. O filtro de Simon é uma composição metálica de nitinol, liga metálica composta de níquel, titânio e cobalto. Esse dispositivo tem uma memória térmica, que permite moldá-lo quando exposto à temperatura do corpo. O filtro TrapEase é de formato trapezoidal, de nitinol e compatível com RMN. A maior vantagem desse filtro é possuir a bainha de introdução de menor diâmetro (6 Fr), o que permite a introdução pelas veias antecubitais. As indicações clínicas para os filtros de veia cava podem ser divididas em absolutas ou fruto de evidências claras de benefício ou indicações relativas (tabelas I e II). Tabela I. Filtro de veia cava: indicações absolutas TEV confirmado com contraindicação para anticoagulação TEV confirmado com complicações pela anticoagulação TEP recurrente a despeito da anticoagulação dentro da faixa esperada TEV confirmado que não se consegue ajustar a dose da medicação anticoagulante. 201 CARDIOLOGIA E DOENÇAS CIRCULATÓRIAS | Como eu trato A introdução do filtro de titânio, em 1989, conferiu propriedades satisfatórias, como maior elasticidade, menor trombogenicidade e maior resistência à fadiga do material e à corrosão. A mudança do metal permitiu adaptá-lo ao perfil de 12 Fr, facilitando a implantação. A última série publicada mostra recorrência de EP em 2% dos casos e perviedade de 98%. A redução do calibre permitiu a redução de trombose no sítio de inserção de até 40% para 4%. Tabela II. Filtros de veia cava: indicações relativas Má aceitação da anticoagulação Trombo flutuante em território iliocaval Trombólise ou tromboembolectomia venosa Alto risco de complicações pela anticoagulação Hipertensão pulmonar grave por EP recurrente EP associada ao câncer, queimadura, trauma, doentes clínicos e cirúrgicos de alto risco ? É importante considerar que, a despeito da vasta literatura disponível, faltam trabalhos randomizados que atestem a efetividade e a segurança dos filtros permanentes. O PREPIC (Prevention of Recurrent Pulmonary Embolism by Vena Cava Interruption) trial mostrou que o filtro diminui significativamente a EP nos primeiros 12 dias após a implantação, mas aumenta significativamente a recorrência de trombose nos dois anos subsequentes. O estudo também não foi capaz de demonstrar diferença entre os grupos da ocorrência da sindrome pós-trombótica, nem tampouco o aumento de sobrevida nos doentes com filtro. Em relação aos filtros recuperáveis, os dados são ainda mais escassos. A opção por um filtro recuperável deve seguir alguns princípios, especialmente a possibilidade de risco provisório para EP e a de resgatar o filtro com segurança. O período máximo seguro para recuperação de um filtro é variável de acordo com as suas características, podendo variar de 14 dias até quase 1 ano. Na falta de estudos mais consistentes, o período ótimo para resgate de um filtro de veia cava não deve exceder poucos meses, a partir de quando o sucesso técnico diminui. CARDIOLOGIA E DOENÇAS CIRCULATÓRIAS | Como eu trato 202 Muito embora perceba-se iniciativas para estender a utilização de fltros em situações clínicas menos precisas, como no trauma, cirurgia bariátrica, doentes com cancer, faltam dados consistentes que ultrapassem as indicações absolutas já comentadas. Em suma, a aplicação do filtro não deve ultrapassar as situações de contraindicação formal para anticoagulação ou a ocorrência de EP a despeito de anticoagulação efetiva ou a ocorrência de complicações decorrentes da anticoagulação. Qualquer outra indicação deve ser considerada individualmente. Na gravidez, a colocação do filtro deve respeitar as indicações absolutas já discutidas. As particularidades do implante do filtro no período gestacional devem-se à escolha de preferência da via de acesso, preferencialmente pelas veias jugulars e a liberação supra-renal, especialmente no terceiro trimestre. Concluindo, é importante ressaltar que a implantação do filtro de veia cava não trata a doença tromboembólica. A anticoagulação continua sendo o objetivo principal do tratamento do tromboembolismo venoso, ficando reservado para o filtro as situações especiais já mencionadas. Obviamente, o desenvolvimento de filtros recuperáveis abre um novo cenário para algumas situações de risco relativo, muito embora deva ser considerado que a recuperação do filtro depende de outro dispositivo de custo elevado e que o procedimento não é isento de complicações. Assim, a indicação mais ampla do filtro de veia cava deve ser considerada de forma individualizada, evitando os excessos decorrentes do “modismo”. Leituras Recomendadas Becker DM, Philbrick JT, Selby J. Inferior vena cava filters. Indications, safety,effectiveness. Arch Intern Med. 1992 Oct;152(10):1985-94. Whitehill TA. Caval interruption methods: comparison of options. Semin Vasc Surg.,1996 Mar;9(1):59-69. Johnson ON 3rd, Gillespie DL, Aidinian G, White PW, Adams E, Fox CJ. The use of retrievable inferior vena cava filters in severely injured military trauma patients. J Vasc Surg. 2009 Feb; 49(2):410-6. Ingber S, Geerts WH. Vena caval filters: current knowledge, uncertainties and practical approaches. Curr Opin Hematol. 2009 Sep;16(5):402-6. Johnson ON 3rd, Gillespie DL, Aidinian G, White PW, Adams E, Fox CJ. The use of retrievable inferior vena cava filters in severely injured military trauma patients. J Vasc Surg. 2009 Feb;49(2):410-6. Gaspard SF, Gaspard DJ. Retrievable inferior vena cava filters are rarely removed. Am Surg. 2009 May;75(5):426-8. Young T, Tang H, Hughes R. Vena caval filters for the prevention of pulmonary embolism. Cochrane Database Syst Rev. 2010 Feb; 17(2): CD006212. Johnson MS, Nemcek AA Jr, Benenati JF, Baumann DS, Dolmatch BL, Kaufman JA, Garcia MJ, Stecker MS, Venbrux AC, Haskal ZJ, Avelar RL. The safety and effectiveness of the retrievable option inferior vena cava filter: a United States prospective multicenter clinical study. J Vasc Interv Radiol. 2010 Aug; 21(8):1173-84. Usoh F, Hingorani A, Ascher E, Shiferson A, Patel N, Gopal K, Marks N, Jacob T. Prospective randomized study comparing the clinical outcomes between inferior vena cava Greenfield and TrapEase filters. J Vasc Surg. 2010 Aug; 52(2):394-9. Nazzal M, Chan E, Nazzal M, Abbas J, Erikson G, Sediqe S, Gohara S. Complications related to inferior vena cava filters: a singlecenter experience. Ann Vasc Surg. 2010 May;24(4):480-6. CARDIOLOGIA E DOENÇAS CIRCULATÓRIAS | Como eu trato 203 Dr. Luiz Aparecido Bortolotto (CRM 51365) Hipertensão arterial CARDIOLOGIA E DOENÇAS CIRCULATÓRIAS | Como eu trato 204 A hipertensão arterial é o fator de risco mais comum para morte e morbidade cardiovascular e o controle da pressão arterial reduz significativamente estes riscos. O objetivo principal da terapia anti-hipertensiva é a redução da morbidade e mortalidade cardiovascular, e a instituição do tratamento depende da análise do risco global do paciente e não somente do seu nível de pressão arterial. Por isso é importante na consulta médica que se estabeleça a confirmação diagnóstica da hipertensão arterial com medidas de pressão adequadas e estratificação de risco baseada na presença de fatores de risco cardiovascular (diabetes, dislipidemia, tabagismo, obesidade) e de doenças associadas (insuficiência cardíaca, doença coronariana, acidente vascular cerebral). Com o risco estratificado, podemos traçar as estratégias adequadas de tratamento, com individualização da medicação a ser utilizada e meta pressórica que pode chegar a ≤ 130/80 mmHg, dependendo da tolerância do paciente. A adoção de hábitos saudáveis de vida deve ser recomendada a todos os pacientes hipertensos. A orientação à qual se dá maior ênfase é a diminuição do sal na dieta. Do ponto de vista prático, recomendamse duas colheres de chá por dia (cerca de 5 g) para o tempero das refeições, devendo-se evitar produtos com alto teor de sódio. Deve-se reforçar a necessidade da diminuição do sal, pois isso pode reduzir a necessidade de medicações e tornar o tratamento medicamentoso menos oneroso. Também é importante incentivar maior ingestão de potássio por meio do consumo de folhas verdes e frutas. A redução do peso em pacientes obesos e com sobrepeso, que atualmente correspondem a aproximadamente metade dos pacientes hipertensos em seguimento, se consegue com orientação para diminuição da ingestão calórica, combinada ao aumento da atividade física, como a caminhada, ou mesmo exercícios monitorados. Em casos de obesidade mórbida, um acompanhamento paralelo com o endocrinologista é, muitas vezes, recomendado. Exercícios físicos aeróbicos são indicados, devendo-se evitar levantamento de peso ou musculação mais intensa. Cabe ressaltar que não é necessário que o paciente frequente academia de ginástica; portanto, o simples incentivo à realização de caminhadas diárias de cerca de 30 minutos por dia já é o suficiente para auxiliar no controle da pressão arterial. Em pacientes muito ansiosos, em que o componente adrenérgico da hipertensão arterial é um dos mais importantes, pode-se recomendar atividades de relaxamento e, eventualmente, a utilização de ansiolíticos como coadjuvantes ao tratamento. Para aqueles que não puderam controlar a hipertensão arterial apenas com a adoção de hábitos saudáveis ou que necessitam de medicação imediata, uma estratégia adequada para a escolha do anti-hipertensivo deve ser adotada. Devemos explicar, detalhadamente, aos pacientes, a ocorrência de possíveis efeitos adversos, a possibilidade de eventuais modificações na terapêutica instituída e o tempo necessário para que o efeito pleno dos medicamentos seja obtido. Em pacientes hipertensos estágio 1, que não responderam às modificações do estilo de vida, os anti-hipertensivos que podem ser usados como monoterapia para o controle da pressão arterial são: diuréticos, betabloqueadores, bloqueadores de canais de cálcio, inibidores da enzima de conversão da angiotensina ou bloqueadores do receptor AT1 da angiotensina II. O tratamento com qualquer agente dessas classes reduz o risco de eventos cardiovasculares, sendo que, quanto maior a redução da pressão arterial, maior a redução do risco. Portanto, o importante é conseguir o maior controle possível da pressão arterial com menos efeitos colaterais, independentemente da classe terapêutica utilizada. Na prática, podemos iniciar o tratamento com base na avaliação individual do paciente e na experiência com determinada classe terapêutica. Assim, se o paciente for jovem e apresentar um componente adrenérgico importante para a hipertensão arterial, a melhor opção terapêutica é o betabloqueador. Por outro lado, o paciente obeso, afrodescendente, consumidor de muito sal ou se for idoso, responderá melhor à monoterapia com diurético, em dose mais baixa. O inibidor de enzima conversora pode ser usado como monoterapia em diferentes situações, principalmente o que tem formulação apropriada para ser usado duas ou uma vez ao dia. O bloqueador de canal de cálcio de ação mais prolongada pode ser indicado como primeira opção para mulheres em idade fértil ou na menopausa, assim como para idosos, sobretudo quando há hipertensão sistólica isolada. Para os pacientes do sexo masculino que nunca receberam tratamento anti-hipertensivo, que têm resistência inicial a receber este tratamento e apresentarem hipertensão estágio 1, os bloqueadores de receptores de angiotensina II são opção interessante para iniciar a terapêutica, pois têm bom perfil por proporcionarem um controle pressórico adequado e muito pouco efeito colateral. Se o objetivo terapêutico não for conseguido com a monoterapia inicial ou se o paciente apresentar hipertensão estágio 2 ou 3, a associação de medicações deve ser prontamente introduzida. As principais vantagens da associação de anti-hipertensivos são: probabilidade maior de resposta adequada pelo efeito sinergético entre os medicamentos; início de resposta gradual e ação prolongada; minimização dos efeitos colaterais; mecanismos de ação diferentes podem exercer efeitos benéficos sobre a progressão de lesões de órgãos-alvo; tratamentos fixos combinados podem ser realizados uma vez ao dia, melhorando a adesão do paciente; esquemas mais simples de ajuste e titulação de doses. As associações reconhecidas como eficazes são: diuréticos e diuréticos de diferentes mecanismos de ação, bloqueadores do receptor AT1 e diuréticos, inibidores da enzima de conversão da angiotensina II e diuréticos, bloqueadores dos canais de cálcio e inibidores da enzima de conversão da angiotensina, bloqueadores dos canais de cálcio e bloqueadores do receptor AT1. Se o objetivo terapêutico não for conseguido com a combinação inicial, é possível aumentar a dose da combinação em uso, associar um terceiro anti-hipertensivo de outra classe terapêutica, substituir a combinação ou associar outros anti-hipertensivos. O esquema tríplice ideal inclui um diurético tiazídico, um inibidor de enzima conversora de ação prolongada e um bloqueador dos canais de cálcio. CARDIOLOGIA E DOENÇAS CIRCULATÓRIAS | Como eu trato 205 Referências 1. VI Diretrizes Brasileiras de Hipertensão. Rev Bras Hipertens 2010; 17(1):31-43. 2.Mancia G, Laurent S, Agabiti-Rosei E, et al. Reappraisal of European guidelines on hypertension management: a European Society of Hypertension Task Force document. J Hypertension 2009; 27: 2121-58. 3.Epstein M, Bakris G. Newer approaches to antihypertensive therapy: use of fixed-dose combination therapy. Arch Intern Med 1996; 156:1969-78. CARDIOLOGIA E DOENÇAS CIRCULATÓRIAS | Como eu trato 206 Dr. Fernando Bacal (CRM 66061) Insuficiência cardíaca congestiva Acredita-se que a insuficiência cardíaca seja condição decorrente da ativação de diferentes fenômenos fisiopatológicos por evento (ou associação de eventos) desencadeador. Isto confere à síndrome, tal como é entendida hoje, um caráter progressivo e, na insuficiência cardíaca crônica, o surgimento de sintomas é comumente posterior à ocorrência de ativação neuro-hormonal, simpática, inflamatória e do remodelamento miocárdico. Para que o aspecto evolutivo e progressivo da doença fosse contemplado, foi proposta uma nova classificação, baseada em estágios: Estagio A – inclui pacientes com risco de desenvolver insuficiência cardíaca, mas ainda sem doença estrutural perceptível e sem sintomas atribuíveis à insuficiência cardíaca. Estágio B – pacientes que adquiriram lesão estrutural cardíaca, mas ainda sem sintomas atribuíveis à insuficiência cardíaca. Estágio C – pacientes com lesão estrutural cardíaca e sintomas atuais ou pregressos de insuficiência cardíaca. Estágio D – pacientes com sintomas refratários ao tratamento convencional, que requerem intervenções especializadas ou cuidados paliativos. Esta forma de categorização permite uma compreensão evolutiva da doença e, ainda, serve de base para identificação de pacientes com indicação de intervenções predominantemente preventivas (estágios A e B), terapêuticas (estágios B, C e D) ou seleção de pacientes para procedimentos especializados (transplante, assistência ventricular) e até mesmo cuidados paliativos (estágio D). Tabela 1: Sinais e sintomas de IC SINTOMASSINAIS DispneiaTerceira bulha OrtopneiaEstase jugular 207 CARDIOLOGIA E DOENÇAS CIRCULATÓRIAS | Como eu trato A insuficiência cardíaca continua sendo a principal causa de internação cardiovascular, e ainda apresenta elevadas morbimortalidades, principalmente em fases mais avançadas, isto é, Insuficiência cardíaca congestiva classe funcional III-IV (ICC CF III-IV). O tratamento da insuficiência cardíaca avançou muito, tanto na abordagem não farmacológica, como a farmacológica, refletindo na diminuição de indicações de transplante cardíaco nos últimos anos. Dispneia paroxística noturna Refluxo hepato-jugular positivo FadigaIctus de VE desviado Tosse noturnaEstertores crepitantes Dor abdominalAscite Empachamento pós-prandial Hepatomegalia Inchaços AnorexiaEdema de membros inferiores Taquicardia Enchimento capilar lentificado Pulso alternante Cheyne-Stokes Quadro - Preditores de mau prognóstico na insuficiência cardíaca CARDIOLOGIA E DOENÇAS CIRCULATÓRIAS | Como eu trato 208 Idade > 65 anos Diminuição da tolerância ao exercício Etiologias (Chagas/isquêmica) Sódio plasmático < 130 mEq/L Classe III/ IV – NYHA Falta de aderência ao tratamento Índice cardiotorácico > 0,55 Níveis elevados de BNP* Fração de ejeção < 30% Débito cardíaco reduzido Diabetes mellitus Elevação de pressões pulmonares Doença pulmonar associada Caquexia Hemoglobina < 11 g% Múltiplas internações hospitalares Creatinina > 2,5 mg% Fibrilação atrial Arritmias complexas *peptídeo natriurético B O tratamento não farmacológico deve priorizar a orientação de restrição hídrica, que varia de 700 a 1.500c ml/ dia, dependendo da gravidade e estágio da doença, bem como restrição de sódio (2 a 4 g/dia), principalmente nos pacientes com tendência a edemas e estados congestivos. Neste contexto, solicitar ao paciente que monitore seu peso pode fornecer importantes informações para orientação e ajustes medicamentosos. Atividades físicas também devem ser estimuladas. Pacientes que são capazes de realizar caminhadas, alternando com exercícios com pesos leves, para manutenção do tônus muscular, têm, comprovadamente, melhor prognóstico. Deve fazer parte da orientação médica o encaminhamento para vacinação, diminuindo, assim, infecções pulmonares, que são frequentes causas de descompensação. Na abordagem medicamentosa, os remédios que comprovadamente diminuíram a mortalidade em ICC foram aqueles capazes de atuar no processo de remodelamento reverso. Esse fato representa a melhora de função e diminuição da dilatação ventricular, ao se bloquear os gatilhos de ativação do remodelamento (sistema reninaangiotensina, simpático-adrenérgico e aldosterona). Em pacientes em estágio B, já devemos introduzir precocemente inibidores da enzima de conversão da Angiotensina (IECA) ou bloqueadores de receptor de angiotensina II (intolerantes ao IECA) e betabloqueador, na maior dose tolerada, pois existe comprovado efeito dose-resposta destes medicamentos. Os betabloqueadores que comprovadamente diminuíram a mortalidade em ICC são carvedilol, bisoprolol e metoprolol succinato, não conferindo, portanto, efeito de classe. Com a progressão da doença e evolução para estágio C, o paciente já se encontra mais sintomático, com descompensação da doença e com alterações estruturais miocárdicas bem evidentes. Nesse momento, o ajuste terapêutico, com introdução de digital, diuréticos, incluindo a espironolactona, está indicado. Em situações de refratariedade ao tratamento clínico, dependendo da avaliação individual do paciente, pode-se pensar em abordagem cirúrgica, uma vez que sejam preenchidos os critérios de indicação. As opções cirúrgicas existentes são ressincronização (pacientes com bloqueio de ramo E, QRS > 120 ms, ICC CF III, documentação de dissincronia pelo ecocardiograma), tratamento cirúrgico da valva mitral (insuficiência mitral secundária importante, diâmetro diastólico ventricular < 75 mm, ICC CFIII, apesar da máxima medicação), cirurgia de revascularização miocárdica (triarterial, com disfunção ventricular importante, sinais de isquemia e viabilidade, e leito arterial favorável para as anastomoses). Quando todas as alternativas clínicas e/ou cirúrgicas se esgotam, a indicação clássica para ICC refratária continua sendo o transplante cardíaco. No Brasil, realizamos cerca de 200 transplantes ao ano, com excelentes resultados, independentemente da etiologia da cardiomiopatia de base, conferindo excelente qualidade de vida e sobrevida aos pacientes portadores de ICC em fase avançada. Referências: 1- III Diretriz Brasileira de Insuficiência Cardíaca Crônica. Arq Bras Cardiol 2009; 93 (1 supl. 1): 1-71. 2- ESC Guidelines for Diagnosis and Treatment of Acute and Chronic Heart Failure. Eur Heart J 2008; 29: 2388-2442. 3- ACCF/AHA Guidelines for the Diagnosis and Management of Heart Failure in Adults. J Am Coll Cardiol, 2009; 53: 1343-1382. CARDIOLOGIA E DOENÇAS CIRCULATÓRIAS | Como eu trato 209 Dr. Enio Buffolo (CRM 11871) Dr. João Nelson R. Branco (CRM 31854) Insuficiência coronariana aguda: visão do cirurgião CARDIOLOGIA E DOENÇAS CIRCULATÓRIAS | Como eu trato 210 Dentre as manifestações da doença arterial coronária, as síndromes coronárias agudas são as mais dramáticas, quando se impõem condutas de emergência que incidem não só sobre a mortalidade imediata, mas no prognóstico tardio. O principio geral é o restabelecer-se, o mais rápido possível, a irrigação miocárdica, comprometida pela oclusão coronária aguda, a fim de preservar o músculo cardíaco ameaçado. A hierarquia do sofrimento isquêmico do miocárdio vai do endocárdio para epicárdio, sendo o primeiro muito mais sensível à anoxia do que o segundo. Em isquemias prolongadas sem repercussão, pode ocorrer necrose transmural. Na atualidade, sabe-se que, quanto mais precoce a reperfusão, maiores as chances de recuperação ventricular, restabelecendo-se o fluxo coronário idealmente nas primeiras duas horas. Para que esse objetivo seja alcançado, são fundamentais a agilidade do diagnóstico para as medidas terapêuticas adequadas, hemodinâmica à disposição 24 horas, e a sincronia entre o pronto atendimento e a disponibilidade da cinecoronariografia. Ao longo do tempo, a angioplastia do vaso culpado se mostrou a medida mais eficiente para se preservar o músculo, sendo o procedimento de escolha para as síndromes coronárias agudas. Em condições em que não existe coronariografia disponível de imediato, podemos lançar mão do uso de trombolíticos intravenosos, que, dissolvendo os coágulos, promovem uma recanalização do vaso e reperfusão. O uso de trombolíticos é sempre o compromisso com uma coronariografia ulterior para avaliação da gravidade da obstrução residual, assim como o comprometimento de outros vasos eventualmente afetados que, às vezes, assumem maior importância que o vaso da lesão aguda. No passado, a revascularização cirúrgica do miocárdio era realizada na fase aguda, o mais rápido possível, quando as lesões coronárias indicavam necessidade da operação. Hoje, a abordagem dos quadros isquêmicos agudos mudou de endereço, sendo os pacientes encaminhados à sala de hemodinâmica para angioplastia primária ou de resgate, ficando as cirurgias de urgência reservadas para casos muito especiais. Tratado o episódio agudo, a conduta seguinte deve ser personalizada com a eleição do procedimento a ser adotado: tratamento clínico isolado, associado à angioplastia ou cirurgia. Segundo recomendações recentes da Sociedade Europeia de Cardiologia, a discussão da conduta deve ser tomada ouvindo-se a opinião de um cardiologista, hemodinamicista e um cirurgião cardiovascular, para que sejam evitadas decisões por vieses isolados. Estabelecida a fase aguda do evento coronário agudo, as indicações do tratamento cirúrgico passaram a ser as mesmas das indicações da insuficiência coronariana crônica. Constituem indicações absolutas de revascularização precoce os defeitos mecânicos como CIV pós-infarto, insuficiência mitral isquêmica, tamponamento cardíaco e lesões criticas de tronco de coronária esquerda, quando é muito útil a instalação de balão intra-aórtico ou outro dispositivo de assistência ventricular para levar o paciente ao centro cirúrgico em melhores condições. Em situações críticas, é recomendada a revascularização cirúrgica classe I com nível de evidencia A para: lesão de tronco de coronária esquerda, lesões multiarteriais com envolvimento de descendente anterior, lesões multiarteriais em diabéticos e lesões coronárias complexas com alto SYNTAX score, como demonstraram os dados do registro do Estado de Nova York, banco de dados da Duke University, Bari 2-D, Syntax e as recomendações da Sociedade Europeia de Cardiologia e do Colégio Americano de Cardiologia. Bibliografia: 1- Hannan EL, Racz MJ, Walford G et al. Long-term outcomes of coronary by pass grafting versus stenting implantation. N. Engl. J. Med. 2005; 352: 2174-83. 2- Serruys PW, Morue MC, Kappetein AP et al. Percutaneous coronary intervention versus coronary-artery bypass grafting for severe coronary artery disease. N. Engl. J. Med. 2009; 360: 961-72. 3- Wijns W, Kobl P, Danchen N et al. Guidelines on myocardial revascularization. Task force on myocardial revascularization of the European Society of cardiology and European Association of Cardio-Thoracic Surgery. European Heart J. 2010. www. escardio.org/guidelines. 4- Patel MR, Dehmer GJ, Hershfeld JW et al. Appropriateness criteria for coronary revascularization. A report of the American College of Cardiology, Society for Cardiovascular Angiography, Society of Thoracic Surgeons, American Association for Thoracic Surgery, American Heart Association. J. Am. Coll. Cardiol. 2009; 53: 530-53. 5- Hiatky MA, Boothroyd DB, Bravata DM et al. Coronary artery bypass surgery compared with percutaneous coronary interventions for multivessel disease: a collaborative analyses of individual patient data from ten randomized trials. Lancet 2009; 373: 1190-97. 211 CARDIOLOGIA E DOENÇAS CIRCULATÓRIAS | Como eu trato Finalmente, o mesmo consenso não recomenda, a não ser em situações de urgência, o tratamento percutâneo ad hoc, realizado imediatamente após o exame diagnóstico; a recomendação é realizar a intervenção em outra sessão, após discussão ampla com o paciente e o “heart team”. Esta recomendação se baseia em análise retrospectiva de 38.000 pacientes com angioplastias ad hoc: 30% deles tiveram medicações inadequadas, sendo mais bem tratados com cirurgia. Dra. Elizabeth Brenda Smialowski (CRM 49976) Linfedema Contribuição ao diagnóstico e tratamento CARDIOLOGIA E DOENÇAS CIRCULATÓRIAS | Como eu trato 212 Linfedema é uma patologia causada pelo acúmulo de líquido e proteínas na matriz intersticial secundário a uma dificuldade de drenagem de linfática da região acometida. O sistema linfático é um sistema vascular presente em todo o corpo, cuja função é transportar a linfa desde a matriz intersticial até a região subclávia, aonde essa é devolvida ao sistema venoso através do ducto torácico e ducto linfático direito. Esse transporte está associado a um sofisticado mecanismo de defesa imunológica, pela retenção, identificação e destruição de antígenos capazes de comprometer a homeostase. A linfa é originada nos tecidos pela saída de líquido da microcirculação artério-venosa. Pela diferença de pressões hidrostática e oncótica entre o capilares e tecido, parte do plasma deixa o sistema vascular, difunde-se pela matriz intersticial e retorna para o capilar venoso. O líquido não recolhido pelo sistema capilar venoso acumulase na matriz intersticial e dá origem à linfa, que se compõe desse excedente líquido, acrescido de metabólitos celulares e proteínas fabricadas pelas células contíguas. A nível capilar, o plasma é difundido para dentro e fora dos vasos e também ativamente filtrado. A maior porção desse fluido é reabsorvida pela pressão coloidosmótica intravasal. No entanto, proteínas que se difundem para o interstício exercem uma contrapressão coloidosmótica, de forma que parte do líquido filtrado permanece no espaço intersticial. Este remanescente líquido, somado a proteínas, restos celulares, macrófagos, vírus e bactérias, é coletado pelos capilares linfáticos e removido do espaço intersticial. O edema ocorre quando a taxa de filtração é maior do que a pressão coloidosmótica e da drenagem linfática somadas. Se uma falha funcional ou anatômica do sistema linfático é a causa principal do edema, este é chamado linfedema. Tipicamente o conteúdo proteico do fluido intersticial nesse caso é elevado (Wagner, 2011). A linfa assim originada é de composição extremamente dinâmica e variável ao longo de todo o corpo. Na região mesentérica, a linfa recebe os produtos da absorção intestinal, com alto conteúdo de triglicérides, e adquire aspecto leitoso próprio, sendo denominada quilo. Sistema linfático O sistema linfático se inicia em capilares de fundo cego. O seu endotélio é arranjado similarmente a um telhado, com sobreposição parcial de suas células. A extremidade sobreposta dessas células é aderida a filamentos proteicos ancorados na matriz intersticial. O aumento do volume do interstício causado pelo acúmulo de linfa distende os filamentos e afasta as células, abrindo poros pelos quais se dá a passagem do conteúdo intersticial para o interior do vaso. O poro se fecha quando o interstício reduz de volume, criando um sistema valvulado de controle de permeabilidade. Os capilares linfáticos organizam-se em redes confluentes e unem-se, formando vasos cada vez mais calibrosos e com válvulas no seu interior. A partir de determinado calibre, recebem o acréscimo de uma túnica muscular, à semelhança de arteríolas e vênulas, capazes de auxiliar o bombeamento da linfa. Pequenos vasos linfáticos, chamados aferentes, alcançam linfonodos, que por seu arranjo anatômico, tanto retêm partículas e microorganismos, quanto adicionam à linfa células de defesa - linfócitos. Cada linfonodo se comporta como um filtro da linfa que o banha, além de contribuir para o direcionamento sempre progressivo da linfa, como se fosse uma comporta. Os linfáticos que deixam o linfonodo continuam a se unir e aumentar em calibre tornam-se valvulados e mantêm proximidade anatômica com o sistema artério-venoso. Os vasos linfáticos arranjam-se em um sistema profundo, localizado sob aponeuroses musculares, imediatamente em contato com a musculatura ou junto ao periósteo. Outra rede, superficial e mais difusa, se distribui no tecido celular subcutâneo (TCSC) com grande número de anastomoses subdérmicas. Etiopatogenia do Linfedema No entanto, são os linfedemas secundários, resultantes de obstruções ou escleroses de vasos linfáticos, os mais frequentemente diagnosticados. A etiologia mais prevalente mundialmente é a filariose, doença parasitária que leva à obstrução e fibrose segmentar do sistema linfático. A doença é endêmica na Ásia, África e no Brasil, encontrada nos Estados do Pará, Maranhão, Bahia e mais intensamente em Pernambuco e Alagoas (FIOCRUZ Fundação Oswaldo Cruz) (Gerencia Técnica do Programa de Eliminação da Filariose, 2006). Outras causas de linfedema de membros referem-se às sequelas de traumatismos e interrupções do sistema linfático, secundários à dissecção ou ressecção de grupamentos linfonodais, como parte da terapêutica de tumores. Assumem expressão maior em nosso meio os linfedemas secundários ao tratamento do câncer de mama e de melanomas. Fisiopatogenia do linfedema A partir da instalação do edema, a matriz intersticial muda a sua composição, acumulando mais produtos de metabolismo, água e, principalmente, proteínas. Estas últimas, ao permanecerem no interstício, levam a um aumento de pressão oncótica tecidual e, com isso, fixam mais água nesse espaço. Além disso, a sua maior concentração desencadeia um processo inflamatório, que objetiva a degradação dessa proteína por monócitos e macrófagos. O processo inflamatório induz à liberação de mediadores químicos, fatores de crescimento tecidual, que levam à formação de tecido cicatricial fibroso e ao aumento de células adiposas. O tecido celular subcutâneo (TCSC) do local acometido pela falha de drenagem torna-se endurecido pela grande fibrose que se instala, com muitas septações fibrosas entre grupos de adipócitos. Estes últimos, por sua vez, aumentam em tamanho e número, com um turnover celular muito acelerado. Há evidências de que um prolongado processo crônico inflamatório pode induzir aumento permanente de adipócitos e de seu turnover, o que sugeriria um mecanismo para a hipertrofia seletiva do tecido adiposo, associado ao stress e patologias inflamatórias crônicas (Sadler, 2005). Percebe-se, além do aumento e endurecimento do tecido adiposo, um significativo espessamento da pele. Tão importante 213 CARDIOLOGIA E DOENÇAS CIRCULATÓRIAS | Como eu trato O linfedema acontece quando este sistema vascular apresenta-se incapaz de promover o transporte do líquido acumulado no interstício. O linfedema pode ter origem congênito-hereditária por distúrbios do desenvolvimento do sistema vascular como as síndromes Nonne-Milroy ou Turner. A causa evidente é uma aplasia ou hipoplasia linfática, com linfangiectasias e insuficiência das válvulas. Nos pacientes portadores dessas síndromes raras, as primeiras manifestações são notadas em idade jovem, frequentemente antes da puberdade. é este espessamento causado pelo depósito de colágeno justa-dérmico, que leva a alterações tróficas da pele. Quando o edema se torna não depressível, comprovou-se através de pletismografia e tomografia computadorizada tridimensional que o aumento de volume deve-se ao aumento de tecido adiposo e fibrose. O fenômeno da hipertrofia do tecido adiposo tem sido objeto de interesse de vários pesquisadores (Rockson, 2004). A ressonância magnética de membros inferiores linfedematosos mostra adipócitos maiores do que membros inferiores normais contralaterais (Brorson H, 2006). O aumento do panículo adiposo, por sua vez, piora a relação proporcional de vasos linfáticos, causando o agravamento do quadro. Forma-se um ciclo vicioso de progressão da enfermidade. Não se conhece o porquê de serem poupados de infitração pelo linfedema os tecidos musculares e aponeuróticos dos membros. Atribui-se o fato à maior capacidade de drenagem do fluido intersticial dessas áreas pelo bombeamento muscular contido dentro da superfície rígida das aponeuroses, que expulsaria o excedente líquido novamente para a circulação venosa (Quéré, 2010). Quadro Clínico O quadro clínico do linfedema é polimorfo e depende do grau de comprometimento da circulação linfática. Os membros acometidos apresentam um edema e aumento de volume que podem ou não regredir de forma espontânea. A pele pode apresentar um aspecto de “peau d’orange” ou, em fase mais tardia, exibir espessamento pela fibrose e alterações tróficas, com espessamento, hiperqueratoses, papilomatoses e graus variáveis de pigmentação e fissuras. Este estágio de alterações tróficas da pele denota um grande comprometimento regional e crônico do membro acometido. É possível que em fases iniciais o edema de pequeno volume, por ser depressível e oscilante, possa ser confundido com outras afecções. CARDIOLOGIA E DOENÇAS CIRCULATÓRIAS | Como eu trato 214 O pleomorfismo do quadro clínico certamente pode induzir ao erro no diagnóstico da afecção, permitindo o progresso para estágios mais avançados. O linfedema é patologia crônica e progressiva, cuja detecção precoce pode poupar grandes transtornos ao paciente no seu convívio com o problema. A necessidade de se estabelecer um guia mais acurado de avaliação do linfedema levou a International Society of Lymphology a criar, em 2009, a seguinte classificação: Estágio I – o linfedema se apresenta como edema macio, apenas com aumento do volume do membro acometido. Este edema é reversível espontaneamente e à compressão digital se torna depressível. Estágio II – o edema não regride espontaneamente, aumenta visivelmente de tamanho, a pele se torna infiltrada e espessa, com aspecto muito firme e liso. Aparece o chamado edema duro, não depressível à pressão digital. Estágio III – ficam evidentes o aumento muito acentuado do membro e a firmeza desse edema, que se acompanha de alterações tróficas da pele. Recebe aqui o nome de elefantíase, pela paquidermia – semelhança com a pele do elefante. Encontram-se na literatura referências ao grau IV de linfedema, que seria a malignização para angiossarcomas e ainda alguns autores referem-se ao grau 0, ou linfedema latente, que consistiria numa fase em que se conhece o dano da circulação linfática, mas ainda não está presente a sintomatologia clínica. Como regra prática, um incremento de 2 cm no diâmetro de um membro em relação ao contralateral não afetado traduz um estado de linfedema no estágio I. O exame diagnóstico que melhor avalia estágios iniciais de comprometimento da função linfática é a linfocintilografia. Com ele, é possível perceber o retardo da drenagem e pontos de interrupção de fluxo mesmo quando as alterações clínicas ainda não estão presentes. Ter o diagnóstico firmado e iniciar um tratamento precoce são premissas especialmente importantes para impedir a progressão da patologia. A incidência do linfedema varia de acordo com a etiologia do mesmo. Esta variabilidade deu origem a vários estudos que se propuseram a estabelecer fatores prognósticos do aparecimento do linfedema e sua progressão. Assume na atualidade grande importância o grupo de pacientes portadoras de câncer de mama. Quer pelo maior número de casos diagnosticados precocemente, como também pela distribuição etária, atingindo pacientes em idade jovem, a instalação do linfedema em fase de vida ativa traz, além do prejuízo funcional, sequelas estéticas e de relacionamento psicossocial. O tratamento do câncer de mama frequentemente associa a remoção do tecido mamário, total ou parcial, à exploração de linfonodos comprometidos. Isto pode ser feito como biópsia do linfonodo sentinela ou de dissecção axilar de grupamentos linfonodais acometidos. A radioterapia é frequentemente associada como terapia complementar, em especial, nas mulheres com cirurgias que retiram apenas parte do tecido mamário. As pacientes portadoras de câncer de mama, submetidas à dissecção linfonodal ou ratioterapia apresentam 6 a 67% de risco de desenvolverem linfedema do membro superior. A variabilidade da incidência está correlacionada com o tipo de tratamento realizado. O risco de desenvolvimento do linfedema encontra-se aumentado nas pacientes com presença de doença linfonodal, pela extensão da cirurgia da mama, da dissecção realizada na axila e ainda pela magnitude do campo da radioterapia. Quando uma paciente é submetida à dissecção axilar e também irradiada, o fluxo linfático é prejudicado e a paciente, mesmo na ausência de sintomas, é considerada portadora de linfedema subclínico. Este estado é caracterizado pela ausência de mudanças do contorno do membro afetado em comparação com o membro contralateral, porém na linfocintilografia pode ser demonstrado o retardo da circulação linfática (Godette K, 2006). Fisiopatologia do linfedema secundário à ressecção de linfonodos No estágio latente, ainda não se observam alterações clínicas. Esta fase pode durar de quatro meses a dez anos. No final dessa fase, o edema depressível aparece e pode ser mensurado pelo decréscimo da compressibilidade do TCSC à tonometria e através de pletismografia (Brorson H, 2006). Tratamento O tratamento medicamentoso do linfedema tem se mostrado ineficaz. Tentativas de utilização de drogas que diminuam a permeabilidade capilar são meramente exploratórias e aplicadas a casos de linfedema idiopático. Medicamentos vasodilatadores e diuréticos estão contraindicados. Os primeiros por agravarem a pressão hidrostática do sistema e os outros por aumentarem a concentração coloido-osmótica, aumentando o processo inflamatório intersticial e agravando a fibrose. A International Society of Lymphology definiu, em 1998, uma conduta chamada de Terapia Descompressiva Associada, que se tornou o Gold Standard em termos de tratamento do linfedema em suas fases iniciais. O programa consiste de duas etapas de tratamento. A primeira, dita de tratamento, inclui hidratação da pele e cuidados ungueais, drenagem linfática manual e bandagens compressivas. A drenagem linfática é aplicada por um terapeuta, em dias sucessivos, que logo a seguir da massagem coloca ataduras compressivas inelásticas no membro tratado. O paciente permanece com elas até a próxima sessão. O objetivo aqui é reduzir ao mínimo o edema e evitar infecções. Obtidas a redução e estabilização do volume, a segunda etapa, de manutenção, consiste no auto-cuidado com a pele e unhas, mantendo massagens descongestionantes e uso de malhas compressivas. O paciente espaça as sessões de massagem feitas pelo terapeuta, mas é instruído a fazer movimentos de automassagem semelhantes nos outros dias. Malhas compressivas são utilizadas continuamente, sendo feitas sob 215 CARDIOLOGIA E DOENÇAS CIRCULATÓRIAS | Como eu trato A interrupção e cicatriz formadas pela remoção de vasos linfáticos faz com que os vasos remanescentes se tornem incapazes de remover a carga linfática intersticial. Esses se tornam sobrecarregados, dilatados e o excesso de pressão hidrostática no seu interior torna suas válvulas incompetentes, prejudicando sua função. As células mononucleares localizadas no interstício tornam-se insuficientes para fagocitar o excesso de proteína acumulado, tornando-o osmoticamente ativo e aumentando a atração de líquidos para o interstício. Esta fase inicial de acúmulo de proteína e fluidos é transitória, durando entre uma e três semanas. A partir de então, ativase o processo inflamatório e inicia-se a deposição de colágeno e aumento de adipócitos. medida e trocadas a cada seis meses por novas, para evitar a perda de contenção (Godette K, 2006). Já se cogitou a possibilidade de disseminação de metástases tumorais pela realização de drenagem linfática manual em pacientes portadoras de linfedema secundário ao tratamento do câncer de mama. Esta possibilidade vem sendo sistematicamente descartada pela observação de vários autores que atribuem à própria doença a capacidade de metastatizar, além de não existir na literatura nenhum relato associando a drenagem linfática da mama ao aparecimento de metástases linfáticas (Godette K, 2006). Pela inevitabilidade da progressão da doença quando instalada e ainda pelo pouco recurso terapêutico existente, alguns dogmas de orientação para pacientes com linfedema foram sendo propalados. Examinados por vários autores, muitos deles têm sido referidos como mitos, que devem ser revistos. Em relação aos mais comuns apregoados estão: CARDIOLOGIA E DOENÇAS CIRCULATÓRIAS | Como eu trato 216 • Evitar punção venosa e qualquer tipo de trauma no membro acometido – aqui verificou-se que a realização de cirurgias em membros acometidos, se feitas em condições assépticas, não aumenta ou leva ao aparecimento do linfedema. Devem ser evitadas as manipulações e punções que possam ser causa de infecções secundárias locais, já que estas últimas, sim, podem aumentar o linfedema. • Compressão com manguitos de forma pontual para a medida de pressão arterial ou a aplicação de torniquetes durante cirurgias ortopédicas – sem qualquer evidência de piora ou desenvolvimento do linfedema. • Evitar viagens de avião – sem registro de piora dos sintomas quando utilizado malhas compressivas. Não há estudos suficientes para estabelecer a relação de piora ou desencadeamento do linfedema em viagens de avião feitas sem malhas compressivas. • Evitar exercícios físicos – esta orientação deve ser revista. Estudos mostram que a realização de exercícios físicos beneficia o condicionamento geral dos pacientes e não aumenta ou desencadeia, nem mesmo em observação prolongada de sete anos, o aparecimento do linfedema. Mesmo as atividades esportivas de maior intensidade, tais como musculação, natação, voleibol, handebol ou tênis, estão liberadas. Deve-se atentar à estreita relação de piora de prognóstico para o desenvolvimento do linfedema nos pacientes com sobrepeso ou que aumentam de peso no transcorrer do tratamento de tumores. Há uma predisposição 30% maior de aparecimento do linfedema e de sua progressão (Quéré, 2010). A terapia descompressiva associada, apesar de efetiva, é extremamente cara e necessita de grande colaboração por parte do paciente. Tentativas de facilitar este programa têm sido propostas, mas ainda sem resultados que possam excluir a intervenção do terapeuta. Aparelhos de compressão pneumática não substituem a drenagem manual. Podem servir como do conforto extra de utilização doméstica para os pacientes que se encontram na fase de manutenção e podem dispor desses aparelhos, de forma complementar à massagem manual. A hidroterapia pode ser extremamente benéfica na fase de manutenção. Consiste na realização de auto-massagem e exercícios físicos, sob orientação de um terapeuta, em piscinas. Atenção deve ser dada à possibilidade de transmissão de infecções quando houver lesões cutâneas e ao tratamento da água. A supervisão do terapeuta também precisa ser muito cuidadosa para tornar a terapia realmente efetiva. No entanto, os pacientes são beneficiados na melhora do linfedema, do condicionamento muscular do membro atingido e na interação psicossocial. A terapia nos estágios de linfedema latente ou estágio I, apesar de trabalhosa, deve ser instituída sem demora, pois com isso o aparecimento ou agravamento do linfedema pode ser conseguido por períodos longos como 15 anos (Godette K, 2006). Atingido o estágio II, com persistência do aumento de volume por aumento do tecido adiposo, a efetividade da terapia descompressiva decai. É importante que médicos e fisioterapeutas saibam que quando um edema deixa de ser depressível, a cirurgia pode ter sua indicação. Até o início da década passada, o tratamento cirúrgico do linfedema estava restrito à ressecção de grandes porções de tecidos cutâneo adiposo do membro linfedematoso, seja para torná-lo menos pesado ou por retirar faixas de pele com alterações de trofismo e feridas. Eram cirurgias higiênicas, com alto grau de deiscências, formação de bridas e infecção secundária. Além disso, a ressecção do segmento tecidual também incluía alguns dos vasos linfáticos funcionantes remanescentes, sendo extremamente pobre o resultado final. A partir da observação que a lipoaspiração poderia ser utilizada para reduzir o volume de tecido adiposo, sem significar lesão adicional de vasos linfáticos locais, alguns autores iniciaram esta prática em casos de linfedemas de grandes proporções. A lipoaspiração, feita com técnica específica para este fim, reduz o volume de tecido adiposo, levando a uma diminuição completa do excesso de volume após seis meses (Brorson H, 2006) e mantém o resultado obtido por tempo prolongado (Greene AK, 2006). Outras possibilidades de tratamento cirúrgico são as cirurgias de bypass linfolinfático. Nessas propostas, são realizadas anastomoses linfáticas com técnicas microcirúrgicas com o objetivo de ultrapassar pontos de interrupção da circulação. São possíveis também as anastomoses linfático-venosas. Há uma restrição técnica a esses procedimentos que só podem ser executados quando a pressão no linfático for elevada, para evitar o refluxo de sangue para o linfático. O tratamento cirúrgico do linfedema, usando shunts linfovenosos microcirúrgicos e transplante de vasos linfáticos, não remove o excesso de volume instalado em pacientes com edema crônico não depressível, uma vez que o aumento do volume está relacionado ao aumento de tecido adiposo. Este excesso pode ser removido através de lipoaspiração, sem prejuízo do transporte linfático existente. Resultados de avaliação de longo prazo (sete anos) mantiveram-se, sem recorrência do edema (Brorson H, 2006) Bibliografia Brorson H, O. K. (2006). Adipose tissue dominates chronic arm lymphedema following breast cancer: an analysis using volume rendered CT images. Lymphat Res Biol. , 4 (4), pp. 199-210. FIOCRUZ - Fundação Oswaldo Cruz. (n.d.). Filariose linfática. Fischmeister, R. (2006). Is cAMP good or bad? depends on where it's made. Circ Res. , 98 (5), pp. 582-4. Fonder MA, L. J. (2007). Lipedema, a frequently unrecognized. J Am Acad Dermatol. , 57 (2 Suppl), pp. S1-3. Gerencia Técnica do Programa de Eliminação da Filariose. (2006). Síntese Epidemiológica da Filariose. Godette K, M. T. (2006). Can manual treatment of lymphedema promote metastasis? J Soc Integr Oncol. , 4 (1), pp. 8-12. Greene AK, S. S. (2006, Oct). Treatment of lower extremity lymphedema with suction-assisted lipectomy. Plast Recosntr Surg, 118 (5), pp. 118e-121e. Moore JC, B. Z. (2009, Jan 26). A novel therapy for lymphedema. Arch Intern Med. , 169 (2), pp. 201-2. Rockson, S. (2004). The elusive adipose connection. Lymphat Res Biol. , 2, pp. 105-6. Sadler, D. M. (2005). Changes in adipocytes and dendritic cells in lymph node containing adipose depots during many weeks of mild inflammation. J Anat , 207, pp. 769-81. Wagner, S. (2011). Lymphedema and lipedema - an overview of conservative treatment. Vasa , 40 (4), pp. 271-9. 217 CARDIOLOGIA E DOENÇAS CIRCULATÓRIAS | Como eu trato Fica o destaque para que haja uma orientação especial às pacientes portadoras de câncer de mama. Frequentemente submetidas a cirurgia, com cicatrizes em região axilar pela exploração diagnóstica ou terapêutica de linfonodos, associada ou não à radioterapia, quimioterapia e terapia antihormonal complemetares, são tardiamente informadas sobre a necessidade de uma terapia precoce. Devem ser direcionadas para a realização de programas assistidos de exercícios físicos e drenagem linfática manual o mais precocemente possível. Respeitados os limites de cada fase do tratamento, o engajamento à prática de exercícios pode definir a qualidade de vida depois do tratamento do câncer. Dr. Henrique Jorge Guedes Neto (CRM 33990) Linfedema periférico CARDIOLOGIA E DOENÇAS CIRCULATÓRIAS | Como eu trato 218 O edema de origem linfática é sinal clínico da insuficiência linfática descompensada; isso quer dizer que, quando temos uma doença no sistema linfático ou que o afete, pode haver como decorrência o linfedema. A função principal do sistema linfático é o controle hídrico intracelular, intravasal e do interstício, portanto, os fluídos do corpo humano. O edema pode aparecer em muitas doenças: edema cardíaco, edema venoso, edema renal, edema hepático, edema hormonal, edema traumático, edema da disproteinemia, lipoedema, entre outros. Em todas elas, apesar da causa não ser linfática, é o sistema linfático que tenta minimizar sua consequência, que é o edema. Nesta pequena explanação, procuraremos falar somente do edema linfático. Sabemos que o linfático inicial, que é a célula principal deste sistema, possui fenestrações (chamadas de junções); pela entrada e saída de proteínas que carregam água, elas controlam o estado hídrico do interstício. Classificamos os linfedemas em primários e secundários. Linfedemas primários são aqueles cuja lesão linfática ocorreu ainda dentro do útero. Tais linfedemas podem ser primário congênito (que aparecem desde o nascimento), primário precoce (que ocorre depois do nascimento, antes da puberdade) e primário tardio (que ocorre após a puberdade). Os linfedemas secundários têm como fator etiológico alguma doença que lesou o sistema linfático; descompensado, ele perde sua função e, como consequência, aparece o linfedema. Várias doenças podem lesar o sistema linfático, mas as mais frequentes são infecções (erisipelas), levando ao aparecimento do linfedema secundário pósinfeccioso. Outra causa que pode levar ao aparecimento do linfedema secundário são as cirurgias, dentre elas as cirurgias para tratamento de câncer de mama e as safenectomias, pois em ambas pode haver lesão dos linfonodos e, com isso, o aparecimento do edema. O linfedema secundário por filariose, que já foi muito prevalente, está quase que erradicado atualmente; essa classificação foi descrita por um médico brasileiro chamado Armando K. Cordeiro, e tem como escopo a etiologia do linfedema. Outra classificação, a de Mowlem, leva em conta aspectos clínicos para classificar os linfedemas. Grau 1 - Linfedema reversível Grau 2- Linfedema Irreversível Grau 3 – Fibroedema Quanto ao quadro clínico, o linfedema é caracterizado como edema unilateral, com sinal de cacifo negativo, sinal de Stemmer positivo (não pregueamento da pele dos dedos) e com crises de erisipela de repetição. Seu diagnóstico é eminentemente clínico, devendo-se afastar todas as outras causas de edemas no levantamento da história. Para confirmar seu diagnóstico, os seguintes exames podem ser solicitados: Doppler ultrassom venoso e colorido e linfocintilografia qualitativa e semiquantitativa. Confirmado o diagnóstico, deve-se iniciar o tratamento com medicamentos linfocinéticos (diosmina e hesperedina), tratamento fisioterápico (Terapia Física Complexa com sessões de drenagem linfática manual, exercícios linfomiocinéticos, compressão pneumática intermitente e enfaixamento inelástico e elástico com frequência variada); em alguns casos indica-se o tratamento cirúrgico (cirurgia de ressecção da massa linfedematosa ou cirurgias de derivação, as anastomoses linfovenosas). Visto que as erisipelas são comuns, deve-se evitá-las com medidas simples, como a melhor higiene dos pés e mãos, cuidado com as micoses interdigitais e hidratação adequada da pele para melhorar sua função de barreira às infecções. Bibliografia: 1- 1º, 2º e 3º Consenso Latino Americano para tratamento do linfedema. 2- Brito CJ. Cirurgia vascular endovascular e angiologia. 2ª edição; Revinter – 2008. CARDIOLOGIA E DOENÇAS CIRCULATÓRIAS | Como eu trato 219 DR. JOSÉ JORGE HOSNI (CRM 51426) Medicamentos com possíveis efeitos adversos no sistema cardiovascular (SCV) CARDIOLOGIA E DOENÇAS CIRCULATÓRIAS | Como eu trato 220 DIPIRONA (analgésico) EFEITO SCV AÇÃO SUGERIDA Possível redução de pressão arterial. Evitar em pacientes sabidamente hipotensos. ANFETAMINAS EM GERAL (para emagrecimento) EFEITO SCV Aumento de pressão arterial, vasoconstricão coronariana e arritmias cardíacas. AÇÃO SUGERIDA Contraindicada para pacientes hipertensos, de maneira geral, e portadores de insuficiência coronariana; avaliar a redução de pressão arterial obtida com a redução de peso. SIBUTRAMINA (para emagrecimento) EFEITO SCV Aumento de pressão arterial. AÇÃO SUGERIDA Contraindicada para hipertensos. DERIVADOS DO ERGOT (para crises de enxaqueca) EFEITO SCV Vasoespasmo coronariano. AÇÃO SUGERIDA Contraindicada em portadores de insuficiência coronariana. SUMATRIPTANO (para crises de enxaqueca) EFEITO SCV Vasoespasmo coronariano, principalmente no uso intravenoso. AÇÃO SUGERIDA Contraindicado em pacientes com insuficiência coronariana. ROZIGLITAZONA (para diabetes tipo 2) EFEITO SCV Retenção hídrica e possível descompensação de insuficiência cardíaca congestiva. AÇÃO SUGERIDA Contraindicação formal em cardiopatas. INIBIDORES DE FOSFODIESTERASE 5 (para disfunção sexual) EFEITO SCV Diminuição de pressão arterial, principalmente com uso simultâneo de nitratos. AÇÃO SUGERIDA Uso contraindicado em portadores de insuficiência coronariana recente; arritmia ventricular complexa; insuficiência cardíaca grave e na síndrome do QT longo. Deve-se suspender o uso de nitrato por 24 horas antes do uso de inibidores de fosfodiesterase. INIBIDORES DE PRÓTONS (para proteção gástrica) EFEITO SCV Possível atenuação de efeito terapêutico do clopidogrel. AÇÃO SUGERIDA Trocar, sempre que possível, por pantoprazol. GASTROPROTETOR (cimetidina) EFEITO SCV Bradicardia com infusões rápidas endovenosas. AÇÃO SUGERIDA Se o uso for endovenoso, infundir bem lentamente. ANTI-INFLAMATÓRIOS NÃO HORMONAIS (AINH) (para processos dolorosos em geral) EFEITO SCV Retenção hídrica; aumento de pressão arterial, muito relevante com o uso contínuo; atenuação dos efeitos dos anti-hipertensivos; piora de insuficiência cardíaca congestiva. AÇÃO SUGERIDA Evitar, sempre que possível, em hipertensos e portadores de insuficiência cardíaca congestiva. Usar por tempo limitado; associar diuréticos, se necessário. REPOSIÇÃO DE HORMÔNIOS TIREOIDIANOS (T3 e T4) EFEITO SCV Aumento do consumo de oxigênio miocárdico com possível quadro de insuficiência coronariana; arritmias cardíacas e aumento de hipertensão arterial. AÇÃO SUGERIDA Uso restrito em cardiopatas severos; uso de baixas doses; uso concomitante de antiarrítmicos e hipotensores, se necessário. ANTICONCEPCIONAIS ORAIS EFEITO SCV Aumento de renina, com aumento de pressão arterial ou descontrole de hipertensão arterial pré-existente. AÇÃO SUGERIDA Suspensão da medicação; retorno dos níveis pressóricos prévios pode demorar até seis meses. TEOFILINA E AMINOFILINA (distúrbios pulmonares e broncoespasmo) EFEITO SCV Arritmias cardíacas. AÇÃO SUGERIDA Redução da dose ou suspensão do medicamento. METRONIDAZOL (antiparasitário) EFEITO SCV Achatamento de onda T no eletrocardiograma e, por vezes, diminuição da pressão arterial. AÇÃO SUGERIDA Redução da dose se houver diminuição de pressão arterial. ANFOTERICINA B (antifúngico) EFEITO SCV Vasodilatação periférica com possível hipotensão arterial (raro). AÇÃO SUGERIDA Redução de dose ou suspensão, caso hipotensão seja significativa. QUINILONAS (antibióticos) EFEITO SCV pode ocasionar arritmias cardíacas por aumento do intervalo QT. AÇÃO SUGERIDA suspensão da medicação. DESCONGESTIONANTES NASAIS (fenilefrina; pseudoefedrina) EFEITO SCV Taquicardia; aumento de pressão arterial e arritmias cardíacas, principalmente supraventriculares. AÇÃO SUGERIDA Uso deve ser esporádico em cardiopatas; uso de baixas dosagens; monitorar pressão arterial e realizar eletrocardiograma. CARDIOLOGIA E DOENÇAS CIRCULATÓRIAS | Como eu trato 221 ANTIASMÁTICOS (fenoterol; salbutamol) EFEITO SCV Taquicardia sinusal e arritmias atriais. AÇÃO SUGERIDA Uso cuidadoso em pacientes com história prévia de arritmia cardíaca; usar baixas dosagens. ALFABLOQUEADORES(para prostatismo) EFEITO SCV Hipotensão postural; casos de pré-síncope e síncope. AÇÃO SUGERIDA Contraindicados para cardiopatas graves; preferencialmente, não devem ser usados em pacientes sabidamente hipotensos. ANTIARRÍTMICOS (quinidina; procainamida) EFEITO SCV Efeitos pró-arrítmicos AÇÃO SUGERIDA Monitorar eletrocardiograma e nível sérico plasmático; uso de baixas doses. ANTIARRÍTMICOS (amiodarona) EFEITO SCV Depressão miocárdica; bradicardia. AÇÃO SUGERIDA Ajuste de dose (baixas dosagens ); evitar em portadores de insuficiência cardíaca grave. BETABLOQUEADORES (propanolol; metoprolol; atenolol; carvedilol) EFEITO SCV Bradicardias importantes; hipotensão arterial; depressão miocárdica. AÇÃO SUGERIDA Evitar em pacientes portadores de bloqueio cardíaco; iniciar com baixas dosagens nos pacientes hipotensos; monitorar frequência cardíaca e pressão arterial. CARDIOLOGIA E DOENÇAS CIRCULATÓRIAS | Como eu trato 222 CORTICOSTEROIDES EFEITO SCV Retenção hídrica com piora de insuficiência cardíaca congestiva; aumento de pressão arterial. AÇÃO SUGERIDA Evitar uso, sempre que possível, em cardiopatas e hipertensos graves; monitorar pressão arterial; associar diuréticos, se necessário. IMAO (INIBIDORES DA MONOAMINOXIDASE) (antidepressivo) EFEITO SCV Pode ocasionar crise hipertensiva, principalmente se associado com alimentos contendo tiramina (alguns queijos, por exemplo) ou cafeína em quantidades excessivas. AÇÃO SUGERIDA Monitorar pressão arterial no decorrer do seu uso; pacientes devem evitar consumo exacerbado de cafeína e de queijos (principalmente os amarelos fortes). LÍTIO (antidepressivo) EFEITO SCV AÇÃO SUGERIDA Miocardiopatia por ação direta; arritmia ventricular. Evitar em portadores de insuficiência cardíaca; usar baixas dosagens; monitoração frequente de níveis séricos. TRICÍCLICOS (antidepressivos) EFEITO SCV Aumento do intervalo QT, com possível arritmia ventricular; alterações de pressão arterial com aumento de pressão ou, por vezes, hipotensão ortostática; depressão miocárdica. AÇÃO SUGERIDA Obter eletrocardiograma prévio ao uso; monitorar intervalo QT; uso de doses baixas em cardiopatas; contraindicados em cardiopatas graves; abordar como crise adrenérgica se ocorrer importante aumento de pressão arterial; vigiar interações medicamentosas. INIBIDORES DA RECAPTAÇÃO SELETIVA DE SEROTONINA (antidepressivos): VENLAFAXINA EFEITO SCV AÇÃO SUGERIDA Aumento de pressão arterial (principalmente no uso de altas doses). Uso cuidadoso em pacientes hipertensos; iniciar com baixas dosagens (não ultrapassar 300 mg por dia); suspender caso haja descontrole pressórico. CICLOSPORINA (imunossupressor) EFEITO SCV Aumento de pressão arterial. AÇÃO SUGERIDA Uso cuidadoso em hipertensos; monitoração constante da pressão arterial; associar anti-hipertensivos, se necessário. ERITROPOETINA (para anemias) EFEITO SCV Expansão das células vermelhas, com aumento de volume sanguíneo e viscosidade, pode ocasionar elevação da pressão arterial; pacientes com disfunção renal podem apresentar maiores elevações pressóricas. AÇÃO SUGERIDA Usar baixas doses da medicação nos pacientes de risco, com elevações mais graduais do hematócrito; monitoramento contínuo da pressão arterial durante o tratamento. CLOROQUINA (agente antimalárico) EFEITO SCV Quando ministrada rapidamente e em doses altas, pode ocasionar hipotensão e depressão miocárdica e alargamento do intervalo QRS no eletrocardiograma. AÇÃO SUGERIDA Usar baixas dosagens e administração lenta em pacientes sabidamente cardiopatas; monitoração de eletrocardiograma. AGENTES ANTINEOPLÁSICOS (antraciclinas; ciclofosfamida; metotrexato; interferon; interleucinas; cisplatina) EFEITO SCV Alterações de contratilidade miocárdica; fibrose cardíaca; depressão miocárdica; arritmias cardíacas, principalmente ventriculares. AÇÃO SUGERIDA Uso cuidadoso em cardiopatas; monitorar pressão arterial e eletrocardiograma; se necessário, deve-se associar medicamentos contra insuficiência cardíaca congestiva e insuficiência coronariana. 223 CARDIOLOGIA E DOENÇAS CIRCULATÓRIAS | Como eu trato SAIS DE QUININO (antimalárico) EFEITO SCV Alterações de pressão arterial e arritmias ventriculares em altas dosagens. AÇÃO SUGERIDA Ministrar em baixas doses e monitorar pressão arterial. Dr. José Dirceu Cardoso Telles (CRM 16751) Dr. Marcus Alexandre Politzer Telles (CRM 98242) Dr. Gustavo José Politzer Telles (CRM 101456) Microvarizes e Telangiectasias CARDIOLOGIA E DOENÇAS CIRCULATÓRIAS | Como eu trato 224 Microvarizes: veias dilatadas de fino calibre (2-4 mm) localizadas no subcutâneo, dependentes de veias perfurantes insuficientes ou de veias varicosadas, com insuficiência valvar (refluxo venoso). Telangiectasias Simples: vênulas ou arteríolas, vasos de fino calibre, superficiais, intradérmicos, dilatados, formando redes ou aranhas vasculares de cor avermelhada, de fluxo rápido. Sua origem se dá pela abertura de fístulas arteriovenosas ou por pequeno refluxo venoso. Telangiectasias Dependentes: São vênulas, vasos de fino calibre, dependentes de microvarizes ou de veias perfurantes insuficientes. As microvarizes são pequenos vasos dilatados que causam dano estético, muitas vezes sem comprometimento das veias safenas. Neste caso, só com a abordagem cirúrgica poderemos tratá-las. Não causam dores ou complicações. PEQUENA CIRURGIA DE MICROVARIZES Antissepsia do membro inferior. Marcação das microvarizes com tinta especial, puntiforme, identificando as perfurantes insuficientes. Anestesia local nos pontos marcados ou sedação, perfuração da pele ao lado das marcas com agulha 40/12 ou bisturi lâmina 11, nos locais das veias perfurantes insuficientes ou onde existir plano ósseo abaixo das marcas. Pega das veias com agulhas de crochê nº 12 ou 10. Iniciamos esta pega da periferia para o centro da mancha (perfurante). Fixação do vaso com pinça Halstead mosquito ponta fina e curva em dois pontos próximos. Seccionamos uma das pontas da veia e, com massagem na pele, procuramos descolar a mesma do subcutâneo, realizando a exteriorização do segmento de veia pelo pequeno orifício. Assim, de forma escalonada, retiram-se todos os vasos dilatados na área abordada. Na veia perfurante ou na comunicação do segmento da veia dilatada com veia normal, deve-se proceder à ligadura com fio mononylon 5-0, evitando, com isso hematomas locais, fator de gênese de pequenos vasos. Terminada a cirurgia, realizamos compressão do local por 5 minutos e colamos pequenas tiras de Steri-Strip™ nas incisões puntiformes. Cobrimos o local com compressas, algodão ortopédico e enfaixamos. No pós-operatório, orientamos o paciente a retirar a faixa, compressas e algodão ortopédico antes de dormir. Repouso no leito por 12 horas. Molhar, com banho completo, 24 horas após a cirurgia. Não expor o local operado ao sol por 30 dias. Administração de analgésico, se necessário. Retirar Steri-Strip™ após seis dias; em seguida, massagear o local no banho, aplicando ducha quente e, depois, passar pomadas à base de heparina sódica, D-pantenol e dimetilsulfóxido, nos locais arroxeados. As telangiectasias dependentes não desaparecem apenas com a retirada da veia matriz ou ligadura da veia perfurante. É necessário bloquearmos o fluxo rápido das telangiectasias com escleroterapia e picotamento do trajeto dos vasos, complementando o tratamento, no retorno do paciente após 15 dias, com eletrocoagulação e escleroterapia. ESCLEROTERAPIA: Consiste em causar fibrose do vaso sanguíneo por agentes físicos ou químicos. Esta fibrose, para que não traga dano estético, deve ser desencadeada por processo inflamatório lento. É preferível repetir as sessões de escleroterapia com agentes físicos ou químicos do que tentar a fibrose do vaso na primeira sessão. Agentes Químicos A introdução de produto químico no interior do vaso ou da variz produz processo inflamatório e vasoespasmo, desencadeando lesão do endotélio. Isso faz com que a luz do vaso venha a se ocluir. Na escolha da substância esclerosante, devemos considerar sua eficácia, seus efeitos colaterais e a tolerância do paciente à dor. Ela deve ser inócua ao organismo, observando-se, entre as disponíveis no mercado, qual traz menor risco e efeitos colaterais ao paciente, com relação à dor, alergia, hiperpigmentação ou necrose.Temos esclerosantes no mercado que são soluções detergentes, soluções osmóticas e soluções irritantes: - Detergentes: Oleato de etanolamina e polidocanol (aetoxiesclerol). Agem rompendo a membrana celular dos vasos. - Osmóticas: Glicose hipertônica. Damos preferência à glicose 75%, por ser inócua ao organismo e ter menos efeitos colaterais. Agem causando danos nas células por alteração na pressão osmótica. - Irritantes: Glicerina crômica – Age causando danos na parede celular. Miyake H., em 1972, demonstrou que úlceras em escleroterapia não ocorriam apenas por extravasamento da substância esclerosante no subcutâneo, mas sim pela pressão de sua injeção dentro do vaso. Quando fazemos escleroterapia com muita pressão, podemos inverter o fluxo nas terminações arteriovenosas, atingindo a artéria nutridora da pele e levando ao espasmo e trombose da mesma, com necrose de pele. A necrose, nesse caso, é de cicatrização demorada. No extravasamento do líquido esclerosante podem ocorrer pequenas crostas superficiais no local, de fácil cicatrização. Quando realizamos a escleroterapia química, devemos iniciar o procedimento pelas veias de fino calibre (menor que 2 mm), respeitando as veias transparentes e tronculares – pois é pelas nascentes do segmento venoso, as telangiectasias de fino calibre (microfístulas), que se deve começar. Se pretendermos secar a nascente de um rio, devemos jogar terra sobre sua nascente (olho de mina). Se o fizermos no meio do rio, estaremos construindo uma barragem. Na aplicação de substâncias esclerosantes em veia de médio calibre ou transparente, o que vai ocorrer é trombose segmentar desta veia, com congestionamento de toda rede a jusante (ocluindo a rede de drenagem e aumentando as veias colaterais e telangiectasias). Mesmo observando estes cuidados, muitas vezes, ao aplicarmos substância esclerosante em veias de fino calibre, o trajeto de drenagem do líquido se faz no sentido das veias de médio calibre, podendo ocorrer sua trombose segmentar. Notamos este fato no retorno do paciente após 10 dias, com coágulo em segmento de veia. Este coágulo deve ser esvaziado, picotando-se a veia com agulha 40/12. O coágulo pode pigmentar a pele, provocar o desenvolvimento de telangiectasias em seu redor e congestionar a rede a jusante. A parede da veia dificulta a absorção do coágulo. O simples fato de perfurarmos os segmentos de veias trombosadas, mesmo que não ocorra esvaziamento completo destes coágulos, proporciona condições ao organismo para sua absorção. A exposição solar em pacientes com coágulo segmentar em veia provoca a pigmentação da pele em seu trajeto. 225 CARDIOLOGIA E DOENÇAS CIRCULATÓRIAS | Como eu trato A escleroterapia química é a melhor conduta no tratamento das telangiectasias, pois age especificamente na íntima do vaso e apenas no segmento de interesse (quando injetamos lentamente o esclerosante). O medicamento esclerosante deve ser inócuo ao organismo humano e devemos usar pequena quantidade. A escleroterapia química é o procedimento mais realizado pelos cirurgiões vasculares brasileiros. Agentes Físicos 1 – Laser: É uma luz monocromática, altamente direcionada, que não se propaga em outra direção, e sim em um feixe estreito e intenso de raios quase paralelos. Temos no mercado o aparelho de laser de pulso longo, com capacidade de emitir luz de 1.064 nm em 16 milésimos de segundo. Nesse espectro temos grande proteção da pele (a absorção da luz pela pele é quase nula). O laser é absorvido pelos pigmentos, por isso devemos tomar muito cuidado quando tratamos pacientes de pele morena. O laser age no vaso provocando a sua explosão, inflamação ou trombose. Tem indicação para tratamento de pequenos vasos em que existe uma matriz de fino calibre, telangiectasias localizadas no pé, “spider veins” e hemangiomas rubis. Pode também ser aplicado nas veias reticulares e veias de fino calibre (2 a 4 mm) localizadas no subcutâneo. 2 – Photoderm: Fonte de luz intensa, pulsada, com emissão de luz policromática, com mais de um comprimento de onda. Tem indicação para vasos muito finos como hemangioma plano, “mancha vinho do porto” e rosáceas. É contraindicado para pacientes de pele escura e devemos tomar muito cuidado em pacientes que se expuseram recentemente ao sol. CARDIOLOGIA E DOENÇAS CIRCULATÓRIAS | Como eu trato 226 3 – Eletrocoagulação: Usamos a eletrocoagulação ou fulguração para interromper ou diminuir a velocidade do fluxo sanguíneo na região abordada. Assim procedendo, e associando este tratamento à escleroterapia química, vamos obter excelente resultado no tratamento das telangiectasias. A eletrocoagulação foi abandonada nos últimos anos pela sua ineficácia e efeitos colaterais: produziam cicatrizes fibróticas e não faziam os vasos desaparecerem. Atualmente, com a técnica empregada, temos obtido excelentes resultados com baixo custo para os pacientes, pois os aparelhos que temos no mercado são de valor irrisório. Com experiência no uso da eletrocoagulação, obtemos resultados melhores do que com o uso do laser, principalmente porque o calor aplicado se dá apenas no vaso, puntiforme, ao contrário do laser, e não provoca equimose local (explosão). TÉCNICA Eletrocoagulação ou Fulguração: Escolhemos uma área troncular da telangiectasia na qual injetamos anestésico para preencher de toda a rede venosa. Logo em seguida, iniciamos a eletrocoagulação da periferia para o centro, com agulhas descartáveis ou esterilizadas, nos vasos mais finos, dando espaço de 0,3 a 0,5 centímetros. Depois, na região troncular, injetamos a substância esclerosante. Quando o paciente suporta a dor da eletrocoagulação, podemos dispensar o anestésico. Neste caso, primeiro injetamos a substância esclerosante e, imediatamente depois, realizamos a eletrocoagulação como relatada anteriormente. Para eletrocoagulação ou fulguração, trabalhamos com aparelho Hyfrecator Plus de alta frequência e baixa amperagem (seis miliamperes e com regulagem de 0,8 a 1,6), dependendo do calibre e profundidade do vaso a ser tratado. Com agulha grossa, sem furar a pele, procedemos à exposição rápida para não lesarmos a derma, que é a camada germinativa da pele. Inicialmente notamos processo inflamatório no local, com eritema e edema. Dois dias após, aparecem pequenas crostas nos locais da eletrocoagulação, que levam de quinze a vinte dias para cair, não deixando marcas, pois só queimamos a epiderme e os vasos. Após 15 dias, observamos ainda segmentos de telangiectasias. Porém, nesse caso, apenas a escleroterapia química dos segmentos que não desapareceram é suficiente para completar o tratamento. O bloqueio das telangiectasias com a eletrocoagulação já diminuiu a velocidade do fluxo do sangue na área, fazendo com que o esclerosante químico, com o fluxo menor, entre em contato com a parede interna do vaso, vindo a inflamá-lo. Usamos, depois da eletrocoagulação, creme hidratante ou óleo, o que promove rapidamente a queda das crostas. Usamos esta técnica quando as telangiectasias não apresentam veia matriz (telangiectasias dependentes), que são veias de drenagem com incompetência valvular. Estas mantêm pressão na área e só obtemos bom resultado com a ligadura dessa veia e exérese das colaterais (Myake H., Revista Hospital das Clínicas, 1993, artigo original, prêmio “Geza de Takats”, 1984). Todas as técnicas têm sua aplicação no tratamento das telangiectasias, porém a que apresenta melhores resultados é a escleroterapia química. Quando associamos este tratamento com eletrocoagulação, conseguimos tirar manchas avermelhadas e vasos de fino calibre, que não conseguiríamos fazer com nenhuma das outras técnicas mencionadas. O insucesso do laser ou photoderm no tratamento dos vasos se deve à diferença de calibre do vaso, à espessura de sua parede, à variação da profundidade em que ele se localiza e à regulagem do aparelho. Quando, na aplicação do laser, ocorrer explosão ou trombose do vaso, aparece mancha equimótica no local ou coágulo no interior do mesmo. O coágulo interrompe a drenagem venosa local, congestionando a rede a jusante e a equimose promove o desenvolvimento de telangiectasia no local para absorvê-la (gênese de novos vasos). O ideal para um bom resultado no uso destes aparelhos seria a inflamação lenta e o vasoespasmo, porém o excesso de calor da luz monocromática (vasculate) ou photoderm faz com que ocorra nas terminações arteriovenosas a abertura de fístulas arterivenosas, aumentando as telangiectasias de fino calibre (gênese de vasos). A tecnologia do laser pode melhorar muito, trazendo bons resultados, quando surgirem no mercado aparelhos que emitirem luz puntiforme, e associando sua aplicação com escleroterapia química. A luz puntiforme não vai aquecer a pele em torno das telangiectasias e, com isto, deixar de provocar a abertura de fístulas arteriovenosas. Sua aplicação, por ser puntiforme, vai ser direcionada apenas às telangiectasias de fino calibre, não causando a explosão dos vasos e equimose local, e consequente gênese de vasos. Uma orientação que damos aos pacientes que apresentam telangiectasias de fino calibre é expor as pernas ao sol. Nos raios solares temos luz infravermelha e ultravioleta. A luz Infravermelha faz com que as telangiectasias de fino calibre entrem em espasmo, ocluindo sua luz, oferecendo resultado estético excelente. Esta é uma observação que a natureza nos deu: pessoas que tomam muito sol não apresentam vasos de fino calibre; podem até apresentar varizes, mas telangiectasias, não. CARDIOLOGIA E DOENÇAS CIRCULATÓRIAS | Como eu trato 227 Dr. Roque Marcos Savioli (CRM 22338) Particularidades do coração feminino CARDIOLOGIA E DOENÇAS CIRCULATÓRIAS | Como eu trato 228 O Ministério da Saúde divulga anualmente as estatísticas de incidência das doenças cardiovasculares no Brasil e elas lideram as que mais matam as mulheres. A taxa de mortalidade do infarto do miocárdio em mulheres é maior do que a dos homens em qualquer faixa de idade analisada. Ao mesmo tempo, sabe-se que com campanhas preventivas a doença cardiovascular vem diminuindo no mundo todo; mas o que chama a atenção dos governantes é que essa diminuição não tem sido relevante nas mulheres. Por que essa diferença? Por que mulheres estão morrendo mais do que homens? A doença cardiovascular do homem é diferente daquela que acomete a mulher? As alterações hormonais cíclicas durante as diferentes fases da vida das mulheres podem ser responsáveis por várias respostas fisiopatológicas. Os esteroides sexuais femininos têm importante função protetora no sistema cardiovascular até a menopausa, quando a mulher se torna vulnerável à doença cardiovascular. Dados consistentes indicam que o sexo tem grande importância na doença cardiovascular. É possível que a mulher apresente a doença de uma forma mais grave do que o homem por várias razões, entre elas: - a artéria coronária da mulher é menor do que a do homem; - a circulação colateral da mulher é menos proeminente do que a do homem; - o padrão da ateroesclerose tem fatores especiais na mulher, com artérias mais duras e inteiramente acometidas, embora tenham graus menores de obstrução que nos homens; - a doença pode estar sendo mal diagnosticada na mulher. A doença coronária na mulher tem evolução dependente da idade: mulheres jovens podem ter o infarto ou morte súbita como primeiro sinal da doença; já as mais idosas têm um modelo de doença comparável com o do homem. Uma das grandes diferenças entre os sexos são as características dos sintomas clínicos da doença que podem diferir nas mulheres em relação aos classicamente definidos, a ponto de passarem despercebidos pelos médicos atendentes. A dor no peito é sintoma relevante para o diagnóstico da angina ou do infarto. Muitas mulheres apresentam a dor torácica típica, ou seja, sensação de dor no peito, em aperto, com irradiação para os membros superiores, faces laterais do pescoço e para as costas. Nos quadros anginosos, a dor piora com a atividade física, melhora com o repouso e tem duração curta; já no infarto, ela é intensa, de longa duração (mais de 20 minutos), pode vir acompanhada de sudorese fria, palidez cutânea, náuseas e vômitos. Um número elevado de mulheres, por outro lado, apresenta quadros atípicos, que podem propiciar erros diagnósticos fatais. Ao invés de a mulher apresentar a dor torácica clássica, intensa, no meio do peito, como acontece nos homens, ela refere fadiga, respiração curta, pressão ou aperto na “boca do estômago”, náuseas, vômitos, torpor nos braços e/ou dor nos maxilares. Além disso, quando relatam dor, sua intensidade é menor do que nos homens, ou não há queixa do sintoma, situação extremamente perigosa que pode retardar o atendimento médico ou mesmo ocasionar um erro diagnóstico. Uma pesquisa mostrou que, embora 67% das mulheres conheçam as características clássicas da dor da angina ou do infarto, somente 10% delas sabem que as mulheres podem ter sintomatologia mais pobre do que o homem e 7% relatam não conhecer nada sobre o assunto. Mulheres se informam sobre a doença cardiovascular por meio de revistas femininas (43%), programas de TV (24%) ou rádio e/ou jornais; poucas (18%) dizem ter ouvido de seu médico algo sobre o assunto, daí o importante papel da mídia na divulgação da prevenção dessa moléstia. Muitas mulheres interpretam os seus sintomas como insignificantes, preocupando-se mais com os problemas ginecológicos do que com os cardiovasculares, embora estes sejam responsáveis pela maioria das mortes femininas no mundo todo. 229 CARDIOLOGIA E DOENÇAS CIRCULATÓRIAS | Como eu trato Alguns dados interessantes sobre o problema: - Mulheres demoram mais tempo para serem atendidas do que os homens nas emergências hospitalares. Enquanto os homens eram atendidos 20 minutos após chegarem ao hospital, as mulheres eram socorridas após 30 minutos; - São menos submetidas a procedimentos invasivos como cateterismo cardíaco, angioplastia coronária e cirurgia de revascularização miocárdica, ou seja, procedimentos que podem aumentar a sobrevida; - Médicos falham em reconhecer os sintomas atípicos do ataque cardíaco na mulher. Somente 20% dos médicos sabem que há maior mortalidade em mulheres do que em homens por conta da doença cardiovascular. - Dois terços de mulheres que morreram subitamente de doença cardíaca não tiveram esse diagnóstico feito previamente. Muitas tiveram suas queixas atribuídas a indigestão, depressão, ansiedade, fibromialgias etc. - O valor diagnóstico do teste ergométrico em mulheres é limitado pela baixa especificidade das alterações do segmento ST que aparecem durante o exercício em comparação com homens, e menor sensibilidade em relação a métodos que utilizam imagens cardíacas durante estresse físico ou farmacológico. Estes achados podem estar relacionados a: - menor prevalência de doenças obstrutivas em mulheres do que em homens da mesma idade; - alta prevalência de doença arterial coronária não obstrutiva e doenças da microcirculação coronária; - capacidade inadequada de produção de isquemia durante o exercício, especialmente em idosas; - maior incidência de falsos positivos durante o exercício, provavelmente relacionados aos protocolos utilizados nos testes ergométricos; - Mulheres têm menor chance de ter angina típica durante o teste de esforço do que homens (28% X 55%) em uma revisão de 3.100 pacientes submetidos a teste ergométrico. - Reposição Hormonal (TRH) não é recomendada para a prevenção da DCV em mulheres, não havendo evidências de seu benefício. Novos estudos estão sendo finalizados com composições hormonais diferentes das utilizadas nos estudos iniciais e os resultados destes deverão elucidar as dúvidas existentes sobre a relação entre a TRH e a prevenção da DCV em mulheres. - Aspirina deve ser utilizada na prevenção secundária da DCV, após infarto do miocárdio, acidente vascular cerebral embólico, episódio isquêmico transitório, angina estável e após a cirurgia de revascularização coronária para reduzir os risco de infarto do miocárdio, AVC e de morte; durante as síndromes isquêmicas agudas (infarto do miocárdio, AVC etc.); AVC agudo e recorrente; na prevenção primária do primeiro evento cardiovascular em indivíduos com risco cardiovascular moderado e alto. O uso de aspirina na prevenção primária de indivíduos com baixo risco cardiovascular permanece discutível, devendo-se sempre ponderar, nessa circunstância, o risco da ocorrência de efeitos indesejáveis da droga. - Análise de quatro grandes estudos com hipolipemiantes na prevenção secundária da DCV revelou efeitos benéficos das estatinas em mulheres com DCV. - O benefício do uso de betabloqueadores após o infarto do miocárdio está bem demonstrado em mulheres e é, pelo menos, equivalente àquele proporcionado ao homem. - Os inibidores da enzima de conversão da angiotensina (IECA) apresentam efeitos benéficos aos pós-infartados, conforme inúmeros estudos demonstraram em homens e mulheres, com redução do número de eventos cardiovasculares. Não existe, no entanto, estudo exclusivo para o sexo feminino. Referências: 1- STÖR S, VAN DER SCHOUW YT, GROBBEE DE et al. Estrogen, inflammation and cardiovascular risk in women: a critical appraisal. Trends in Endocrinology and Metabolism. 2004; 15: 66-72. 2- Mosca L, Benajamin EJ, Berra K et al. Effectiveness-Based Guidelines for the Prevention of Cardiovascular Disease in Women-2011 Update. A Guideline From AmericanHeart Assotiation. Circulation, 2011; 123:1-19. 3- VAN DER SCHOWN, Y. T. Incidence and mortality of cardiovascular disease in postmenopausal women world-wide and relevance for preventive strategies. Climateric. 2009; 12 (Suppl. I): 1-5. 4- Douglas PS. Management of coronary heart disease in women. www.uptodate.com. Version 19.1- January, 2011. 5- Martin KA, Rosenson RS. Postmenopausal hormone therapy and cardiovascular risk – www.uptodate.com. Version 19.1; January, 2011. CARDIOLOGIA E DOENÇAS CIRCULATÓRIAS | Como eu trato 230 Dr. Alfredo Inácio Fiorelli (CRM 32338) Marcelo Fiorelli Alexandrino da Silva Pericardite aguda A pericardite aguda pode ser de origem infecciosa ou inflamatória, sendo classificada em função da composição do exsudado inflamatório em serosa, purulenta, fibrinosa e hemorrágica; ou em função dos seus agentes causadores em bacterianas Staphylococcus aureus e Streptococcus pneumoniae, micobactérias Mycobacterium tuberculosis e Mycobacterium avium, virais coxsackie, ecovírus, da gripe e citomegalovírus, fúngicas e parasitárias. A tabela 1 apresenta as principais causas de pericardite aguda. O diagnóstico de pericardite viral não pode ser feito sem a análise do tecido ou do líquido pericárdico, preferencialmente com o uso da reação da cadeia de polimerase PCR – Polymerase Chain Reaction ou hibridação in situ. Tabela 1 – Principais causas e incidências de pericardite aguda Infecciosas Bactérias – 5% a 10% estreptococos e micobactérias. Não Infecciosas – estafilococos, Lesões/traumas – Cirurgia cardíaca, trauma de tórax, quilopericárdio, aneurisma dissecante de aorta. Vírus – 30% a 50% - Coxsackievírus A e B, citomegalovírus, vírus da imunodeficiência humana e vírus da influenza. Doenças sistêmicas – Pericardites das doenças autoimunes sistêmicas, processos autoimunes, neoplasias e outras. Fungos e parasitas – pouco frequentes. 231 CARDIOLOGIA E DOENÇAS CIRCULATÓRIAS | Como eu trato O pericárdio normal é um saco fibrosseroso que envolve o coração, a aorta ascendente, o tronco pulmonar e parte das artérias pulmonares. Apresenta função protetora do coração, reduzindo o atrito do órgão com as estruturas adjacentes e promove a interdependência entre as câmaras cardíacas, protegendo-as contra uma sobrecarga excessiva volumétrica. Funciona como barreira física contra infecções e mantém o coração em sua posição anatômica. A quantidade normal de líquido pericárdico é cerca de 30 ml e se encontra em constante processo de troca pela absorção através do sistema linfático. Nos eventos inflamatórios há obstrução total ou parcial dos dutos linfáticos, favorecendo o acúmulo de cifras extraordinárias da ordem de até 800 a 900 ml nos processos crônicos. A tabela 2 apresenta a distribuição dos principais achados clínicos na pericardite. Tabela 2 – Principais manifestações clínicas e alterações dos exames na pericardite. Sinais e sintomas Dispneia 42,2% Fadiga 31,0% Antecedentes mórbidos 45,2% Valvopatia mitral 32,1% Cardiopatia hipertensiva Desconforto precordial 26,2% Outras valvopatias 31,0% Edema 20,2% Cardiopatia isquêmica 25,0% Tosse 19,0% Arritmias 23,8% Palpitações 15,5% Dislipidemia 17,9% Assintomáticos 15,5% Neoplasia 13,1% Mialgias 8,3% Hipertensão arterial 13,1% Febre 6,0% Hipotireoidismo 10,7% Síncope / pré-síncope 6,0% Insuficiência cardíaca 8,3% Atrito pericárdico 1,2% Cardiomiopatia 8,3% Alterações laboratoriais CARDIOLOGIA E DOENÇAS CIRCULATÓRIAS | Como eu trato 232 Leucocitose, elevação da velocidade de hemossedimentação e proteína C reativa, elevação de creatinina fosfoquinase, desidrogenase láctica, marcadores de necrose miocárdica – sem elevação, alterações eletrocardiográficas, elevação difusa do segmento ST, depressão do segmento ST em AVR e V1, inversão difusa da onda T e depressão do segmento PR. Alterações nos exames de imagens Radiografia de tórax: normal ou aumento da área cardíaca de graus variáveis; ecocardiograma: derrame pericárdico de graus variáveis e espessamento pericárdico; tomografia de tórax: derrame pericárdico e espessamento pericárdico; e ressonância magnética de tórax: derrame pericárdico e espessamento pericárdico. Nos casos de derrame pericárdico, que requerem drenagem ou coleta de material para diagnóstico, dá-se preferência à drenagem pericárdica em relação à pericardiocentese pelo maior risco oferecido por este último procedimento. Todavia, muitos que adotam a pericardiocentese em situações especiais. Porém, nos casos de dissecção de aorta, coagulopatias, uso de anticoagulantes, plaquetopenias graves, uso de clopidogrel ou nos derrames encistados, a abordagem do pericárdio está contraindicada. O tratamento farmacológico específico será indicado em função do resultado obtido pela análise do líquido pericárdico. A tabela 3 apresenta as principais indicações para a drenagem pericárdica, e a tabela 4 o tratamento de pericardites específicas. Tabela 3 – Indicações de drenagem pericárdica como método diagnóstico ou terapêutico na pericardite aguda Tamponamento cardíaco Derrame pericárdico em paciente com sistema imunológico deprimido Suspeita clínica de pericardite purulenta ou neoplasia Derrames pericárdico volumosos ou de longa duração e sem diagnóstico confirmado Marcadores que devem ser solicitados, em função da suspeita clínica: • Tumorais – antígeno carcinoembrionário CEA, alfafetoproteína AFP, antígenos de hidratos de carbono CA125, CA-72-4, CA-15-3, CA-19-9, CD-30 e CD-25. • Tuberculose – coloração álcool ácido resistente, cultivo de Mycobacterium, determinação de adenosina deaminase ADA, interferon gama IFN, lisozima pericárdica com técnica de PCR. Valores muito elevados de ADA estão relacionados com o aparecimento de constrição pericárdica. • Bacteriana – cultivos de líquido pericárdico para aeróbios e anaeróbios, e hemoculturas. • Virais – análise do PCR dos vírus cardiotrópicos frequentemente encontrados na pericardite, • Marcadores bioquímicos – densidade do líquido pericárdico >1015, valores de proteínas >3,0g/dL e proporção derrame/soro > 0,5, lipoproteínas de alta densidade LDH> 200mg/dL e derrame/soro > 0,6 – derrames bacterianos, malignos e glicose no líquido, diminuídos nos exsudatos, sendo menor nos derrames purulentos. Tabela 4 – Tratamento das pericardites específicas. Bacteriana – Drenagem da pericardite purulenta e antibioticoterapia em função do agente. Tuberculosa – O tratamento específico somente deve ser aplicado aos pacientes com alta suspeita ou com comprovação de pericardite tuberculosa. Urêmica – A uremia e a diálise são dois fatores determinantes no surgimento da pericardite. Melhorar a diálise e drenagem nos grandes derrames. Bibliografia recomendada 1. Khandaker MH, Espinosa RE, Nishimura RA, Sinak LJ, Hayes SN, Melduni RM, Oh JK. Pericardial disease: diagnosis and management. Mayo Clin Proc. 2010 Jun; 856:572-93. 2.Yared K, Baggish AL, Picard MH, Hoffmann U, Hung J. Multimodality imaging of pericardial diseases. JACC Cardiovasc Imaging. 2010 Jun; 36:650-60. 3. Kaski JP, Elliott P; ESC Working Group. The classification concept of the ESC Working Group on myocardial and pericardial diseases for dilated cardiomyopathy. Herz. 2007 Sep; 326:446-51. 233 CARDIOLOGIA E DOENÇAS CIRCULATÓRIAS | Como eu trato Viral – Afecção mais frequente e com evolução benigna. Controle da dor e uso de antiinflamatórios. Nos casos mais graves: citomegalovírus – 4 ml/Kg/dia de imunoglobulina hiperimune durante os seguintes dias 0, 4 e 8; e 2 ml/Kg em 12 e 16; coxsackie B – 2,5 milhões de UI/m2 de interferon α e β, 3 vezes por semana; e adenovírus ou parvovírus B19 – 10g de imunoglobulina hiperimune nos dias 1 e 3, infundidos em 6 a 8horas. Dr. Marcelo Ferraz Sampaio (CRM 58952) Dra. Lara Reinel de Castro (CRM 106081) Dr. Raphael Kazuo Osugue (CRM 146570) Pericardite aguda CARDIOLOGIA E DOENÇAS CIRCULATÓRIAS | Como eu trato 234 As doenças que acometem o pericárdio podem ter apresentação isolada ou estar associadas a diversas doenças sistêmicas, e suas principais manifestações clínicas são a pericardite aguda e o derrame pericárdico, entidades distintas que podem se apresentar de forma isolada ou concomitante. As principais apresentações da doença do pericárdio são: pericardite aguda ou recorrente, derrame pericárdico sem comprometimento hemodinâmico, tamponamento cardíaco e pericardite constritiva. Neste artigo, abordaremos o tratamento da pericardite aguda ou recorrente, todavia devemos atentar para o fato de que as recomendações a seguir são limitadas pelos escassos estudos controlados publicados no meio científico. A abordagem inicial da pericardite aguda deve ser baseada na suspeita de uma etiologia específica que poderia alterar o tratamento; na necessidade de hospitalização; na presença de derrame pericárdico associado, principalmente para afastar um comprometimento hemodinâmico significativo; e no tratamento sintomático adequado. A pesquisa etiológica auxilia no tratamento específico de determinadas patologias, porém não é necessária em todos os casos. Em pacientes imunocompetentes com pericardite aguda que apresentam uma evolução benigna, cuja principal hipótese etiológica seja viral ou mesmo idiopática, não há necessidade de investigação etiológica e o tratamento deve ser iniciado empiricamente. Felizmente, a maioria dos casos de pericardite aguda apresenta um curso benigno e pode ser tratada em consultórios e ambulatórios utilizando-se medicamentos orais.1,2,3,4 Quando se está diante de um caso de pericardite aguda, existem algumas características clínicas que auxiliam a identificar pacientes de alto risco de complicações; eles devem ser internados em ambiente hospitalar para o tratamento adequado.1,2 (tabela 1) Pacientes com derrame pericárdico volumoso com sinais de comprometimento hemodinâmico ou uma pericardite constritiva devem ser internados e avaliados quanto à necessidade de drenagem pericárdica e/ou pericardiotomia. Apesar de nenhuma terapia ter demonstrado benefício em prevenir essas complicações, os derrames pericárdicos volumosos e a pericardite constritiva são complicações raras nos casos de pericardite aguda.5,6 CRITÉRIOS DE HOSPITALIZAÇÃO • Febre (> 38 ºC) e leucocitose • Sinais sugestivos de tamponamento cardíaco • Derrame pleural volumoso • Estados de imunossupressão • Terapia com anticoagulantes orais • Trauma agudo • Falência de resposta a AINEs após sete dias • Elevação da troponina com suspeita de miopericardite Tabela 1: Fatores de alto risco para pericardite aguda que necessitam de hospitalização. O uso de anti-inflamatórios não esteroides (AINEs) está indicado em todos os casos de pericardite que não possuam contraindicação ao seu uso. A duração da terapia pode ser monitorada pela proteína C-reativa até a sua normalização ou variar de acordo com a persistência dos sintomas, que geralmente desaparecem em duas semanas. O tratamento isolado com AINEs ou aspirina parece ser efetivo em aproximadamente 70% a 80% dos casos de pericardite de origem presumivelmente viral ou idiopática, aliviando a dor e reduzindo a inflamação.1,6,7 Apesar destes benefícios, não existem evidências de que os AINEs ou aspirina alterem a historia natural da pericardite aguda. A persistência da febre, da dor torácica, do aparecimento de derrame pericárdico ou piora do estado geral após uma semana de terapia com AINEs, deve ser considerada com falência da terapia, e outra etiologia que não a viral deve ser investigada. Em 2004, foram publicados pela Sociedade Europeia de Cardiologia as recomendações de utilização dos AINEs para o tratamento da pericardite aguda.8 (tabela 2) Ibuprofeno: dependendo da gravidade da pericardite e da resposta individual de cada paciente, a dose pode variar de 400 a 800 mg, três vezes ao dia. Pelo seu excelente perfil de segurança e menor perfil de efeitos colaterais, é o medicamento de escolha. Aspirina: pode ser administrada na dose de 650 a 1000 mg a cada seis ou oito horas, seguida de uma diminuição gradual a cada semana por um período de tratamento de três a quatro semanas. Indometacina: A indometacina pode ser administrada na dose de 50 mg, três vezes ao dia, por 1-2 semanas, seguida de desmame lento. Tabela 2: Recomendações dos AINEs para tratamento da pericardite aguda. Os pacientes com pericardite aguda sintomática pós-infarto agudo do miocárdio devem utilizar a aspirina como medicamento de escolha, em conjunto com um protetor gástrico, de preferência Omeprazol ou Pantoprazol, para evitar a toxicidade gástrica por AINEs. A aspirina é o medicamento de escolha também naqueles pacientes com pericardite aguda, em que a antiagregação plaquetária está indicada. Outro medicamento adicional à terapia de primeira linha nos casos de pericardite aguda é a colchicina. Sua associação com AINEs demonstrou ser segura e reduziu os episódios de pericardite recorrentes.7,9,10 A administração deste medicamento já no primeiro episódio de pericardite aguda, em conjunto com outros medicamentos de primeira linha, é uma recomendação atual. A dose utilizada é de 1 a 2 mg no primeiro dia, seguida de 0,5 mg, uma a três vezes ao dia. Enquanto o tratamento com AINEs dura semanas, de acordo com o alívio dos sintomas, o uso da colchicina deve ser administrado por três meses nos casos de pericardite aguda e por seis meses nos casos recorrentes. Este medicamento também demonstrou benefício na prevenção da síndrome pós-pericardiotomia.11 O uso de glicocorticoide deve ser reservado aos casos de pericardite aguda sintomática refrataria ao uso de AINEs e colchicina.12 Estudos clínicos e observacionais têm demonstrado uma correlação entre o uso de glicocorticoide CARDIOLOGIA E DOENÇAS CIRCULATÓRIAS | Como eu trato 235 ANTI-INFLAMATÓRIOS NÃO ESTEROIDAIS e um aumento na incidência de recorrência dos casos de pericardite viral. Uma hipótese para esta correlação seria que o corticoide promove a replicação viral.13,14,15 As indicações para o uso de anti-inflamatórios esteroides8 seguem de acordo com a tabela 3. INDICAÇÕES DO USO DE PREDINISONA Pacientes sintomáticos refratários à terapia padrão Pericardite aguda, causada por doenças do colágeno Pericardite autoimune Pericardite urêmica Tabela 3: Indicações de uso de glicocorticoide no tratamento das pericardites agudas.8 A dose recomendada da prednisona é de 1 mg/kg/dia durante duas a quatro semanas após o alívio dos sintomas ou normalização da proteína C-reativa, seguida de uma redução progressiva da dose conforme o paciente permanece assintomático (tabela 4). Alguns autores recomendam doses menores de prednisona (0,2 a 0,5 mg/ kg/dia), justificando uma menor recorrência da doença e menos efeitos colaterais.16 TABELA DE REDUÇÃO DA PREDINISONA Dose diária > 50 mg – Diminuir 10 mg/dia a cada uma ou duas semanas Dose diária 25 a 50 mg - Diminuir 5-10 mg/dia a cada uma ou duas semanas Dose diária 15 a 25 mg - Diminuir 2,5 mg/dia a cada uma ou duas semanas Dose diária < 15 mg - Diminuir 1,25 a 2,5 mg/dia a cada duas a seis semanas Tabela 4: Esquema de redução da prednisona.8 CARDIOLOGIA E DOENÇAS CIRCULATÓRIAS | Como eu trato 236 Na sua grande maioria dos casos, o paciente com pericardite aguda responde bem à terapia medicamentosa padrão; porém, em alguns casos, a intervenção cirúrgica ou percutânea se torna necessária. (tabela 5) INDICAÇÕES DE INTERVENÇÃO Volumoso derrame pericárdico com repercussão hemodinâmica, causando tamponamento cardíaco. Vários episódios de pericardite aguda sintomática recorrente, com ou sem derrame pericárdico associado. Evidências de pericardite constritiva. A drenagem pericárdica por cateter de longa duração é uma medida efetiva para se evitar o acúmulo de novo derrame pericárdico, podendo permanecer por vários dias até que sua drenagem seja menor que 20 a 30 ml/24 horas. As intervenções cirúrgicas, como a pericardiectomia, podem ser consideradas nos casos de pacientes muito sintomáticos que apresentem pericardite aguda recorrente muito frequente e refratários a tratamento medicamentoso.8 Outras situações, como repetidos episódios de derrame pericárdico, ocasionando tamponamento cardíaco e pericardite constritiva de aparecimento tardio, devem ser consideradas para tal procedimento. O risco de tamponamento cardíaco nestes pacientes é raro, sendo mais comum em pacientes com etiológicas específicas, como a pericardite tuberculosa, purulenta ou neoplásica. A janela pericárdica realizada pela técnica de cirurgia cardíaca convencional ou por videotoracoscopia demonstra uma menor incidência de derrames pericárdicos recorrentes quando comparados com a pericardiocentese e o cateter de drenagem de uso prolongado. Apesar de os pacientes com pericardite aguda viral ou idiopática apresentarem um bom prognóstico em longo prazo, quando estamos diante de um caso, a primeira conduta a ser tomada é a avaliação quanto ao ambiente onde o paciente será tratado. Assim, um eletrocardiograma, radiografia de tórax, exames laboratoriais como hemograma completo e troponina, e um ecocardiograma, podem ajudar a identificar pacientes de alto risco para complicações, e o tratamento deve ser realizado com o paciente hospitalizado. Assim, o tratamento da pericardite aguda, na grande maioria dos casos, responde a terapia com os medicamentos de primeira linha. Nos casos refratários e em algumas pericardites específicas, a prednisona pode ser uma opção aceitável e os procedimentos cirúrgicos e de intervenção ficam restritos aos casos refratários a terapia medicamentosa e no tratamento das complicações. 237 CARDIOLOGIA E DOENÇAS CIRCULATÓRIAS | Como eu trato Referência bibliográfica: 1. Imazio M, Demichelis B, Parrini I et al. Day-hospital treatment of acute pericarditis: a management program for outpatient therapy. J Am Coll Cardiol 2004; 43: 1042. 2. Imazio M, Cecchi E, Demichelis B et al. Indicators of poor prognosis of acute pericarditis. Circulation 2007; 115: 2739. 3. Lange RA, Hillis LD. Clinical practice. Acute pericarditis. N Engl J Med 2004; 351: 2195. 4. Imazio M, Trinchero R. Clinical management of acute pericardial disease: a review of results and outcomes. Ital Heart J 2004; 5: 803. 5. Permanyer-Miralda G, Sagristá-Sauleda J, Soler-Soler J. Primary acute pericardial disease: a prospective series of 231 consecutive patients. Am J Cardiol 1985; 56: 623. 6. Zayas R, Anguita M, Torres F et al. Incidence of specific etiology and role of methods for specific etiologic diagnosis of primary acute pericarditis. Am J Cardiol 1995; 75: 378. 7. Imazio M, Bobbio M, Cecchi E et al. Colchicine in addition to conventional therapy for acute pericarditis: results of the COlchicine for acute PEricarditis (COPE) trial. Circulation 2005; 112: 2012. 8. Maisch B, Seferović PM, Ristić AD et al. Guidelines on the diagnosis and management of pericardial diseases executive summary; The Task force on the diagnosis and management of pericardial diseases of the European society of cardiology. Eur Heart J 2004; 25: 587. 9. Adler Y, Zandman-Goddard G, Ravid M et al. Usefulness of colchicine in preventing recurrences of pericarditis. Am J Cardiol 1994; 73:916. 10. Imazio M, Bobbio M, Cecchi E et al. Colchicine as first-choice therapy for recurrent pericarditis: results of the CORE (COlchicine for REcurrent pericarditis) trial. Arch Intern Med 2005; 165: 1987. 11. Imazio M, Trinchero R, Brucato A et al. Colchicine for the Prevention of the Post-pericardiotomy Syndrome (COPPS): a multicentre, randomized, double-blind, placebo-controlled trial. Eur Heart J 2010; 31: 2749. 12. McGinn JT, Rosati M, McGinn TG. Indomethacin in treatment of pericarditis. N Y State J Med 1970; 70: 1783. 13. Lange RA, Hillis LD. Clinical practice. Acute pericarditis. N Engl J Med 2004; 351:2195. 14. Imazio M, Demichelis B, Parrini I et al. Recurrent pain without objective evidence of disease in patients with previous idiopathic or viral acute pericarditis. Am J Cardiol 2004; 94: 973. 15. Artom G, Koren-Morag N, Spodick DH et al. Pretreatment with corticosteroids attenuates the efficacy of colchicine in preventing recurrent pericarditis: a multi-centre all-case analysis. Eur Heart J 2005; 26: 723. 16. Imazio M, Brucato A, Cumetti D et al. Corticosteroids for recurrent pericarditis: high versus low doses: a nonrandomized observation. Circulation 2008; 118: 667. Dr. Bonno van Bellen (CRM 14563) Dra. Francine Corrêa de Carvalho (CRM 65930) Dr. Adilson Ferraz Paschôa (CRM 42525) Dr. Alexandre Gonçalves Sousa (CRM 79090) Profilaxia de TVP CARDIOLOGIA E DOENÇAS CIRCULATÓRIAS | Como eu trato 238 A trombose venosa profunda (TVP) e a consequente embolia pulmonar (EP), conjuntamente designadas tromboembolismo venoso (TEV), representam entidade nosológica altamente prevalente. Nos EUA, admite-se haver perto de 300.000 casos por ano, dados que em nosso país não estão disponíveis. O diagnóstico clínico da TVP é difícil, o que resulta no fato de que 30 a 50% dos casos não são diagnosticados na sua fase inicial, quando o risco da embolia pulmonar é maior. A mortalidade geral gira em torno dos 20% no paciente idoso, sendo que, quando ocorre a EP, este número sobe para 40%. Estudos de autópsia mostram que 10% dos óbitos hospitalares, quando não se pratica a profilaxia, sejam em decorrência do TEV. Estudos mostram que a profilaxia do TEV tem resultados muito significativos, levando a uma redução de 70%. Por outro lado, a profilaxia não é adequadamente utilizada na enorme maioria dos hospitais, não chegando a 50%, a despeito de indicação para fazê-la. A pouca utilização da profilaxia deve ocorrer por uma conjunção de múltiplos fatores, dentre os quais os principais provavelmente sejam a falta de conhecimento do alto risco do TEV, a falta de familiaridade com o uso dos anticoagulantes, o temor de seus efeitos colaterais, a incerteza quanto ao esquema de profilaxia a ser usado em pacientes específicos, e o simples esquecimento. A adequada profilaxia do TEV deve obedecer às diretrizes regional e internacionalmente preconizadas e levar em conta as características da doença que motivou a internação do paciente e a eventual intervenção cirúrgica à qual será submetido. Portanto, todo paciente internado deverá ter avaliado seu risco de desenvolver TEV. A profilaxia farmacológica é sempre considerada a mais eficaz. A profilaxia mecânica, na forma de dispositivos que promovam compressão intermitente da musculatura da panturrilha, deve ser considerada quando existe contraindicação de profilaxia farmacológica. Para efeitos práticos de determinação de risco, os pacientes são agrupados em clínicos ou cirúrgicos. Quanto aos pacientes clínicos, apesar de se poder considerar que qualquer paciente acima de 40 anos internado por acometimento clínico agudo deva ser submetido a profilaxia para TEV, costuma-se levar em conta os fatores de risco específicos elencados abaixo para utilizar alguma forma de heparina (Tabela 1). Ademais, recomenda-se que pacientes clínicos sem fatores de risco não sejam anticoagulados. A profilaxia é realizada com heparina não fracionada, 5.000 UI por via subcutânea (SC) ou heparina de baixo peso molecular (HBPM) SC uma vez ao dia. A enoxaparina é a HBPM mais utilizada em nosso meio. A deambulação deve ser estimulada assim que possível. A profilaxia mecânica deve ser considerada quando há contraindicação para profilaxia medicamentosa. Os pacientes cirúrgicos representam população peculiar no que tange à profilaxia. São agrupados em categorias de risco. Os de alto risco são representados por pacientes submetidos a cirurgia ortopédica de grande porte: artroplastia de quadril, joelho ou fratura de colo de fêmur. Nestes, a profilaxia deve ser feita com HNF 5.000 UI 8/8 h ou HBPM (enoxaparina) 40 MG SC uma vez ao dia. Nos casos específicos de prótese total de quadril ou de joelho, o fondaparinux, que é uma droga sintética de uso parenteral, que representa por analogia uma heparina de “ultra” baixo peso molecular, e novas drogas anticoagulantes de uso oral, inibidoras específicas do fator Xa e do fator IIa, também podem ser utilizadas nas dosagens descritas a seguir: Fondaparinux 2,5mg via SC uma vez ao dia Rivaroxabana 10mg VO uma vez ao dia, Dabigatrana 110 mg VO duas vezes ao dia; em pacientes com mais de 65 anos, 75 mg VO duas vezes ao dia. Apixabana 2,5 mg duas vezes ao dia Nos casos em que o anticoagulante é contraindicado ou não é disponível, recomenda-se compressão intermitente, meia elástica ou aspirina. É importante ressaltar que a profilaxia nas grandes cirurgias ortopédicas deve se estender no pós-operatório mesmo fora do hospital por 14 a 35 dias. Em várias situações, os pacientes com câncer que deverão ser submetidos a tratamento cirúrgico também pertencem à categoria de doentes de alto risco. No entanto, nessa condição, a profilaxia deve ser feita preferencialmente com a HBPM, não estando as novas drogas de uso oral disponibilizadas para essa indicação. AVC Câncer (no paciente com câncer que sai do ambiente hospitalar, a profilaxia deve ser mantida se houver fator de risco adicional) Acesso venoso central Doença inflamatória intestinal Doença respiratória grave Gravidez ou pós-parto Doença reumatológica aguda História prévia de TEV IAM ICC classe III ou IV Idade ≥ 55 anos Infecção (exceto torácica) Insuficiência arterial Internação em UTI Obesidade Paralisia/paresia de MMII Quimio/hormonioterapia Reposição hormonal/contracepção Síndrome nefrótica Existem condições especiais que devem ser consideradas quando se prescreve drogas profiláticas: na insuficiência renal, com clearance de creatinina menor que 30 ml/min, a dose deve ser reduzida em 50% e não se deve usar a Rivaroxabana, Dabigatrana, Apixabana e Fondaparinux, já que estas drogas não foram testadas nesse tipo de paciente. 239 CARDIOLOGIA E DOENÇAS CIRCULATÓRIAS | Como eu trato Os de risco moderado são representados pela maioria das operações abertas, tanto geral, quanto urológica e ginecológica. Nestes casos, a profilaxia é feita em doses menores: HNF 5.000 UI 12/12 h ou HBPM (enoxaparina) 20 mg SC uma vez ao dia e, quando possível, associado a métodos mecânicos. Os casos de baixo risco são representados por procedimentos cirúrgicos menores e com deambulação normal, cirurgia laparoscópica e artroscopia de joelho. Nestes casos, as medidas não farmacológicas são consideradas suficientes: deambulação, drenagem postural, meia antitrombótica. Caso exista algum dos fatores de risco mencionados na tabela abaixo, o paciente é considerado de risco moderado e as medidas profiláticas são tomadas como mencionado anteriormente. O mesmo acontece nos pacientes com peso abaixo de 50 kg. Nos pacientes obesos, com índice de massa corpórea acima de 30 kg/m2, a dose apropriada não está bem estabelecida, mas habitualmente é aumentada em 50%. É fundamental avaliar as contraindicações para terapia profilática farmacológica. Dentre elas, se destacam as relacionadas na tabela abaixo. Nestes casos, deve-se considerar a profilaxia mecânica: compressão intermitente ou por meia elástica. Hemorragia ativa Plaquetopenia induzida pela heparina Trauma grave craniano, coluna ou extremidades com sangramento nas últimas quatro semanas Coleta de liquor há menos de 24 horas Craniotomia ou cirurgia ocular nas últimas duas semanas Trombocitopenia (plaquetas < 100 mil) Coagulopatia ou uso de warfarina com INR > 1,5 Hipertensão arterial não controlada (>200 x 120) Outra situação especial diz respeito ao paciente com cateter epidural ou no qual foi feita punção raquidiana. CARDIOLOGIA E DOENÇAS CIRCULATÓRIAS | Como eu trato 240 Pacientes recebendo HNF (5.000 UI a cada 12 h - Esperar quatro a seis horas após a dose de HNF para colocar ou remover cateter - Iniciar profilaxia com HNF duas a quatro horas após colocar ou remover cateter Pacientes recebendo HBPM em dose profilática - Administrar a última dose até 12 horas antes do procedimento cirúrgico - Esperar 12 a 24 horas após a dose de HPBM antes de remover o cateter - Iniciar a profilaxia com HBPM duas a quatro horas após a remoção do cateter - Iniciar a profilaxia com HBPM 12 a 24 horas após procedimento espinhal com única punção Pacientes recebendo anti Xá ou anti IIa - Respeitar o tempo de duas meias vidas da medicação para a remoção do cateter e a medicação pode ser reintroduzida seis a oito horas após a retirada do cateter O filtro de veia cava para profilaxia da embolia pulmonar somente deve ser indicado quando há contraindicação para uso de anticoagulante ou quando o anticoagulante se mostrou ineficaz. Referências Bibliográficas 1. Susan R. Kahn, Wendy Lim, Andrew S. Dunn, Mary Cushman, Francesco Dentali, Elie A. Akl, Deborah J. Cook, Alex A. Balekian, Russell C. Klein, Hoang Le, Sam Schulman, and M. Hassan Murad. Prevention of VTE in Nonsurgical Patients: Antithrombotic Therapy and Prevention of Thrombosis, 9th ed: American College of Chest Physicians Evidence-Based Clinical Practice Guidelines. Chest February 2012 141:2 suppl 195S-e226S; doi:10.1378/chest.11-2296. 2. Michael K. Gould, David A. Garcia, Sherry M. Wren, Paul J. Karanicolas, Juan I. Arcelus, John A. Heit, and Charles M. Samama. Prevention of VTE in Nonorthopedic Surgical Patients: Antithrombotic Therapy and Prevention of Thrombosis, 9th ed: American College of Chest Physicians Evidence-Based Clinical Practice Guidelines. Chest February 2012 141:2 suppl e227S-e277S; doi:10.1378/chest.11-2297. 3. Yngve Falck-Ytter, Charles W. Francis, Norman A. Johanson, Catherine Curley, Ola E. Dahl, Sam Schulman, Thomas L. Ortel, Stephen G. Pauker, and Clifford W. Colwell, Jr Prevention of VTE in Orthopedic Surgery Patients: Antithrombotic Therapy and Prevention of Thrombosis, 9th ed: American College of Chest Physicians Evidence-Based Clinical Practice Guidelines. Chest February 2012 141:2 suppl e278S-e325S; doi:10.1378/chest.11-2404. Dra. Elizabeth Sartori Crevellari (CRM 64227) Dr. Caio Albertine (CRM 116763) Dr. Rafael Greco (CRM 113033) Quando indicar o uso do marcapasso definitivo? Nos últimos anos, milhares de dispositivos cardíacos eletrônicos têm sido implantados em todo o mundo, incluindo marcapassos, ressincronizadores e desfibriladores cardíacos, proporcionando uma melhora na qualidade de vida de pacientes, diminuindo a mortalidade em situações especiais e oferecendo suporte para o tratamento de várias cardiopatias. Sempre que possível, recomenda-se lançar mão de toda ferramenta diagnóstica disponível (teste ergométrico, Holter, monitor de eventos, tilt teste, ecocardiograma, entre outros) para tentar estabelecer uma relação de causa e efeito entre os sintomas e as manifestações eletrocardiográficas apresentadas. INDICAÇÕES 1- Doença do nó sinusal (DNS) Disfunção do nó sinusal compreende uma gama de manifestações eletrocardiográficas; bradicardia sinusal, bloqueios sinoatriais, pausas sinusais, parada sinusal, ritmos de suplência variados, incompetência cronotrópica, fibrilação atrial ou flutter de baixa resposta ventricular ou alternância de ritmos bradicárdicos com episódios de taquiarrritmias supraventriculares (síndrome bradi-taqui). Quando essas manifestações são acompanhadas de sintomas (palpitações, tonturas, síncopes, lipotímias, dispneia) relacionados a esses distúrbios do ritmo, estamos diante da doença do nó sinusal (DNS). Em linhas gerais, indica-se o implante de marcapasso apenas na DNS, com manifestações documentadas de síncopes, pré-síncopes ou tonturas, espontâneas, irreversíveis ou relacionadas à fármacos necessários e insubstituíveis, ou sintomas de insuficiência cardíaca relacionados à bradicardia. 2- Bloqueios atrioventriculares (BAV) a. Bloqueio AV de 1° grau Em geral são nodais, apresentando comportamento benigno na maioria das vezes. Quando o prolongamento do PR é expressivo (>350ms) pode produzir sintomas pela perda de sincronia entre as contrações atrial e ventricular. Se irreversível, na presença de síncopes, pré-síncopes, de localização intra ou infra-His e com agravamento por 241 CARDIOLOGIA E DOENÇAS CIRCULATÓRIAS | Como eu trato INTRODUÇÃO estimulação atrial ou teste farmacológico, poderá ser necessário o marcapasso definitivo. b. Bloqueio AV de 2° grau Geralmente, há necessidade de marcapasso para bloqueios AV de 2° grau tipo II e BAV avançado. c. Bloqueio AV de 3° grau Quando congênitos, geralmente há indicação se acompanhados de qualquer uma das características: QRS largo, arritmias cardíacas ou QT longo, cardiomegalia ou incompetência cronotrópica. Quando adquiridos, deverá ser implantado o marcapasso definitivo, salvo em condições de reversibilidade, como secundário a medicações não necessárias ou substituíveis, processo inflamatório ou isquêmico agudo ou cirurgia cardíaca recente (com menos que 15 dias de evolução). 3- Bloqueios intraventriculares (BIV) Pacientes com BIV e síncope em geral devem ser estratificados com estudo eletrofisiológico (EEF) para elucidação do mecanismo sincopal e decisão sobre o dispositivo apropriado; marcapasso ou cardiodesfibrilador. Em geral, apresentam substrato para desenvolvimento tanto de bradiarritmias como taquiarritmias. Há indicação se houver bloqueio de ramo bilateral alternante documentado com síncopes, pré-síncopes ou tonturas de repetição. Há também indicação em pacientes sintomáticos com achado de intervalo HV>70ms ou bloqueio intra ou infrahissiano induzido durante EEF. Quando houver intervalo HV > 100ms espontâneo, já existe indicação, mesmo em pacientes assintomáticos. CARDIOLOGIA E DOENÇAS CIRCULATÓRIAS | Como eu trato 242 4- Síndromes neuromediadas (SNM); síndrome do seio carotídeo (SSC) e síncope neurocardiogênica Nas síndromes neuromediadas, indicamos marcapasso quando há síncope associada a importante componente cardioinibitório documentado, refratária a tratamento com medidas gerais e farmacológicas. Na síndrome do seio carotídeo, existe indicação quando houver síncope recorrente em situações cotidianas envolvendo a estimulação do seio carotídeo com assistólia documentada > 3s, na ausência de mediações depressoras do ritmo cardíaco ou quando estas são necessárias e insubstituíveis. Também poderá ser indicado nas situações em que a síncope é de etiologia indefinida, mas há resposta cardioinibitória importante à MSC. Em ambas as situações, o exame de teste de inclinação (tilt table test) é de grande importância para o diagnóstico claro destes sintomas, e para confirmar a indicação do marcapasso. 5- Algumas situações especiais: Cardiomiopatia hipertrófica obstrutiva (CMHO). Pacientes sintomáticos refratários ao tratamento medicamentoso, e não candidatos à miectomia septal cirúrgica ou ablação alcoólica percutânea do septo, podem se beneficiar do implante de marcapasso definitivo quando não forem candidatos ao implante de CDI (classe IIb nas diretrizes brasileiras). Síndrome do QT longo congênito. O marcapasso definitivo tem indicação quando o paciente apresentar bradiarritmia sintomática concomitante (DNS ou BAV) primária ou secundária ao uso de betabloqueadores (principal tratamento medicamentoso) ou taquicardia ventricular pausa-dependente quando não for candidato ao implante de cardiodesfibrilador. Em outras raras situações, como nas síndromes do QT curto, de Brugada, TV catecolaminérgica ou outras canalopatias, há necessidade de discussão caso a caso com o especialista em arritmias e marcapasso. Bibliografia: 1- Martinelli Filho M, Zimmerman Li, Lorga AM, Vasconcelos JTM, Rassi A Jr. Diretrizes Brasileiras de Dispositivos Cardíacos Eletrônicos Implantáveis (DCEI). Arq Bras Cardiol 2007; 89 (6): e210-e238. 2- Epstein AE, Di Marco JP, Ellenbogen KA, ACC/AHA/HRS 2008 Guidelines for Device-Based Therapy of Cardiac Rhythm Abnormalities: A Report of the American College of Cardiology/American Heart Association Task Force on Practice Guidelines (Writing Committee to Revise the ACC/AHA/NASPE 2002 Guideline Update for Implantation of Cardiac Pacemakers and Antiarrhythmia Devices). J. Am. Coll. Cardiol. 2008; 51; e1-e62. 3- Vardas PE, Auricchio A, Blanc JJ, Guidelines for cardiac pacing and cardiac resynchronization therapy. The Task Force for Cardiac Pacing and Cardiac Resynchronization Therapy of the European Society of Cardiology. Developed in Collaboration with the European Heart Rhythm Association. Eur Heart J. 2007 Sep; 28(18):2256-95. CARDIOLOGIA E DOENÇAS CIRCULATÓRIAS | Como eu trato 243 Dra. Janice Caron Nazareth (CRM 27717) Sincope CARDIOLOGIA E DOENÇAS CIRCULATÓRIAS | Como eu trato 244 Diferentemente de muitas doenças, a síncope é um fenômeno que congrega vários mecanismos fisiopatológicos, muitas vezes coexistentes, sendo essa percepção e esclarecimento a chave da condução do tratamento, que nos leva a cumprir três importantes objetivos: 1) prolongar a sobrevida; 2) limitar os ferimentos decorrentes das quedas; 3) evitar as recorrências, melhorando a qualidade de vida. Para isso, é primordial relembrar o fenômeno básico que a desencadeia a perda transitória de consciência e tônus postural, por redução reversível do fluxo sanguíneo cerebral, que ocorre por queda da pressão arterial sistêmica, por diminuição ou grande aumento da frequência cardíaca, obstrução do fluxo sanguíneo encefálico em artérias dos vasos cervicais, principalmente das artérias vertebrais, ou da base cerebral. Tendo isso em mente, devem-se valorizar os dados de anamnese, as observações de quem presenciou o episódio sincopal e a presença ou não de ferimentos, informações que nos permitem afastar os casos de hipoglicemia, convulsões, quedas por outras causas, simulações ou distúrbios psiquiátricos (cujo arsenal terapêutico é bem diverso), e nos levar ao caminho certo. Por ser muito mais frequente e grave nos idosos, ainda que possa acometer indivíduos jovens e/ou normais, é preferível, para o manuseio adequado, separar os pacientes em diferentes grupos: 1- Indivíduos de qualquer idade, com fator pontual evidente de hipotensão (sangramento, desidratação, infecção, uso de álcool e/ou medicamento hipotensor) – Estes só necessitam reposição volêmica e correção dos fatores desencadeantes, o que pode ser feito em regime domiciliar ou na emergência, sem necessidade de investigação posterior. 2- Indivíduos jovens com quadros de repetição, com pródromos e sem graves consequências, como quedas e ferimentos – Geralmente portadores de síncope neuromediada (reflexa), beneficiam-se apenas da orientação e educação sobre a prevenção: a) manter hidratação abundante constante, assim como ingestão salina adequada; b) evitar as situações que costumam levar ao quadro sincopal (estresse, quando este estiver nitidamente relacionado, calor excessivo, água muito quente, lugares fechados, muito cheios ou muito quentes como saunas, ortostatismo prolongado, dores agudas, vômitos e fenômenos vagais em geral, desidratação, uso de drogas hipotensoras, inclusive o álcool, diuréticos e analgésicos); c) quando perceber os pródromos, sentar ou deitar imediatamente, se possível com contração de membros ou elevação de membros inferiores: d) fazer exercícios regulares, pois os aeróbicos modulam o sistema nervoso autônomo (SNA) e a musculação melhora o retorno venoso; e) “tilt training” – reeducação da posição ortostática por períodos progressivamente mais longos, com auxílio de apoio; f) evitar mudanças bruscas de posição, como ao levantar da cama, principalmente pela manhã, fazendo-o em vários tempos. Apesar de serem várias as opções, não há trabalhos de grande porte, com grupos-controle, ou evidências clínicas muito animadoras com nenhuma dessas drogas, daí a importância da experiência do profissional, que as deverá conhecer bem e estar atento para os detalhes de cada caso. 4- Indivíduos com síncope neuromediada cardioinibitória e bradicardia severa ou assistolia prolongada – São, em geral, mais idosos (podem ser jovens, mais raramente), como na síndrome do seio carotídeo, com pausas prolongadas, colocando a vida em risco. Nestes casos, após a comprovação das pausas (sintomáticas e/ou maior que três segundos), por ECG, tilt test ou manobra de compressão do seio carotídeo, indica-se a colocação de marca-passo, com estimulação atrial e ventricular. 5- Indivíduos, geralmente idosos, com hipotensão postural por disautonomia – Geralmente, oferecem grande dificuldade para serem controlados e apresentam alto risco de ferimentos por quedas frequentes, mesmo quando só ocorrer lipotímia, por sua menor agilidade e força, pela idade e doenças sistêmicas debilitantes. A hipertensão arterial sistêmica dificulta o uso de drogas hipertensoras, causando conflitos pelo aumento da pressão arterial supina ou, mais ainda, pela dificuldade no entendimento, por parte de pacientes e familiares, da necessidade de se manter níveis mais elevados, para evitar queda pressórica importante ao levantar. Todas as cinco medidas preventivas acima citadas para os casos de síncope reflexa são importantes, acrescidas da orientação para usar decúbito elevado, minimizando a queda pressórica ao levantar, assim como meias elásticas, para melhora do retorno venoso. As opções medicamentosas são os antidepressivos (lembrando que podem causar hiponatremia) e a fludrocortisona, como no grupo acima, com atenção redobrada para a possibilidade de alteração hidroeletrolítica (hipopotassemia, hipernatremia, retenção hídrica com piora da ICC), mais frequente nos idosos. Outras opções terapêuticas são: midodrine (alfabloqueador), de 5-20 mg até três vezes ao dia, durante o período em que ficar em posição ereta, ou piridostigmina 30-60 mg, três vezes ao dia. Nessa faixa etária, também podem existir obstruções das artérias cervicais ou da base cerebral, ou roubo de fluxo 245 CARDIOLOGIA E DOENÇAS CIRCULATÓRIAS | Como eu trato 3- Indivíduos mais jovens, com síncope nitidamente neuromediada, que não apresentam pródromos que favoreçam manobras pra abortar o quadro, ou aqueles com repercussão importante, quer pelos ferimentos das quedas, quer pelo comprometimento da qualidade de vida ou pela presença de atividades que ofereçam alto risco – Para esses, além das medidas acima descritas, cabe uma opção medicamentosa, que será escolhida seguindo alguns critérios: a) para aqueles com labilidade pressórica e frequência cardíaca abaixo de 60, sem antecedentes de broncoespasmo, o uso de betabloqueadores costuma ser a melhor escolha; as doses iniciais serão pequenas (25 mg de atenolol ou metoprolol, 20 mg de propranolol) e aumentadas até a dose ideal, se houver resposta parcial; b) para os que apresentam nítidos sinais de distúrbio do humor (ansiedade ou tendência depressiva), ou que passam por estresse emocional e aqueles com pressão e/ou FC muito baixas (< 10x6 e 60), a escolha recai sobre os antidepressivos, principalmente os inibidores de recaptação de serotonina, pela sua menor incidência de efeitos colaterais importantes (as doses são, em geral, pequenas – paroxetina 20 mg, sertralina 50 mg, fluoxetina 20 mg, citalopran 20 mg, excitalopran 10 mg, venlafaxina 37,5 mg), lembrando que, quanto maior o efeito noradrenérgico, maior a possibilidade de arritmias), podendo-se, também, usar os tricíclicos, principalmente a amitriptilina, considerando-se que, apesar de seus frequentes efeitos colaterais, estes não são tão evidentes na dose aqui usada (12,5 a 25 mg), geralmente bem menor do que aquelas necessárias para casos de depressão estabelecida; c) para os que têm pressão arterial muito baixa, principalmente se a hiponatremia coexistir, o uso de mineralocorticoides é o ideal (fludrocortisona 0,1 mg, meio a dois comprimidos/dia, preferindo-se doses matutinas e vespertinas, quando os pacientes exercem mais atividades), lembrando da possibilidade de hipopotassemia decorrente do seu uso). por obstrução das artérias. subclávias, situações em que se orienta evitar os movimentos correlacionados com a piora do fluxo cerebral, modificação das drogas hipotensoras ou, até, lançar mão de correções cirúrgicas ou percutâneas das obstruções, quando necessário. 6- Indivíduos com histórico de morte súbita familiar ou cuja síncope não ocorre em posição ortostática ou com cardiopatias prévias ou sugeridas à investigação inicial – Destacados por apresentarem alto risco de morte súbita, razão pela qual devemos identificá-los e tratá-los de maneira rápida e eficaz, se possível em regime de internação. Podem apresentar: distúrbios do ritmo cardíaco com taquicardia (que demandam o uso de antiarrítmicos adequados, ablação ou, até, desfibrilador implantável); distúrbios do ritmo com bradicardia (que são tratados com a suspensão de drogas bradicardizantes e, quando não for suficiente, com implante de marca-passo); obstruções de valvas cardíacas e coronárias ou tumores intracardíacos, que deverão ser removidos; doenças do miocárdio (dilatadas ou hipertróficas), geralmente muito difíceis de serem manipuladas com medicamentos ou procedimentos invasivos, sendo, com frequência, indicadas para desfibrilador implantável. Nessa categoria, situam-se, os pacientes com doenças dos grandes vasos (tromboembolismo pulmonar, aneurisma de aorta), que deverão ter abordagem específica e rápida. Vê-se, portanto, que o manejo correto da síncope requer atuação adequada desde a primeira abordagem, sem exageros propedêuticos e terapêuticos, mas com especial atenção para identificar os pacientes com maior risco, para os quais se devem dirigir esses recursos e os quais devem ser encaminhados a profissionais treinados. CARDIOLOGIA E DOENÇAS CIRCULATÓRIAS | Como eu trato 246 Referências - European Heart Society: Guidelines for the diagnosis and management of syncope (version 2009): European Heart Journal (2009) 30, 2631-2671. -Michele Brignole: Diagnosis and Treatment of Syncope; Heart 2007; 93: 130-136.doi: 10.1136/hrt.2005.080713 -American Heart Association, Inc., and the American College of Cardiology Foundation; AHA/ACCF Scientific: Statement on the Evaluation of Syncope; J Am Coll Cardiol 2006; 47: 473-84 -Rajat Jhanjee, M.D; Syncope in Adults: Terminology, Classification, and Diagnostic Strategy; PACE, October 2006, Vol. 29: 1160-1169. Dr. Marcelo Ferraz Sampaio (CRM 58952) Dra. Ana Denise Zazula (CRM 127890) Dra. Lara Reinel de Castro (CRM 106081) Síndromes coronarianas agudas: visão do clínico A abordagem do paciente com suspeita de síndrome coronariana no pronto socorro baseia-se no exame clínico (anamnese/exame físico), eletrocardiograma (ECG) e marcadores de necrose miocárdica. Nenhum desses critérios isoladamente fornece uma abordagem segura e eficaz. O exame clínico e os dados do ECG permitem avaliar o risco de o paciente ter Síndrome Coronariana Aguda (SCA), ou seja, estratificá-lo em alta, média e baixa probabilidade de ter a doença. Tabela 1 – Risco de SCA Probabilidade alta (PA) Dor definitivamente ou provavelmente anginosa. Alterações hemodinâmicas na vigência de dor. Alterações dinâmicas do segmento ST e onda T. Supradesnível ≥ 1 mm, infradesnível ≥ 0,5 mm ou inversão simétrica da onda T em múltiplas derivações. Probabilidade intermediária (PI) Dor provavelmente não anginosa em pacientes com dois ou mais fatores de risco. Dor provavelmente não anginosa em pacientes com doença vascular extracardíaca, diabéticos ou história prévia de doença coronariana. Depressão de ST < 0,5 mm, inversão de T ou onda Q patológica. Probabilidade baixa (PB) Dor provavelmente não anginosa com apenas um fator de risco de DAC que não diabetes e doença vascular extracardíaca. ECG normal. Onda T achatada ou invertida < 1 mm. Aqueles com alta probabilidade necessitam de internação para diagnóstico e terapêutica, sendo que os pacientes com SCA com supra de ST devem ser avaliados imediatamente com relação à terapia de reperfusão. Aqueles de baixa probabilidade podem até serem avaliados ambulatorialmente, desde que com brevidade. A dúvida maior reside naqueles com probabilidade intermediária, para quem, após avaliação inicial, pode-se lançar mão de 247 CARDIOLOGIA E DOENÇAS CIRCULATÓRIAS | Como eu trato As doenças cardiovasculares representam globalmente a principal causa de mortalidade para ambos os sexos. No Brasil, entre 1995 a 2005, ocorreu aumento de 61% do número de internações hospitais por infarto agudo do miocárdio. O alto custo do tratamento destas condições acrescenta um caráter preocupante para países em desenvolvimento, em que a incidência e a prevalência do infarto agudo do miocárdio são crescentes.1 protocolos de dor torácica. Estes consistem em avaliação sequencial clínica, eletrocardiográfica e enzimática, com ECG e marcadores de necrose miocárdica a cada três horas, com repetição do ECG se houver dor novamente. Um seguimento mínimo de nove horas do inicio dos sintomas pode ser requerido, para que possamos identificar quem pode ser liberado para posterior seguimento ambulatorial e quem necessita de complementação da investigação em ambiente hospitalar. Feito o diagnóstico de SCA sem supra de ST, a estratificação do risco coronariano a partir de escores nos permite estimar determinantes prognósticos destes pacientes e traçar estratégias de tratamento. Modelos simples como o TIMI-Risk3 ou a Classificação do American College of Cardiology são amplamente disponíveis, contudo outros escores como GRACE4 e PURSUIT5 podem ser úteis (vide fluxograma abaixo). Tratamento e medicações adjuntas Os pacientes com SCA devem receber medidas iniciais ao quadro simultaneamente à estratificação de risco. Está indicado repouso no leito, monitoração eletrocardiográfica, AAS, oxigênio com cateter nasal para manter saturação acima de 94%, obtenção de um acesso venoso central e analgesia com morfina, se necessário. Doses, efeitos colaterais e demais detalhes de cada medicação serão descritos ao final deste parágrafo de modo esquemático para facilitar a consulta. A terapia anti-isquêmica inclui a administração de nitratos, inicialmente sublingual e, caso não haja rápido alivio da dor, pode ser endovenosa; uso de betabloqueador, iniciando em doses baixas naqueles pacientes estáveis, e administração endovenosa para aqueles com dor isquêmica refrataria e/ou taquiarritmias, e os bloqueadores de canal de cálcio restringem-se às contraindicações aos betabloqueadores, angina vasoespástica ou isquemia refratária; relembrando que os nitratos não agem sobre a mortalidade, funcionando como medicação para alívio dos sintomas. O AAS está indicado para todos os pacientes, exceto se houver histórico de alergia ou sangramento gastrointestinal ativo. Fluxograma do manejo das SCA CARDIOLOGIA E DOENÇAS CIRCULATÓRIAS | Como eu trato 248 Adaptado Nicolau, 2010.6 O clopidogrel deve ser associado ao AAS. Recentemente, a dose de ataque passou de 300 para 600 mg em pacientes abaixo de 75 anos que têm SCA com supra ST, e aqueles de risco médio e alto das SCA sem supra ST.7 Os inibidores da glicoproteína IIb/IIIa mostraram benefício em algumas situações, lembrando que estes estudos foram desenvolvidos sem o uso rotineiro de tienopiridínicos na chegada ao hospital. Nos casos de síndrome coronariana sem supra de ST em que foi indicada estratégia invasiva precoce, o abciximab é classe I para pacientes de alto risco que não usaram tienopiridínicos e classe IIb para quem utiliza associação AAS + clopidogrel. Já na estratégia conservadora para os pacientes de alto risco, o uso do tirofiban é classe IIa na terapêutica isolada e considerado classe IIb em caso de associação do AAS + tienopiridínico. O uso rotineiro, mesmo naqueles com risco intermediário, é classe III.8 Nos pacientes que têm infarto agudo do miocárdio (IAM) com supra de ST, o abciximab é considerado classe I para aqueles submetidos a angioplastia coronariana percutânea (ATC) primária com balão; já naqueles com implante de stent em lesão com alto risco de trombose, é classe IIa, e seu uso rotineiro ou como terapia isolada é considerado classe III.9 Deste modo, a tríplice antiagregação plaquetária ainda é motivo de controvérsia, e o seu uso rotineiro ainda não tem suporte nas evidências disponíveis. A anticoagulação deve ser realizada para todos aqueles com SCA sem supra de ST de risco intermediário ou alto, assim como naqueles com IAM com supra de ST. Cuidados adicionais são requeridos nos pacientes idosos e renais crônicos; deve-se ainda evitar a troca de heparinas durante o tratamento, pois tal condição pode aumentar o risco de sangramento.10 Recentemente, foi liberado o uso do fondaparinux para SCA sem supra de ST, porém com aumento na incidência de trombose de cateter.11 O uso de estatinas está indicado para início em até 24 horas do evento inicial, assim como o uso de inibidores da enzima de conversão da angiotensina ( ECA), pois mostraram redução nos desfechos cardiovasculares quando introduzidos neste período. O objetivo principal no tratamento do IAM com supra de ST é a recanalização dentro de 12 horas. Após a avaliação inicial, devem-se avaliar os critérios para a reperfusão, seja ela química ou percutânea, objetivando um tempo porta-agulha de 30 minutos (fibrinolíticos) ou porta-balão de 90 minutos (angioplastia). Há três fibrinolíticos disponíveis no Brasil: estreptoquinase, alteplase (rt-PA) e tenecteplase (TNK). A diretriz brasileira de infarto com supra de ST determina as heparinas como classe I, tanto a de baixo peso molecular quanto a não fracionada, associadas ao fibrinolítico.9 Contudo, seu uso merece atenção, especialmente no que tange no tempo ideal para iniciar a pós-fibrinólise, pois esta associação mostrou aumentar o risco de sangramento. Aspectos referentes às dosagens e contraindicações estão resumidos abaixo.12 Terapia Medicamentosa AAS 160 a 325 mg Contraindicações: Alergia conhecida, sangramento gastrointestinal ativo. Morfina Dose inicial de 2 a 4mg EV com dose adicional de 2 a 8 mg, em intervalos de 5 a 15 minutos. Indicado para dor contínua, que não responde aos nitratos. Contraindicações: PAS < 90mmHg; Infarto de VD Nitrato Dose SL: Dinitrato de isossorbida (Isordil™) 5 mg até três doses de três a cinco minutos. Dose EV: Nitroglicerina: bolus de 12,5-25mcg/kg/min. e manutenção de 10 mcg/kg/min., com aumento a cada três a cinco minutos. Indicado para dor isquêmica, manuseio da hipertensão arterial e congestão pulmonar. Contraindicações: PAS < 90 mmHg; FC < 50 ou > 100 bpm na ausência de IC; Infarto de Ventrículo direito; Sidenafil ou similares (24 a 48h). CARDIOLOGIA E DOENÇAS CIRCULATÓRIAS | Como eu trato 249 Trombolíticos Estreptoquinase (1.500.000 em 100 ml de SF 0,9% em 30-60 min.). rt-PA: 15 mg bolus + 0,75 mg/kg em 30 min. + 0,5 mg/kg em uma hora. Dose máxima: 100 mg Tenecteplase: bolus único de acordo com o peso. Contraindicações absolutas: o Acidente vascular hemorrágico (AVCh) em qualquer tempo o Malformação arteriovenosa o Neoplasia intracraniana oAcidente vascular isquêmico (AVCi) últimos três meses o TCE últimos três meses o Suspeita de dissecção de aorta o Sangramento interno ativo Clopidogrel Pacientes < 75 anos com SCA com indicação de trombólise: 300 mg (ataque) + 75 mg (manutenção). Pacientes < 75 anos com SCA com SST, SCA sem SST de risco alto e moderado com indicação de angioplastia: 300-600 mg (ataque) + 150 mg (1° dia) + 75 mg (manutenção). Inibidores de Glicoproteína IIb/ IIIa Abciximab: Bolus de 0,25 µg/kg + manutenção de 0,125 µg/kg (em 12h) Tirofiban: Bolus de 0,4 µg/kg/min. (30 min.) + manutenção de 0,1 µg/kg/min. (em 48 a 96h) CARDIOLOGIA E DOENÇAS CIRCULATÓRIAS | Como eu trato 250 Heparina de Baixo Peso Molecular < 75 anos com SCA com supra ST e sem disfunção renal significativa: dose ataque 30 U EV + 1 mg/kg SC, de 12/12 horas. > 75 anos com SCA: 0,75 mg/kg,k de 12/12 horas. Insuficiência Renal: 1 mg/kg/dia. Heparina não fracionada Ataque: 60 U/kg (máximo de 4000 U). Manutenção: 12 U/kg/h (máximo de 1000 U/h). Fondaparinux Ataque: bolus 2,5 mg EV. Manutenção: 2,5 mg SC, uma vez ao dia. I-ECA Ramipril: 2,5 mg, duas vezes ao dia Captopril: 6,125 mg (primeira dose), depois 12,5 mg, duas vezes ao dia. Enalapril: 2,5 mg, duas vezes ao dia. Betabloqueador Dose inicial VO: o Propanolol 20 mg, três vezes ao dia o Metoprolol: 25 mg, duas vezes ao dia o Atenolol: 25 mg, uma vez dia Carvedilol: 3,125 mg, duas vezes ao dia Bloqueador de Canal de Cálcio Diltiazem: 30 mg, de 8/8 horas. Verapamil: 80 mg, de 8/8 horas. Nifedipina R: 10 a 20 mg três vezes ao dia. Anlodipina 5-10 mg ao dia. Dose EV: metoprolol 5 mg (máximo de 15 mg). Estatinas Sinvastatina 40 mg ou atorvastatina 80 mg. 251 CARDIOLOGIA E DOENÇAS CIRCULATÓRIAS | Como eu trato Referências: 1. Indicadores de Saúde. [http://www.datasus.gov.br] 2. Braunwald E et al. Diagnosing and managing unstable angina. Agency for Health Care Policy and Research. Circulation 1994; 90: 613-22. 3. Antman EM, Cohen M, Bernink PJL et al. The TIMI risk score for unstable angina/non-ST-elevation myocardial infarction:A method for prognostication and therapeutic decision making. JAMA 2000; 284: 835-842. 4. Eagle KA, Lim MJ, Dabbous OH et al. GRACE Investigators. A validated prediction model for all forms of acute coronary syndrome: estimating the risk of 6-month postdischarging death in an international registry. JAMA 2004; 291: 2727-33. 5. Boersma E, Pieper KS, Steyerberg EW et al for the PERSUIT Investigators. Predictors of outcome in patients with acute coronary syndromes without persistent ST-elevation. Results from an international trial of 9461 patients. Circulation 2000; 101: 2557-67. 6. Nicolau JC, Tarasoutchi, Vieira da Rosa L et al. Condutas Práticas em Cardiologia. Manole, 2010. 7. Mehta SR, Tanguay JF, Eikelboom JW et al for the CURRENT-OASIS 7 trial investigators. Double-dose versus standard-dose clopidogrel and high-dose versus low-dose aspirin in individuals undergoing percutaneous coronary intervention for acute coronary syndromes (CURRENT-OASIS 7): a randomised factorial trial. Lancet 2010; 376: 1233-1243. 8. Nicolau JC, Timerman A, Piegas LS et al. Guidelines for Unstable Angina and Non-ST Segment Elevation Myocardial Infarction of the Brazilian Society of Cardiology (II Edition, 2007). Arq Bras Cardiol 2007; 89(4) e89-e131. 9. Piegas S, Feitosa G, Mattos LA et al. Sociedade Brasileira de CArdiologia. Diretriz da Sociedade Brasileira de Cardiologia sobre Tratamento do Infarto Agudo do Miocárdio com Supradesnível do Segmento ST. Arq Bras Cardiol. 2009; 93(6 supl2): e179-e264. 10. Ferguson JJ, Callif RM, Antman EM et al. Enoxaparin vs unfractionated heparin in high-risk patients with non-ST-segment elevation acute coronary syndromes managed with an intended early invasive strategy: primary results of the SYNERGY randomized trial. JAMA, 2004; 292: 45-54. 11. Yusuf S, Mehta SR, Chrolavicius S et al. Comparison of fondaparinux and enoxaparin in acute coronary syndromes. N Engl J Med, 2006; 354: 1464-147. 12. O’Connor RE, Brady W, Brooks SC et al. Acute Coronary Syndromes. American Heart Association Guidelines for Cardiopulmonary Ressucitation and Emergency Cardiovascular Care. Circulation, 2010; 122: S787-8 Dr. Marco Aurélio de Magalhães (CRM 99645) Dr. Eberhard Grube (CRM 144015) Síndromes coronarianas agudas: visão do intervencionista CARDIOLOGIA E DOENÇAS CIRCULATÓRIAS | Como eu trato 252 Introdução/Epidemiologia: Análises de séries temporais dos últimos 30 anos apontam para uma redução da taxa (intensidade) da mortalidade pela doença arterial coronariana na maioria dos países desenvolvidos. Esta redução é atribuída ao controle dos fatores de risco em âmbito populacional e a evolução do processo de diagnóstico e tratamento, entre eles, o percutâneo. Ainda assim, de um ponto de vista numérico, as síndromes coronarianas agudas permanecem como um problema de saúde pública, com cerca de 1,4 milhões de hospitalizações anuais nos EUA. Fisiopatologia: As síndromes coronarianas agudas são, geralmente, decorrentes da instabilidade da placa aterosclerótica (ruptura/erosão), com formação de trombo superposto. A magnitude e a dinâmica da resposta trombótica determinam o quadro clínico. A oclusão total e persistente da artéria coronária desencadeia o infarto, com supradesnivelamento do segmento ST, enquanto na suboclusão, o quadro clínico é a angina instável ou o infarto sem supradesnivelamento do segmento ST. (Figura 1). Visão do cardiologista intervencionista As síndromes coronarianas agudas derivam de um mesmo processo patológico. O intervencionista figura como item central no processo do diagnóstico e tratamento da coronariopatia aguda. Entretanto, não deve se limitar ao procedimento, devendo servir como elo entre a admissão, definição do tratamento e alta hospitalar, para acompanhamento e tratamento dos fatores de risco. 1-Síndromes coronarianas agudas sem supra desnivelamento do segmento ST (SCASST) As SCASST representam o maior contingente de pacientes admitidos nos laboratórios de cateterismo. Angina instável ocorre nos casos em que a isquemia miocárdica é transitória e sem evidência de mionecrose. Por outro lado, nos casos de isquemia persistente e prolongada, documenta-se a elevação de marcadores, caracterizando o infarto sem elevação do segmento ST. Tais pacientes compreendem um grupo heterogêneo de indivíduos quanto ao risco de eventos clínicos, fundamentalmente óbito e infarto. Por conseguinte, foram elaborados escores de risco baseados em características demográficas, clinicas e laboratoriais, que norteiam a intensidade do tratamento farmacológico adjunto e a precocidade da intervenção coronariana. (PERSUIT, GRACE, TIMI). De forma geral, os pacientes estratificados como moderado ou alto risco (escore TIMI > 3; GRACE > 140) devem seguir uma estratégia invasiva (cateterismo) precoce, ou seja, devem ser estudados até 24-48 horas sob terapia farmacológica máxima (heparina, ácido acetilsalicílico, tienopiridínicos e inibidores da glicoproteína IIb/IIIa). Neste momento, deve ser acessado o risco de sangramento (escore CRUSADE) e também a possibilidade de dupla antiagregação plaquetária prolongada (um ano) para a seleção das endopróteses (stents) a serem utilizadas na intervenção coronariana. No laboratório de cateterismo, atenção especial deve ser dada à técnica de punção, especialmente nos pacientes sob terapia farmacológica máxima, com o intuito de se evitar as complicações hemorrágicas que adicionam risco de morbidade e mortalidade do paciente. Do ponto de vista angiográfico (anatômico), uma plêiade de achados pode ser encontrada nesta população, desde a ausência de doença arterial coronariana obstrutiva até causas não aterotrombóticas de eventos isquêmicos agudos, como a dissecção espontânea, espasmos e a síndrome da cardiomiopatia induzida por estresse (Takotsubo), cuja incidência é preponderante em mulheres jovens. No entanto, o achado mais frequente é a presença de doença arterial coronariana obstrutiva. Os acometimentos uniarterial e biarterial somam cerca de 50% dos casos, enquanto a presença de doença triarterial ocorre em 35% dos pacientes. Na maioria das intervenções ocorre o emprego dos stents. A decisão do tipo de stent (convencional ou farmacológico) depende do grau de complexidade anatômica, da adesão à terapia antiplaquetária dupla, da necessidade de anticoagulação plena e de fatores de risco para reestenose. Do ponto de vista angiográfico, intervenções em vasos finos (< 2,75 mm), lesões longas (> 20 mm), bifurcações, óstios e enxertos venosos apresentam resultados superiores com o emprego dos stents farmacológicos. Por outro lado, os stents convencionais são mais indicados para pacientes com necessidade de anticoagulação, possibilidade de cirurgia dentro de 12 meses, má adesão ao tratamento antiplaquetário e lesões em vasos de grande calibre (> 3,5 mm) e de pequena extensão (< 10 mm). Além disso, outros dispositivos adjuntos poderão ser utilizados em casos selecionados no laboratório de cateterismo. Em lesões com alta carga de trombo, podem ser usados dispositivos de aspiração. Em lesões de enxertos venosos, utilizam-se os dispositivos de proteção distal. 2-Infarto agudo com supradesnivelamento do segmento ST. O infarto agudo com supradesnivelamento do segmento ST é a representação clínica mais grave da doença arterial coronariana e representa aproximadamente 20 a 30% do conjunto de pacientes encaminhados ao laboratório de cateterismo. É neste subgrupo que ocorre o “efeito de tratamento”, prova inconteste do benefício da angioplastia primária, ou seja, a recanalização imediata do vaso epicárdico, quando disponível. A estratificação de risco (TIMI e Killip) também pode ser elaborada no momento da admissão do paciente. Mas os maiores esforços devem ser empregados para se reduzir o tempo do diagnóstico até a recanalização do vaso (tempo porta-balão ou tempo porta-agulha). Os subintervalos do tempo porta-balão apontam os setores de uma instituição, que trabalham de acordo, e a somatória destes intervalos não deve exceder 90 minutos para angioplastia e 30 minutos para a fibrinólise. Nos pacientes admitidos com mais de 12 horas e com evolução clinicamente estável, não se recomenda estratégia de reperfusão. 253 CARDIOLOGIA E DOENÇAS CIRCULATÓRIAS | Como eu trato A estratégia de revascularização, na maioria destes casos, é a angioplastia com implante de stents. Mas, como dito anteriormente, o achado angiográfico mais comum é a doença multiarterial. Embora uma revascularização completa possa ser realizada de imediato, há casos em que o tratamento da artéria relacionada ao evento é a estratégia mais apropriada. Nestes pacientes, pode ser difícil discernir a lesão/artéria culpada. Mas alguns achados angiográficos podem orientar o intervencionista na seleção da artéria/ lesão mais provavelmente relacionada ao evento agudo (figura 2). Por outro lado, é conhecida a limitação da angiografia em acessar com exatidão o volume da placa coronária em lesões com graus intermediários de estenose. Uma ferramenta diagnóstica de ampla utilidade em casos selecionados é o ultrassom intravascular, que adiciona informações morfológicas e quantitativas para a tomada de decisão. A hemodinâmica deve ser acionada logo após a realização do eletrocardiograma e da definição do quadro. As medidas universais devem ser instituídas imediatamente, como: oxigênio, analgesia, nitrato, aspirina e os tienopiridínicos, salvo em casos de contraindicações específicas. A heparinização deve ser instituída no laboratório de cateterismo após a obtenção do acesso arterial e conforme a necessidade de inibidores da glicoproteína IIb/ IIIa, sempre guiada pelo tempo de coagulação ativada. A anatomia coronariana no infarto com elevação do segmento ST frequentemente aponta para uma artéria/lesão ocluída. Não obstante, outras situações são descritas como lesões agudas sincrônicas e oclusões multiarteriais. No contexto do infarto com supradesnivelamento, a abordagem deve ser primariamente na artéria/lesão culpada. Em condições excepcionais, em pacientes com lesões múltiplas e instáveis hemodinamicamente, mesmo após a recanalização da artéria relacionada ao infarto, o tratamento simultâneo de outras lesões poderá ser considerado. De forma análoga às intervenções sem supra do segmento ST, a intervenção coronariana primária envolve o emprego dos stents. Entretanto, o preparo da lesão com a aspiração mecânica ou trombectomia é indicado conforme a anatomia. Embora sua segurança tenha sido comprovada por coortes até cerca de quatro anos de seguimento, a utilização dos stents farmacológicos neste contexto deve ser individualizada para lesões e pacientes com alta probabilidade de reestenose. A dificuldade de adesão à terapia antiplaquetária prolongada numa situação de emergência, um ambiente propenso a fenômenos trombóticos relacionados ao stent e acometimento de vasos de grande calibre são fatores que limitam o emprego universal dos stents farmacológicos para o infarto com supra do segmento ST. CARDIOLOGIA E DOENÇAS CIRCULATÓRIAS | Como eu trato 254 A persistência da instabilidade hemodinâmica após a recanalização mecânica com sinais de hipotensão, de baixo débito cardíaco ou arritmias refratárias, indica a necessidade de suporte hemodinâmico por balão intra-aórtico ou Impella. Ante a passagem destes dispositivos, é prudente a realização de aortografia distal para averiguar a coexistência de doença aortoilíaca que contraindique o dispositivo. 255 CARDIOLOGIA E DOENÇAS CIRCULATÓRIAS | Como eu trato Fig. 2: Morfologia das lesões coronarianas de pacientes com síndromes coronarianas agudas sem elevação do segmento ST. Dr. Alfredo Inácio Fiorelli (CRM 32338) Marcelo Fiorelli Alexandrino da Silva Tamponamento cardíaco CARDIOLOGIA E DOENÇAS CIRCULATÓRIAS | Como eu trato 256 Tamponamento cardíaco ou pericárdico é uma síndrome clínica caracterizada pelo acúmulo anormal de líquido (sangue ou líquido seroso) no saco pericárdico, levando à restrição diastólica do coração e representa uma emergência médica, tendo em vista a possibilidade de morte. O tamponamento cardíaco pode ocorrer como complicação do acúmulo exagerado de líquido no saco pericárdico em decorrência da evolução tormentosa das diferentes formas de pericardites. Com a ampliação dos métodos intervencionistas sobre o coração, a incidência de tamponamento traumático iatrogênico tem aumentado. Todavia, o operador tem maior facilidade de realizar o diagnóstico na suspeita de exames de difícil execução pela própria radioscopia, que serve como orientação nessas intervenções. O tratamento pode se iniciar na própria sala de hemodinâmica, com a introdução de cateteres para aliviar a restrição sobre o coração. Na fase inicial do derrame pericárdico, o paciente em geral apresenta as manifestações próprias da pericardite. Na medida em que o líquido acumulado aumenta o quadro clínico, torna-se mais exuberante acompanhado de dispneia progressiva, tonturas, mal-estar, taquicardia, estase jugular, hepatomegalia nos casos crônicos, hipotensão arterial e choque. A redução da amplitude de pulso com a inspiração, também denominada de pulso paradoxal ou pulso de Kussmaul, é um indicativo forte de tamponamento cardíaco - assim como a presença de sinais de insuficiência cardíaca direita, acompanhada de estase jugular, edema de membros inferiores e hepatomegalia. Nas pericardites de origem bacteriana em geral, os sintomas são mais exuberantes e agudos, ao contrário daquelas de origem tuberculosa – em que as manifestações são mais insidiosas. Em unidades de emergência, as principais causas de tamponamento são derrames de origem neoplásica (30% a 60%), uremia (10% a 15%), pericardites idiopáticas (5% a 10%), doenças infecciosas (5% a15%), doenças autoimunes (2% a 6%), traumáticas, pós-operatório de cirurgia cardiovascular e dissecções agudas de aorta rotas para o pericárdio. Especial atenção deve ser dispensada nos cuidados com os drenos de mediastino no pós-operatório de cirurgia cardíaca, pela possibilidade de obstrução com retenção de sangramento, levando ao tamponamento cardíaco. Em geral, nas infecções virais a efusão pericárdica é de pequena proporção - ao contrário daquelas causadas por bactérias. No acúmulo abrupto de líquido no pericárdio ou em pacientes com cardiomiopatias, o tamponamento é feito com pequenos volumes, ao contrário dos casos de longa duração, em que a distensão do pericárdio permite o acúmulo de grandes volumes. O diagnóstico clínico de tamponamento é, em geral, facilmente confirmado pela radiografia de tórax, ecocardiografia ou tomografia de tórax, sendo que os dois primeiros são mais empregados na prática clínica. O eletrocardiograma é pouco específico, exibindo redução da amplitude dos complexos QRS. Porém, isoladamente, pode levar a diagnósticos inadequados. O diagnóstico etiológico pode ser descoberto pela anamnese, doenças mórbidas pré-existentes ou pelo exame do líquido drenado e pela biópsia do pericárdio. Pacientes portadores de cardiomiopatias com grandes áreas cardíacas ao exame radiográfico do tórax podem apresentar sintomatologia que pode ser confundida com tamponamento cardíaco; nestes casos, a ecocardiografia se sobrepõe como exame extremamente útil na elucidação diagnóstica. Incluem-se, ainda, como diagnósticos diferenciais, choque cardiogênico, pericardite constritiva, pneumotórax hipertensivo e embolia pulmonar. Na primeira fase, o acúmulo de líquido no pericárdio leva à dificuldade do enchimento diastólico, comprometendo o débito cardíaco. Posteriormente, o quadro se agrava com o aumento da pressão no interior do saco pericárdico, dificultando o retorno venoso. Finalmente, o quadro torna-se dramático, com a hipotensão fatalmente seguida por parada cardíaca caso o processo não seja corrigido. A tríade clássica de Becker, descrita em 1935, refere-se à estase jugular, hipotensão arterial e hipofonese das bulas cardíacas. A pericardiocentese às cegas deve ser reservada somente para situações especiais de emergência - como alívio em casos de salvamento - porque o risco de perfuração cardíaca não é pequeno, e pode agravar o quadro cínico. Figura 1 – A – Acesso ao pericárdio por via sub-xifoidea e confecção de uma janela com a retirada de um fragmento de tecido. B – Colocação de dreno tubular multiperfurado no interior do saco pericárdico. Bibliografia recomendada: 1.P. K.H. O'Brien, J. C. Kucharczuk, M. B. Marshall, J. S. Friedberg, Z. Chen, L. R. Kaiser, and J. B. Shrager. Comparative Study of Subxiphoid Versus Video-Thoracoscopic Pericardial "Window" Ann. Thorac. Surg., December 1, 2005; 80(6): 2013 - 2019. 2.P. L. Wagner, E. McAleer, E. Stillwell, M. Bott, V. W. Rusch, W. Schaffer, and J. Huang Pericardial effusions in the cancer population: Prognostic factors after pericardial window and the impact of paradoxical hemodynamic instability J. Thorac. Cardiovasc. Surg., January 1, 2011; 141(1): 34 – 38. 3.M. I. A. Muhammad. The pericardial window: is a video-assisted thoracoscopy approach better than a surgical approach? Interactive CardioVascular and Thoracic Surgery, February 1, 2011; 12(2): 174 - 178. 257 CARDIOLOGIA E DOENÇAS CIRCULATÓRIAS | Como eu trato A drenagem do saco pericárdico por via sub-xifoidea é o método de eleição, pois permite exploração da cavidade por visão direta ou por pericardioscopia, aspiração total do líquido coletado, coleta de fragmentos do pericárdio para análise histológica e colocação adequada do dreno tubular. Pratica-se uma incisão de cerca de 5 a 7cm sobre o apêndice xifoide, que pode ser removido para facilitar a exposição - principalmente em pacientes obesos. Com manobras digitais, as pleuras são afastadas pra melhor exposição do pericárdio. O pericárdio é aberto, permitindo a rápida retirada do líquido pericárdico. Posteriormente, amplia-se a janela pericárdica para facilitar a drenagem e fragmentos de pericárdio são encaminhados para análise. Se o paciente apresentar derrame pleural, a drenagem pode ser feita com a abertura lateral das pleuras e colocação de drenos nas cavidades torácicas. Dra. Luciana V Armaganijan (CRM 104559) Dr. Dikran Armaganijan (CRM 15730) Taquicardias ventriculares CARDIOLOGIA E DOENÇAS CIRCULATÓRIAS | Como eu trato 258 Introdução As taquicardias ventriculares originam-se abaixo da bifurcação do feixe de His, não necessitam do tecido supraventricular para sua manutenção e frequentemente ocorrem em portadores de cardiopatia. Entretanto, podem acometer corações normais diagnosticados pelos métodos usuais de investigação (forma idiopática). Por ser uma arritmia potencialmente maligna, deve sempre ser tratada como uma condição de risco. Classificação As taquicardias ventriculares podem ser classificadas em sustentadas ou não sustentadas. As sustentadas têm duração maior ou igual a 30 segundos ou associam-se à instabilidade hemodinâmica. Podem ser assintomáticas ou acompanhar sintomas tais como palpitações, dispneia, dor torácica, tonturas, pré-síncope ou síncope. As taquicardias não sustentadas caracterizam-se pela presença de três ou mais batimentos ventriculares consecutivos, têm duração inferior a 30 segundos e não se associam à instabilidade hemodinâmica. Raramente as taquicardias ventriculares não sustentadas são sintomáticas. As taquicardias monomórficas são caracterizadas pela morfologia única dos complexos QRS em mais de uma derivação eletrocardiográfica simultânea. Variações na morfologia entre os batimentos identificam taquicardias polimórficas. A sintomatologia depende de diversos fatores, tais como a associação com cardiopatia subjacente, a frequência cardíaca e a duração do episódio, a adaptação da circulação periférica, o uso concomitante de drogas antiarrítmicas e, principalmente, o grau de disfunção ventricular. Dentre os mecanismos eletrofisiológicos, destacam-se a reentrada, o automatismo e a atividade deflagrada por pós-potenciais. A reentrada constitui o mecanismo mais comum, sendo tipicamente associada à miocardiopatias de origem isquêmica, chagásica e dilatada idiopática, entre outras. O Torsades de Pointes, caracteristicamente associado ao prolongamento do intervalo QT, é decorrente de atividade deflagrada por pós-potenciais precoces. Já o hiperautomatismo pode estar relacionado com a taquicardia ventricular polimórfica do tipo catecolaminérgica em pacientes sem cardiopatia estrutural, ou em casos de infarto agudo do miocárdio, secundário à isquemia. Diagnóstico eletrocardiográfico O diagnóstico de taquicardia ventricular é baseado no registro de três ou mais batimentos ventriculares consecutivos, com frequência cardíaca igual ou superior a 120 bpm. Em geral, a análise da morfologia dos complexos QRS auxilia na identificação do local de origem da arritmia, particularmente em pacientes sem cardiopatia estrutural e com ECG em ritmo sinusal sem anormalidades. De forma geral, complexos QRS com morfologia de bloqueio de ramo direito identificam origem à esquerda. Já taquicardias com origem à direita apresentam morfologia similar ao de bloqueio de ramo esquerdo. A avaliação do plano frontal também auxilia na localização de origem da taquicardia. Eixos desviados para a esquerda indicam origem inferior, enquanto os eixos desviados para a direita sugerem origem lateral esquerda. A acurácia do ECG é mais baixa em casos de alterações preexistentes tais como distúrbios de condução intraventricular, distúrbios eletrolíticos, áreas eletricamente inativas e uso de antiarrítmicos. As taquicardias ventriculares caracterizam-se, na maioria das vezes, por início abrupto e regularidade dos intervalos RR. Dissociação atrioventricular pode ou não ser observada, dependendo se há ou não condução ventrículo-atrial. Nos casos de captura atrial, as ondas P são tipicamente negativas em derivações inferiores (D2, D3 e AVF) e positivas em AVR, o que denota a despolarização com direção de baixo para cima. Em algumas situações, pode haver captura ventricular pelo impulso originado no átrio, resultando em estreitamento súbito dos complexos QRS. Em outros, pode haver apenas penetração parcial do impulso atrial nos ventrículos, resultando em batimentos de fusão. Esses fenômenos apresentam alta especificidade para o diagnóstico de taquicardia ventricular. Manobras vagais podem auxiliar no diagnóstico. O desaparecimento das ondas P com manutenção da taquicardia sugere origem ventricular. Ademais, raramente uma taquicardia ventricular é interrompida por manobras vagais. Vale lembrar que as taquicardias ventriculares podem se apresentar com complexos QRS mais estreitos (120-140 ms), como é o caso das taquicardias do tipo fasciculares. Em geral, esse tipo de taquicardia origina-se no fascículo póstero-inferior esquerdo e manifesta-se com morfologia de bloqueio de ramo direito e eixo desviado para a esquerda. A presença de dissociação atrioventricular define o diagnóstico. Em geral, as taquicardias de complexos QRS largos devem ser tratadas como de origem ventricular uma vez que o uso de drogas como Verapamil, não raramente utilizada para a reversão de taquicardias supraventriculares, pode resultar em complicações potencialmente fatais como colapso hemodinâmico e morte. Como tratar O tratamento da taquicardia ventricular engloba a reversão da arritmia e a prevenção de recorrências. O tratamento do episódio agudo depende das condições hemodinâmicas. Na presença de sinais sugestivos de colapso circulatório (síncope, edema pulmonar agudo, hipotensão arterial, palidez cutânea, sudorese), a reversão para ritmo sinusal é imperativa. Em casos de taquicardias ventriculares monomórficas instáveis com pulso, recomenda-se a aplicação de choques sincronizados utilizando-se energia inicial de 100J. Na ausência de resposta, energias maiores são sugeridas. Taquicardias ventriculares polimórficas e sem pulso devem ser tratadas com desfibrilação elétrica (choque inicial de 200J, não sincronizado), de maneira semelhante à fibrilação ventricular. Em casos de estabilidade hemodinâmica, drogas antiarrítmicas podem ser uma alternativa. As diretrizes do ACLS mais recentes recomendam o uso de adenosina no diagnóstico inicial, e tratamento de taquicardias de complexo QRS largos, estáveis, monomórficas e regulares, não devendo ser utilizado em casos de taquicardias irregulares pelo alto risco de degeneração para fibrilação ventricular. 259 CARDIOLOGIA E DOENÇAS CIRCULATÓRIAS | Como eu trato Frente a uma taquicardia de complexo QRS largo, seis são as possibilidades diagnósticas: taquicardia ventricular, taquicardia supraventricular com aberrância de condução, taquicardia supraventricular na presença de bloqueio de ramo prévio, taquicardia por reentrada atrioventricular do tipo antidrômica, na qual o estímulo é conduzido anterogradamente por um feixe acessório e retrogradamente pelo sistema de condução normal, fibrilação atrial pré-excitada e ritmo de estimulação ventricular. O diagnóstico diferencial entre eles é essencial para o manejo e prognóstico. O diagnóstico diferencial entre taquicardia ventricular e taquicardia supraventricular, com aberrância de condução, é particularmente desafiador. Para tal, utilizam-se critérios como os de Brugada e de AVR, representados nas figuras 1 e 2. Dentre os principais antiarrítmicos, destacam-se: 1. Amiodarona – deve ser usada em casos de ausência de resposta a manobras de ressuscitação cardiopulmonar ou para reversão de taquicardias estáveis na dose de 150 mg IV em bolus, em 10 minutos (se necessário, repetir até a dose máxima de 2,2 g IV em 24 horas) seguido por 1,0 mg/min por 6 horas e de 0,5 mg/min por 18 horas. Constitui a droga de escolha para reversão de taquicardia ventricular em pacientes com disfunção ventricular. Reações adversas incluem hipotensão e bradicardia. 2. Lidocaína – pode ser uma alternativa em pacientes com função ventricular preservada. A dose recomendada é de 1,0 a 1,5 mg/kg em bolus, seguido de 0,5 a 0,75 mg/kg em bolus a cada 5 a 10 minutos até a dose máxima de 3mg/kg. A dose de manutenção recomendada é de 1 a 4 mg/min (30 a 50 mcg/kg/min). Alterações da fala e do nível de consciência, convulsões, bradicardia e anormalidades musculares indicam toxicidade. 3. Procainamida – também pode ser uma opção para pacientes com taquicardias estáveis e função ventricular preservada. Recomenda-se a dose de 20mg/min. Deve ser interrompida nas seguintes condições: aumento da duração do intervalo QRS (>50% do valor inicial), supressão da arritmia, hipotensão arterial ou quando for atingida a dose total de 17 mg/kg. A dose de manutenção é de 1 a 4 mg/min, com ajuste para a função renal. Cuidado especial deve ser dado em pacientes com intervalo QT prolongado. 4. Sotalol – de forma geral, não deve ser usado como droga antiarrítmica de primeira linha. A dose recomendada é de 1 a 1,5 mg/kg, seguida por infusão de 10mg/min. Efeitos adversos incluem hipotensão, bradicardia e pró-arritmia. CARDIOLOGIA E DOENÇAS CIRCULATÓRIAS | Como eu trato 260 Nos casos de Torsades de Pointes, fatores que apresentem predisposição ao prolongamento do intervalo QT devem ser removidos, e distúrbios eletrolíticos, corrigidos. Sulfato de magnésio, associado ou não ao implante de marcapasso provisório e isoproterenol, deve ser considerado. Em casos de instabilidade cardiocirculatória, a desfibrilação é imperativa. Fatores desencadeantes devem ser investigados e apropriadamente tratados. Dentre as causas agudas mais comuns, destacam-se a isquemia coronária, os distúrbios eletrolíticos e os efeitos próarrítmicos de drogas antiarrítmicas. Em casos de taquicardia incessante, ablação por cateter ou cirurgia podem ser opções. Em portadores de cardiopatia crônica, o mecanismo mais comum é a reentrada. Nos casos de ausência de causa removível, o tratamento medicamentoso em longo prazo, associado ou não à ablação por radiofrequência, cirurgia para remoção do substrato e implante de cardio-desfibrilador implantável, deve ser almejado. Referências bibliográficas: 1. Cardiac electrophysiology: from cell to bedside. Zipes DP, Jalife J. 4th ed. Philadelphia: WB Saunders, 2204, p. 569-732. 2. A new approach to the differential diagnosis of a regular tachycardia with a wide QRS complex.Brugada P, Brugada J, Mont L, Smeets J, Andries EW. Circulation. 1991 May;83(5):1649-59. 3. New algorithm using only lead aVR for differential diagnosis of wide QRS complex tachycardia. Vereckei A, Duray G, Szénási G, Altemose GT, Miller JM. Heart Rhythm. 2008 Jan;5(1):89-98. 4. 2005 American Heart Association Guidelines for Cardiopulmonary Ressucitation and Emergency Cardiovascular Care. ECC Committee, Subcommitees and Task Forces of the American Heart Association. Circulation. 2005 Dec 13;112(24 Suppl):IV1-203. Figura 1. Critérios de Brugada Legenda: TV: taquicardia ventricular, BRD: bloqueio de ramo direito, BRE: bloqueio de ramo esquerdo Figura 2. Critérios de AVR Legenda: TV: taquicardia ventricular, Vi: ativação ventricular inicial; Vt: ativação ventricular terminal, TPSV: taquicardia paroxística supraventricular CARDIOLOGIA E DOENÇAS CIRCULATÓRIAS | Como eu trato 261 Dr. Marco Aurélio de Magalhães (CRM 99645) Dr. Eberhard Grube (CRM 144015) Tratamento percutâneo da estenose aórtica Introdução CARDIOLOGIA E DOENÇAS CIRCULATÓRIAS | Como eu trato 262 A estenose aórtica é uma patologia degenerativa com a progressiva calcificação dos folhetos valvares aórticos. As etiologias principais são: degenerativa, congênita e reumática. Estudos de base populacional estimam em 2% a prevalência desta patologia em indivíduos acima de 65 anos. A estenose aórtica degenerativa compartilha alguns dos fatores de risco da calcificação vascular. No entanto, ainda não é possível estabelecer inferências de causalidade. Mas, com a degeneração e calcificação dos folhetos, sua mobilidade fica progressivamente comprometida, ocasionando a redução da área valvar efetiva com consequente restrição à ejeção ventricular esquerda e redução do débito cardíaco. A área valvar aórtica em indivíduos sem a patologia é aferida entre 3 a 4 cm2. Em geral, a sintomatologia ocorre depois que a redução da área valvar atinge níveis menores do que 1 cm2 e gradiente sistólico médio maior do que 40 mmHg. Diagnóstico Os sintomas clássicos são angina, síncope e insuficiência cardíaca, e a presença destes sintomas definem a gravidade da estenose e o risco de complicações graves. Atenção especial deve ser dada a pacientes idosos, frequentemente rotulados como “assintomáticos” quando, na verdade, apresentam sinais e sintomas atípicos, mas que estão relacionados à estenose valvar aórtica. Os exames complementares permitem a confirmação do diagnóstico, bem como sua classificação e elucidação de patologias cardíacas concomitantes. Classificação quanto à gravidade: Estenose Aórtica Gradiente médio (mmHg)Área valvar (cm2) Velocidade do jato (m/s) Leve< 25> 1,5< 3 Moderada 25 - 40 1 - 1,5 3-4 Acentuada> 40< 1> 4 Tratamento O tratamento de escolha para a estenose aórtica é a cirurgia de troca valvar. No entanto, pacientes com idade avançada e comorbidades apresentam mortalidade elevada quando submetidos ao tratamento cirúrgico, tornando-o impeditivo ou com probabilidade elevada de óbito. Por outro lado, como consequência de sua natureza obstrutiva fixa e progressiva, há pouco espaço para o tratamento clínico. De fato, em inquéritos realizados na Europa para a avaliação da prevalência e tratamento das valvopatias, estima-se que mais de 30% das valvopatias não sejam tratadas de acordo com as diretrizes em decorrência de patologias concomitantes ou comorbidades. Tratamento Percutâneo Em decorrência desta lacuna, foram desenvolvidos os métodos de correção percutâneos. A estenose aórtica obteve a sua primeira correção percutânea em 2002 e, a partir daí, estabeleceu-se como uma opção importante para os pacientes portadores desta valvopatia aórtica e não candidatos à troca valvar cirúrgica. Os critérios de indicação baseiam-se na seleção adequada do paciente, de acordo com características clínicas e anatômicas. Critérios de indicação Endopróteses de uso clínico As endopróteses de uso clínico são a Edwards SAPIENTM e a CoreValveTM. Outras endopróteses estão em desenvolvimento em mais de cinco programas diferentes. Figura 1: Edwards SAPIENTM (Edwards Lifesciences) e CoreValveTM (Medtronic). Escores de risco Alguns escores de risco foram desenvolvidos através da regressão logística com o intuito de se estimar a 263 CARDIOLOGIA E DOENÇAS CIRCULATÓRIAS | Como eu trato 1- Estenose aórtica acentuada e sintomática. 2- EuroScore < 15%. 3- Critérios morfológicos: 3.1- Valva aórtica nativa; 3.2- Área valvar aórtica < 0,6 cm2/m2; 3.3- Ânulo VE entre 20 mm e 27 mm; 3.4- Junção sinotubular < 43 mm. 4- Idade > 75 anos. 5- Idade > 65 anos e uma dos seguintes: 5.1- Cirrose hepática; 5.2- Doença pulmonar (VEF1 < 1L); 5.3- Cirurgia cardíaca prévia; 5.4- Hipertensão arterial pulmonar (PSAP > 60 mmHg); 5.5- Embolia pulmonar recorrente; 5.6- Tórax “hostil” (radioterapia); 5.7- Doença do tecido conectivo; 5.8- Caquexia. probabilidade de eventos adversos em cirurgias cardíacas. Ressalta-se que o princípio matemático da regressão logística é norteado pela função de máxima verossimilhança, que é uma “função de máximos” e, portanto, superestima as razões de probabilidades. Por outro lado, há inúmeras variáveis não mensuradas e não mensuráveis que determinam maior risco ao paciente e não fazem parte das “variáveis-conjunto” destes modelos. Destarte, a tomada de decisão deve ser realizada por princípios numéricos e pela experiência clínica da equipe médica multidisciplinar. Imagem e critérios morfológicos Para a definição e elegibilidade do caso, há necessidade de imagens de ecocardiograma, angiotomografia de aorta e coronariografia com aortografia proximal e distal. Figura 2: Exemplificação das medidas na tomografia e ecocardiograma. CARDIOLOGIA E DOENÇAS CIRCULATÓRIAS | Como eu trato 264 (1) Figura 3: Exemplificação das medidas na tomografia e aortografia distal. Referências: 1. Leon MB, Piazza N, Nikolsky E et al. Standardized endpoint definitions for Transcatheter Aortic Valve Implantation clinical trials: a consensus report from the Valve Academic Research Consortium. Journal of the American College of Cardiology. [Consensus Development Conference Research Support, Non-U.S. Gov’t]. 2011 Jan 18;57(3): 253-69. 2. Piazza N, de Jaegere P, Schultz C et al. Anatomy of the aortic valvar complex and its implications for transcatheter implantation of the aortic valve. Circulation Cardiovascular interventions. [Review]. 2008 Aug;1(1): 74-81. 3. Mack MJ. Risk scores for predicting outcomes in valvular heart disease: how useful? Current cardiology reports. [Review]. 2011 Apr; 13(2): 107-12. 4. Buellesfeld L, Wenaweser P, Gerckens U et al. Transcatheter aortic valve implantation: predictors of procedural success--the Siegburg-Bern experience. European heart journal. [Evaluation Studies Multicenter Study]. 2010 Apr; 31(8): 984-91. Dr. Henrique Jorge Guedes Neto (CRM 33990) Dra. Daniela Mina Fukasawa (CRM 108881) Dr. Luis Gustavo Schaefer Guedes (CRM 146350) Trombose venosa profunda Quadro clínico: depende da extensão da trombose e das veias acometidas, podendo ter apenas manifestações locais; em casos de maior gravidade, com manifestações sistêmicas, tais como hipotensão e até choque. As manifestações locais geralmente são edema do membro, assimetria com o membro contralateral, dor e empastamento muscular. Importância da doença e incidência: apesar da TVP causar certo desconforto ao paciente, maior importância dáse a sua complicação, que é a embolia pulmonar (EP), com manifestações variadas, desde um cansaço até a morte súbita. Além disso, a TVP tem uma complicação não mortal, mas que traz grandes repercussões socioeconômicas, com afastamento do trabalho e baixa qualidade de vida, que é a síndrome pós-trombótica, grave insuficiência venosa crônica decorrente de uma trombose aguda prévia. Cerca de 28% dos pacientes com TVP evoluem para quadros de pernas inchadas, varizes graves de membros inferiores e úlceras venosas, o que os afasta de suas atividades laborais. Por fim, outro desfecho não letal da TVP é a hipertensão pulmonar secundária a EP, que causa alta morbidade e também baixa qualidade de vida. A incidência da TVP é de cerca de 60 para cada 100.000 habitantes no Brasil, taxa considerada alta, sendo uma afecção decorrente, em geral, de doenças clínicas ou cirúrgicas, podendo ocorrer também de forma espontânea, em pessoas até então consideradas hígidas. Patogenia do trombo: Virchow, em 1856, dissertou que a formação de trombo dentro de um vaso está relacionada com a alteração de três fatores primordiais: lesão endotelial, estase sanguínea e aumento da viscosidade sanguínea, sendo que a associação de um ou mais fatores implica maior probabilidade de trombose. Na prática diária, é possível identificar várias condições em que esses fatores estão aumentados, como o trauma ou injeções, que causam lesão endotelial; cirurgias longas ou imobilismo, favorecendo a estase sanguínea; além das trombofilias e neoplasias malignas, aumentando a crase sanguínea. Talvez seja todo esse conjunto de fatores que causem uma incidência tão alta de TVP na população e a torne uma doença tão comum. Fatores de risco: a TVP é considerada uma doença multicausal, que associa fatores genéticos, como aqueles das doenças de trombofilia hereditárias, a fatores ambientais, como estilo de vida. O resultado dessa interação é que a TVP pode acometer pessoas de todas as idades e, por isso, é importante estarmos atentos aos diversos fatores de risco para o desenvolvimento de um trombo. São fatores consideráveis de risco para TVP: idade 265 CARDIOLOGIA E DOENÇAS CIRCULATÓRIAS | Como eu trato Definição: doença caracterizada pela formação aguda de trombos em veias profundas do organismo, acometendo, mais frequentemente, membros inferiores ou superiores. avançada (pela alteração da parede venosa e consequente estase sanguínea), imobilização, TVP prévia, obesidade (diminuição da atividade fibrinolítica intrínseca), varizes de MMII, duração e porte da cirurgia (maior risco se a cirurgia for mais longa que 30 minutos), tipo de anestesia (geral traz maior risco), infecção, câncer, quimioterapia, insuficiência cardíaca, insuficiência renal, gravidade da doença de base, gravidez e puerpério e uso de hormônios (anticoncepcionais ou reposição hormonal feminina). Diagnóstico: deve ser realizado a partir da anamnese e exame físico que gerem alto índice de suspeita clínica, seguido de exames complementares. Na anamnese, levam-se em consideração os fatores de risco anteriormente citados, especialmente imobilismo e cirurgias nas últimas quatro semanas, associada a dores nos trajetos de veias profundas, edema do membro, com assimetria contralateral e dilatação de veias superficiais. No exame clínico, pode-se observar edema, cianose das extremidades, dor à palpação muscular e de trajetos venosos, Sinal de Homans positivo (dor muscular à dorsiflexão passiva do pé), empastamento muscular e Sinal da Bandeira (endurecimento da panturrilha, que não se mobiliza naturalmente). É importante citar os dois quadros mais dramáticos da TVP, de baixa incidência, porém muito graves – flegmasia cerúlea dolens (trombose íleofemoral extensa e de vasos colaterais, com edema intenso e cianose, associado a dor lancinante no membro) e flegmasia alba dolens (trombose íleofemoral extensa com dor, palidez e sinais de isquemia por vasoespasmo arterial). CARDIOLOGIA E DOENÇAS CIRCULATÓRIAS | Como eu trato 266 Infelizmente o exame clínico isolado tem baixa sensibilidade, sendo rotineiramente necessária a realização de exames complementares. É possível a realização de diversos exames que auxiliam no diagnóstico, tais como dosagem de dímero D, flebografia, angiotomografia contrastada e outros; porém, o mais acessível, prático e não invasivo, por isso recomendado, é o ultrassom venoso em modo B associado ao color Doppler. Caso haja um alto índice de suspeita clínica e ultrassom inicial negativo, deve-se iniciar o tratamento e repetir o exame em três a sete dias. Neste momento, em alguns casos, pode-se utilizar a flebografia, lembrando ser um exame invasivo e com uso de contraste. Quando a causa da trombose não é aparente (cirurgia, trauma ou imobilismo), é mandatória a pesquisa de neoplasias ou doenças hereditárias da coagulação. Freqüentemente, TVP é a primeira manifestação de uma neoplasia oculta. Tratamento: realiza-se com medicamentos anticoagulantes, associado a compressão elástica e drenagem postural. A heparina é a medicação de escolha no tratamento da TVP, que pode ser não fracionada (HNF), por via intravenosa ou subcutânea (SC) ou a heparina de baixo peso molecular (HBPM), por via SC. A heparina pode causar plaquetopenia e, por isso, a dosagem de plaquetas se faz necessária a cada três dias. Habitualmente recomendamos o uso da HBPM, a uma dose de 1 mg/kg a cada 12 horas, exceto quando o paciente tem insuficiência renal, em que é recomendado o uso da HNF. Deve-se associar a antivitamina K (varfarina) por cinco dias com a HBPM e, para a manutenção do tratamento ambulatorial, apenas a varfarina, por um período de três a seis meses, controlada por um índice de tempo de protrombina (TP), com INR entre 2 e 3. A meia elástica é obrigatória para melhorar a sintomatologia e diminuir a síndrome pós-trombótica, com compressão de 30 a 40 mmHg e ajustada ao tamanho da extremidade. A drenagem postural com elevação do membro na fase inicial pode diminuir bastante o edema e trazer conforto e melhora da dor. Deve-se informar o paciente que, nos primeiros dias, existe a possibilidade de certa cianose (dor ao se colocar o pé no chão), mas que esse desconforto vai diminuindo com o passar dos dias. O uso de fibrinolíticos via cateter é de uso restrito, apenas em casos de flegmasia, com indicação bem individualizada. O filtro de veia cava deve ser indicado apenas na recorrência de TVP e EP, mesmo na vigência de anticoagulação adequada e comprovada, ou nos casos de TVP proximal com contraindicação de anticoagulação plena. Referências: 1) Maffei FHA, Rollo. Trombose Venosa Profunda dos membros Inferiores: incidência, patogenia, patologia, fisiopatologia e diagnóstico; Capítulo 107, 4a Edição de Doenças Vasculares Periféricas, Guanabara Koogan – 2008. 2) Maffei FHA, Caiafa JS, Ramacciotti E et AL. Para o Grupo de Elaboração de Normas de Orientação Clínica em Trombose Venosa Profunda da SBACV. Normas de orientação clínica para prevenção, diagnóstico e tratamento da trombose venosa profunda (revisão 2005). Salvador: SBACV; 2005. Dr. José Dirceu Cardoso Telles (CRM 16751) Dr. Marcus Alexandre Politzer Telles (CRM 98242) Dr. Gustavo José Politzer Telles (CRM 101456) Úlceras de membros inferiores As úlceras dos membros inferiores são lesões do tegumento cutâneo por morte tecidual, podendo ou não atingir o tecido subcutâneo. As úlceras dolorosas são lesões com características de sofrimento tecidual. Durante o tratamento, quando a dor diminui ou deixa de existir, é sinal de melhora da lesão. Com estes conceitos, podemos passar a falar sobre úlceras de membros inferiores e seus tratamentos. Mais de 70% dos casos de úlceras dos membros inferiores são de origem venolinfáticas. Em torno de 10% dos casos, as úlceras são de origem arterial. Os 20% restantes têm como origem diabetes, traumas, anemias hemolíticas, sífilis, hipertensão arterial, doenças reumáticas e outras patologias ou síndromes. CLASSIFICAÇÃO DAS ÚLCERAS DE MEMBROS INFERIORES 1-ÚLCERAS ISQUÊMICAS: São lesões pós-infarto isquêmico da derme com início eventualmente espontâneo ou a partir de traumatismo ou pressão local. As úlceras isquêmicas são extremamente dolorosas, à exceção das úlceras diabéticas, hansenianas e lesões neuropáticas. A - Úlceras hipertensivas ou úlcera de Martorell. B - Úlceras de microangiopatias ou inflamatórias: uremias, tromboangeítes, doença de Raynaud, esclerodermia (vasculites), policitemia vera. C - Úlceras de oclusão arterial (necrose isquêmica). D - Úlceras neuropáticas (diabetes, hansenianas, alcoolismo crônico, lesões medulares do sistema nervoso central e lesões por metais pesados como arsênico ou chumbo). E - Úlceras nutricionais (anêmicas e hipoproteicas). 2- ÚLCERAS varicosas (hipertensão venosa crônica ou insuficiência venosa crônica). 267 CARDIOLOGIA E DOENÇAS CIRCULATÓRIAS | Como eu trato O tratamento das feridas crônicas dos membros inferiores ainda é um desafio para o médico. A quantidade de pacientes nestas condições está crescendo, devido à maior expectativa de vida; eles perdem a autoestima e passam a apresentar depressão pelas reações de rejeição que sua condição causa, sendo excluídos até por instituições hospitalares, que impedem sua internação pela natureza crônica da doença. Esses pacientes necessitam de repouso em ambiente domiciliar e, por problemas sociais e financeiros, ficam impossibilitados de fazê-lo. 3- ÚLCERAS TRAUMÁTICAS 4- ÚLCERAS NEOPLÁSICAS 5- ÚLCERAS DE PRESSÃO OU DECÚBITO (escaras) 6- ÚLCERAS INFECCIOSAS - linfangites gangrenantes, fascites necrotizantes, tuberculose e sífilis. 7- ÚLCERAS ALÉRGICAS - Mordida de Insetos, Cobras etc. Tratamento das Úlceras Tão ou mais importante que o tratamento das úlceras já instaladas é a sua prevenção, com o cuidado das doenças de base que podem desencadeá-las. No tratamento das úlceras de membros inferiores, devemos estabelecer o diagnóstico etiológico para indicar o tratamento correto. A todo paciente, com qualquer grau de isquemia, devem-se recomendar cuidados especiais com as extremidades, cuidados higiênicos, proteção contra traumatismos e prevenção de infecções. Nos pacientes acamados, devemos usar colchões especiais, com mudança frequente de decúbito. Quando a úlcera dói, é sinal de sofrimento tecidual, e todo tratamento de lesões ulcerativas deve trazer ao paciente conforto e alívio da dor. Essas feridas devem cicatrizar por segunda intenção; não devemos, em hipótese alguma, agredir a lesão, aplicando medicamentos ou produtos que possam retardar ou impedir a cicatrização. As medicações no tratamento das úlceras de membros inferiores variam de acordo com a doença de base do paciente, e os curativos locais, de acordo com a evolução na cicatrização. CARDIOLOGIA E DOENÇAS CIRCULATÓRIAS | Como eu trato 268 Fatores e doenças que influem na cicatrização: fatores nutricionais, edema, eczema, uremia, alergias, diabetes, hipertensão arterial, arteriosclerose (obstruções arteriais), obesidade, uso de cortisona, angeítes, posição ortostática e varizes. Tais doenças e fatores devem ser tratados; se não o fizermos com eficiência, as lesões não irão cicatrizar. Tipos de Curativos: Evidências científicas comprovam que o tipo de curativo não é, por si só, determinante para o processo de cicatrização das úlceras de membros inferiores. O curativo precisa manter o meio úmido e não ser aderente à ferida, promovendo ambiente propício à cicatrização da lesão. Só conseguimos obter isso com os curativos oclusivos. Os curativos podem ser: - Interativos ou Bioativos - (Hidroativos e Hidrocoloides): Permanganato de potássio, vaselina sólida, Intrasite Gel, Dermazine, Kaltostat, Dersani, Duoderm Gel, Duoderm Placas, Bota de Unna, Adaptic, Allevyn, Nu-Gel, Actisorb Plus, Tielle e Tielle Plus, Fibracol Plus, Bioclusive etc. - Proteolíticos ou Debridantes: papaína, iruxol, açúcar (que exerce também ação antibacteriana) etc. - Antibióticos Locais: fibrase, trofodermim, anaseptil, nebacetim, cauterex, bactigras etc. - Secativos e Desinfetantes: povidine, clorexedine, água e sabão etc. Como fazemos o curativo: A cicatrização de uma lesão é promovida pelo próprio organismo do paciente e não pelos medicamentos ou curativos empregados. Estes atuam apenas auxiliando a desenvolver um ambiente favorável para que ocorra a cicatrização. O paciente deve entrar no banho com o curativo anterior, molhar-se, deixando cair água e sabão, tirar o curativo e aplicar ducha diretamente na lesão. Ao sair do banho, enxugar com toalha felpuda e macia. Posteriormente, lavar com água boricada, permanganato de potássio 1:20.000 ou água destilada e não usar soro fisiológico, pois é solução salina e causa dor. Não esfregar ou enxugar com gazes estéreis. A camada branca que se forma sobre a lesão não é secreção purulenta e sim fibrina (início da cicatrização). Se removermos a fibrina, dificultamos e atrasamos a cicatrização. A secreção purulenta é amarelada, viscosa, e sai quando aplicamos ducha ou enxugamos a lesão. É importante que o local e as mãos estejam limpos para a aplicação do curativo. Optamos pelos curativos hidroativos, porque feridas que ficam em contato permanente com água cicatrizam rapidamente e não infeccionam. Curativos com placas oclusivas só devem ser usados em feridas limpas, sem infecção e com pouca secreção, podendo ser trocados a cada três ou sete dias, de acordo com a quantidade de secreção. Na evolução da cicatrização de uma ferida, é comum termos que alterar a conduta empregada. Se surgir eczema, devemos usar corticoides orais ou intramusculares e associarmos antibióticos. Em ferida com secreção, não devemos usar curativos totalmente oclusivos. Caso seja necessário, deve ser trocado duas ou mais vezes ao dia. Quando a ferida melhora e o paciente se cansa de ficar acamado, é hora de usarmos meias elásticas ou faixas compressivas sobre a lesão, porém acima do curativo. Se houver edema, o uso de botas infláveis está indicado antes da realização do curativo; nesses casos, no entanto, o paciente só pode se levantar com meias elásticas ou contenção inelástica. É muito importante atuarmos corretamente e prontamente para obtermos uma cicatrização rápida da lesão. Uma lesão ulcerada de pele em membro inferior que dói é sinal de sofrimento tecidual (morte tecidual – necrose). O uso de pomada ou creme de cortisona ou substância anestésica retarda e impede a cicatrização da lesão. TRATAMENTO DAS ÚLCERAS VENOLINFÁTICAS COM COMPRESSÃO A compressão do membro com hipertensão linfovenosa é a medida mais importante na aceleração da cicatrização das úlceras consequentes desta patologia. Compressão é um meio físico de tratamento, que aplicado à superfície corporal, age sobre a macrocirculação e todas as estruturas tissulares que a rodeiam (Brizzio, 2001). A compressão deve sempre associar-se à “dinâmica da marcha”. Sem movimento, ela é uma conduta terapêutica parcial. Sua ação se concretiza quando o paciente caminha. T - Tensão do tecido P - Pressão que exerce o tecido elástico sobre o membro R - Raio de curvatura da superfície cutânea Ações da Compressão: - Aumenta a velocidade de retorno venoso - Diminui a hipertensão venosa - Favorece a reabsorção do edema - Melhora a ação da bomba muscular Efeitos da Compressão: - Previne sinais da insuficiência venosa crônica (diminui o refluxo venoso) - Controla o edema de diferentes causas - Comprime as veias varicosas - Previne a trombose venosa profunda - Ajuda na hemostasia - Diminui a formação de hematomas e trombos - Diminui o volume do membro comprimido No caso especifico das úlceras venolinfáticas, a indicação da compressão se faz necessária para diminuir o edema e acelerar a cura da lesão. Spence e Cahall (1996) concluíram, em estudo comparativo entre compressão inelástica e elástica, que a inelástica tem significativo efeito sobre a hemodinâmica venosa profunda. Demonstra-se isto pela diminuição do refluxo venoso e melhoria da função da bomba muscular, quando comparada à meia elástica, que exerce seu efeito primordial no sistema superficial. Quanto menos extensível o material compressivo, maior será a pressão, já que não responde às variações de volume muscular ocasionado pelo exercício. Uma atadura de extensibilidade curta e elasticidade baixa ou moderada dará uma pressão de repouso baixa, porém uma pressão de trabalho alta. 269 CARDIOLOGIA E DOENÇAS CIRCULATÓRIAS | Como eu trato Obtém-se pressão máxima nas ataduras inelásticas e pressão forte nas faixas de fraco estiramento. Lei do Marquês Pierre Simon de Laplace: P = T/2R. Dr. José Dirceu Cardoso Telles (CRM 16751) Dr. Marcus Alexandre Politzer Telles (CRM 98242) Dr. Gustavo José Politzer Telles (CRM 101456) Varizes CARDIOLOGIA E DOENÇAS CIRCULATÓRIAS | Como eu trato 270 Todo cirurgião, após um procedimento cirúrgico, deve analisar o que foi realizado, dedicando cinco minutos a pensar no que poderia ser feito para que obtivesse melhor resultado. Assim agindo, por melhor que tenha sido a cirurgia, ele só pode aprimorar sua técnica, não repetindo possíveis erros ou procedimentos inadequados que compliquem ou prorroguem o tempo cirúrgico ou o seu resultado. Telles J.D.C. – 2004. INTRODUÇÃO Varizes são veias dilatadas, tortuosas e alongadas, com alterações de suas paredes e de suas funções. Acarretam a dor, edema, eczema, dermatofibrose, úlcera de estase venolinfática e problema estético. As varizes ocorrem por hipertensão no Sistema Venoso Superficial: pelo refluxo venoso, incompetência valvular ou por abertura de fístulas arteriovenosas. O desenvolvimento tecnológico, a invenção da energia elétrica, a indústria automobilística e a necessidade de mais horas de trabalho para sustento familiar, obrigou o ser humano a permanecer mais tempo em pé, aumentando a pressão sobre as fibras elásticas das veias e em suas válvulas. Com o desenvolvimento farmacológico e o surgimento da reposição hormonal para as mulheres, observamos, nas que fizeram seu uso, o aumento da incidência de varizes e, principalmente, dos pequenos vasos. A prevalência das varizes e a procura do tratamento é maior por mulheres do que homens, pela valorização da estética, uso de hormônios e pela produção endógena do mesmo. O fator hereditário é fundamental para a ocorrência de varizes. Alguns fatores desencadeantes de varizes são: idade, postura no trabalho, obesidade, gestação e uso de hormônios. FISIOLOGIA DA CIRCULAÇÃO Para compreendermos o porquê das varizes e como tratá-las é necessário conhecimento de física e de fisiologia da circulação. Aplicando estes conhecimentos ao fluxo sanguíneo em tubo flexível, compressível e elástico, com válvulas de retenção, com variação de sua posição (paciente em pé e deitado), podemos entender e tratar as varizes e suas complicações. Como fator hereditário, pode haver ausência ou disfunção de válvulas, pelo enfraquecimento das fibras elásticas das paredes venosas. O fluxo venoso dos membros inferiores se faz no sentido caudocranial, “Vis a Tergo” (força que empurra) e “Vis a Fronte” (força que traciona). “Vis a Fronte” se faz pela pressão negativa torácica e pressão negativa da aurícula direita no esvaziamento cardíaco. “Vis a Tergo” se dá pela compressão muscular da panturrilha quando deambulamos (coração periférico), esponja plantar quando pisamos (bomba plantar) e pressão residual arterial (capilar). As veias na região plantar são avalvuladas e distribuem o sangue tanto para o sistema venoso profundo como para o superficial. Estes dois sistemas se comunicam pelas crossas das safenas magnas e parvas, e pelas veias comunicantes ou perfurantes. Nas comunicações destes dois sistemas, existem válvulas que impedem o refluxo sanguíneo para o sistema venoso superficial. Em toda a extensão do sistema venoso profundo e superficial, a presença de válvulas impede o refluxo do sangue. Quanto mais distal, maior a quantidade de válvulas. Portanto o retorno venoso dos membros inferiores se dá em sentido centrípeto. Em 1891, Trendelenburg constatou refluxo venoso retrógrado na veia safena magna durante exercício, que se acentuava com o paciente em pé e com relaxamento muscular. A melhora da hemodinâmica venosa profunda pela correção do refluxo superficial confirma a teoria da transmissão de refluxo na sobrecarga venosa. O conceito convencional de que varizes são decorrentes apenas da insuficiência valvular e do refluxo venoso está em desacordo com o achado de fistulas arteriovenosas pré-capilares em pacientes com veias varicosas nas pernas. Em 1929, Blolock constatou, pela oximetria, alto grau de saturação de oxigênio em veias varicosadas. Em 1953, Piulachs e Vidal-Barraque expressaram a opinião de que as comunicações arteriovenosas constituíam um grande grupo de veias varicosadas em pacientes estudados com auxílio de arteriografia seriada, flebografia retrógrada e oximetria do sangue. Portanto, varizes são causadas por hipertensão no sistema venoso superficial, insuficiência valvular com enfraquecimento das paredes das veias e de suas válvulas, por alterações do sistema venoso profundo (TVP ou compressão extrínseca), ou pela presença de fístulas arteriovenosas, o que explica as telangiectasias e algumas microvarizes. Levantamentos estatísticos comprovam que a incidência de varizes nos membros inferiores é predominante no membro inferior esquerdo, chegando a ocorrer em 60% dos casos. Isso pode ser comprovado anatomicamente pela compressão extrínseca da veia ilíaca esquerda pela artéria ilíaca direita (Síndrome de Cockett). TRATAMENTO E CONDUTA O tratamento das varizes de membros inferiores depende da gravidade do quadro clínico, do tipo de varizes e da condição geral do paciente. Devemos estabelecer o diagnóstico etiológico para indicarmos o tratamento mais adequado. Os objetivos do tratamento visam ao alívio da sintomatologia, prevenir complicações e proporcionar satisfação cosmética. Existem fatores que favorecem o aparecimento das varizes: obesidade, uso de cortisona, uso de estrógeno e progesterona, gravidez e posição postural. Em pessoas obesas, a maior fragilidade capilar provoca a ruptura de pequenos vasos, com infiltrações hemorrágicas e consequentes hematomas. Após sua absorção, observamos, no local, concentração de pequenos vasos (telangiectasias). No obeso ocorre também aumento da 271 CARDIOLOGIA E DOENÇAS CIRCULATÓRIAS | Como eu trato Com auxílio do Duplex, John J. Bergan constatou que alguns pacientes com refluxo no sistema venoso superficial apresentavam também refluxo no sistema venoso profundo. No pós-operatório de cirurgia de varizes, foi observado que o refluxo no sistema venoso profundo era abolido em grande parte dos pacientes. Podemos supor, portanto, que a interrupção desse circuito de refluxo, pela retirada das veias superficiais incompetentes, corrige a sobrecarga do volume venoso profundo e permite diminuição do diâmetro do calibre das veias; aumenta também a velocidade de retorno do sangue pelo sistema venoso profundo, dando competência a esse sistema. hipertensão venosa pelo excesso do peso corporal e pela diminuição da mobilidade do paciente. O uso contínuo de cortisona aumenta a fragilidade capilar, permitindo o desenvolvimento de telangiectasias. Os hormônios estrógeno e progesterona favorecem a abertura de fístulas arteriovenosas com o surgimento de telangiectasias de fino calibre e enfraquecem as fibras elásticas das veias, desencadeando refluxo venoso. Na gestação, a paciente aumenta seu peso corporal e o seu organismo produz uma taxa de hormônios (estrógeno e progesterona) muito acima da normal, podendo desencadear varizes. No entanto, muitas varizes ditas gestacionais regridem nos primeiros meses pós-parto. Por esse motivo, não existe indicação de tratamento durante a gestação ou logo após o parto. Devemos aguardar, pelo menos, três meses. Podemos atribuir a ocorrência de varizes na gestante aos motivos abaixo relacionados: - No primeiro trimestre da gestação, pelo aumento da produção endógena dos hormônios estrógeno e progesterona. - No terceiro trimestre, o fator hormonal é acrescido do aumento de peso da gestante, da compressão das veias ilíacas pelo aumento do útero e da competição do fluxo venoso. Na gestante, com o desenvolvimento do feto, o maior aporte sanguíneo provoca aumento do fluxo venoso e do diâmetro das veias uterinas em mais de 10 vezes. Na junção das veias uterinas com as veias ilíacas, ocorre competição do fluxo sanguíneo e, consequentemente, estase venosa distal. Profissionais que trabalham muito tempo em pé ou sentados apresentam sobrecarga no sistema venoso pela hipofunção da bomba muscular da panturrilha, que auxilia o retorno do sangue ao coração. Isso aumenta a estase venosa e a pressão nas válvulas e parede das veias, podendo desencadear refluxo, com o aparecimento de varizes ou piora das mesmas. Nos pacientes que apresentam varizes, o uso prolongado de meia elástica pode trazer regressão ou melhora. Pacientes com varizes devem evitar posição ortostática ou sentada por período prolongado. Devem dormir com os pés da cama elevados (posição de Trendelenburg). Muitos pacientes apresentam melhora dos sintomas e das varizes com uso de medicamentos venoativos. CARDIOLOGIA E DOENÇAS CIRCULATÓRIAS | Como eu trato 272 Devemos ser criteriosos na indicação do tratamento cirúrgico, analisando as veias com refluxo e as condições do sistema venoso profundo. Como contraindicações cirúrgicas, temos: Expectativa do resultado cirúrgico não trazer melhora ao resultado estético e/ou funcional. Varizes em membro isquêmico, agenesia do sistema venoso profundo, doença grave, linfedema dos membros, diástese hemorrágica, gravidez e úlcera de estase ativa infectada (podemos realizar este procedimento desde que façamos cobertura de antibióticos). Como cuidado pré-operatório, devemos suspender o uso de antiagregantes plaquetários uma semana antes da cirurgia, suspender o uso de hormônios 30 dias antes e 60 dias após a cirurgia, suspender o uso de dicumarínicos seis dias antes e suspender heparina 24 horas antes do procedimento. 1- CIRURGIA DE VARIZES: O cirurgião vascular, antes de aprender a operar varizes, deve ter conhecimento das complicações e intercorrências do procedimento, para saber evitá-las. As complicações e intercorrências de que temos conhecimento são: linforragias, cistos linfáticos, lesões de nervos sensitivos ou motores, lesão de veia femoral, lesão arterial, corpo estranho no local da abordagem da crossa da safena, dor, equimose, hematomas, cicatrizes deformantes e necrose de pele. O método tradicional da cirurgia de varizes, quando realizada por profissional capacitado, com habilidade cirúrgica e capricho, visando ao resultado estético e funcional, é o melhor. Alguns cuidados devem ser tomados no tratamento das veias varicosadas para proporcionar resultados excelentes: • Microincisões (puntiformes): Com agulha 40/12 e exérese das varizes com agulha de crochê. • Ligadura de todas as veias perfurantes insuficientes, detectáveis pelo exame clínico e ultrassom, e veias colaterais, com a finalidade preventiva de hematomas. • Ligadura de todas as colaterais da crossa da safena magna quando esta for insuficiente. • Compressão por 10 minutos do trajeto da safena magna após fleboextração e ordenhar o seu trajeto (esvaziamento) após compressão. • Ligadura das colaterais da safena magna abaixo do maléolo e exérese das varizes colaterais. • Não usar gazes para hemostasia, na região inguinal. • Escleroterapia das telangiectasias durante cirurgia e picotamento de toda a rede em que foi aplicado o esclerosante. • Nas incisões maiores, para abordagem das safenas, usamos pontos intradérmicos ou Donnath lateralizados, aproximando bem o bordo da incisão. • Retirada precoce dos pontos da pele, em três a quatro dias, com proteção da incisão com Steri-Strip™. • Não se preocupar com o tempo cirúrgico, pois o que importa é o resultado funcional e estético da cirurgia. Antes de indicarmos uma cirurgia, devemos nos perguntar: esta cirurgia vai trazer melhora dos sintomas e na estética do paciente? Se não for o caso, devemos manter o tratamento clínico e não operar a paciente. Nunca devemos operar exames. Muitas vezes, o paciente nos apresenta ultrassom (US) com refluxo sem sintomas ou varizes com dano estético. Em alguns casos, a paciente apresenta sintomas, mas a cirurgia não trará melhora estética nem dos sintomas, como nos casos de paciente obesa e com idade avançada, já com algum comprometimento de coluna. Para realizarmos cirurgia de varizes, devemos programá-la com antecedência. Solicitar exames pré-operatórios: hemograma, glicemia, tempo de tromboplastina parcial (TTPA) e tempo de protrombina (TP). Pedir avaliação cardiológica para pacientes com antecedentes cardíacos ou idosos. A idade não contraindica a cirurgia, apenas a condição física do paciente; porém devemos ter critério em nossa indicação. Devemos ter em mãos o ultrassom doppler venoso colorido sempre que possível e houver indicação de sua solicitação. Este exame não é determinante para a conduta médica a ser tomada na cirurgia; ele auxilia na obtenção do melhor resultado no pós-operatório, identificando veias com refluxo venoso, veias perfurantes insuficientes, e nos informa também o calibre das veias estudadas, além da avaliação da circulação do sistema venoso profundo. Indicações cirúrgicas: a) Estética – pacientes com veias dilatadas salientes, sem sintomatologia, podendo ou não ser a veia safena ou colateral da mesma. b) Funcional – pacientes com veias dilatadas, com sintomatologia, comprometimento da veia safena ou insuficiência de veias perfurantes. c) Preventiva – pacientes com varizes exuberantes sem ou com pouca sintomatologia, com idade avançada, entrando em sedentarismo. Pacientes com este quadro são acometidos com maior frequência de trombose venosa profunda ou flebites superficiais. d) Urgência – neste quadro se encaixam os pacientes com flebites de veia safena, com progressão do coágulo em coxa no sentido da crossa da safena. A simples constatação de refluxo venoso na veia safena não é indicação de cirurgia de varizes. Podemos ter refluxo em veia safena de fino calibre com sintomatologia discreta de peso e cansaço, sem varizes visíveis. Neste caso, devemos postergar a cirurgia e preconizamos tratamento clínico com venotônicos e meias elásticas. Em pacientes durante ou logo após gestação (nos três primeiros meses), não indicamos escleroterapia ou cirurgia. Durante a gestação, o resultado do tratamento torna-se inócuo, não se obtendo melhora. Nos três primeiros meses pós-parto, 50% das telangiectasias, vasos ou varizes vão regredir espontaneamente, pois deixa de incidir o peso da gestante e o efeito hormonal que consideramos muito importante para gênese e piora das varizes. PRÉ-OPERATÓRIO: • Depilação da perna dois dias antes da cirurgia, com aparelho elétrico ou cera, evitando escarificar a pele com lâmina de barbear. • A marcação da perna deve ser realizada na véspera da cirurgia, no horário mais claro do dia, com o paciente em pé e deitado. O paciente deve ser colocada em nível elevado, 35 a 45 centímetros do chão. Primeiro marcamos as veias varicosas visíveis, as veias perfurantes e as crossas das safenas palpáveis, ignorando o US apresentado. Operamos as varizes e não o exame. Colocamos a paciente deitada e complementamos a marcação. Por último, com o US na mão, procuramos o que ele nos acrescenta. Com o paciente deitado, conferimos as veias perfurantes com fita métrica. Realizados esses procedimentos, traçamos a programação cirúrgica. A marcação deve ser CARDIOLOGIA E DOENÇAS CIRCULATÓRIAS | Como eu trato 273 puntiforme, com tinta especial, Caneta Texta Marks - Texta Fineline 700. Com ela, devemos identificar os pontos onde existem veias perfurantes insuficientes e os locais onde devemos realizar escleroterapia. • Orientamos o paciente a não molhar as pernas antes da cirurgia e fazer jejum de oito horas. • Prescrever para o paciente Arnica Montana CH6, quatro dias antes da cirurgia, fazendo uso de cinco glóbulos ou gotas de 4/4 horas. Faixa de Esmach: Esta técnica só pode ser aplicada em pacientes com varizes, com membro não isquêmico. Usamos com frequência em cirurgia de varizes exuberantes, com tendência a grande sangramento. Vantagens do uso da faixa de Esmarch: ausência de sangramento, diminuição ou ausência de dor no pósoperatório, diminuição ou ausência de hematoma ou equimose no trajeto da fleboextração e, em consequência do não sangramento, diminuição do tempo cirúrgico. Preservação da Safena Magna Total ou Parcial: Devemos, sempre que possível, preservar a veia safena magna total ou parcialmente. Uma veia normal pode ser usada como substitutivo em cirurgias arteriais, em enxerto femoropoplíteo ou como ponte de safena em cirurgias cardíacas. Antes do advento do ultrassom doppler venoso colorido, tal conduta era adotada apenas com base no exame clínico, com resultado bastante falho. Hoje, com o ultrassom e o mapeamento dúplex, obtemos informações que muito nos ajudam na preservação da safena. CARDIOLOGIA E DOENÇAS CIRCULATÓRIAS | Como eu trato 274 Endovenous Laser Treatment: Utiliza energia laser de Diodo 810 nm. A luz laser queima a veia in loco, porém não a retira, podendo aparecer cordão fibroso no local. Com o calor da luz, pode-se lesar nervos sensitivos, surgindo áreas de parestesia. O método não retira as varizes colaterais e impossibilita a ligadura de veias perfurantes insuficientes, sendo necessária cirurgia tradicional complementar. Em resumo, o resultado estético deixa muito a desejar. As únicas indicações que vemos para uso do endolaser seriam em pacientes que apresentem refluxo importante na safena sem condições de saúde para serem submetidos à cirurgia convencional, fibrose cicatricial na região inguinal (radioterapia) e úlcera ativa em cima de veia perfurante insuficiente. Cirurgia com Radiofrequência: Com o paciente anestesiado, introduzimos cateter na veia. Com auxílio de ultrassom, o cateter é direcionado para a veia que apresenta refluxo. Com bandagem elástica, retiramos o sangue da safena (esvaziamento por compressão) e, em seguida, ativamos o gerador de radiofrequência, fazendo com que o eletrodo na ponta do cateter aqueça a parede da veia a aproximadamente 85 °C. O cateter aquecido é puxado lentamente, queimando o segmento da veia que pretendemos tratar. Efeitos indesejáveis deste método: • Varizes residuais: não são retiradas varizes colaterais, sendo necessária cirurgia tradicional complementar para obtermos resultado satisfatório. • Fibrose no trajeto da veia submetida à radiofrequência. •Resultado estético precário. • Parestesia por lesões de nervos sensitivos. • Flebite, Embolia e Queimadura da Pele. ESCLEROTERAPIA E PICOTAMENTO A associação de escleroterapia com o picotamento nas telangiectasias só é possível com o paciente anestesiado. O resultado funcional e estético que a técnica nos traz é impressionante, pois conseguimos tirar manchas avermelhadas (pequenos vasos), o que antes era impossível. REEXPLORAÇÃO DE CROSSA EM RECIDIVA DE VARIZES (Tratamento de Varizes Recidivadas) Nas varizes recidivadas, com refluxo por colaterais de crossa de safena magna, faz-se necessária a reexploração da crossa da safena, para que possamos abordar as colaterais. Tal técnica requer alguns cuidados e treinamento para ser realizada. Se não agirmos nos pontos de refluxo, não conseguiremos resolver o problema e, assim, curar o paciente. Nas reexploração de crossa da safena magna, não devemos abordar o trajeto da veia safena diretamente na região inguinal (abordagem clássica em cirurgia de varizes). Caso o façamos, iremos encontrar um lago de veias e vasos aderidos, com fibrose, tornando impossível o acesso à veia que está com refluxo. Pós-Operatório: No pós-operatório imediato, o paciente deve ficar em posição de Trendelenburg, realizar movimentos ativos com os pés e joelhos, flexão e extensão dos mesmos. À noite, passado o efeito anestésico, com acompanhamento da enfermagem, pode deambular até o banheiro. No dia seguinte, pela manhã, trocamos o curativo, retirando as compressas e o algodão ortopédico, e reenfaixamos o membro com ataduras Curity e atadura de Crepe de 20 centímetros de largura. Orientamos o paciente a deambular 10 minutos a cada 2 horas de repouso, e fazer ginástica de flexão das pernas, 10 vezes com cada membro. Molhar-se, com banho completo, 48 horas após cirurgia, tomando cuidado para não retirar o Steri-Strip. Retorno ao consultório três a quatro dias após cirurgia, para retirada dos pontos de mononylon, colando, após a retirada dos mesmos, tiras de Steri-Strip. Todos os Steri-Strip da perna devem ser retirados uma semana após a cirurgia. O paciente deve ser orientado a passar, nas manchas arroxeadas, pomadas à base de ácido mucopolissacárido-polissulfúrico após o banho, procurando massagear, com pressão, o trajeto da fleboextração, onde foram retiradas as varizes e as colaterais. Orientamos o paciente a não expor as pernas ao sol enquanto persistirem as manchas e o uso de meias elásticas com compressão de 20 a 30 mmHG, até os joelhos, por quarenta dias. Prescrevemos também venotônico por sessenta dias e orientamos elevar os pés da cama oito ou dez centímetros, mantendo uso de Arnica Montana CH 6 por mais 10 dias. CARDIOLOGIA E DOENÇAS CIRCULATÓRIAS | Como eu trato 275 Dra. Maria de Lourdes Teixeira da Silva (CRM 52568) Dra. Bianca Zanchetta B. Miguel (CRM 116494) Conduta nutricional nos pacientes em cuidados paliativos CUIDADOS PALIATIVOS | Como eu trato 276 A desnutrição está presente em cerca de 50% dos pacientes com câncer, e determina a redução do tempo de sobrevida e menor resposta terapêutica quanto à rádio e quimioterapia, quando comparados aos pacientes não desnutridos (1,2). Essa desnutrição é do tipo calórico-proteica em decorrência do desequilíbrio entre a ingestão e as necessidades nutricionais muitas vezes elevadas, principalmente quando se trata de câncer do trato gastrintestinal e do pulmão. A desnutrição determina o aumento da morbidade e mortalidade durante o tratamento do câncer e o favorecimento da caquexia, complicação frequente no paciente portador de neoplasia maligna (3,4). A caquexia neoplásica é uma síndrome que contribui para piorar a qualidade de vida e favorecer a morbimortalidade. Caracteriza-se por perda de peso, lipólise, atrofia muscular, anorexia, náusea crônica, anemia, edema e astenia. Acomete cerca de 80% a 90% de pacientes oncológicos adultos, sendo os cânceres do trato digestório, justamente por agredirem diretamente órgãos relacionados à nutrição (ingestão, absorção e utilização de nutrientes), os mais associados à caquexia (5,6). A caquexia é causa imediata da morte em 20% a 40% dos pacientes com câncer (3). A caquexia nos pacientes com câncer esta associada à alteração do metabolismo de carboidratos, proteínas e lipídios (7). Essas alterações metabólicas são predominantemente causadas pelo aumento de citocinas, produzidas pelo sistema imune do paciente em resposta à existência do tumor, bem como por hormônios liberados pelo tumor (8,9). Alteração do metabolismo de carboidratos, proteínas e gorduras na caquexia do câncer Alteração do metabolismo de carboidratos O tumor requer quatro a cinco vezes mais glicose para crescer quando comparado às células normais (10). Os tumores malignos obtêm 50% de sua energia a partir da glicólise, mantendo os pacientes em constante estado de gliconeogênese. A glicose obtida pelo tumor é convertida em acido lático, que estimula o fígado a produzir mais glicose, que volta ao tumor e produz acido lático, constituindo o ciclo de Cori (11). Esse ciclo pode explicar o mecanismo pelo qual a energia é depletada em pacientes com câncer. A atividade do ciclo de Cori esta aumentada em 50% em pacientes com câncer. Ocorre também prejuízo da tolerância à glicose, possivelmente devido ao aumento da resistência à insulina, induzido pelo TNF-a (12). Alteração do metabolismo proteico A depleção proteica é um importante marcador do encurtamento do tempo de sobrevida desses pacientes. Ocorre aumento da degradação proteica, sobretudo muscular, e redução da síntese de proteína, proporcional ao crescimento do tumor (13). A diminuição da síntese proteica pode ser resultante da redução da concentração plasmática de insulina e da sensibilidade do músculo esquelético à insulina. Outra causa possível é a redução do nível de formação protéica, por suplementação de aminoácidos requeridos para a síntese proteica, ou ainda por falta de atividade física nos pacientes caquéticos (3,14). A síntese de proteínas de fase aguda está aumentada em nível hepático nesses indivíduos (29). O músculo apresenta três caminhos proteolíticos: o caminho clássico lisossomal (catepsina B, H, L e D); o citosolico, dependente de Ca; e o citosolico, dependente do caminho ATP-ubiquitina. Este último é considerado o caminho da degradação proteica em pacientes caquéticos com câncer, possivelmente causado pelo TNF-a (11,15). A ubiquitina atua como um sinal para a proteasome 26S degradar a proteína 31. Entretanto, o aumento da degradação protéica visto na perda de peso inicial, também está associado ao aumento da atividade da catepsina D, conforme se observa na biópsia muscular de pacientes caquéticos (16). A gordura constitui cerca de 90% da reserva de combustível do indivíduo adulto, e sua depleção é vista com frequência na caquexia do câncer. A grande proporção de perda de peso é, assim, atribuída à perda de estoques de gordura, em razão do aumento da lipólise e da redução da lipogênese (17). Ocorre, nestes casos, também hiperlipidemia, que pode ser resultado da redução da atividade da LPL (lipase lipoproteica). Dois mecanismos propostos explicam a perda de gordura nesses pacientes. O primeiro é a inibição da LPL pelo TNF-a, que impede os adipócitos de estocar ácidos graxos. O TNF-a também promove liberação do LMF (fator mobilizador dos lipídios), que estimula os adipócitos a liberar glicerol, com consequente hipertrigliceridemia. O segundo mecanismo consiste na estimulação da hidrólise de triglicerídeos nos adipócitos, iniciando a quebra das gorduras (18). Esse mecanismo explica o aumento do glicerol e a utilização de ácidos graxos. Terapêutica Nutricional Os guidelines da Sociedade Americana de Nutrição Parenteral e Enteral, (Aspen Guidelines, 2002 ) (19) indicam que a terapia nutricional paliativa em pacientes oncológicos é raramente indicada (nível de evidência B). Segundo os da Sociedade Europeia de Nutrição Parenteral e Enteral (Espen Guidelines 2009)(20), a terapia nutricional especializada não é obrigatória em casos de cuidados fúteis ou situações de cuidados paliativos. A decisão de fornecer a terapia nutricional deve ser baseada na discussão efetiva entre o paciente e a família, com o respeito pela autonomia do paciente (nível de evidência E). Os serviços de saúde não são obrigados a iniciar a terapia nutricional em todas as situações de cuidados paliativos. A implantação da terapia nutricional, enteral ou parenteral, não tem demonstrado melhora dos resultados. Entretanto, fatores culturais, étnicos, religiosos, ou necessidades individuais dos pacientes em algumas circunstâncias vão necessitar da indicação de terapia nutricional. (21,22) Em relação à redução da frequência da nutrição enteral, quando a ingestão via oral se encontrar dentro da faixa de 60% a 70 % das recomendações calórico-proteicas preconizadas, pode-se estudar a possibilidade de interromper a nutrição enteral (23). Em metanálise 24 realizada com 70 artigos randomizados controlados, os resultados não mostraram benefícios da terapia nutricional em pacientes oncológicos sob cuidados paliativos com relação à sobrevivência, morbidade e tempo de hospitalização. Ficaram evidentes, ainda, riscos importantes, 277 CUIDADOS PALIATIVOS | Como eu trato Alteração do metabolismo lipídico efeitos incômodos e ausência de demonstrações claras de benefícios. Entretanto, uma das principais indicações para nutrição parenteral domiciliar (NPD) ainda é o câncer avançado obstrutivo, particularmente visto no câncer de ovário e carcinomatose peritoneal (25). Staun e col (26) recomendam que a NPD seja reservada a pacientes que ainda apresentam função normal dos órgãos vitais e índice de Karnovsky maior que 50. O princípio da autonomia se estabelece quando o paciente é informado e tem capacidade de tomar decisões. Este é um dos princípios éticos fundamentais para o direcionamento das escolhas dos tratamentos. Cada momento de vida tem importância individual; muitas vezes não importa se é doloroso ou limitado em qualidade, e pode ter valor inestimável. Acredita-se que a nutrição artificial não é moral ou eticamente obrigatória, mas faz parte do tratamento médico; portanto, pode ser mantido ou suspenso conforme circunstâncias médicas ou éticas. O conceito nutricional “na dúvida alimente”, pode ser aplicado se assim acordado. 27 Conclusões 1. O princípio de autonomia do paciente deve ser respeitado. 2. A escolha do tipo de terapia nutricional deve contemplar os aspectos éticos de cuidados paliativos. 3. A dieta deve ser individualizada e discutida com o paciente, com os familiares e com a equipe multiprofissional. 4. A terapia multimodal que inclui agentes orexígenos, anticatabólicos e anabólicos parecem promissores na indução de apetite, ganho de peso, massa muscular e possivelmente da qualidade de vida em pacientes sob cuidados paliativos. CUIDADOS PALIATIVOS | Como eu trato 278 Referências bibliográficas 1. Instituto Nacional de Câncer (INCA) [Internet]. Estimativa 2008: incidência de câncer no Brasil. [citado Ago. 12 2010]. 2007. Disponível em http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/ estimativa_incidencia_cancer_2008.pdf 2. Dias MCG. Cancer. In: Cuppari L. Nutrição: nutrição clínica no adulto. São Paulo: Manole; 2002. p. 223-34. 3. Fearon CK, Voss AC, Hustead D. Definition of cancer cachexia: effect of weight loss, reduced food intake, and systemic inflammation on functional status and prognosis. Am J Clin Nutr. 2006;83:1345-50. 4. Correa PH, Shibuya E. Administração da terapia nutricional em cuidados paliativos. Rev Bras Cancerol. 2007;53;317-23. 5. Dewys WD, Begg C, Lavin PT, Band PR, Bennett JM, Bertino JR, et al. Prognostic effect of weight loss prior to chemotherapy in cancer patients. Eastern Cooperative Oncology Group. Am J Med. 1980;69:491-7 6. Waitzberg DL. Sindrome anorexia/caquexia em câncer: abordagem terapêutica. São Paulo: Bristol-Myers Squibb Farmacêutica; 2004. 7. De Blaauw I, Deutz NEP, Von Meyenfeldt MF. Metabolic changes in cancer cachexia--first of two parts. Clin Nutr. 1997;16:169-76. 8. Fox KM, Brooks JM, Gandra SR, Markus R, Chiou CF. Estimation of cachexia among cancer patients based on four definitions. J Oncol. 2009;2009:693458. 9. Bruera B. ABC of palliative care. Clinical Review. 1997 315:1219-22. 10. 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Serum levels of interleukin 6 in patients with lung cancer. Br J Cancer. 1995;5:1095-8. 23. Fearon K, Barber MD, Falconer JS, McMillan DC, Ross JA, Preston T. Pancreatic cancer as a model: inflammatory mediators, acute-phase response, and cancer cachexia. World J Surg. 1999;23:584-8. 24.American Society for Parenteral and Enteral Nutrition Board of Directors: Guidelines for the use of parenteral and enteral nutrition in adult and pediatric patients.JPEN 2002 26 (1) Suppl:82SA-83SA. 25. McClave SA, Martindale RG, Vanek VW, McCarthy M, Roberts P, Taylor B et.al. A.S.P.E.N. Board of Directors; American College of Critical Care Medicine; Society of Critical Care Medicine. Guidelines for the Provision and Assessment of Nutrition Support Therapy in the Adult Critically Ill Patient: Society of Critical Care Medicine (SCCM) and American Society for Parenteral and Enteral Nutrition (A.S.P.E.N.). JPEN J Parenter Enteral Nutr. 2009 May-Jun;33(3):277-316 26. DeLegge MH, McClave SA, DiSario JA, et al. Ethical and medicolegal aspects of PEG-tube placement and provision of artificial nutritional therapy. Gastrointest Endosc. 2005;62:952-959. 27.Van der Riet P, Brooks D, Ashby M. Nutrition and hydration at the end of life: pilot study of a palliative care experience. J Law Med.2006;14:182-198 28. Orrevall Y, Tishelman C, Permert J, Cederholm T. Nutritional support and risk status among cancer patients in palliative home care services. Support Care Cancer. 2009 Feb;17(2):153-61. Epub 2008 Jun 5. CUIDADOS PALIATIVOS | Como eu trato 279 Dra. Veruska Menegatti Anastácio Hatanaka (CRM 90881) Dra. Juliana Monteiro de Barros (CRM 91634) Enfa. Ingrid de Almeida Barbosa (Coren 158171) Cuidados paliativos CUIDADOS PALIATIVOS | Como eu trato 280 Como tratar o intratável ou atender situações clínicas para as quais a medicina não disponibiliza intervenções que permitam a cura da doença de base, e que implicam no cerceamento da sobrevida do paciente? Permitir o adequado controle de sintomas, propiciando melhorias na qualidade de vida de pacientes acometidos por doenças progressivas, que ameacem a continuidade da vida, estendendo os cuidados aos seus familiares. Este é o alvo da prática em Cuidados Paliativos. Considerando-se, inicialmente, apenas pacientes “fora de possibilidade de cura”, os Cuidados Paliativos, especialidade médica reconhecida em alguns países e área de atuação médica referendada no Brasil, permitem, segundo a definição revisada pela OMS em 2002, a concomitância da abordagem paliativa com o tratamento curativo, desde o diagnóstico de uma doença crônica. Conforme a progressão e na refratariedade às propostas curativas imperam as intervenções paliativas, sobretudo na fase final, que pode compreender os últimos dias ou horas de vida. A modalidade curativa de atenção cede espaço, portanto, ao tratamento paliativo, aproximando polos que, antes, acreditava-se serem contrários. A ênfase no controle de sintomas físicos, psíquicos, sociais e espirituais propiciado pela equipe interdisciplinar de Cuidados Paliativos viabiliza a qualidade de vida, tornando o paciente o mais ativo possível, habilitando-o a exercer sua autonomia enquanto for viável, com resgate do seu papel no eixo familiar, profissional e social. Assim sendo, a teoria do cuidar é modalidade ativa de tratamento, e fundamental para que se dê plena atenção aos detalhes da vida daqueles que sofrem com o peso de limitações. Neste âmbito, a estreita relação da equipe de Cuidados Paliativos com o paciente e sua família é via para a melhor abordagem: aquela que interfere e cuida; pouco invade e conforta. A equipe de enfermagem, dentre os profissionais atuantes em cuidados paliativos, tem importante participação nesse detalhamento, pois está constantemente à beira do leito hospitalar. A avaliação de problemas correntes e potenciais direciona a equipe para intervenções específicas, desde que os profissionais estejam atentos e em permanente discussão quanto aos cuidados a serem tomados. Aqui, a enfermagem sinaliza, discute e intervém, bem como outros profissionais envolvidos em cada nível de atuação. O entendimento do paciente se reflete no conceito de dor total: a dor em Cuidados Paliativos é física, psíquica, social e espiritual. Assim, o alívio da dor e de outros desconfortos exige avaliação de aspectos físicos, e também atenção para o risco de se minimizar, inadvertidamente, as dimensões psíquicas, sociais e espirituais. A dor total demanda, portanto, intervenções específicas, sendo um dos ícones de evidências em cuidados paliativos. O objetivo é otimizar o tratamento, trazendo o alívio necessário com o menor custo para o paciente. Evitar-se a toxicidade desencadeada pela introdução inadequada de medicamentos, nestes casos, tem efeito direto sobre resultados no tratamento de pacientes com dor crônica ou aguda, sendo fundamental para adesão aos cuidados de longo prazo. Por outro lado, a titulação de doses de medicamentos como opioides deve ser feita com cautela, principalmente para controle de dor modulada por questões que transcendem a ordem física, evitando-se quebras no seguimento desses casos. A possibilidade de menor tempo de internação é de fundamental importância para quem perde a passos largos sua independência. Dentre os opioides, o destaque é a morfina, amplamente utilizada em Cuidados Paliativos desde a sua introdução nesta prática pela Dra. Cicely Saunders, mentora do moderno movimento de hospices e de conceitos como dor total. Seu uso encontra respaldo na recomendação da OMS para controle da dor oncológica, e é o principal opioide em Cuidados Paliativos. Respeitando-se a meia vida de quatro horas da morfina, a administração preferencial e mais confortável, por via oral e, na ausência desta possibilidade, o uso da hipodermóclise, combina-se o uso da morfina com doses de resgate nos intervalos em que existe dor incidental. Este opioide é responsável, em muitos casos, por excelente controle álgico, e razoável aceitação de efeitos colaterais conhecidos. A morfina pode ainda ser usada no controle sintomático da dispneia em doses inferiores às usualmente prescritas para tratamento da dor. Ao menos 90% dos pacientes em uso de opioides desenvolvem obstipação intestinal, daí a associação de drogas laxativas, mormente estimulantes da mucosa colônica. A prescrição, assim como a abordagem pessoal em Cuidados Paliativos, prima pelo respeito à identificação das causas de sofrimento, direcionando o tratamento segundo os mecanismos envolvidos em cada intercorrência presente e visando à proteção do paciente, prevenindo-o com relação ao porvir dentro de seu quadro clínico. A condução do paciente e seus familiares pelo sofrimento e angústia gerados por doenças potencialmente fatais exige atenção por parte dos profissionais envolvidos nos cuidados, para que se faça a comunicação de más notícias adequadamente, seguindo o princípio da verdade progressiva e suportável. Antes de tudo e de qualquer um, o paciente sabe o que se passa. O respeito aos seus limites e a delicadeza na identificação do que o paciente deseja saber, de acordo com as fases que permeiam a aceitação da doença, descritas por Kübler Ross, modulam o processo da comunicação em Cuidados Paliativos. A tríade paciente-família-profissional da saúde caminha, em Cuidados Paliativos, no preparo para a finalização da vida, quando a comunicação tem papel fundamental, gerando discussões éticas sobre temas como hidratação, nutrição e sedação paliativa, sobretudo nas últimas 48 horas de vida. O manuseio desta fase requer a detecção do “ponto de não retorno”, entendendo-se o controle de sintomas como prioridade, com revisões regulares de prescrições e sintomas, evitando-se intervenções diagnósticas e terapêuticas consideradas desnecessárias ou fúteis, assegurando-se o apoio à família e aos cuidadores e respeitando-se a ortotanásia. Vida e morte são faces inseparáveis da existência humana. Viver é aprender a morrer. A medicina paliativa torna factível a substituição da atenção à doença e à cura pela atenção ao cuidar e ao doente em um contexto de interação interdisciplinar cujos benefícios remontam, todos os dias, aos melhores conceitos de qualidade em atendimento em saúde. Referências: 1. Cuidado Paliativo: Publicação do Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo (Cremesp), 2008. 2. L. Jost, F. Roila. Management of cancer pain 2009; ESMO Clinical Recommendations. Annals of Oncology 20 (Supplement 4): iv170–iv173 3. Hatanaka M A V. Obstipação e Diarreia. Manual de Cuidados Paliativos/ANCP ( Rio de Janeiro); Diagraphic 2009; 124-31 4. Reynolds S, Cooper A, McKneally M. Withdrawing Life-Sustaining Treatment: Ethical Considerations 2007; Surg Clin N Am 87: 919–36. 281 CUIDADOS PALIATIVOS | Como eu trato Perante sintomas refratários e intoleráveis, com a anuência do paciente e/ou responsável legal, e após devida abordagem pela equipe interdisciplinar de Cuidados Paliativos, dispõe-se da terapêutica de sedação paliativa. A administração de sedativos, preferencialmente benzodiazepínicos, é aplicada com o intuito de reduzir o nível de consciência do paciente ao mínimo necessário para controle sintomático. Para alguns pacientes, isso pode significar total inconsciência; para outros, é possível obter o alívio de sintomas mantendo a interação com seu entorno, a depender da infusão utilizada. Dra. Alba Maria Clausen da Trindade (CRM 27700) Dra. Samantha Vernaschi Kelmann (CRM 109119) Dra. Sandra Leny G. Barbosa (CRM 24696) Alopecias dermatologia | C o m o e u t r a t o 282 O termo alopecia significa diminuição de pelos ou cabelos. Muitas podem ser causas de alopecias de congênitas a adquiridas, cicatriciais ou não. As mais prevalentes estão relacionadas abaixo. Alopecia Androgenética É a perda de cabelos em áreas geneticamente determinadas de indivíduos predispostos, sendo esta a mais comum causa de alopecias. Os padrões deste tipo de queda de cabelos são diferentes em homens e mulheres (figuras 1 e 2). No sexo masculino, ocorre devido à presença dos hormônios androgênicos que agem sobre os folículos capilares andrógenos-sensíveis, que progressivamente vão se tornando mais finos (miniaturização dos fios), claros e, então, caem. A di-hidrotestosterona, um metabólito da testosterona, parece ser o principal hormônio envolvido na alteração capilar. No sexo feminino, ainda não foi comprovada base hormonal que explique a alopecia até o momento. Figura 1: alopecia masculina escala Hamilton-Norwood Figura 2: alopecia feminina escala Ludwig Tratamento O tratamento da alopecia androgênica consiste em uma tentativa de reversão do quadro ou, pelo menos, manutenção dos fios de cabelos já existentes. Pode ser obtido a partir de medicamentos tópicos, medicamentos via oral e tratamento cirúrgico. • Tópicos: Minoxidil - em solução tópica até a 5%, reverte o processo de miniaturização do pelo por prolongamento da fase anágena do ciclo capilar e hipertrofia do folículo. Alfaestradiol – em solução alcóolica 0,025%, age por estímulo a aromatase com aumento da produção de 17-beta-estradiol pela testosterona e diminuição da síntese de di-hidrotestosterona. Progesterona – em solução até 4%. • Via oral: Finasterida – inibidor seletivo da 5-alfa redutase tipo 2 que faz a conversão periférica da testosterona em di-hidrotestosterona. Usado na dose de 1 mg ao dia para sexo masculino. Em mulheres, é contra-indicado na idade fértil. Dutasterida – inibidor da 5-alfa redutase tipo I e II – ainda em estudos para liberação de uso em casos de alopecia. Espironolactona – anti-androgênico, podendo ser usado apenas para o sexo feminino. Doses variam de 50 a 200 mg ao dia. Acetato de ciproterona – anti-androgênico e anti-gonadotrófico usado na dose de 25-50 mg nos primeiros dez dias do ciclo menstrual deve ser usado juntamente com algum anticoncepcional para evitar gravidez. Também somente usado em mulheres. Em pós- menopausa, o uso deve ser contínuo. • Cirúrgico: o transplante capilar por técnica de micro e minienxertos tem mostrado excelentes resultados estéticos. Alopecia Areata É uma doença crônica inflamatória que atinge folículos pilosos e algumas vezes também as unhas. Clinicamente, aparecem áreas delimitadas sem pelos e os fios apresentam-se peládicos ou “em ponto de exclamação” nas margens da placa alopécica, que podem ser únicas ou múltiplas. Pode atingir qualquer região do corpo em que haja folículos. As unhas podem apresentar irregularidades, chamadas pittings ungueais – pequenos afundamentos pontuados em lâmina ungueal. Acomete ambos os sexos. Tratamento Remissões espontâneas ocorrem em até 80% dos casos. O tratamento é sintomático e o prognóstico é muito variável dependendo de cada paciente. Usa-se, dentre outros: Corticóides tópicos e intralesionais – são os medicamentos mais utilizados Minoxidil – em solução a 5% - estimula a síntese folicular de DNA e age na proliferação e diferenciação de queratinócitos. Antralina – usada a 0,5 a 1% por 20 a 30 minutos. Tem ação irritativa local e a sua concentração deve-se aumentada progressivamente. Difenciprone – imunoterapia tópica com necessidade de desensibilização com a difenciprone a 2% e, em seguida, aplicações semanais com aumento progressivo da concentração a partir de 0,001%. dermatologia | C o m o e u t r a t o 283 Eflúvio Telógeno Tipo de alopecia difusa, multifatorial, onde há queda mais acentuada de fios que já estão na fase telógena (fase de queda) do ciclo capilar, bem como fios que entram mais rapidamente na fase telógena devido a perda de peso, pós-parto, amamentação, deficiências vitamínicas e de oligoelementos, medicamentos, doenças e estresse. Tratamento Baseia-se no encontro e remoção da causa base, orientação sobre o processo do ciclo capilar e ajustamento vitamínico e de oligoelementos. Eflúvio Anágeno-Distrófico Outro tipo de alopecia difusa aguda, onde há eliminação de fio de cabelo na fase anágena (fase de crescimento do fio), estando este porém mais fino, irregular ou distrófico devido a múltiplas causas, como medicamentos (especialmente quimioterápicos), radioterapia, doenças e cirurgias mais comprometedoras. Alguns quimioterápicos (como o bussulfano em doses muito altas) podem levar a uma alopecia permanente. Tratamento A remoção da causa pode progressivamente fazer os cabelos voltarem a crescer saudáveis. Indica-se adequar o suporte proteico-calórico e, em casos pós-quimioterapia, pode-se usar minoxidil em solução tópica a 5%. Alopecia de Pressão dermatologia | C o m o e u t r a t o 284 Ocorre principalmente em mulheres pelo ato de tracionar os fios de cabelos em amarramentos e após uso de produtos químicos que promovem alisamentos. É um tipo de alopecia na margem dos cabelos com a face. Pode ocorrer também com pessoas que usam por um longo período de tempo chapéus e bonés. O tratamento consiste na remoção da causa. Bibliografia: Rook’s Textbook of Dermatology – vol 4 cap 63 páginas 63.18-63.91 Dermatologia – Sampaio & Rivitti – 3ª ed cap.31 pg. 419-439. Rivitti EA. Alopecia Areata: revisão e atualização. An Brasileiros de Dermatologia. 2005;80(1):57-68. Dr. Marcelo Vivolo Aun (CRM 117190) Dra. Carla Bisaccioni (CRM 112244) Dr. Pedro Francisco Giavina-Bianchi Júnior (CRM 70584) Anafilaxia – Critérios Diagnósticos e Tratamento A anafilaxia pode ser caracterizada como uma reação sistêmica aguda, grave, que acomete vários órgãos e sistemas simultaneamente, e é determinada pela atividade de mediadores farmacológicos liberados por mastócitos e basófilos ativados1-3. A anafilaxia pode ocorrer tanto por mecanismos imunológicos (alérgicos), como também por mecanismos não imunológicos (não alérgicos). Atualmente, todas as reações são denominadas anafilaxia, imunológica ou não imunológica1. Diagnóstico O diagnóstico de anafilaxia baseia-se nos achados clínicos e está sumarizado na Tabela 1. Tabela 1. Critérios clínicos para o diagnóstico de anafilaxia1 A anafilaxia é altamente provável quando qualquer um dos três critérios abaixo for preenchido: 1) Doença de início agudo (minutos a várias horas) com envolvimento da pele, tecido mucoso ou ambos (ex: urticária generalizada, prurido ou rubor facial, edema de lábios, língua e úvula) e pelo menos um dos seguintes: a) comprometimento respiratório (ex: dispneia, sibilância, broncoespasmo, estridor, redução do pico de fluxo expiratório [PFE], hipoxemia). b) Redução da pressão arterial ou sintomas associados de disfunção terminal de órgão (ex: hipotonia [colapso], síncope, incontinência). 2) Dois ou mais dos seguintes que ocorrem rapidamente após a exposição a provável alérgeno para um determinado paciente (minutos ou várias horas): a) envolvimento de pele-mucosa (urticária generalizada, prurido e rubor, edema de lábio-língua-úvula). b) comprometimento respiratório (dispneia, sibilância-broncoespasmo, estridor, redução do PFE, hipoxemia). c) Redução da pressão sangüínea ou sintomas associados (ex: hipotonia [colapso], síncope, incontinência). d) Sintomas gastrintestinais persistentes (ex: cólicas abdominais, vômitos). dermatologia | C o m o e u t r a t o Definição 285 3) Redução da pressão sanguínea após exposição a alérgeno conhecido para determinado paciente (minutos ou várias horas): a) Lactentes e crianças: pressão sistólica baixa (idade específica) ou maior do que 30% de queda na pressão sistólica b) Adultos: pressão sistólica abaixo de 90 mmHg ou queda maior do que 30% do seu basal. Na criança pressão sistólica baixa é definida como inferior a 70 mmHg para a idade de um mês a um ano, menor do que (70 mmHg + [2 x idade]) para os de um a dez anos e abaixo de 90 mmHg para os entre 11 e 17 anos. Fatores de Risco Os fatores que aumentam o risco de anafilaxia grave ou fatal incluem: doenças concomitantes como asma e outras doenças respiratórias graves, doenças cardiovasculares, fatores relacionados à idade, mastocitose e doenças atópicas graves como rinite alérgica1-3. O uso de β bloqueadores e inibidores da enzima conversora da angiotensina (ECA) também podem aumentar o risco de anafilaxia1. Fatores Desencadeantes Os alimentos são os principais desencadeantes nas crianças, adolescentes e adultos jovens, podendo ocorrer uma variação regional, dependendo dos hábitos populacionais3. Ferroadas de insetos e medicamentos são frequentemente associados à anafilaxia nos adultos e idosos. Os principais medicamentos responsáveis pela anafilaxia em todo o mundo são: antimicrobianos, anti-virais, antifúngicos e anti-inflamatórios não-esteroidais (AINEs)2,3. 286 dermatologia | C o m o e u t r a t o Outras causas frequentes de anafilaxia são: • • • • • • • • • • Quimioterápicos Anticorpos monoclonais Contaminantes em medicamentos Contraste iodado Intervenções perioperatórias – bloqueadores neuromusculares, tiopental, propofol, opioides, antimicrobianos, protamina, clorexidine, látex, dextran Testes cutâneos com alérgenos, provocação com alimentos ou drogas, imunoterapia alérgeno específica, dessensibilização. Alérgenos ocupacionais Líquido seminal Aeroalérgenos Anafilaxia idiopática Quadro Clínico Os sinais cutâneos estão presentes em 80 a 90% dos casos de anafilaxia, e quando ausentes, dificultam o diagnóstico1-3. Os principais sinais e sintomas de anafilaxia são: • Pele, tecido subcutâneo e mucosas – prurido cutâneo, urticária, angioedema, exantema morbiliforme, prurido ocular, hiperemia de conjuntiva, edema palpebral, prurido nos lábios, língua, palato, ouvido, edema de língua, lábios, úvula, prurido de genitais, palmas e plantas1; • Sintomas respiratórios – Prurido nasal, congestão, coriza, espirros, prurido em orofaringe, disfonia, rouquidão, sensação de aperto, estridor, tosse seca, aumento da freqüência respiratória, dispneia, opressão torácica, sibilos, broncoespasmo, diminuição do pico de fluxo, cianose, falência respiratória1; • Sintomas gatrointestinais – dor abdominal, náuseas, vômitos, diarreia, disfagia1; • Sistema cardiovascular – dor torácica, taquicardia, bradicardia, palpitações, outras arritmias, hipotensão, choque, falência cardíaca1; • Sistema Nervoso Central – alteração de comportamento, irritabilidade, cefaléia, fraqueza, confusão, alteração visual1; • Outros – gosto metálico na boca, cólicas e sangramento por contração uterina, incontinência urinária e fecal1. Exames subsidiários Algumas vezes, o diagnóstico da anafilaxia pode ser difícil. Como há vários diagnósticos diferenciais, pode-se realizar a dosagem da triptase sérica, que é liberada pelos mastócitos ativados e se encontra elevada até seis horas após o evento1-3. As amostras de sangue devem ser colhidas 15 minutos até três horas do início dos sintomas, de forma seriada3. Níveis aumentados sustentam a hipótese de anafilaxia por ferroada de insetos ou por medicamentos e em pacientes hipotensos3. Entretanto, na anafilaxia por alimentos e em normotensos, a triptase pode manter-se normal1-3. Diagnóstico diferencial1 Os principais diagnósticos diferenciais da anafilaxia são: Asma aguda Síncope Ansiedade / Ataque de pânico Urticária aguda generalizada Aspiração de corpo estranho Cardiovascular (infarto, embolia pulmonar) Eventos neurológicos (convulsão, acidente vascular cerebral) Síndromes pós-prandiais (glutamato monossódico, sulfitos, envenenamento por alimentos) Excesso de histamina endógena (Mastocitose, leucemia basofílica) Síndrome carcinóide, Carcinoma medular de tireóide Disfunção de prega vocal Hiperventilação Choque hipovolêmico, cardiogênico, distributivo, séptico Angioedema hereditário, angioedema por inibidor da ECA Síndrome do homem vermelho Feocromocitoma Tratamento A base para o sucesso no tratamento é a rapidez das ações, seguindo o ABCD primário e secundário do doente grave1-3. A adrenalina aquosa, concentração 1/1000, na dose de 0,2 a 0,5 mL (0,01 mg/kg em crianças, máximo de 0,3mg) por via IM (preferencial, por apresentar nível sérico mais elevado e em maior rapidez que a aplicação SC) na face anterolateral da coxa a cada cinco a dez minutos, é a primeira medicação a ser administrada ao paciente1-3. Os anti-histamínicos (antagonistas H1 e H2) são considerados segunda linha e não deveriam ser utilizados isoladamente1-3. A ação do anti-H1 está muito bem estabelecida no controle das reações cutâneas1-3. A difenidramina (25 a 50 mg para adultos e 1 mg/kg na criança) por via IV é a droga de escolha1. A prometazina pode ser usada a partir dos dois anos de idade na dose 0,25 mg/kg1. O uso de anti-H2 associado ao anti-H1 pode contribuir na redução do eritema, cefaleia e outros sintomas da anafilaxia1. Recomenda-se a infusão endovenosa de ranitidina 50 mg no adulto ou 1 mg/kg na criança, até 50 kg1. Os corticosteroides (CE) também são drogas de segunda linha, mas têm ação antiinflamatória importante na prevenção dos sintomas tardios da anafilaxia1. Deve-se utilizar CE por via IV em dose equivalente a 1 a 2 mg/kg de metilprednisolona a cada seis horas1. Os agonistas β2 adrenérgicos podem ser administrados como tratamento adicional para alívio da tosse, chiado e 287 dermatologia | C o m o e u t r a t o • • • • • • • • • • • • • • • • dispneia1. Sugere-se administração de salbutamol por nebulização na dose 2,5 mg/3ml na criança e 5,0 mg/3ml no adulto1. O suporte ventilatório é primordial, devendo-se sempre priorizar as vias aéreas pérveas, bem como suplementação de O2, guiada por oximetria de pulso1. Em casos de insuficiência respiratória, deve-se instituir via aérea definitiva, se possível IOT, mas pode ser necessária cricotireostomia em casos de edema de glote grave1. Nos pacientes com broncoespasmo, os agonistas beta-2 adrenérgicos estão indicados1. Nos casos de estridor laríngeo por edema de glote, além da adrenalina IM, pode ser utilizada adrenalina por via inalatória (5 mg por cada nebulização), uma vez que, além da ação beta-agonista (broncodilatadora), tem ação alfa-agonista (vasoconstritora) 1. Expansores de volume (soluções cristalóides ou colóides) são necessários nos casos de hipotensão persistente a despeito da utilização de injeções de adrenalina1. Pode-se lançar mão da posição de Tredelemburg (elevação dos membros inferiores) para aumentar o retorno venoso1. Em caso de choque refratário, agentes vasopressores estão indicados1. Além do suporte clínico e tratamento medicamentoso da anafilaxia, o médico deve tentar encontrar o possível desencadeante ainda durante a internação, de modo a evitar a re-exposição. Nos doentes internados, os principais desencadeantes são medicamentos, contrastes radiológicos e látex da borracha1. É importante salientar que os fármacos são apontados como a maior causa de óbito por anafilaxia1. Além disso, são fatores associados a má evolução comorbidades cardiovasculares, asma pré-existente e o atraso no uso da adrenalina IM1,4. Assim sendo, na suspeita diagnóstica da anafilaxia, independentemente da etiologia, não se deve postergar a aplicação da epinefrina, pois é alta a morbimortalidade desses quadros1. dermatologia | C o m o e u t r a t o 288 Referências Bibliográficas 1. Bernd LAG, Solé D, Pastorino AC, Prado EA, Castro FFM, Rizzo MCV et al. Anafilaxia: guia prático para o manejo. Rev. bras. alerg. imunopatol. 2006; 29: 283-291. 2. Simons FER, Ardusso LRF, Biló MB et al. World Allergy Organization Guidelines for the Assessment and Management of Anaphylaxis. WAO Journal 2011; 4: 13-37. 3. Lieberman P, Nicklas RA, Oppenheimer J, Kemp SF, Lang DM, Bernstein DI et al. The diagnosis and management of anaphylaxis practice parameter: 2010 update. J Allergy Clin Immunol 2010; 126: 477-480. 4. Liew WK, Williamson E, Tang ML. Anaphylaxis fatalities and admissions in Australia. J Allergy Clin Immunol. 2009;123:43442. Dra. Samantha Vernaschi Kelmann (CRM 109119) Dra. Alba Maria Clausen Trindade (CRM 27700) Dra. Sandra Leny G. Barbosa (CRM 24696) Eczemas Eczema de contato Como o nome sugere, ocorre pelo contato externo da pele do paciente com alguma substância desencadeadora do eczema. A partir daí, pode ser diferenciado sucintamente em contato irritativo ou contato alérgico. O eczema de contato irritativo pode ocorrer imediatamente, no caso de substâncias cáusticas, ou por repetidos contatos com substâncias irritantes. A dermatite de fraldas é um tipo de eczema de contato irritativo. O eczema de contato alérgico é uma reação imunológica do tipo IV. Tratamento: é fundamental evitar o contato com a substância desencadeadora, sendo esta a medida curativa, porém deve-se lembrar que, a partir do momento que a pele está ferida pelo processo inflamatório do eczema, outras substâncias que não são as desencadeadoras principais podem acabar mantendo o processo infeccioso e tornar o quadro clínico persistente. Para os eczemas de contato em mãos, os cremes de barreira com silicone 5%, entre outros componentes, ajudam como protetores contra agentes externos. Os tópicos são os medicamentos mais utilizados, sendo os corticoides a primeira escolha. Em casos agudos, severos e localizados, corticoides de alta potência devem ser utilizados pelo período mais breve possível. Lesões mais crônicas e espalhadas requerem corticoides de menor potência, pelo uso mais prolongado. Outros tópicos incluem o pimecrolimus 1% e o tacrolimus 0,03 e 0,1%. Também pode ser utilizada a fototerapia e, em casos de difícil controle, metotrexate e ciclosporina. Anti-histamínicos como o hidroxizine 25 mg, de 8/8 horas, no máximo, e a loratadina 10 mg uma vez ao dia podem aliviar o prurido. 289 dermatologia | C o m o e u t r a t o Eczemas são reações inflamatórias da pele ou dermatites, caracterizadas por eritemas, descamações, pruridos e, às vezes, papulovesículas. Podem formar também crostas e liquenificações, e liberar secreções serossanguinolentas. Surgem em qualquer área da pele e, de acordo com seu estágio evolutivo, podem apresentar fases: aguda, subaguda e crônica. Suas causas são diversas. Histologicamente, os eczemas são semelhantes na presença de espongiose. Podem ser diferenciados, dentre outras formas, em: Eczema atópico Mais comum em crianças, afeta principalmente dobras de cotovelos e joelhos, mas pode acometer qualquer outra parte do corpo, como face e tronco. Está associado com rinite alérgica, asma, alergias alimentares e inalatórias. A maioria dos casos regride na idade adulta. Tratamento: os cuidados com a pele atópica para evitar que as lesões apareçam são a parte mais importante do tratamento: banhos mornos para frios (no verão), rápidos, sabonetes suaves de glicerina, sem uso de buchas, hidratação generosa após o banho e, preferencialmente, uma segunda hidratação ao dia; opção por apenas um banho por dia, se possível; unhas curtas para evitar coçaduras durante o sono; roupas leves e soltas, respeitando a temperatura local, que devem ser lavadas com sabões neutros. Quando as lesões já estão presentes, indica-se o uso de corticosteroides tópicos como a hidrocortisona 1-2%, para crianças, e betametasona e clobetasol 0,05%, para adultos. Deve-se tentar usar os corticoides pelo menor tempo possível. Imunomoduladores tópicos, como pimecrolimus 1% e tacrolimus 0,03 e 0,1%, são indicados principalmente para a face e como manutenção pós-corticoides. Anti-histamínicos podem ser usados para o controle do prurido. Atenção para a possibilidade de a lesão estar secundariamente infectada por bactérias, necessitando de antibioticoterapia tópica e/ou oral. Quadros clínicos graves podem ser tratados com corticoterapia via oral – prednisona 1 mg/kg/dia, com redução gradual, e imunossupressores como a ciclosporina 3-5 mg/kg/dia. dermatologia | C o m o e u t r a t o 290 Eczema numular Placas arredondadas e ovais do tamanho aproximado de uma moeda, de causa desconhecida, que surge principalmente em membros. Mais raro em crianças. Tratamento: evitar agressão local da pele afetada com sabonetes antissépticos e detergentes. Hidratantes e emolientes devem ter seu uso estimulado. Corticosteroides tópicos de média e alta potência 3 x ao dia para melhora rápida do quadro são bem indicados. Se houver quadro infeccioso associado, acrescentar antibioticoterapia tópica e/ou oral ao tratamento; anti-histamínicos em caso de prurido. Em lesões localizadas de difícil resolução, pode ser realizada injeção intralesional de triancinolona diluída em soro fisiológico em partes iguais. Eczema de estase Localizado frequentemente em pernas, afeta mais mulheres, ocorrendo devido à estase venosa crônica e disfunção de válvulas venosas. Clinicamente, pode aparecer associado a edema e dermatite ocre no local por extravasamento de sangue dos vasos. A progressão do quadro pode levar a úlceras de estase. Tratamento: pesquisa e tratamento de insuficiência venosa, em alguns casos necessitando inclusive de cirurgias vasculares. Pacientes obesos devem ser estimulados a perder peso. É fundamental o repouso com elevação de membros e uso de meias elásticas de média compressão. Localmente, recomenda-se o uso de compressas secativas e cremes corticoides de média potência, para lesões agudas, e corticoides e imunomoduladores oclusivos por curto período; em lesões crônicas, deve-se adicionar cremes clareadores para a pele da perna ao redor das lesões. Eczema disidrótico Também denominado disidrose, são lesões que surgem predominantemente em mãos e pés, apresentam diferentes graus de prurido e são formados por microvesículas e descamação. É um quadro recidivante, associado, outrora, apenas à sudorese excessiva; hoje, é considerado uma reação eczematosa, sendo o suor um potencializador do quadro em algumas situações. A correlação com o estresse não pode ser esquecida. Tratamento: manter pés e mãos longe da umidade e aliviar a fase aguda são o primeiro passo para a resolução do quadro, podendo ser usadas soluções de permanganato de potássio 1:8000 e de acetato de alumínio 1%. Corticoides tópicos em aplicações três vezes ao dia fazem com que os sintomas regridam muito, mas devem ser usados em períodos curtos. Quadros clínicos graves podem necessitar de corticoides sistêmicos e antibioticoterapia, caso haja infecção secundária associada. Em quadros refratários, devem-se usar baixas doses de metotrexate. Referências: Rook’s Textbook of Dermatology – volume 1, capítulo 17: 17.1-17.41. Dermatologia – Sampaio & Rivitti – 3ª edição, capítulo 17: 189-226. dermatologia | C o m o e u t r a t o 291 Dr. Marcus Castro Ferreira (CRM 12926) Feridas complexas: conceitos atuais e tratamento dermatologia | C o m o e u t r a t o 292 O desenvolvimento da civilização moderna foi acompanhado pelo aumento do tempo médio de vida, que, no entanto, não foi seguido necessariamente por melhor qualidade de vida, em muitos aspectos. Um dos problemas associados à maior longevidade das doenças crônicas foi o aumento das feridas cutâneas com sérias repercussões individuais e sociais e, mais significativamente, com tratamento e resolução ainda não equacionados de maneira adequada. O tratamento das perdas de substância do revestimento cutâneo, genericamente “feridas”, tem sido, de certo modo, negligenciado pela classe médica, que atribui caráter de pouca complexidade à questão, o que se reflete na deficiente literatura de maior evidência sobre o tema. A diversidade e o grande número de supostos tratamentos para as feridas impedem uma avaliação melhor, particularmente sobre as indicações e resultados de tratamentos cirúrgicos. Desde 2003, a Divisão de Cirurgia Plástica do Hospital das Clínicas da FMUSP chefia um grupo de trabalho que, em conjunto com o grupo de Curativos da Enfermagem, vem estudando aspectos de classificação, orientação de curativos e eventual indicação cirúrgica para todas as feridas encontradas em um grande Hospital como o HC. Tornou-se claro para nós que muitas dessas feridas tinham evolução comprometida, não fechavam com os recursos habituais e muitas levavam à perda de membro ou incapacidades graves. Embora não usualmente estudado, era óbvio que o custo dessas feridas era muito alto, tanto para o setor público quanto para o privado. Em 2005, essas feridas foram por nós denominadas “feridas complexas” (1), e o tratamento cirúrgico pela cirurgia plástica em seu todo ou em associação com outras especialidades foi proposto. Os critérios de inclusão na categoria de feridas complexas foram (tanto para agudas como crônicas): 1- Perdas extensas do revestimento cutâneo 2- Presença de grandes áreas isquêmicas ou necróticas 3- Presença de infecção local importante 4- Presença de comorbidades sistêmicas, como diabetes As crônicas são aquelas que não “fecharam” em 30 dias – as úlceras por pressão, as venosas e as feridas nos MMII dos diabéticos; mas muitas são agudas, como as traumáticas, as complicações cutâneas de cirurgias abdominais e torácicas, as consequentes de infecções que resultam em necrose de pele, as decorrentes de vasculites etc. (Tabela 1) Nos últimos quatro anos, (2006-2010), pudemos tratar quase dois mil pacientes com base em pedidos de consulta, pacientes que estavam internados em enfermarias, UTI ou pronto-socorro dos diferentes Institutos do Hospital das Clínicas (estão excluídos os casos de ambulatório!); 70% deles necessitaram de alguma forma de tratamento cirúrgico e local realizados por meio de cirurgia plástica, entre eles: 1- Desbridamento de tecidos necróticos. 2- Promoção de melhoria do leito da ferida, com tecnologia que auxilie a realizá-la com menor tempo; foi introduzida a terapia com pressão negativa na ferida (aparelho a vácuo). 3- Reconstrução cirúrgica dos tecidos perdidos, seja com enxertos de pele, seja com transplantes pediculados locais, ou com transplantes com microcirurgia vascular. Houve significativo número de feridas fechadas e menor índice de complicações com diminuição notória do tempo de internação graças ao fechamento com enxertos e retalhos. Não fizemos estudo comparativo de custos, mas parece-nos claro que este tempo menor para a resolução implicou em diminuição dos mesmos, além de menores gastos com antibióticos. Nos pacientes diabéticos com feridas nos membros inferiores, foi obtida resolução mais rápida da ferida com menor índice de amputações. (2) Com base nessa experiência, apresentamos à Direção do Hospital Oswaldo Cruz proposta para introdução de grupo com cirurgiões plásticos para que, em conjunto com o grupo específico da Enfermagem, possamos atender à solicitação dos colegas e auxiliá-los na resolução dessas lesões, que não se resolvem por meios convencionais. Referências 1- Ferreira MC, Tuma Jr. P, Carvalho VF et al. Complex wounds. Clinics 2006; 61: 571-578. 2-Ferreira MC ,Carvalho VF,Kamamoto F,Tuma jr P, Paggiaro A. Negative pressure therapy (vacuum) for wound bed preparation among diabetic patients. São Paulo Med J 2009; 127: 166-170. Tabela 1- Feridas incluídas por nós como complexas Ferida em diabético, Hospital Oswaldo Cruz, 2010. 1- Ferida crônica na região calcanear, muitos anos de evolução. 2- Após desbridamento cirúrgico, incluindo osso desvitalizado. 3- Resultado após duas semanas de vácuo e estímulo à granulação seguido de enxertia de pele parcial. Seguimento de cinco meses com área fechada, estável. dermatologia | C o m o e u t r a t o 293 dermatologia | C o m o e u t r a t o 294 Dr. Marcelo Arnone (CRM 90826) Lúpus eritematoso cutâneo A classificação mais utilizada em Dermatologia (Classificação de Gilliam) divide as manifestações cutâneas do lúpus eritematoso em três grupos: • Lúpus eritematoso cutâneo agudo • Lúpus eritematoso cutâneo subagudo • Lúpus eritematoso cutâneo crônico Nessa sessão, abordaremos o tratamento do lúpus eritematoso cutâneo crônico, que tem como principal forma clínica o lúpus eritematoso discoide, que se caracteriza pela presença de lesões bem delimitadas, localizadas preferencialmente na face, couro cabeludo e pavilhões auriculares. As lesões se caracterizam por placas eritêmato-descamativas, que na evolução apresentam tendência à atrofia central, deixando sequelas inestéticas, comprometendo de maneira significativa a qualidade de vida dos pacientes. Serão abordados os principais agentes terapêuticos utilizados na prática do dermatologista para o manejo do lúpus eritematoso cutâneo. Figuras 1 e 2: lúpus eritematoso discoide 295 dermatologia | C o m o e u t r a t o O lúpus eritematoso é uma doença autoimune, de evolução crônica, com manifestações espectrais, variando desde pacientes que apresentam exclusivamente lesões cutâneas até pacientes com doença sistêmica grave, que geralmente devem ser conduzidos por equipes multidisciplinares. O dermatologista tem papel importante no manejo do paciente com lúpus, atuando no diagnóstico e tratamento das manifestações cutâneas, bem como na investigação de possíveis manifestações sistêmicas da doença. A maioria dos pacientes com lúpus discóide apresenta apenas manifestações cutâneas, não preenchendo critérios diagnósticos para lúpus eritematoso sistêmico. Mesmo na ausência de outros sintomas, recomenda-se investigação clínico-laboratorial para avaliar comprometimento sistêmico. O tratamento do lúpus eritematoso cutâneo crônico tem como principal objetivo controlar a atividade da doença, através de medidas comportamentais, fotoproteção, tratamento tópico e sistêmico. Medidas comportamentais Evitar exposição solar: o paciente deve ser orientado a usar filtro solar regularmente e evitar a exposição ao sol nas atividades diárias, profissionais e de lazer. Combate ao tabagismo: o tabagismo atua como agravante e desencadeante do lúpus cutâneo, além de diminuir a eficácia dos antimaláricos, uma das principais drogas empregadas no controle da doença. Tratamento Tópico dermatologia | C o m o e u t r a t o 296 Corticosteroides Tópicos Considerados essenciais no tratamento de todos os subtipos do lúpus eritematoso cutâneo, podem ser empregados de maneira isolada nos paciente com formas localizadas da doença ou em associação com outros agentes sistêmicos nas formas mais extensas. Geralmente, recomenda-se o uso de pomadas de corticosteroides de média potência nas lesões da face, e de potência alta no couro cabeludo e outras localizações extra-faciais. Outra forma local de utilização dos corticosteroides é através de aplicações intralesionais, utilizando-se preferencialmente o acetonido de triancinolona, com concentração variando entre 2,5 a 5 mg/ml. A principal restrição do uso prolongado de corticosteroides tópicos é seu potencial de causar atrofia cutânea. Inibidores da Calcineurina Os inibidores da calcineurina atuam como imunomoduladores tópicos, sendo empregados em diversas doenças inflamatórias cutâneas. São utilizados no tratamento do lúpus cutâneo o pimecrolimo e o tacrolimo. Quando comparados aos corticosteroides tópicos, apresentam eficácia semelhante e possuem melhor perfil de segurança no uso prolongado. Fotoprotetores Os fotoprotetores devem ser utilizados por todos os pacientes que apresentam lúpus, tanto aqueles com lesões exclusivamente cutâneas, quanto os pacientes que apresentam lúpus eritematoso sistêmico. Devem ser prescritos fotoprotetores com amplo espectro de proteção contra a radiação ultravioleta, efetivos contra ultravioleta dos tipos A e B. Os pacientes devem receber orientação de utilizar filtro solar regularmente e repetir a aplicação a cada três horas, para garantir proteção adequada. Nos momentos de exposição ao sol, além do filtro solar, devem utilizar roupas adequadas e chapéu. Os pacientes devem ser estimulados a realizar também a fotoproteção física, evitando prática de atividades esportivas e recreacionais em áreas abertas. Tratamento Sistêmico Antimaláricos Os antimaláricos são medicamentos com ação anti-inflamatória, sendo muito utilizados por dermatologistas e reumatologistas no controle de doenças inflamatórias crônicas. Essa classe de medicamentos é considerada a droga sistêmica de escolha para o tratamento das manifestações dermatológicas do lúpus eritematoso, indicados para o tratamento de pacientes com lesões disseminadas ou formas localizadas resistentes ao tratamento tópico. São empregadas a Cloroquina, na forma de Difosfato de Cloroquina 250 mg/dia, e a Hidroxicloroquina 400 mg/ dia, ambos por via oral. O principal efeito adverso é o risco de deposição na retina, levando à retinopatia. Nas doses habitualmente empregadas, a retinopatia é rara, mas recomenda-se monitorização dos pacientes com avaliação oftalmológica e exame de fundo de olho semestralmente. Outra recomendação importante ao paciente que faz uso de cloroquina ou hidroxicloroquina é que eles evitem fumar, pois já é consenso na literatura médica que os tabagistas são maus respondedores à terapia com antimaláricos. Corticosteroides sistêmicos Os corticosteroides sistêmicos são medicamentos altamente eficazes no tratamento das manifestações dermatológicas do lúpus eritematoso. Habitualmente, emprega-se a prednisona, por via oral, na dose de 0,5 a 1,0 mg/kg. Em função dos conhecidos efeitos adversos da corticoterapia sistêmica, os corticosteroides devem ser utilizados com cuidado, reservando-os para os casos mais graves. Uma estratégia bastante utilizada no manejo dos pacientes com lúpus cutâneo é começar o tratamento com corticosteroide sistêmico e antimalárico e, após duas a três semanas, iniciar a retirada do corticosteroide. Pré-tratamento 4 semanas de tratamento Figura 3: lúpus eritematoso discoide, tratado com Difosfato de Cloroquina 250 mg/d e Prednisona 30 mg/dia, com um mês de tratamento Talidomida Considerada droga de segunda linha no tratamento do lúpus eritematoso cutâneo, a talidomida está indicada nos casos em que o controle com antimaláricos não estiver sendo eficaz. A dose habitual da talidomida é de 100 mg/dia. Esta droga é teratogênica e, por determinação da ANVISA (Agência Nacional de Vigilância Sanitária), seu uso em Dermatologia só é autorizado para tratamento de portadores lúpus eritematoso sistêmico e hanseníase, devendo ser garantida a anticoncepção quando utilizada por mulheres em idade fértil. Além da teratogenicidade, outro importante efeito adverso é a neuropatia periférica, que pode ocorrer em até 25% dos casos. Metotrexato O metotrexato é um imunossupressor, que vem sendo empregado no tratamento dos casos refratários de lúpus eritematoso cutâneo, geralmente associado ao uso de antimaláricos. As doses empregadas no tratamento do lúpus eritematoso cutâneo, variam de 10 a 25 mg/semana, preferencialmente por via oral, podendo também ser utilizado pelas vias intramuscular e subcutânea. O metotrexato tem potencial hepatotóxico, devendo ser monitorado os níveis de enzimas hepáticas durante o tratamento. Dapsona A dapsona possui ação anti-inflamatória, podendo ser empregada como droga de segunda escolha no tratamento do lúpus eritematoso cutâneo. A dose habitual é de 100 mg/dia. Recomenda-se durante seu uso monitorização dos níveis de hemoglobina, pelo risco de hemólise. Considerações finais Os tratamentos apresentados acima possibilitam o controle da grande maioria dos casos de lúpus eritematoso dermatologia | C o m o e u t r a t o 297 cutâneo, no entanto, alguns pacientes podem apresentar formas refratárias. Para esses raros casos, outras opções terapêuticas podem ser tentadas. Há relatos na literatura médica de resposta satisfatória com o uso de ciclosporina, ciclofosfamida, micofenolato mofetil, imunoglobina endovenosa, imunobiológicos com ação antiFator de Necrose Tumoral Alfa e imunobiológicos com ação anti-Linfocitária. Referências Bibliográficas 1. Costner MI, Sontheimer RD. Lupus Erythematosus. In: Freedberg IM, et al, editors. Fitzpatrick’s dermatology in general medicine. 6th edn. New York: Mc Graw-Hill Medical, 2003; 1677-1693. 2. Kuhn A, Ruland V, Bonsmann G. Cutaneous lupus erythematosus: update of therapeutic options part I. J Am Acad Dermatol. 2011 Dec;65(6):e179-93. 3. Kuhn A, Ruland V, Bonsmann G. Cutaneous lupus erythematosus: update of therapeutic options part I. J Am Acad Dermatol. 2011 Dec;65(6):e195-213. 4. Jewell ML, McCauliffe DP. Patients with cutaneous lupus erythematosus who smoke are less responsive to antimalarial treatment. J Am Acad Dermatol 2000;42:983-7. 5. Jessop S, Whitelaw DA, Delamare FM. Drugs for discoid lúpus erythematosus. Cochrane Database Syst Rev 2009;4:CD002954. dermatologia | C o m o e u t r a t o 298 Dra. Samantha Vernaschi Kelmann (CRM 109119) Dra. Alba Maria Clausen Trindade (CRM 27700) Dra. Sandra Leny G. Barbosa (CRM 24696) Onicomicose Os patógenos mais comuns que acometem as unhas são Trichophyton rubrum, Trichophyton mentagrophytes, Epidemophyton floccosum e leveduras do gênero Candida como Candida albicans e Candida parapsilosis. São raras em crianças e muito mais frequentes em unhas de pés do que em unhas de mãos. Por serem crônicas e demandarem tratamento prolongado, acabam sendo fonte de infecção em pés e mãos. Clinicamente, as onicomicoses podem se apresentar como: subungueal distal/lateral, subungueal proximal, superficial branca e candidiásica. A onicomicose subungueal distal/lateral apresenta-se como descolamento e/ou hiperceratose em região distal da lâmina ungueal – a borda livre da unha. A coloração é esbranquiçada ou amarelo-acastanhada e pode se esfarelar, tornando a unha distrófica com a progressão do quadro. Na subungeal proximal, a clínica pode ser semelhante, porém iniciando-se pela região da lâmina ungueal, próxima à cutícula. A onicomicose candidiásica também pode se manifestar com hiperceratose e descolamento ungueal, que progridem para distrofia completa da lâmina da unha se não for tratada. A unha torna-se opaca. Pode haver comprometimento paroniquial, que é uma inflamação dos tecidos periungueais. Na onicomicose superficial branca, a lâmina ungueal torna-se descamativa e pulverulenta na sua superfície, adquirindo uma coloração esbranquiçada. O diagnóstico é clínico, com exame micológico por meio da raspagem ungueal. O agente etiológico é definido pela cultura desta raspagem. O diagnóstico diferencial deve ser feito com trauma de unha, líquen ungueal, psoríase, doença de Darier ungueal e onicopatias congênitas. O tratamento é feito com antifúngicos tópicos e orais, além de cuidados locais. 299 dermatologia | C o m o e u t r a t o Onicomicose é como se denomina a infecção ungueal causada por fungos, dermatófitos ou não, e leveduras. Os cuidados locais incluem manter os pés longe da umidade e calor, evitar longos períodos com calçados fechados e procurar usar materiais próprios e/ou esterilizados para cuidados com as unhas (manicure/pedicure). Em infecções candidiásicas, é fundamental o uso de luvas para proteção ungueal nas atividades de limpeza e/ou trabalho que usem água. Os antifúngicos orais são essenciais para o tratamento das onicomicoses e apenas não são usados caso o paciente apresente contraindicações ou comorbidades que possam tornar este tratamento prejudicial ou que use outras medicações que possam interagir com os antifúngicos. Dentre os orais, os mais prescritos são: Fluconazol 150 mg (uso residencial) ou 200 mg (uso hospitalar) uma vez por semana por, no mínimo, 12 semanas, podendo o tratamento se estender por até um ano e meio ou mais, a critério clínico. Itraconazol 100 mg, dois comprimidos após o almoço e dois após o jantar, por uma semana. Suspender o uso por um intervalo de três semanas e repetir. Cada semana de uso é considerada um pulso. Recomenda-se um mínimo de dois pulsos – o máximo fica a critério clínico. Terbinafina 250 mg, um comprimido após o almoço e outro após o jantar, por uma semana. Suspender o uso por um intervalo de três semanas e repetir. Cada semana de uso é considerada um pulso. Recomenda-se um mínimo de dois pulsos – o máximo fica a critério clínico. dermatologia | C o m o e u t r a t o 300 Os antifúngicos tópicos são utilizados como coadjuvantes na terapêutica da onicomicose, acelerando a recuperação ungueal. Em pacientes com contraindicações e comorbidades aos medicamentos orais, é usado como único tratamento por tempo longo e indeterminado. São também utilizados no pós-tratamento completo como profiláticos, principalmente quando se trata de onicomicose extensa. Esmaltes com antifúngicos como amorolfina 5%, ciclopirox olamina 8%, tioconazol 28% usam-se uma ou duas vezes por semana. Sprays, soluções e cremes antifúngicos como imidazólico, amorolfina e ciclopirox olamina – uma vez ao dia. Bibliografia: Tratado de Dermatologia Fitzpatrick – volume 2, capítulo 206: 2337-2357. Rook’s Textbook of Dermatology – volume 2, capítulo 31: 31.1-31.60. Dr. Marcelo Arnone (CRM 90826) Psoríase A psoríase vulgar, ou psoríase em placas, é a principal forma clínica da doença e caracteriza-se pela presença de placas eritêmato-descamativas, bem delimitadas, com descamação característica de coloração branco-prateada, localizadas preferencialmente nas faces extensoras dos membros. Outras localizações comuns das lesões de psoríase são o couro cabeludo e a região sacral. A maioria dos pacientes apresenta a forma localizada da doença, mas em alguns casos pode acometer grandes extensões da superfície corpórea. Além da pele, as unhas também são frequentemente acometidas. Figuras 1 e 2: psoríase em placas, forma leve 301 dermatologia | C o m o e u t r a t o A psoríase é uma doença inflamatória crônica, imuno-mediada, que acomete de 1 a 2% da população mundial, sendo responsável por um grande impacto negativo na qualidade de vida dos pacientes. Acomete igualmente ambos os sexos, pode se iniciar em qualquer idade, mais frequentemente na vida adulta. O comprometimento articular (artrite psoriática) ocorre em porcentagem variável dos pacientes com psoríase e geralmente é precedido pelo acometimento cutâneo. Figuras 2 e 3: psoríase em placas, forma moderada O dermatologista tem atuação importante no manejo clínico dos pacientes com psoríase, buscando o controle adequado da doença e possibilitando o diagnóstico e tratamento precoce das manifestações articulares. Nessa sessão, abordaremos orientações gerais de tratamento, o tratamento tópico, e o tratamento com drogas sistêmicas da psoríase em placas. Orientações gerais Os pacientes devem ser orientados a evitar os possíveis desencadeantes e/ou agravantes da psoríase, dentre eles: dermatologia | C o m o e u t r a t o 302 • “stress” • manipulação das lesões • alcoolismo • tabagismo • medicamentos como anti-inflamatórios não hormonais, lítio, beta-bloqueadores e inibidores da enzima conversora de angiotensina Tratamento tópico O tratamento tópico está indicado em todos os casos de psoríase em placas, de maneira isolada nos casos leves, e associado à fototerapia e aos tratamentos sistêmicos nos casos mais graves. Para as lesões de pele, podem ser utilizados diferentes veículos, já nas lesões de áreas pilosas e couro cabeludo devem ser indicados loções e xampu. Corticosteroides tópicos Drogas muito efetivas no tratamento da psoríase, geralmente recomenda-se a utilização de corticoides de média e alta potência. Deve-se evitar o seu uso prolongado pelo risco de taquifilaxia (perda da eficácia da droga ao longo do tratamento) e potencial de causar atrofia da pele. Em casos de utilização em áreas extensas, existe o risco de absorção percutânea e possíveis efeitos adversos da corticoterapia sistêmica. Derivados do alcatrão Embora sejam medicamentos antigos e pouco aceitáveis do ponto de vista cosmético, ainda hoje são utilizados por sua boa relação risco-benefício. Dos derivados de alcatrão disponíveis atualmente, os mais utilizados são o coaltar e o liquor carbonis detergens, nas formas de loções e xampu. Os derivados do alcatrão podem ser indicados associados à fototerapia, geralmente recomenda-se seu uso à noite seguido pela irradiação com luz ultravioleta na manhã seguinte. Análogos da vitamina D Estão indicados no tratamento da psoríase em placas por sua ação anti-proliferativa. No Brasil, temos o calcipotriol como único representante dessa classe medicamentosa. Pode ser utilizado isolado na forma de pomada, ou em formulação que o associa o calcipotriol com o dipropionato de betametasona. Essa associação é considerada hoje uma das melhores opções de tratamento tópico da psoríase em placas, mostrando-se mais eficaz quando comparada ao uso dessas drogas isoladamente. Inibidores da calcineurina Atuam como imunomoduladores tópicos, podendo ser empregados na psoríase. No Brasil, estão disponíveis o pimecrolimo e o tacrolimo. Sua principal indicação é na psoríase localizada nas áreas intertriginosas e na face. Apresentam eficácia menor quando comparados aos corticoides de alta e média potência, porém são mais seguros para uso prolongado. Agentes queratolíticos Os agentes queratolíticos são adjuvantes no tratamento tópico da psoríase em placas, sendo indicado principalmente nos pacientes que apresentam lesões hiperqueratósicas. O mais utilizado é o ácido salicílico, em veículo creme ou pomada com concentrações variando de 3 a 6%. Emolientes Atuam como coadjuvantes para todas as opções de tratamento da psoríase em placas. Seu uso visa manter o equilíbrio entre o conteúdo de água do estrato córneo e de lipídeos da superfície cutânea. Fototerapia e tratamento sistêmico da psoríase A fototerapia e o tratamento sistêmico estão indicados nos casos de psoríase moderada a grave. No Brasil, a Sociedade Brasileira de Dermatologia elaborou o Consenso Brasileiro de Psoríase, no qual os autores sugerem um algoritmo para tratamento da psoríase moderada a grave, levando em consideração a eficácia e a relação risco-benefício das opções terapêuticas disponíveis. A eficácia do tratamento empregado deve ser avaliada após período de tempo pré-estabelecido: quatro a seis semanas para metotrexato e três meses para tratamento com acitretina. dermatologia | C o m o e u t r a t o 303 Fonte: Consenso Brasileiro de Psoríase – Sociedade Brasileira de Dermatologia – Rio de Janeiro - 2009 Fototerapia A fototerapia utiliza a radiação ultravioleta para o tratamento da psoríase. São realizados tratamentos com ultravioleta dos tipos A e B, sendo atualmente muito utilizada a ultravioleta B de banda estreita. No Brasil, a fototerapia é pouco disponível no sistema público de saúde, o que muitas vezes limita o seu uso como primeira escolha no tratamento da psoríase da população de nível social mais baixo. Pode ser associada a outros tratamentos sistêmicos, como acitretina, metotrexate, ciclosporina e imunobiológicos. Dentre essas associações, destaca-se o uso da acitretina combinada com ultravioleta dos tipos A e B, que possibilita uma resposta terapêutica muito satisfatória com menor exposição à radiação ultravioleta quando comparada à fototerapia isolada. Metotrexato O metotrexato é um dos tratamentos mais utilizados pelos dermatologistas no manejo da psoríase em placas moderada a grave. Considera-se que o principal mecanismo de ação do metotrexato decorra de sua ação imunossupressora. Pode ser utilizado por via oral, intra-muscular ou subcutânea, com dose variando de 15 a 25 mg/semana. O metotrexato é droga teratogênica e abortiva, portanto, deve-se garantir a anticoncepção para tratamento de mulheres em idade fértil. Os eventos adversos mais comumente observados são náuseas e vômitos. Os eventos adversos mais sérios, que necessitam de monitorização, são a hepatotoxicidade e a mielotoxicidade. Recomenda-se que os pacientes em tratamento com metotrexato façam controles laboratoriais periódicos de hemograma e enzimas hepáticas. Acitretina dermatologia | C o m o e u t r a t o 304 A acitretina faz parte da classe terapêutica dos retinoides e atua principalmente regulando o processo de queratinização. É utilizada por via oral, na dose habitual de 0,5 a 0,75 mg/kg/dia, devendo ser diminuída em idosos e pacientes com perda da função renal. Os principais efeitos adversos observados são a queilite e a xerose cutânea, geralmente trazendo desconforto ao paciente. A acitretina tem potencial hepatotóxico e pode desencadear e/ou agravar dislipidemias, pelo aumento do colesterol e dos triglicérides. É uma droga teratogênica que fica depositada no organismo, obrigando dessa forma que se garanta a anticoncepção no tratamento de mulheres em idade fértil durante o tratamento e até três anos após a suspensão da droga. Seu potencial teratogênico dificulta e muitas vezes inviabiliza o tratamento de mulheres em idade fértil. É um tratamento muito empregado em homens pelo bom perfil de segurança a longo prazo. Ciclosporina A ciclosporina é um imunossupressor muito eficaz no tratamento da psoríase em placas, utilizado por via oral, na dose de 0,3 a 0,5 mg/kg. Caracteriza-se por ter rápido início de ação, sendo uma das drogas de escolha nos casos em que ocorre uma piora rápida e progressiva da psoríase. Seu principal efeito adverso é a nefrotoxicidade, o que limita seu uso por períodos prolongados. Os pacientes que fazem uso de ciclosporina devem fazer monitorização da pressão arterial e da função renal durante o tratamento. Imunobiológicos Os imunobiológicos são proteínas derivadas de organismos vivos capazes de modificar a resposta imunológica. Vêm sendo empregados no tratamento de diversas doenças inflamatórias crônicas, dentre elas a psoríase. Na maioria dos casos, são utilizados isoladamente, mas podem ser associados a outros tratamentos sistêmicos. Os imunobiológicos utilizados no tratamento da psoríase podem ser classificados, baseados em seu mecanismo de ação, em duas categorias: • Bloqueadores do Fator de Necrose Tumoral Alfa (TNF-α): infliximabe, adalimumabe e etanercepte • Bloqueadores das Interleucinas 12 e 23: ustequinumabe Os imunobiológicos apresentados acima são drogas muito eficazes no tratamento da psoríase, capazes de promover melhora satisfatória e sustentada na maioria dos pacientes tratados. No entanto, quando comparados às drogas convencionais empregadas no tratamento da psoríase, apresentam um custo muito mais elevado. Os pacientes de psoríase tratados com agentes imunobiológicos têm risco aumentado de infecções, principalmente infecções de vias aéreas superiores. Existe também o risco de reativação de tuberculose nesses pacientes, o que torna obrigatória a realização de screening para tuberculose antes do inicio do tratamento. O screening se baseia na anamnese, Raio-X Tórax e intradermoreação de PPD, e tem como objetivo identificar pacientes assintomáticos que possam apresentar tuberculose latente. Nesses casos, deve ser realizada quimioprofilaxia com Isoniazida 300 mg/dia por seis meses antes da introdução dos imunobiológicos. Os principais imunobiológicos empregados no tratamento da psoríase e seus respectivos esquemas de tratamentos são: Infliximabe: utilizado por via endovenosa, na dose de 5 mg/kg/infusão. Recomenda-se dose de ataque com infusões nas semanas zero, 2 e 6, e manutenção com infusões a cada 8 semanas, iniciando-se 8 semanas após a última dose de ataque. Adalimumabe: utilizado por via subcutânea. Recomenda-se indução com aplicação de uma dose inicial de 80 mg, seguido de doses de 40 mg a cada duas semanas, iniciando-se uma semana após a indução. Etanercepte: utilizado por via subcutânea. São propostos dois esquemas de tratamento. O primeiro esquema consiste na aplicação de dose de 50 mg, duas vezes por semana, por 12 semanas e, a partir de então, dose de 50 mg, uma vez por semana. O segundo esquema proposto consiste na dose de 50 mg uma vez por semana desde o início do tratamento. Ustequinumabe: utilizado por via subcutânea. Para pacientes de até 100 kg de peso, a dose recomendada é de 45 mg; e para pacientes com peso superior a 100 kg, a dose recomendada é de 90 mg. Recomenda-se aplicação de injeções nas semanas zero e quatro e, a partir de então, a cada 12 semanas. dermatologia | C o m o e u t r a t o 305 Figuras 5 e 6: paciente tratado com etanercepte, dose de 50 mg, duas vezes por semana, por 12 semanas Considerações finais A psoríase é uma doença que compromete de maneira muito significativa a qualidade de vida do paciente, justificando a utilização de intervenções terapêuticas, como o uso de drogas sistêmicas imunossupressoras, nos casos de maior gravidade. Para o manejo clínico adequado do paciente com psoríase, é necessário que o médico conheça as diversas opções de tratamento disponíveis, pois mudanças nos esquemas terapêuticos podem ser necessárias decorrentes da perda de eficácia ou intolerância às medicações empregadas. Referências Bibliográficas 1. Consenso Brasileiro de Psoríase 2009. Sociedade Brasileira de Dermatologia. Rio de Janeiro. 2009. 2. III diretrizes para tuberculose da Sociedade Brasileira de Pneumologia e Tisiologia. J Bras Pneumol. 2009:35(10):1018-48. 3. Menter A, Stoff B. History, epidemiology, and pathogenesis. In: Menter A, Stoff B editors. Psoriasis. 1st edition. London: Manson Publishing Ltd, 2011; 7-16. 4. Kobata C, Lazzarini R. Tratamento Tópico. In: Romiti R, editor. Compêndio de Psoríase. 1st edition. Rio de Janeiro, 2010, 156-64. 5. Pathirana D, Ormerod AD, Saiag P, et al: European S3-guidelines on the systemic treatment of psoriasis vulgaris. J Eur Acad Dermatol Venereol.2009: 23:1-70, 2009 (suppl 2). 6. Smith CH, Anstey AV, Barker JN, Burden AD, Chalmers RJ, Chandler DA, Finlay AY, Griffiths CE, Jackson K, McHugh NJ, McKenna KE, Reynolds NJ, Ormerod AD British Association of Dermatologists' guidelines for biologic interventions for psoriasis 2009. Br J Dermatol. 2009 Nov;161(5):987-1019. dermatologia | C o m o e u t r a t o 306 Dra. Samantha Vernaschi Kelmann (CRM 109119) Dra. Alba Maria Clausen Trindade (CRM 27700) Dra. Sandra Leny G. Barbosa (CRM 24696) Tinea pedis e tinea cruris São causadas principalmente pelos fungos dermatófitos: Trichophyton rubrum, Trichophyton mentagrophytes e Epidemophyton floccosum. Sua principal fonte nutritiva é a queratina da pele e podem coexistir em vários locais do corpo. O contato direto ou indireto com objetos que carregam escamas podem ser causas de contaminação. As tinhas dos pés são as mais comuns das infecções dermatofíticas. Sua apresentação clínica pode ocorrer de várias formas, incluindo a intertriginosa com maceração e fissura entre os pododáctilos, vesicobolhosa e escamosa. O prurido é frequente em todas as manifestações clínicas e pode levar a uma infecção secundária bacteriana. Leveduras do gênero Candida sp e Corynebacterium minutissimun podem ser coinfectantes. O diagnóstico diferencial deve ser feito com psoríase, dermatite de contato alérgica ou irritativa, infecções por outros agentes etiológicos, eczemas e síndrome de Reiter. As tinhas crurais são geralmente bilaterais e podem se estender da região inguinal ao abdome, região genital, glúteos e pernas. Acometem mais homens do que mulheres, especialmente após a puberdade, provavelmente pelo aumento de ácidos graxos saturados na pele. A apresentação clínica é constituída normalmente de pápulas eritematosas dispostas em placas em região inguinogenital com descamação mais acentuada nas bordas, que podem até apresentar elevação. Frequentemente causam prurido. Diagnóstico diferencial com: dermatite de contato, dermatite de fraldas, dermatite seborreica, eritrasma, líquen simples crônico, psoríase, candidose, doença de Hailey-Hailey, doença de Darier, pitiríase versicolor, eczema atópico. Ambas podem ser mais graves e resistentes ao tratamento se os pacientes forem imunodeprimidos, diabéticos ou portadores de neoplasias hematológicas. Também pioram em climas quentes e úmidos. O diagnóstico é clinico, com exame micológico por raspagem da pele acometida. O agente etiológico é definido pela cultura desta raspagem. 307 dermatologia | C o m o e u t r a t o As tineas ou tinhas são infecções cutâneas fúngicas, também chamadas micoses superficiais de pele. A tinea pedis é a micose de pés e a tinea cruris é a micose de interno de coxas e região inguinal, que pode ser denominada tinea inguinalis ou tinha inguinal. O tratamento concentra-se no patógeno causador e cuidados locais. No caso da tinea pedis, os cuidados locais incluem evitar calçados fechados por tempo prolongado, manter os pés secos o máximo possível, tratando, se necessário, hiperidroses plantares, trocar diariamente de meias e ter atenção em piscinas e banheiros públicos. O tratamento das infecções fúngicas em unhas dos pés – onicomicoses – também é fundamental para evitar seu reaparecimento. Em tinea cruris, deve-se ter o cuidado de trocar de roupa após atividades físicas que causem muita transpiração, evitar vestimentas muito oclusivas e o uso compartilhado de toalhas de banho e roupas. Para o tratamento, são usados antifúngicos tópicos: Cremes ou pós-imidazólicos, (miconazol, clotrimazol, tioconazol, cetoconazol, bifonazol), tolnaftato 1%, ciclopirox olamina 1%, terbinafina 1% - por um período de quatro a oito semanas ou a critério clínico. Em casos de longa duração, devem ser utilizados os antifúngicos orais: Fluconazol 150 mg (uso residencial) ou 200 mg (uso hospitalar), uma vez por semana por, no mínimo, quatro semanas. Itraconazol 100 mg: dois comprimidos após o almoço e dois após o jantar por uma a duas semanas. Terbinafina 250 mg: um comprimido por dia, por duas semanas. dermatologia | C o m o e u t r a t o 308 Bibliografia: Tratado de Dermatologia Fitzpatrick – volume 2, capítulo 206: 2337-2357. Rook’s Textbook of Dermatology – volume 2, capítulo 31: 31.1-31.60. Dr. Marcelo Vivolo Aun (CRM 117190) Dra. Carla Bisaccioni (CRM 112244) Dr. Pedro Giavina-Bianchi (CRM 70584) Urticária Introdução As lesões elementares cutâneas presentes na urticária são as pápulas e placas, que têm quatro características típicas:1 1. edema central circundado por eritema reflexo; 2. prurido presente, por vezes acompanhado de queimação ou ardor; 3. natureza fugaz, não acompanhadas de descamação e sem deixar cicatrizes, com a pele recuperando seu aspecto normal entre 1 e 24 horas; 4. desaparecem à digitopressão. Já o angioedema, que pode acompanhar ou não a urticária, ou mesmo aparecer isoladamente, é caracterizado clinicamente por edemas deformantes, quase sempre assimétricos, com algumas peculiaridades:1 1. súbito aparecimento de edema da derme profunda e hipoderme; 2. presença de ardor e dor, ao invés do prurido; 3. acometimento submucoso frequente; 4. resolução mais lenta, podendo durar até 72 horas. Entre 15 e 20% da população geral apresenta ao menos um surto de urticária ao longo da vida, mas alguns casos se prolongam e comprometem muito a qualidade de vida. Classificação Diversas são as formas de classificação da urticária. A urticária espontânea é classificada, de acordo com seu tempo de evolução, em aguda ou crônica. Urticária aguda (UA) é aquela na qual ocorre resolução do quadro em até seis semanas. Já a urticária crônica (UC) dura mais de seis semanas e o paciente apresenta sintomas na maior parte dos dias.1 As urticárias físicas são caracterizadas pelo desenvolvimento de lesões urticariformes e/ 309 dermatologia | C o m o e u t r a t o A urticária tanto pode ser uma manifestação cutânea associada a alguma doença, como pode ser uma entidade clínica específica, como é o caso da urticária crônica. Todos os tipos de urticária têm um padrão de reação cutânea comum, que é a presença das lesões cutâneas típicas (urtica).1 ou angioedema em áreas expostas da pele após aplicação de estímulos físicos, tais como: frio, irradiação solar, pressão, vibração, calor e outros. A tabela 1 resume os tipos de urticária mais frequentes.2 Tabela 1. Classificação das urticárias1 GrupoSubgrupoDefinição / Desencadeante Urticária espontânea Aguda Até seis semanas CrônicaMais de seis semanas Urticária física Ao frio Ar frio / água fria De pressão tardiaPressão vertical Ao calorCalor localizado SolarLuz UV / luz visível Factícia / dermográficaForças mecânicas VibratóriaForças vibratórias Outras urticáriasAquagênicaÁgua ColinérgicaAumento da temperatura corporal De contatoSubstâncias urticariogênicas Anafilaxia induzida por exercício Exercício físico Fisiopatologia dermatologia | C o m o e u t r a t o 310 A patogênese da urticária é complexa e não totalmente conhecida. Sabe-se que o mastócito é a célula mais importante. Ao ser ativado e liberar seus mediadores, dentre eles a histamina, acaba por levar à vasodilatação e aumento da permeabilidade vascular da pele, subcutânea e mucosas. Entretanto, outras células e mediadores são envolvidos, dependendo da etiologia.1 O mastócito pode ser ativado e desgranulado por diversos mecanismos, imunológicos e não imunológicos. Dentre os mecanismos imunológicos, destacamos a IgE, envolvida principalmente nas reações agudas. Além disso, outras classes de imunoglobulinas (IgM e IgG) podem ser importantes.1 São muitos os mecanismos não imunológicos de desgranulação dos mastócitos, como por exemplo: frações do complemento (C3A, C5A); desgranulação direta (opioides, bloqueadores neuromusculares, vancomicina, contrastes iodados, fatores físicos); alteração da cascata do ácido araquidônico, com aumento de leucotrienos (por anti-inflamatórios não esteroidais), etc.1 A autoimunidade vem sendo relacionada na maioria dos quadros de UC, antes definida como idiopática, na qual os pacientes, em geral do gênero feminino, possuem anticorpos da classe IgG específicos contra suas próprias IgE ou contra os receptoras da IgE da membrana dos mastócitos, o que leva à desgranulação destes e à ocorrência dos sintomas.1 A tireoidite de Hashimoto é a doença autoimune mais frequentemente encontrada nos pacientes com urticária autoimune, mas outros quadros, como lúpus eritematoso, artrite reumatoide e conectopatias não diferenciadas podem ocorrer, sendo comum a presença de autoanticorpos séricos nesses pacientes. Já os angioedemas, quando ocorrem sem a presença de urticária concomitante (angioedema isolado), têm uma menor gama de possibilidades diagnósticas, notadamente: AINEs (anti-inflamatórios não esteroidais), IECA (inibidores da enzima de conversão da angiotensina), angioedema hereditário, angioedema adquirido e os idiopáticos.3 Conforme já citado, nas reações aos AINEs, ocorre um desequilíbrio na cascata do ácido araquidônico pela inibição da cicloxigenase, levando ao aumento dos leucotrienos, que desencadeiam o quadro. Já nos angioedemas por IECA, hereditário e adquirido, a bradicinina é o mediador principal.3 Diagnóstico O diagnóstico etiológico da urticária é eminentemente clínico, com base em anamnese detalhada, na qual o detalhamento de fatores desencadeantes é fundamental. É importante também questionar o tipo e tempo de evolução das lesões, a presença ou não de angioedema, medicamentos de uso regular e esporádico, fatores físicos e ocupacionais envolvidos, comorbidades, presença de sintomas sistêmicos (artralgias/artrite, febre, emagrecimento), fatores psicológicos, etc.1 Com relação às urticárias espontâneas, a UA é, em geral, de mais fácil diagnóstico, pois a história clínica em geral sugere algum fator causal. Dentre os principais, estão: medicamentos, alimentos, ferroadas de insetos, infecções agudas, principalmente em crianças, etc. Já na urticária crônica, comumente a história clínica é difícil, visto que o paciente faz diversas associações, muitas vezes enganosas, de possíveis fatores desencadeantes. Alimentos e aditivos alimentares, que podem ser a causa de boa parte dos quadros agudos, correspondem a menos de 1% das causas de urticária crônica. Podem estar envolvidos, principalmente: medicamentos, infecções crônicas, doenças autoimunes, etc.1 Os quadros mais arrastados são de difícil diagnóstico e, em geral, exigem propedêutica suplementar e, mesmo assim, aproximadamente 50% dos casos ficam sem confirmação da etiologia. Em geral, inicia-se a investigação com hemograma completo, provas inflamatórias (PCR, VHS), IgE total, urina tipo I e parasitológico de fezes. De acordo com o caso, a investigação pode ser ampliada, incluindo: perfil tireoidiano, autoanticorpos, dosagem do complemento, enzimas hepáticas, sorologias de infecções crônicas, eletroforese de proteínas, endoscopia com pesquisa de Helycobacter pylori, triagem para neoplasias e doenças hematológicas. Quando houver suspeita de urticária vasculítica ou para afastar diagnósticos diferenciais, a biópsia cutânea está indicada.1 Da mesma forma, os conhecidos testes cutâneos alérgicos de leitura imediata (prick test) e tardia (patch test), e a pesquisa de IgE específica sérica (RAST e ImmunoCap), são de pouca valia na investigação da urticária, pois os mecanismos mediados por IgE e por linfócitos raramente estão envolvidos nos quadros crônicos. Para os casos de angioedema isolados, quando aparentemente não há medicação envolvida, a dosagem da fração C4 do sistema do complemento está indicada para afastar os diagnósticos de angioedema hereditário ou adquirido.3 Tratamento O tratamento da urticária baseia-se em três pilares: cuidados gerais, farmacoterapia e, em raros casos, imunoterapia alergenoespecífica. O primeiro pilar do tratamento da urticária é a orientação dos pacientes quanto ao afastamento dos fatores desencadeantes e, nos casos crônicos, quanto à evolução por vezes tortuosa da doença. Quando doenças sistêmicas subjacentes forem diagnosticadas, devem ser tratadas adequadamente, o que pode controlar a urticária.4 Em relação à urticária crônica, dietas livres de aditivos, chamadas hipoalergênicas, não mostraram eficácia em estudos controlados e não devem ser orientadas rotineiramente. Provavelmente, nesta situação, a orientação de maior impacto clínico é a de se evitar o uso de anti-inflamatórios não esteroidais, pois mesmo que não sejam a única etiologia, tendem a piorar o quadro. A imunoterapia fica reservada aos casos selecionados, notadamente os pacientes com reação disseminada à ferroada de insetos himenópteros (abelha, vespa e formiga), desde que seja demonstrado o mecanismo IgE mediado. O tratamento farmacológico da urticária é bastante eficaz e com muito bom perfil de segurança. A base para o tratamento é o uso de anti-histamínicos (anti-H1), notadamente os de segunda geração ou não sedantes, pelo pequeno perfil de efeitos colaterais. Os principais medicamentos dessa classe são: cetirizina, loratadina, ebastina, 311 dermatologia | C o m o e u t r a t o Na suspeita de UC autoimune, pode-se lançar mão do teste do soro autólogo (TSA) ou teste do autossoro. A positividade indica a ativação dos mastócitos pelo próprio soro do paciente, mas tem-se observado grande quantidade de testes positivos em pacientes com outras doenças autoimunes e sem urticária, o que dificulta muito a interpretação do resultado. Não preconizamos o uso do TSA na rotina para investigação de UC idiopática, exceto em pacientes selecionados. epinastina, rupatadina, fexofenadina, desloratadina e levocetirizina. Atualmente, preconizamos o uso de doses até quatro vezes acima dose habitual de bula, antes do uso de anti-H1 sedantes.4 Entretanto, alguns pacientes apresentam grande ansiedade e distúrbio do sono associados ao quadro e se beneficiam do uso de anti-H1 sedantes à noite, como a hidroxizine e a dexclorfeniramina. Nos caso agudos mais intensos, em pacientes que procuram serviço de emergência, podemos lançar mão dos anti-H1 parenterais difenidramina e prometazina, sendo o primeiro o único aprovado para uso intravenoso e de início de ação mais rápido. Por outro lado, ambos são muito sedantes e o paciente deve receber a medicação em posição supina. Os corticosteroides (CE) são bem indicados nas UA, pelo menor tempo possível, em doses não acima de 0,5 a 1mg/ kg de prednisona ou equivalente. A retirada dos CE deve ser supervisionada, especialmente nos casos em que o desencadeante não foi completamente afastado, com risco de recidiva (“rebote”). Evitamos o uso de CE nas UC, pois o índice de corticodependência é muito grande e acaba por levar aos efeitos colaterais do uso prolongado. A Organização Mundial de Alergia, em sua última diretriz 4, sugere o uso de CE por até sete dias nas exacerbações de UC em que o paciente já está usando altas doses de anti-H1, mas ainda evitamos essa conduta na rotina de ambulatório pelo alto índice de “rebote” após a retirada. Outras medicações podem ser utilizadas em associação com os anti-H1, como os antileucotrienos (montelucaste) e os anti-histamínicos H2 (ranitidina e cimetidina). Esses esquemas têm bom perfil de segurança, mas nem sempre grande impacto clínico. Casos que não forem controlados com os esquemas acima devem ser encaminhados ao especialista para avaliação e seguimento.4 dermatologia | C o m o e u t r a t o 312 A dapsona pode ser utilizada especialmente em casos de urticária vasculítica, mas a monitoração de efeitos colaterais, notadamente hemólise, dificulta sua aplicação na prática diária. Vem sendo utilizada a ciclosporina A (3-5 mg/kg) para casos de urticária refratária, com bons resultados, mas também é necessário o monitoramento de níveis pressóricos e função renal. Mais recentemente, começamos a utilizar o omalizumabe, que é um anticorpo monoclonal humanizado anti-IgE para casos de difícil controle. Dados preliminares indicam boa resposta em casos de UC autoimune, pois essa medicação reduz tanto a IgE sérica circulante, como os receptores de alta afinidade nas membranas dos mastócitos, impossibilitando as “auto-IgG” de se ligarem a essas células, causando sua desgranulação.4 É imprescindível salientar que pacientes portadores de UC devem ser sempre acompanhados, retornando ao consultório, no mínimo, duas vezes ao ano, pois há associação entre quadros mais duradouros e aparecimento de doenças sistêmicas, notadamente colagenoses. Considerações finais A urticária tem diagnóstico etiológico vasto e difícil. Compromete muito a qualidade de vida dos pacientes e ainda pode ser manifestação de doença sistêmica subjacente. Afastar fatores causais e agravantes é fundamental. O tratamento farmacológico é eficaz, na maioria das vezes, e baseia-se no uso de anti-H1 não sedante. Entretanto, alguns casos ficam refratários e acabam por necessitar da associação de fármacos e seguimento regular. Esses pacientes devem ser sempre acompanhados para controle da doença e para possibilitar o diagnóstico precoce de comorbidades potencialmente graves. Referências bibliográficas 1. Zuberbier T, Asero R, Bindslev-Jensen C et al. EAACI/GA2LEN/EDF/WAO guideline: definition, classification and diagnosis of urticaria. Allergy 2009: 64; 1417–26. 2. Lima SO, Rodrigues CS, Camelo-Nunes IC et al. Urticárias físicas: revisão. Rev. bras. alerg. Imunopatol. 2008; 31: 220-6. 3. Bas M, Adams V, Suvorava T et al. Nonallergic angioedema: role of bradykinin. Allergy 2007: 62; 842–56. 4. Zuberbier T, Asero R, Bindslev-Jensen C et al. EAACI/GA2LEN/EDF/WAO guideline: management of urticaria. Allergy 2009: 64; 1427–43. Dr. Mauro José da Costa Salles (CRM 61960) Aids O diagnóstico laboratorial é feito, inicialmente, pela técnica de imunoensaio (ELISA), na etapa de triagem sorológica. Se positivo ou inconclusivo nesta fase, deve-se fazer uma etapa confirmatória, com outro teste de imunoensaio diferente do primeiro e outros, como imunofluorescência indireta, Imunoblot ou Western blot. O teste somente será confirmado positivo se for realizada triagem para detecção de anti-HIV1 e anti-HIV2 e houver, pelo menos, um teste confirmatório positivo. O teste será considerado negativo se existir uma amostra negativa para detecção de anticorpos anti-HIV ou uma amostra negativa em dois testes rápidos de laboratórios diferentes. Em caso de dois testes rápidos discordantes, faz-se um terceiro teste; se negativo, considera-se a amostra negativa para HIV. Deve-se lembrar que, após a infecção pelo vírus, há um período de janela imunológica, geralmente de 30 dias após a infecção inicial, em que a sorologia se apresenta negativa e o paciente está infectado. O advento da Terapia Antirretroviral de Alta Potência (TARV) mudou a história natural da doença, aumentando a sobrevida e adiando o início da AIDS. Há algumas indicações para o uso de TARV (Ministério da Saúde): • Sintomáticos com doença definidora de AIDS (tabela 1); • Assintomáticos com CD4 menor que 350 células/mm3; 313 DOENÇAS INFECCIOSAS E PARASITOSES | Como eu trato AIDS (Síndrome da Imunodeficiência Humana Adquirida) é uma síndrome clínica causada pelo HIV (vírus da imunodeficiência humana), um retrovírus da família Lentiviridae, transmitido pelo contato sexual (esperma ou secreção vaginal), sangue contaminado (via parenteral ou vertical) ou pelo leite materno. O vírus infecta principalmente o sistema imunitário humano, sendo os linfócitos T CD4+ os mais acometidos, levando à imunodepressão. A infecção é caracterizada por três fases: a Infecção Aguda, que se caracterizada por sintomas que variam desde um estado gripal até sintomas parecidos com os da mononucleose (Síndrome Mononucleoselike), que perduram por volta de 14 dias, e podem ser autolimitados; o Período Assintomático, que pode durar de alguns meses a alguns anos, caracterizado por uma queda gradual do número de linfócitos T CD4+ em paciente geralmente assintomático. À medida que o CD4 vai se aproximando de 350 células/mm3, o paciente pode desenvolver alguns sintomas inespecíficos, além de infecções oportunistas de menor gravidade. AIDS é a fase final da doença, caracterizada por imunossupressão grave, e aparecimento de certas doenças oportunistas características da síndrome, alguns tumores ou sintomas mais inespecíficos do sistema nervoso central ou sistema imunitário. • Gestantes, independentemente da contagem de CD4 ou de sintomas (neste caso, está indicada a profilaxia para transmissão vertical); • Coinfecção com o vírus da hepatite B se houver indicação para tratamento da hepatite B; • Idade igual ou superior a 55 anos; • Nefropatia do HIV; Doença cardiovascular estabelecida ou com alto risco; • Neoplasias, incluindo as não definidoras de AIDS; • Carga viral para o vírus HIV maior que 100.000 cópias/mL. Existem várias classes de drogas disponíveis: os inibidores de transcriptase reversa análogos de nucleosídeo (ITRN), os inibidores de transcriptase reversa não análogos de nucleosídeo (ITRNN), os inibidores de protease (IP) e os mais novos, que geralmente são para o resgate de pacientes com vírus resistentes e multifalhados – os inibidores de fusão (Enfuvirtida – T20), os inibidores de CCR5 (Maraviroc) e os inibidores de integrase (Raltegravir). Hoje se recomenda uso de três drogas ativas para o tratamento do HIV, o que potencializa seus efeitos e diminui a emergência de resistências virais. Os ITRN mais usados são: Zidovudina (AZT), Lamivudina (3TC), Didanosina (ddi), Estavudina (d4T), Emtricitabina (FTC) e Tenofovir (TDF). Os ITRNN são: Efavirenz e Nevirapina. E os IP: Indinavir, Amprenavir, Fosamprenavir, Lopinavir, Atazanavir, Tipranavir, Darunavir. Verificou-se que a associação destes IP com o Ritonavir (outro IP) potencializa o seu uso com doses menores de medicação, causando menos efeitos colaterais. Os esquemas iniciais mais indicados são: DOENÇAS INFECCIOSAS E PARASITOSES | Como eu trato 314 • AZT + 3TC + Efavirenz • AZT + 3TC + Nevirapina (para gestantes) • AZT + 3TC + Lopinavir/Ritonavir • AZT + 3TC + Atazanavir/Ritonavir Para pacientes com CD4 menor que 200 está recomendado, além da TARV, o uso de profilaxia contra doenças oportunistas: • Pneumocystis jirovecii para CD4 < 200: - Sulfametoxaxol-trimetoprim (SMT/TMP) 400/80 mg – 2 comprimidos 3 x semana ou - Dapsona 100 mg 1 x ao dia • Toxoplasmose, para CD4 < 100: - SMT/TMP 400/80 mg – 2 comprimidos 1 x ao dia • Complexo Micobacterium avium para CD4 < 50: - Azitromicina 1200 mg 1 x semana ou - Claritromicina 500 mg 2 x dia • Tuberculose, PPD > 5 mm, independentemente do CD4: - Isoniazida 5-10 mg/kg/dia (máx. 300 mg) 1 x dia + Piridoxina 50 mg/dia por seis meses Tabela 1 - Doenças Definidoras de AIDS Doenças indicativas de AIDS para as quais é requerido o diagnóstico definitivo Doenças indicativas de AIDS para as quais também é aceito o diagnóstico presuntivo Candidíase de traqueia, brônquios ou pulmões Candidíase esofágica Câncer cervical invasivo Citomegalovirose (exceto fígado, baço e linfonodos) Criptococose extrapulmonar Herpes simples mucocutâneo (período superior a um mês) Criptosporidiose intestinal crônica (> um mês) Histoplasmose disseminada Isosporidiose intestinal crônica Leucoencefalopatia multifocal progressiva Pneumonia por Pneumocystis jirovecii Toxoplasmose cerebral Linfoma primário de cérebro Micobacteriose disseminada Linfoma não-Hodgkin de células B, e outros linfomas (linfoma maligno de células grandes ou pequenas não clivadas tipo Burkitt ou não Burkitt, linfoma maligno imunoblástico sem outra especificação Sepse por Salmonella (não tifoide) Reativação de Doença de Chagas 315 DOENÇAS INFECCIOSAS E PARASITOSES | Como eu trato Referências: 1. Consenso 2007-2008: Recomendações para terapia Antirretroviral em adultos e adolescentes infectados pelo HIV - Jornal Brasileiro de AIDS. 2. Recomendações para Terapia Antirretroviral em adultos infectados pelo HIV 2008. Suplemento II Critérios para início do Tratamento Antirretroviral. Ministério da Saúde. 3. Doenças infecciosas e parasitárias. 8a edição. Ministério da Saúde. 4. Manual de HIV/AIDS. Marcia Rachid. Mauro Schechter. 9a edição, 2007. Dr. Ricardo Miguel Calado (CRM 34443) Cancro mole DESCRIÇÃO DOENÇAS INFECCIOSAS E PARASITOSES | Como eu trato 316 Doença de transmissão sexual (por via anal, vaginal ou oral), causada pelo bacilo gram negativo, Haemophilus ducreyi, altamente contagiosa, capaz de penetrar na pele através de microlesões causadas pelo atrito sexual (que seria evitado com uso de preservativo), frequente nas regiões tropicais, mais comum nas comunidades com hábitos precários de higiene, que se caracteriza por apresentar úlceras dolorosas, de 1 a 2 cm, que se iniciam com pápula ou pústula e rapidamente se transformam em ulceração de borda irregular, com contornos eritemato-edematosos e fundo coberto por exsudato purulento e/ou necrótico, de coloração amarelada e odor fétido. Quando o exsudato é removido, revela tecido de granulação com sangramento fácil. As lesões são autoinoculantes, lembram aftas, mais disseminadas que no herpes genital, em que as vesículas ficam concentradas numa área eritematosa. Quando as lesões herpéticas são acompanhadas de infecção fúngica (candidíase), podem se confundir com o cancro mole. No homem, as localizações mais frequentes são prepúcio, frênulo e sulco balanoprepucial; na mulher, na fúrcula e na face interna dos grandes lábios. Lesões extragenitais são menos frequentes. A prevalência em homens é nítida, na proporção de 20:1. Dependendo da fase de diagnóstico, 30 a 50% dos pacientes apresentam linfonoadenomegalia inguinocrural unilateral, extremamente dolorosa e de evolução aguda, culminando em supuração por fístula única, drenando grande quantidade de pus, o que é observado quase que exclusivamente no sexo masculino, pelas características anatômicas da drenagem. O reservatório natural é o homem. SINONÍMIA Cavalo, cancroide, cancro venéreo simples. PERÍODO DE INCUBAÇÃO DO CANCRO MOLE De 3 a 5 dias, podendo atingir 14 dias, porém há casos em que a lesão surge já no dia seguinte e casos que demoram mais de 30 dias para aparecer. PERÍODO DE TRANSMISSIBILIDADE DO CANCRO MOLE Sem tratamento, semanas ou meses (enquanto durarem as lesões). Com antibioticoterapia, 1 a 2 semanas. DIAGNÓSTICO DO CANCRO MOLE Clínico, epidemiológico e laboratorial. Feito por exame direto: pesquisa em coloração pelo método de Gram, em esfregaços de secreção da base da úlcera ou do material obtido por aspiração do bubão. Observam-se, mais intensamente, bacilos gram negativos intracelulares, pequenos, imóveis, aeróbios, geralmente aparecendo em cadeias paralelas. Cultura: é o método diagnóstico mais sensível, porém de difícil realização pelas características do bacilo. DIAGNÓSTICO DIFERENCIAL Quando houver presença de lesões ulceradas, deverá ser feito com cancro sifilítico (costuma ser único, de fundo limpo e indolor). Herpes simples inicia-se com vesículas, evoluindo pra microúlceras, que aparecem e desaparecem periodicamente. Tuberculose e donovanose, que ocorre com úlcera única e sem acometimento dos linfonodos inguinais. Por ser o diagnóstico diferencial, na maioria das vezes, feito com o cancro duro (sifilítico), estão relacionadas, na tabela adiante, suas principais características. Adenopatia constante, indolor, múltipla, dura e aflegmásica Adenopatia em 30 a 50% dos casos, dolorosa, unilateral, supurativa, fistulizante através de orifício único TRATAMENTO DO CANCRO MOLE Azitromicina 1 g, VO, dose única (esta é a recomendação institucional). Particularmente, faço uso de 500 mg a cada 12 horas, durante 10 dias, que é o tempo para a cura clínica das lesões, remissão da adenite (que ocorre entre dez dias e duas semanas), já tratando outras doenças como sífilis, gonorreia e uretrites por chlamydia sp). Ciprofloxacino 500 mg, VO, a cada 12 horas por 7 dias; Sulfametoxazol 800 mg + trimetoprim 160 mg, VO, de 12/12 horas, por 10 dias ou até a cura clínica; Estereato de eritromicina, 500 mg, VO, de 6/6 horas, por, no mínimo, 10 dias ou até a cura clínica; Tetraciclina, 500 mg, VO, de 6/6 horas, por, no mínimo, 10 dias; O tratamento sistêmico deve ser acompanhado de medidas de higiene local. Recomendações: o acompanhamento do paciente deve ser feito até a involução total das lesões; é indicada a abstinência sexual até a resolução completa da doença. O tratamento dos parceiros sexuais está recomendado mesmo que a doença clínica não seja demonstrada, pela existência de portadores assintomáticos, principalmente entre mulheres; É muito importante excluir a possibilidade da existência de sífilis associada, pela pesquisa de Treponema pallidum na lesão genital e/ou por reação sorológica para sífilis, no momento e 30 dias após o aparecimento da lesão. A aspiração, com agulhas de grosso calibre, dos gânglios linfáticos regionais comprometidos pode ser indicada 317 DOENÇAS INFECCIOSAS E PARASITOSES | Como eu trato Cancro SifilíticoCancro Mole Período de incubação longo (21 a 30 dias) Período de incubação curto (1 a 4 dias) Geralmente lesão única Geralmente lesões múltiplas Erosão/exulceraçãoUlcerações Borda em rampa Borda talhada a pique Fundo limpo e liso Fundo sujo, purulento e anfractuoso IndolorDoloroso Base duraBase mole Involui espontaneamente sem deixar cicatriz Não involui espontaneamente e cura-se com sequelas para alívio de linfonodos tensos e com flutuação, porém deve ser evitada. É contraindicada a incisão com drenagem ou excisão dos linfonodos acometidos. O tratamento tópico das lesões ulceradas é fundamental para acelerar a sua cicatrização. Deve ser feito com água e sabonete ou com compressas de com água boricada a 2%, três a quatro vezes ao dia, durante 15 minutos. Quanto à adenite, o repouso é importante na recuperação. Caso apresente flutuação ou tamanho maior do que 5 cm, deverá ser aspirado através da pele normal adjacente, evitando, assim, sua fistulização. Incisão e drenagem estão contraindicadas por retardarem o processo de cicatrização e pela possibilidade de disseminação da infecção Prognóstico A resposta ao tratamento é boa, com esterilização das lesões em 48 horas. No caso de ausência de melhora clínica e laboratorial, é importante a realização de cultura e antibiograma. Obs.: Os parceiros sexuais devem ser tratados. Referências: 1. Bauer ME, Goheen MP, Townsend CA et al. Haemophilus ducreyi, associates with phagocytes, collagen, and fibrin and remains extracellular infection of human volunteers 2001; 69: 2549-2557. 2. Lewis DA. Diagnostic tests for chancroid. Sex transmition Infect 2000;76:137-141. 3. Dicarlo RP, Armentor BA, Martin DH. Chancroid epidemiology in New Orleans men. J Infect Dis. 1995; 172: 446-452. 4. Steen R. Eradicating chancroid. Bull WHO 2001; 79: 818-826. DOENÇAS INFECCIOSAS E PARASITOSES | Como eu trato DOENÇAS INFECCIOSAS E PARASITOSES | Como eu trato DOENÇAS INFECCIOSAS E PARASITOSES | Como eu trato 318 Lesões típicas de cancro mole (cancroide). Lesões típicas, múltiplas, irregulares, dolorosas e fétidas. Cancroide concomitante com outras doenças (aqui com verrugas do HPV). DOENÇAS INFECCIOSAS E PARASITOSES | Como eu trato 319 Lesão de cancro mole na perna. DOENÇAS INFECCIOSAS E PARASITOSES | Como eu trato 320 Cancro da sífilis (duro, fundo limpo, indolor). Lesões do herpes (menores, semelhantes a aftas, fundo esbranquiçado). Cancro mole atípico na presença de fimose constritiva. DOENÇAS INFECCIOSAS E PARASITOSES | Como eu trato 321 Dr. Stefan Cunha Ujvari (CRM 64629) Citomegalia DOENÇAS INFECCIOSAS E PARASITOSES | Como eu trato 322 A infecção pelo citomegalovírus (CMV) é, em geral, benigna, com sinais e sintomas autolimitados, baixíssima mortalidade e, no paciente sem doença de base imunossupressora, não requer tratamento específico com droga antiviral. A doença é comum em adolescentes ou adultos jovens. A proliferação viral precipita febre associada a adinamia, mialgia, inapetência e anorexia. Ao exame físico, podemos encontrar adenomegalia dolorosa, hepatomegalia e esplenomegalia. Os exames laboratoriais auxiliam a suspeita diagnóstica pelo achado de linfocitose, com mais de 10% de linfócitos atípicos, e elevação discreta das enzimas hepáticas, TGO e TGP, pela agressão viral ao fígado. Todos esses achados de sintomas, sinais e alterações laboratoriais apontam para a conhecida síndrome monolike, e há dificuldade em se diferenciar a etiologia entre vírus CMV ou vírus da mononucleose. Para tal, lançamos mão da sorologia. A presença de IgM positiva para CMV confirma o diagnóstico. Não raramente, encontramos reação cruzada na sorologia de ambos os vírus. O paciente com os sintomas acima pode apresentar IgM positiva, tanto para o CMV, quanto para o vírus da mononucleose. Em geral, pela característica benigna das doenças, na prática, não há necessidade de diferenciá-las, e podemos presumir que o vírus responsável é o de maior título de IgM. O paciente com infecção aguda pelo CMV deve permanecer em casa, sob uso de sintomáticos, em repouso e ser orientado quanto à realização de boa hidratação oral. As complicações são raras e devemos apenas estar atentos ao surgimento dos sintomas ou sinais que possam sugeri-las para, então, prosseguir investigação laboratorial; estas incluem: pneumonia intersticial, que geralmente é leve e não necessita de tratamento específico no imunocompetente; síndrome de Guillain-Barré; meningoencefalite; miocardite; plaquetopenia severa e hemólise. CMV NOS IMUNOSSUPRIMIDOS A infecção adquire outra apresentação nos pacientes imunossuprimidos, com maior gravidade, frequentes complicações e necessidade de tratamento específico com droga antiviral. Esse comportamento ocorre mais comumente em pacientes com transplantes de órgãos sólidos ou de medula, pacientes com tumores avançados, portadores do HIV, usuários de drogas imunossupressoras, entre outras. O diagnóstico do CMV nesses casos pode ser feito pela biópsia tecidual, teste imuno-histoquímico ou detecção da presença viral no sangue. Esse último é feito pela pesquisa de antígeno viral no sangue, o teste da antigenemia para CMV. Nos pacientes com leucopenia acentuada, damos preferência à pesquisa do CMV no sangue com teste de PCR. Comumente, a retinite citomegálica é causa de visão embaçada, e sua lesão pode ser facilmente identificada ao exame de fundo de olho. O uso de antiviral específico é, nesse caso, imperativo. A pneumonia pelo CMV se caracteriza por infiltrado intersticial com tosse seca e dispneia progressiva. O diagnóstico é feito pela biópsia do tecido pulmonar; porém, a positividade da antigenemia ou do PCR no sangue, aliada à clínica sugestiva, autorizam o início do tratamento antiviral. A colite pelo vírus se manifesta com diarreia crônica, líquida e, geralmente, faz-se o diagnóstico por colonoscopia com biópsia da mucosa. TRATAMENTO A droga de escolha é o ganciclovir na dosagem de 5 mg por quilo de peso a cada 12 horas. O tempo de tratamento, em geral, varia entre 14 a 21 dias, dependendo do caso clínico e do local da infecção, bem como a manutenção do uso da droga para evitar recidiva da doença. Cada caso e sítio infeccioso devem ser avaliados para a decisão. DOENÇAS INFECCIOSAS E PARASITOSES | Como eu trato 323 Dra. Ligia Câmera Pierrotti (CRM 77357) Criptococose DOENÇAS INFECCIOSAS E PARASITOSES | Como eu trato 324 Criptococose é uma micose invasiva causada pelos Cryptococcus neoformans e Cryptococcus gattii. O tratamento é individualizado de acordo com as características do paciente e a localização da infecção (tabelas 1 e 2). As terapêuticas antifúngicas disponíveis são: 1) Anfotericina B – a) deoxicolato (dose 0,7 – 1 mg/kg/ dia); ou b) formulações lipídicas – lipossomal, dispersão coloidal ou complexo lipídico (dose 3 – 5 mg/kg/dia); 2) Fluocitosina (dose 100 mg/kg/dia); e 3) Fluconazol (dose 200 – 800 mg/dia). A Anfotericina B deoxicolato não deve ser administrada para pacientes com clearance de creatinina < 50 ml/hora, e deve ser substituída pelas formulações lipídicas em casos de piora da função renal. Recomenda-se o uso de medicação (difenidramina 50 mg ou hidrocortisona 50 mg IV) e hidratação pré-infusão das anfotericinas. Na suspeita clínica de meningoencefalite criptocócica, uma punção liquórica deve ser realizada. Pacientes com alteração do estado de consciência ou sinais neurológicos focais devem, necessariamente, realizar exames de imagem do SNC para excluir lesões focais antes da punção. É muito importante determinar-se a pressão liquórica inicial, e a persistência da pressão intracraniana elevada (≥ 250 mmH2O) após o início da terapia antifúngica deve ser controlada com punções liquóricas repetidas. Terapia antifúngica intratecal não deve ser utilizada pela falta de evidência de eficácia e alta morbidade associada. Pacientes imunodeprimidos com doença pulmonar grave devem realizar uma punção liquórica para investigar a presença de meningoencefalite associada. Para informações adicionais a respeito do tratamento em crianças e gestantes, da síndrome inflamatória da reconstituição imune, da resistência aos antifúngicos e de complicações que incluam a hipertensão intracraniana e o criptococoma, recomenda-se a leitura da bibliografia abaixo sugerida. Tabela 1. Recomendações de terapêutica antifúngica da meningoencefalite criptocócica: Terapia recomendada Pacientes HIV/AIDS Situação clínica Pacientes transplantados Outros Anfotericina + Fluocitosina por 2 semanas Anfotericina + Fluocitosina por 2 semanas Anfotericina + Fluocitosina por ≥ 4 semanas Anfotericina por 4 – 6 semanas Anfotericina por 4 – 6 semanas Anfotericina ≥ 6 semanas Terapia de consolidação Fluconazol 400 mg/dia por 8 semanas Fluconazol 400 – 800 mg/dia por 8 semanas Fluconazol 400 – 800 mg/dia por 8 semanas Terapia de manutenção Fluconazol 200 mg/dia por ≥ 12 meses Fluconazol 200 – 400 mg/dia por 6 – 12 meses Fluconazol 200 mg/dia por 6 – 12 meses Terapia de indução Tabela 2. Recomendações de terapêutica antifúngica da criptococose sem meningoencefalite: Terapia antifúngica recomendada Criptococose pulmonar leve a moderada Fluconazol 400 mg/dia por 6 – 12 meses Criptococose pulmonar grave Seguir recomendação do tratamento de meningoencefalite por 12 meses Criptococose sem acometimento pulmonar ou meníngeo, com criptococcemia Seguir recomendação do tratamento de meningoencefalite por 12 meses Criptococose em localização única, com exclusão de meningoencefalite por punção liquórica, sem critptococcemia, e sem imunossupressão Fluconazol 400 mg/dia por 6 – 12 meses Referências: 1. Perfect JR, Dismukes WE, Dromer F, et al. Clinical practice guidelines for the management of cryptococcal disease: 2010 update by the infectious diseases society of america. Clin Infect Dis. 2010; 50(3):291-322. 2. Kono AS, Grumach AS, Colombo AL, et al. Consenso em Criptococose 2008; Rev Soc Bras Med Trop 41(5): 524-44. 325 DOENÇAS INFECCIOSAS E PARASITOSES | Como eu trato Situação clínica Dr. Luciano Bello Costa (CRM 111557) Dr. Gilberto Turcato Jr. (CRM 44511) Dengue DOENÇAS INFECCIOSAS E PARASITOSES | Como eu trato 326 O vírus da dengue é membro da família Flaviviridae (vírus RNA), a mesma do vírus causador da febre amarela, havendo quatro sorotipos distintos antigenicamente. É transmitido pela picada da fêmea do mosquito do gênero Aedes (A. aegypti e A. albopictus) que tem hábitos alimentares diurnos e adquire o vírus quanto se alimenta de sangue de indivíduo infectado com a viremia. A transmissão é facilmente mantida de forma endêmica pelo ciclo: ser humano–mosquito–ser humano, uma vez que, especialmente o A. aegypti, tem se adaptado muito bem às condições peridomiciliares do hospedeiro humano, tanto na área rural quanto na zona urbana. Uma vez infectado, o mosquito permanece como transmissor por todo o seu ciclo de vida, podendo infectar vários indivíduos de convivência próxima. A ocorrência da dengue é sazonal, obedecendo às condições mais favoráveis ao mosquito transmissor: ocorrência de chuvas e calor. A superpopulação, a urbanização mal planejada, as condições mal resolvidas de habitação, além dos problemas na distribuição de água, no saneamento básico e fatores ambientais justificam o aumento da incidência. A dengue é a doença transmitida por mosquitos mais prevalente no mundo, especialmente na Ásia e nas Américas. No Brasil, somente no período de janeiro a março de 2011, foram notificados à Secretaria de Vigilância em Saúde do Ministério da Saúde 254.734 casos. Quanto ao vírus, existem quatro sorotipos antigenicamente distintos e que não determinam proteção cruzada. Cada um dos sorotipos determina, após infecção primária, imunidade por toda a vida para o mesmo sorotipo; mas não há proteção cruzada duradoura. Portanto, o mesmo indivíduo pode se infectar mais de uma vez, por sorotipos diferentes. A viremia antecede o aparecimento dos sintomas em algumas horas e termina com a resolução do quadro febril, com a participação da imunidade inata e adaptativa. Os sintomas se iniciam entre o quarto e o sexto dia após a infecção e perduram por três a sete dias. Do ponto de vista clínico, a dengue pode apresentar-se como: quadro febril inespecífico; dengue clássica (DC); e dengue hemorrágica (DH), com ou sem choque. Entre outros fatores, a gravidade da dengue está relacionada à intensidade de resposta imunológica de linfócitos T e à ocorrência pregressa de infecção por outros sorotipos. Alguns trabalhos epidemiológicos sustentam que há maior risco de complicação hemorrágica na infecção pelo vírus da dengue sorotipo 2. A base fisiopatogênica para a maior gravidade e complicação hemorrágica é a síndrome de aumento da permeabilidade capilar (“plasma leakage syndrome”) motivada pelo dano endotelial agudo, que não ocorre na dengue clássica. Motivada pela acentuada trombocitopenia, algumas manifestações hemorrágicas podem ocorrer, mesmo sem alteração da permeabilidade capilar. Os sintomas sugestivos de dengue são febre, cefaleia, dor retrorbitária, mialgia, artralgia, exantema e presença ou não de hemorragias. Além destes sinais e sintomas, o médico deve estar atento aos sinais de alarme que sugerem a possível evolução para dengue hemorrágica ou choque da dengue: • Dor abdominal intensa e contínua; • Vômitos persistentes; • Hipotensão postural e/ou lipotimia; • Hepatomegalia dolorosa; • Hemorragias importantes (hematêmese e/ou melena); • Sonolência e/ou irritabilidade; • Diminuição da diurese; • Diminuição repentina da temperatura corpórea ou hipotermia; • Aumento repentino do hematócrito; • Queda abrupta das plaquetas; • Desconforto respiratório. A confirmação diagnóstica pode ser realizada precocemente pela detecção do antígeno NS1 ou teste sorológico para detecção de IgM por ELISA a partir do sexto dia após o início da febre. É importante a realização da prova do laço, pois é uma manifestação hemorrágica. Deve ser realizada da seguinte forma: 1. Desenhar um quadrado de 2,5 cm de lado no antebraço da pessoa e verificar a pressão arterial; 2. Calcular o valor médio: pressão arterial sistólica + pressão arterial diastólica/2; 3. Insuflar o manguito até o valor médio e manter por cinco minutos ou até o aparecimento de petéquias ou equimoses; 4. Contar o número de petéquias no quadrado. A prova será positiva se houver 20 ou mais petéquias. Os casos devem ser estadiados para o planejamento do tratamento, conforme tabela 1. Tabela 1: Estadiamento dos casos de dengue. Estadiamento Fenômenos hemorrágicos Algum sinal de alarme Choque Dengue clássica Prova do laço negativa e sem sinais de outros eventos hemorrágicos Prova do laço positiva ou presença de outros eventos hemorrágicos ou plaquetas < 20.000 mm3 Fenômenos hemorrágicos ausentes ou presentes Ausente Ausente Presente ou ausente Ausente Presente Presente Febre hemorrágica da dengue Febre hemorrágica da dengue com choque Tratamento Até o momento, não há vacinas disponíveis. A melhor maneira de prevenir a doença é o controle sobre o vetor (o mosquito e seus potenciais criadouros). Vários outros diagnósticos diferenciais são possíveis e necessitam ser lembrados e excluídos: sepse, febres hemorrágicas, leptospirose, riquetsioses, além de febre tifoide, malária e outras doenças que possam se interpor do ponto de vista epidemiológico. Não há tratamento antiviral específico e, especialmente nos casos complicados, o objetivo é o restabelecimento hemodinâmico e resolução das complicações hemorrágicas. DOENÇAS INFECCIOSAS E PARASITOSES | Como eu trato 327 Dengue clássica • Hidratação oral; • Antitérmicos e analgésicos; • Aspirina e anti-inflamatórios não hormonais devem ser evitados; • Tratamento ambulatorial, desde que seja possível uma observação estreita do paciente. Febre hemorrágica da dengue • Hidratação endovenosa (80 ml/kg/24 horas) na forma de solução salina ou ringer lactato; • Antitérmicos e analgésicos; • Aspirina e anti-inflamatórios não hormonais devem ser evitados; • Tratamento com internação hospitalar. Febre Hemorrágica da Dengue com Choque • Hidratação endovenosa inicial mais agressiva com solução salina (20 ml/kg/20 minutos), que pode ser repetida conforme a resposta clínica. Após estabilização, calcular hidratação endovenosa em 80 ml/kg/24 horas; • Acompanhamento dos sinais vitais, diurese e hematócrito para avaliação da resposta a hidratação; • Antitérmicos e analgésicos; • Aspirina e anti-inflamatórios não hormonais devem ser evitados; • Tratamento com internação em Unidade de Terapia Intensiva. DOENÇAS INFECCIOSAS E PARASITOSES | Como eu trato 328 Referências Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Diretoria Técnica de Gestão. Dengue: diagnóstico e manejo clínico – Adulto e Criança / Ministério da Saúde, Secretaria de Vigilância em Saúde, Diretoria Técnica de Gestão. – 3a. ed. – Brasília: Ministério da Saúde, 2007. Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Coordenação Geral do Programa Nacional de Controle da Dengue. Balanço Dengue Informe – janeiro a março 2011. Brasília: Ministério da Saúde, 2011. Castro-Jorge LA, Machado PR, Fávero CA et al. Clinical evaluation of the NS1 antigen-capture ELISA for early diagnosis of dengue virus infection in Brazil. J Med Virol. 2010 Aug; 82(8): 1400-5. Dr. Miguel Nassif Júnior (CRM 136319) Dr. Miguel Nassif (CRM 13484) Endocardite infecciosa: visão do cardiologista Introdução A endocardite infecciosa (EI) é a infecção microbiana da superfície endotelial do coração. As valvas cardíacas são as estruturas mais envolvidas; no entanto, a infecção também pode ocorrer em um defeito septal, endocárdio mural ou cordões tendíneos. Muitas espécies de bactérias, fungos, micobactérias, riquétsias, clamídias e micoplasmas causam EI. A incidência e a mortalidade da EI não caíram nos últimos 30 anos. Apesar do avanço diagnóstico e terapêutico, a doença ainda apresenta prognóstico ruim e alta mortalidade. As EI têm grande variedade de formas de apresentação, variando de acordo com: microrganismo envolvido, doença cardíaca de base e a presença ou ausência de complicações. Sendo assim, o tratamento deve ser feito por equipe multidisciplinar, com participação de cardiologista, cirurgião, infectologista e, frequentemente, radiologista, neurologista, neurocirurgião e patologista. Classificação A EI pode ser classificada em aguda e subaguda. - Endocardite aguda: surge com toxicidade acentuada e evolui em dias ou semanas para destruição valvar e infecção metastática. É causada, na maioria das vezes, por Staphylococcus aureus. - Endocardite subaguda: apresenta-se com pouca toxicidade, evolui ao longo de semanas a meses e raramente apresenta infecção metastática. Pode ser causada por Streptococcus viridans, enterococos, cocobacilos Gram negativos e estafilococos coagulase-negativos. Também se deve considerar a classificação em: EI em valva nativa (EVN) ou protética (EVP), sítio anatômico envolvido, culturas negativas ou culturas positivas, primeiro episódio ou recorrente. DOENÇAS INFECCIOSAS E PARASITOSES | Como eu trato 329 Fatores predisponentes A idade média dos doentes com EI vem aumentando gradualmente, de 30-40 anos, na era pré-antibiótico e na era inicial dos antibióticos, para 47-69 anos nas décadas recentes. Homens são mais afetados do que mulheres (1,7:1). A literatura mostra que 36-75% dos pacientes com EI de valva nativa têm fatores de risco predisponentes, sendo os principais: doença reumática (principal causa no Brasil), cardiopatias congênitas, hipertrofia septal assimétrica, prolapso de valva mitral, doença cardíaca degenerativa e uso de drogas intravenosas. Infecção pelo HIV é fator de risco independente para IE; isso se deve, principalmente, ao uso de drogas intravenosas e cateter de longa permanência, sendo o Staphylococcus aureus o germe mais envolvido nesses casos. Endocardite de valva protética constitui 10-30% dos casos de EI em países desenvolvidos. Valvas mecânicas apresentam maior risco nos primeiros três meses após implante e, após esse período, o risco de infecção se iguala ao risco em valvas biológicas. Endocardite nosocomial tem como principais fatores predisponentes: uso de cateteres intravenosos, procedimentos geniturinários e gastrintestinais e hemodiálise, além de infecção de ferida cirúrgica. Apresentação clínica Em cerca de 80% dos casos, estima-se que o intervalo entre a bacteremia e o início dos sintomas em pacientes com EVN seja menor que duas semanas. Em paciente com EVP, o período de incubação pode ser mais prolongado, levando até 2-5 meses. A febre é o sinal e sintoma mais comum, mas pode estar ausente ou ser mínima em pacientes idosos, portadores de IC, doença renal crônica e naqueles com EVN causada por estafilococos coagulase-negativo. DOENÇAS INFECCIOSAS E PARASITOSES | Como eu trato 330 Sopros cardíacos são audíveis em até 80% dos casos e não comumente audíveis em pacientes com EI de valva tricúspide. Os sopros novos ou sopros que se alteram são mais prevalentes em EI aguda e EVP. Sintomas musculoesqueléticos não relacionados com a infecção focal são relativamente comuns, e incluem artralgia, artrite e mialgia. As manifestações periféricas clássicas como petéquias, hemorragias subungueais, manchas de Janeway, nódulos de Osler e manchas de Roth devem ser sempre pesquisados, embora sejam raras e virtualmente ausentes em paciente com EI restrita à valva tricúspide. Esplenomegalia pode estar presente em até metade dos pacientes, mais comum em EI subaguda de longa duração. Sintomas neurológicos ocorrem em cerca de 30% dos casos e, em geral, são causados por embolização. O Staphylococcus aureus é a principal bactéria envolvida. Insuficiência renal ocorre em quase um terço dos pacientes, podendo ser causada por múltiplos fatores, dentre eles: glomerulonefrite por imunocomplexos ou vasculites, infarto renal, uso de contraste, antibióticos nefrotóxicos ou até disfunção pela sepse em casos mais graves. Diagnóstico e exames complementares O diagnóstico é feito a partir de anamnese, exame físico minucioso, coleta de hemoculturas e ecocardiograma. Os critérios diagnósticos para EI de Duke modificado baseiam-se nessas variáveis. Exames gerais como hemograma, VHS, função renal, coagulograma, urina tipo I, eletrocardiograma e radiograma de tórax, sempre devem ser solicitados. Anemia, VHS elevada, complexos imunes circulantes estão presentes na maioria dos casos; leucocitose em até 30%, hematúria, de 30-50%. As hemoculturas devem ser colhidas aos pares (anaeróbia e aeróbia), com intervalo mínimo de uma hora entre as amostras, com pelo menos 10 ml de sangue em cada frasco. O ecocardiograma transtorácico é recomendado para paciente com suspeita de EI e valva nativa. Caso não haja boa janela para o exame, o eco transesofágico deve ser realizado. Outras indicações de eco transesofágico são: pacientes com valva protética ou aqueles que apresentem valva nativa com alta suspeita de EI e eco transtorácico negativo. Achados típicos de EI no ecocardiograma são: presença de vegetações, nova deiscência de valva protética e demonstração de fístulas perivalvares ou abscessos. Tratamento Antes da descoberta dos antibióticos (ATB), a EI era invariavelmente fatal. Embora, nos dias de hoje, cerca de 80% dos pacientes com EI sobrevivam à infecção, um em cada seis doentes com o IE pode morrer durante a hospitalização inicial, e até um terço dos pacientes infectados com microrganismos altamente virulentos (tais como Staphylococcus aureus) também tem desfecho fatal, como resultado direto ou indireto da infecção valvar. O tratamento é feito com antibioticoterapia endovenosa e por tempo prolongado. Devem-se utilizar associações de ATB e optar-se por drogas bactericidas, para, assim, evitar recaídas e falha terapêutica. Acompanhar o paciente de perto é extremamente importante, pois complicações da própria infecção ou dos ATB usados por longo período no tratamento não são infrequentes. Por isso, o tratamento de EI em sistema de home care só deve ser cogitado em doentes estáveis, com hemoculturas estéreis, afebris, aderentes ao tratamento, com fácil acesso ao hospital e sem nenhum outro sinal que sugira possível complicação iminente. Tratamento empírico da EI A terapia empírica só está indicada em: Lembramos que a terapia empírica deve ser rapidamente iniciada nos pacientes graves, e que três pares de hemoculturas, separados por 30 min, devem ser colhidos antes do inicio dos antibióticos. Esses pacientes devem ser acompanhados por um cirurgião, já que, para boa parte deles, a cirurgia é indicada. Pacientes com valva nativa (tratamento empírico) - Ampicilina-Sulbactam 12 g/dia EV divididas em 4 doses, duração de 4-6 semanas. - Amoxicilina-Clavulanato 12 g/dia EV em 4 doses, associada com Gentamicina 3 mg/kg/dia EV ou IM divididas em 2-3 doses; duração de 4-6 semanas para ambas as drogas. Pacientes com valva nativa (tratamento empírico) que tem contraindicação aos beta-lactâmicos: - Vancomicina 30 mg/kg/dia EV em 2 doses, associada com Ciprofloxacina 800 mg/dia EV em 2 doses e Gentamicina 3 mg/kg/dia EV ou IM em 2-3 doses. As três drogas devem ser mantidas por 4-6 semanas. Tratamento empírico em pacientes com valva protética - Vancomicina 30 mg/kg/dia EV em 2 doses, associada com Gentamicina 3 mg/kg/dia EV ou IM em 2-3 doses e Rifampicina 1200 mg/dia VO em 2 doses. Nota: Esse tratamento serve tanto para EVP precoce (menos de 12 meses da cirurgia), como para tardia (após 12 meses da cirurgia). Tratamento da EI em pacientes com hemoculturas positivas Pacientes com hemoculturas positivas são a maioria dos casos, já que, quando colhidas corretamente, cerca de 90-95% das hemoculturas serão positivas. Assim sendo, o tratamento deve ser guiado pelas hemoculturas, quase sempre com a associação de duas ou mais drogas. O tempo de tratamento e o regime antibiótico mais adequado variam de acordo com o microrganismo envolvido, valva nativa ou protética, além de contraindicações de alguns pacientes a determinadas drogas. Existem diversos regimes propostos, que podem ser consultados no site da European Society of Cardiology (ESC) (http://www.escardio.org/guidelines-surveys/esc-guidelines/Pages/ 331 DOENÇAS INFECCIOSAS E PARASITOSES | Como eu trato - pacientes graves, nos quais o adiamento da antibioticoterapia pode trazer riscos. Ex.: instabilidade hemodinâmica, piora rápida. - pacientes estáveis, quando há vegetação no ecocardiograma e diversos pares de hemoculturas são negativos. infective-endocarditis.aspx). Tratamento da EI em pacientes com hemoculturas negativas (EI cultura-negativa) A EI cultura-negativa é definida como endocardite sem etiologia após sete dias de inoculação de pelo menos três pares de hemoculturas, em um sistema padrão de cultura de sangue. As principais causas desse tipo de EI são: - Administração prévia de agentes antimicrobianos; - Técnica inadequada de coleta das hemoculturas. - Germes fastígios (grupo HACEK), patógenos não bacterianos (por exemplo, fungos) ou germes que raramente crescem em meios de culturas convencionais (Brucella spp, C. Burnetti, Bartonella spp, Mycoplasma ssp, Legionella ssp, Chlamydia ssp, Tropheryma whipplei). Antibioticoterapia recomendada pela ESC: - Ampicilina-Sulbactam ou Amoxicilina-Clavulanato 12 g/dia EV divididas em 4 doses, associada com Gentamicina 3 mg/kg/dia EV ou IM divididas em 2-3 doses; duração de 4-6 semanas para ambas as drogas. Pacientes alérgicos à penicilina - Vancomicina 30 mg/kg/dia EV em 2 doses, associada com Ciprofloxacina 800 mg/dia EV em 2 doses e Gentamicina 3 mg/kg/dia EV ou IM em 2-3doses. As três drogas devem ser mantidas por 4-6 semanas. Tratamento cirúrgico da EI DOENÇAS INFECCIOSAS E PARASITOSES | Como eu trato 332 Pacientes com EI muitas vezes necessitam de cirurgia combinada com o tratamento clínico. Pacientes com EI e indicação cirúrgica devem ser submetidos ao procedimento antes de apresentarem instabilidade hemodinâmica grave. Assim, a cirurgia pode ser de emergência (no mesmo dia), urgência (1-2dias) ou eletiva, dependendo de cada situação. As principais indicações de cirurgia em pacientes com EI são: 1- Insuficiência cardíaca decorrente da EI: normalmente está indicada cirurgia de emergência. 2- Infecção não controlada: febre persistente por mais de 7-10 dias, infecção por fungo ou microrganismo multirresistente ou ainda vegetação em aumento, abscesso, falso aneurisma ou fístula. Para esses pacientes, em geral, indica-se cirurgia de urgência. 3- Prevenção de embolismo: vegetação maior que 15 mm, vegetação aórtica ou mitral maiores que 10 mm com um ou mais episódios de embolização a despeito da antibioticoterapia. Nesses casos, indica-se a cirurgia de urgência. Referências: Adolf W. Karchmer. Infective Endocarditis. BRAUNWALD’S HEART DISEASE 9th Edition; 2011 Habib G, Hoen B, Tornos P, et al. Guidelines on the prevention, diagnosis and treatment of infective endocarditis. Eur Heart J 2009; 30:2369-413. Dr. Julio Henrique Onita (CRM 112652) Dr. Gilberto Turcato Jr. (CRM 44511) Endocardite infecciosa: visão do infectologista A endocardite infecciosa (EI) é uma doença causada por bactérias ou fungos, cuja característica principal é a adesão do agente infeccioso ao endotélio cardíaco. Nos últimos 30 anos, a despeito dos avanços diagnósticos e terapêuticos, não houve alteração na incidência e mortalidade associada. Diagnóstico O diagnóstico da EI se baseia em: (1) informações de história clínica e exame físico, (2) dados microbiológicos (hemocultura) e (3) imagem ecocardiográfica. Principalmente quando não adequadamente diagnosticada e tratada, tem elevada morbidade e mortalidade. Com o objetivo de aumentar a sensibilidade e especificidade do diagnóstico, foram desenvolvidos sistemas de pontuação baseados nos princípios enumerados acima. Um dos sistemas de pontuação mais extensamente aceitos constitui os critérios modificados de Duke (ver figura abaixo). Diante de suspeita clínica, um interrogatório a respeito de lesões valvares pregressas, utilização de drogas intravenosas ilícitas, presença de cateteres intravasculares e procedimentos que aumentem o risco de bacteremia, além de informações sobre outros possíveis focos de infecção e consumo recente de antimicrobianos geram informações essenciais para um diagnóstico mais acurado. As hemoculturas devem ser coletadas através de punção venosa periférica, com máximo rigor de antissepsia. A coleta de hemoculturas através de cateteres intravenosos deve ser desestimulada, por aumentar o risco de isolamento de um agente contaminante, piorando a especificidade do exame. Já a sensibilidade do exame de cultura é proporcional ao volume de sangue coletado, sendo maior de acordo com o volume de sangue enviado para cultura. Para o indivíduo adulto, a cada punção deve-se coletar amostras de cerca de 15 mL, que serão distribuídos em frascos para cultivo de aeróbios e anaeróbios (e fungos, quando indicado). Dependendo do grau de suspeita e da gravidade do paciente, pelo menos três desses conjuntos de frascos (sets) devem ser solicitados (3 x 15mL). Quando houver uso recente ou concomitante de antimicrobianos, o volume total das amostras deverá ser maior. As bactérias mais frequentes como causadoras de EI são: S. aureus, alguns estreptococos (estreptococos do grupo 333 DOENÇAS INFECCIOSAS E PARASITOSES | Como eu trato Introdução viridans e S. bovis), enterococos e organismos do grupo HACEK (Haemophilus parainfluenza, H. androphilus, Actinobacillus actinomycetemcomitans, Cardiobacterium hominis, Eikenella corrodens e Kingella kingae). O ecocardiograma é o recurso de imagem mais utilizado e tem papel fundamental no diagnóstico, e também fornece informações importantes sobre possíveis disfunções valvares (nativas ou próteses) e funcionais do miocárdio. O ecocardiograma transesofágico é o mais apropriado; no entanto, o método transtorácico pode ser utilizado, inicialmente como triagem. Cabe ressaltar alguns problemas inerentes a estes recursos: é um exame operador-dependente, difícil de realizar em pacientes com biótipos específicos (obesos ou com deformidades de caixa torácica) e não afasta a possibilidade de doença mesmo com exame negativo. A EI é uma das mais importantes causas de febre de origem indeterminada. É responsável por vários fenômenos imunológicos e vasculares, o que dificulta a suspeita clínica e a confunde com outras síndromes. Critérios modificados de Duke: DOENÇAS INFECCIOSAS E PARASITOSES | Como eu trato 334 CRITÉRIOS MAIORES Culturas positivas para endocardite infecciosa Duas hemoculturas coletadas separadamente de microrganismos típicos implicados na doença (Streptococcus viridans, Streptococcus bovis, grupo HACEK e Staphylococcus aureus, ou enterococo comunitário na ausência de foco) Duas hemoculturas com microrganismos típicos implicados na doença com persistente positivação (pelo menos duas amostras com intervalo maior de 12 horas, ou todas as três ou a maioria de quatro isoladas) Uma hemocultura isolada com Coxiella burnetti Evidência de envolvimento de endocárdio Ecocardiograma positivo para endocardite infecciosa (vegetação, abcesso, deiscência de valva etc.) Novo refluxo valvar CRITÉRIOS MENORES Febre: Tmax > 38ºC Fenômenos vasculares: embolia arterial, infartos pulmonares sépticos, aneurismas miocárdicos, hemorragias intracranianas, hemorragias conjuntivais ou lesões de Janeway Fenômenos imunológicos: glomerulonefrite, nódulo de Osler, manchas de Roth ou fator reumatoide. Evidência microbiológica: cultura positiva, porém, sem os critérios anteriores ou evidência sorológica de infecção ativa de organismos compatíveis com endocardite infecciosa Diagnóstico de endocardite infecciosa é definido na presença de: - 2 critérios maiores, ou - 1 critério maior e três menores, ou - 5 critérios menores. Diagnóstico de endocardite infecciosa é possível na presença de: - 1 critério maior e um critério menor, ou - 3 critérios menores. Tratamento: Tratamento de valva nativa por estreptococos do grupo viridans e (MIC < 0,125) Streptococcus bovis - sensíveis a penicilina Penicilina G cristalina 2-4 milhões UI q4-6h Tempo de tratamento 2 semanas ou Ceftriaxona 2g q24h associada a Gentamicina 3mg/kg q24h Alérgicos a penicilina: Vancomicina 15 mg/kg q 12h 4 semanas Tratamento de valva nativa por estreptococos do grupo viridans e Streptococcus bovis resistência intermediária a penicilina (MIC ≥ 0,12 e ≤ 0,5) Penicilina G cristalina Tempo de tratamento 2 a 4 milhões UI q4-6h 4 semanas 3mg/kg q24h 2 semanas associada a Gentamicina Alérgicos a penicilina Vancomicina 15mg/kg/dia q12h 4 semanas 3mg/kg q24h 2 semanas associada a Gentamicina Obs.: Os estreptococos com MICs > 0,5 devem ser tratados preferencialmente com vancomicina. Tratamento de Staphylococcus spp Valvas Nativas OXACILINA-SENSÍVEL Oxacilina 2 g q4h associada a Gentamicina 3mg/kg q12h OXACILINA-RESISTENTE OU ALÉRGICO A PENICILINA Vancomicina 15mg/kg/dia q12h associada a Gentamicina 3mg/kg q12h Tempo de tratamento Tratamento de Staphylococcus spp Prótese valvar OXACILINA-SENSÍVEL Oxacilina 2g q4h associada a Rifampicina 600mg q12h E Gentamicina 3mg/kg q12h OXACILINA-RESISTENTE OU ALÉRGICO A PENICILINA Vancomicina 15 mg/kg/dia q 12h associada a Rifampicina 600mg q12h E Gentamicina 3mg/kg q12h Tempo de tratamento Tratamento de Enterococcus spp Sensível a ß-lactâmico e aminoglicosídeo Ampicilina 2-3 g q4h associada a Gentamicina 3mg/kg q12h OU Vancomicina 15 mg/kg/dia q 12h associada a Gentamicina 3mg/kg q12h 3 - 5 dias 4 - 6 semanas 3 - 5 dias > 6 semanas > 6 semanas 2 semanas > 6 semanas > 6 semanas 2 semanas hVISA, deve-se priorizar o Tempo de tratamento 4 - 6 semanas 6 semanas 335 DOENÇAS INFECCIOSAS E PARASITOSES | Como eu trato Obs.: Em estafilococos com resistência intermediária a vancomicina (VISA) e v tratamento com Daptomicina 6mg/kg q24h. 4 - 6 semanas Obs.: Se resistente a Gentamicina, trocar por Estreptomicina (7,5mg/kg q12h), ou tratamento mais prolongado com ß-lactâmico. Se multirresistente (Aminoglicosídeo, Vancomicina e Ampicilina), iniciar Linezolida 600mg q12h. Tratamento do grupo HACEK Ceftriaxona 2g q24h Tempo de tratamento 4 semanas OU Ampicilina-Sulbactam 3g q6h 4 semanas OU Ciprofloxacino 500mg q12h PO ou 400mg q12h IV 4 semanas Obs: O grupo HACEK consiste de Haemophilus parainfluenza, H. androphilus, Actinobacillus actinomycetemcomitans, Cardiobacterium hominis, Eikenella corrodens e Kingella kingae, e todas têm como característica comum o crescimento lento em hemoculturas. Algumas populações específicas têm, como agentes etiológicos, espécimes menos freqüentes: os bacilos gramnegativos (não-HACEK) e os fungos. Os bacilos gram-negativos não-HACEK são responsáveis por menos de 10% das endocardites e têm como fatores de risco: usuários de drogas ilícitas, portadores de valvas protéticas e cirróticos. Seu tratamento antimicrobiano é longo e varia de acordo com o perfil de sensibilidade de cada agente isolado, usualmente em combinações. A cirurgia sempre é considerada um adjuvante importante, tendo em vista as propriedades de adesão bacterianas em endotélios. DOENÇAS INFECCIOSAS E PARASITOSES | Como eu trato 336 As endocardites fúngicas são uma nova complicação dos avanços médicos e cirúrgicos. Os agentes mais comumente implicados são: Candida ssp e Aspergillus ssp, e necessitam de uma combinação agressiva de tratamento cirúrgico e clínico. Por esse motivo, a droga de escolha é a Anfotericina B, e por mais de 6 semanas. Após esse período, faz-se uma supressão com azólicos sem predefinição de tempo. É importante ressaltar que as hemoculturas se positivam com dificuldade nas endocardites por fungos. O tratamento antimicrobiano empírico deve ser instituído nos pacientes que apresentarem hemoculturas negativas, desde que haja suspeita clínica elevada e ecocardiograma sugestivo. As combinações de antimicrobianos são baseadas nos agentes etiológicos mais prováveis e o acompanhamento com o especialista é mandatório. Dra. Teresinha M. B. Marinho (CRM 33740) Dr. João Henrique F. B. Narciso (CRM 93065) Erisipela Definição Infecção cutânea envolvendo a derme e os tecidos linfáticos superficiais. Caracteriza-se por uma área de inflamação bem demarcada, separada do tecido normal por uma elevação da lesão em relação à pele íntegra. Pode evoluir para vesículas ou bolhas com conteúdo líquido amarelado. Febre, dor, calafrios, bem como sinais de toxemia podem acompanhar o processo. Em 85% dos casos ocorre maior acometimento dos membros inferiores, mas a face e parede abdominal (em indivíduos com obesidade mórbida) também podem ser acometidas. Os pacientes com maior predisposição são: crianças, idosos, portadores de dermatofitoses (albergam estreptococos beta-hemolíticos), obesos e indivíduos com insuficiência venosa dos membros inferiores. Etiologia O principal agente etiológico é o estreptococo beta-hemolítico do grupo A, podendo ser também dos grupos G, C, B, D e F, sendo raro o acometimento por Staphylococcus aureus. Diagnóstico O diagnostico é clínico, dispensando exames subsidiários. Tratamento 1 - elevação do membro afetado, facilitando a drenagem gravitacional do edema e das substâncias inflamatórias. 2 - tratamento das condições de base (ex.: tinea pedis, insuficiência venosa, eventuais ferimentos na pele). 3 - antibioticoterapia: pacientes com manifestações clássicas de erisipela e sistêmicas (como febre, calafrios), devem ser tratados com antibioticoterapia parenteral - ceftriaxone (1 g IV, de 12/12 horas) ou cefazolina (1 a 2 g IV, de 8/8 horas). Em casos de infecção moderada, pode-se utilizar penicilina oral (500 mg, de 6/6 horas) ou amoxicilina (500 mg, de 8/8 horas). Infecções graves devem ser tratadas com penicilina cristalina IV em associação com oxacilina ou vancomicina. Em casos de alergia a betalactâmicos, utilizar cefalexina, clindamicina ou linezolida. Com relação ao tempo de tratamento, este deve ser individualizado de acordo com a evolução clínica, sendo geralmente de 5 a 10 dias. O tratamento preventivo (casos recidivantes) pode ser feito com penicilina benzatina via intramuscular: 2.400.000 UI a cada 20 dias, por um ano, ou 1.200.000 UI, a cada três semanas, por cinco anos. Referências: Baddour LM. UpToDate, 2011. 337 DOENÇAS INFECCIOSAS E PARASITOSES | Como eu trato Quadro clínico Dr. Luiz Pedro Meireles (CRM 36438) Esquistossomose mansônica A esquistossomose mansônica é uma endemia mundial, que ocorre em 52 países, principalmente na América do Sul, Caribe, África e leste do Mediterrâneo. No Brasil, atinge 19 Estados, numa faixa contínua ao longo do litoral, desde o Rio Grande do Sul ao Maranhão. Atualmente, as prevalências mais elevadas são encontradas nos Estados de Alagoas, Pernambuco, Sergipe, Minas Gerais, Bahia, Paraíba e Espírito Santo. DOENÇAS INFECCIOSAS E PARASITOSES | Como eu trato 338 O tratamento não só cura a doença como evita a progressão para formas mais graves. Dados comprovam que o tratamento faz com que a fibrose regrida parcialmente, colaborando para a redução da hepatoesplenomegalia, em alguns casos. Dois medicamentos são disponíveis atualmente para o tratamento da esquistossomose: 1) Praziquantel - com dose de 60 mg/kg para crianças com até 15 anos e 50 mg/kg para adultos. O medicamento é formulado em comprimidos sulcados de 600 mg e age pelo aumento da permeabilidade do tegumento do verme, levando à redução da mobilidade do parasita e exposição de antígenos ao sistema imune do hospedeiro. Não age contra as formas jovens do verme, sendo inefetivo na fase aguda da doença. Deve ser administrado com cuidado em pacientes com arritmias cardíacas, principalmente em pacientes com bloqueio AV e bradicardia. Causa frequentemente vertigens, náuseas e vômitos. Deve ser usado cautelosamente em pacientes com doença hepática descompensada, por ter concentrações plasmáticas mais elevadas e duradouras, sendo desconhecida uma correção segura para tal circunstância. Cefaleia, dores abdominais, diarreia, febre e urticárias podem ser observadas após o tratamento, sendo muitos sintomas relacionados à liberação de antígenos local e sistemicamente. 2) Oxaminiquine - recomendado na dose de 20 mg/kg em crianças com até 15 anos e 15 mg/kg para adultos. Disponível em comprimidos de 250 mg ou suspensão com 50 mg/ml. Os efeitos colaterais são semelhantes aos observados com o praziquantel, sendo relatados quadros convulsivos, devendo ser usado com cuidado, portanto, em pacientes com epilepsia. A eficácia é em torno de 65 a 90%, sendo menor em algumas regiões da África. O controle de cura deve ser feito com pesquisa de ovos após 12 semanas, visto que a excreção de ovos viáveis pode perdurar até 6 semanas e ovos não viáveis por períodos ainda maiores. O uso de corticoides está restrito às formas que atingem o sistema nervoso e as formas agudas, em que a reação inflamatória ligada à liberação de antígenos e mecanismos imunes desempenha papel importante nos sintomas. O tratamento é considerado contraindicado a pacientes no primeiro trimestre de gestação, crianças menores de 2 anos, com anemia ou desnutrição graves, e ainda insuficiência hepática descompensada. Referências: 1. Guia de Vigilância Epidemiológica/ Esquistossomose mansônica / 6a edição / Ministério da Saúde / 2005 2. Caffrey CR : Chemotherapy of Schistosomiasis: Present and future. Curr Opin Chem. Biol 2007 ;11:433-39 DOENÇAS INFECCIOSAS E PARASITOSES | Como eu trato 339 Dr. Renato Falci Júnior (CRM 87181) Gonorreia DOENÇAS INFECCIOSAS E PARASITOSES | Como eu trato 340 Gonorreia ou uretrite gonocócica é a uretrite causada pela Neisseria gonorrhoeae. Todo paciente com queixa de disúria, prurido uretral ou história de corrimento uretral é um potencial portador de uretrite. Havendo suspeita clínica de uretrite, esta deve ser comprovada antes do seu tratamento. A confirmação deverá ser feita preenchendo-se um dos critérios abaixo: • Presença de corrimento uretral purulento ao exame físico; • Secreção uretral com mais de cinco leucócitos por campo (laboratorial); • Sedimento urinário do primeiro jato com mais de dez leucócitos por campo (laboratorial). Havendo confirmação da uretrite por um ou mais dos critérios acima, o paciente deve ser tratado com antibióticos que tenham ação em Neisseria gonorrhoeae e Chlamydia trachomatis, dada a alta incidência de infecção concomitante por esses dois agentes. Dá-se preferência a drogas de dose única para diminuir-se o risco de não aderência ao tratamento. As opções terapêuticas, em ordem de preferência, são: 1 – Ceftriaxona 125 mg IM, dose única (Neisseria) + Azitromicina 1 g VO, dose única (Chlamydia) 2 – Ceftriaxona 125 mg IM, dose única (Neisseria) + Doxiciclina 100 mg VO, de 12/12 horas por sete dias (Chlamydia) 3 – Ciprofloxacina 500 mg VO, dose única * (Neisseria) + Azitromicina ou Doxiciclina, conforme posologia acima (Chlamydia) * Existem relatos de até 23% de resistência da Neisseria à ciprofloxacina, particularmente em indivíduos homossexuais. Outras opções terapêuticas são possíveis, devendo sempre haver cobertura concomitante para Neisseria e Chlamydia. Exemplos de antibióticos que atuam na Neisseria gonorrhoeae: ceftriaxona, cefixime, ciprofloxacina. Exemplos de antibióticos que atuam em Chlamydia trachomatis: azitromicina, doxiciclina, eritromicina, ofloxacina, levofloxacina. Sempre deverão ser seguidos dois princípios no tratamento da gonorreia: 1- Associar antibiótico que atue em Chlamydia, exceto se comprovada ausência de infecção concomitante por teste laboratorial específico (por exemplo, PCR – reação em cadeia da polimerase – negativo para Chlamydia). 2- Tratar a parceira, concomitantemente. Caso não haja confirmação da uretrite por um dos três critérios citados acima, deverão ser solicitados exames específicos para o agente e, somente após sua confirmação, iniciada a terapêutica. Isso evita o uso indiscriminado de antibióticos e diminui, portanto, o risco de resistência bacteriana. Os testes específicos são: bacterioscópico, cultura e PCR para Neisseria e Chlamydia, obtidos a partir do raspado uretral. Referências 1 – CDC: Centers for disease control and prevention. Sexually transmitted diseases (STD). http://www.cdc.gov/STD/ 2 - Workowski KA, Berman S; Centers for Disease Control and Prevention (CDC). Sexually transmitted diseases treatment guidelines, 2010. MMWR Recomm Rep. 2010 Dec 17;59 (RR-12):1-110.. DOENÇAS INFECCIOSAS E PARASITOSES | Como eu trato 341 Dr. Stefan Cunha Ujvari (CRM 64629) Gripe DOENÇAS INFECCIOSAS E PARASITOSES | Como eu trato 342 O vírus influenza, altamente contagioso, é transmitido por gotículas respiratórias transferidas de pessoa a pessoa pela tosse, espirro e fala. Além disso, as mãos contaminadas também o transmitem por contato com as mucosas orais, nasais e oculares. Isso foi amplamente divulgado na epidemia pela “gripe suína” de 2009. Uma vez depositado no epitélio respiratório, o vírus se adere à célula, invade-a e se replica no seu interior. Uma cascata de eventos precipita lesão e morte celular, com liberação de novos vírus. A morte celular do epitélio respiratório pelo dano viral ou apoptose é a principal responsável pelas complicações da gripe. O paciente infectado já elimina o vírus 24 horas antes do início dos sintomas. A agressão viral precipita inflamação difusa da laringe, traqueia e brônquios, responsáveis pela clínica dolorosa dessa região, que acompanha os outros sintomas da infecção: mialgia, cefaleia, febre, tosse e dores articulares. Nos casos graves, o dano pulmonar viral ou infecção bacteriana secundária precipitam insuficiência respiratória. COMO CONDUZIR Há suspeita de infecção pelo vírus influenza nos pacientes com febre elevada (> 38°C) e dor de garganta, acompanhados de tosse, dores musculares, dores articulares, cefaleia, adinamia, prostração, entre outros. O diagnóstico é feito pelo aspirado de secreção da nasofaringe em frasco coletor para a pesquisa de influenza, ou, na impossibilidade de tal procedimento, pelo swab de rayon da nasofaringe e orofaringe. O teste busca o material genético viral por PCR (polymerase chain reaction). O paciente atendido com sintomas do vírus influenza deve ser avaliado quanto ao comprometimento clínico e eventuais doenças de base ou condição imunológica. Aqueles saudáveis, que apresentam sinais ou sintomas de comprometimento pulmonar, merecem tratamento antiviral específico, com oseltamivir; são pacientes previamente hígidos, com dispneia, frequência respiratória elevada, cianose, queda na saturação, batimento de asa de nariz e tiragem intercostal. Os pacientes com doença de base que favorece maior severidade da gripe devem ser monitorados de maneira constante para a indicação do antiviral. Tais doenças são: deficiência imunológica por diversos fatores ou patologias, insuficiência hepática ou renal, doença pulmonar obstrutiva crônica (DPOC), insuficiência cardíaca, diabetes mellitus e doenças hematológicas. A epidemia de gripe suína, influenza A (H1N1), mostrou que a obesidade mórbida e gestação também são condições que favorecem complicações. Além disso, a gripe pode se tornar mais severa em crianças menores de dois anos ou idosos acima de 60 anos. Por esses motivos, pacientes que preenchem os critérios acima devem sem vigiados e monitorados diariamente para que, diante de qualquer piora clínica, o antiviral seja iniciado. USO DO ANTIVIRAL A preferência do tratamento é com uso de antiviral sistêmico, o oseltamivir, na dosagem, para adultos, de 75 mg de 12 em 12 horas, por cinco dias. Devemos acompanhar a situação epidemiológica e informes técnicos de novos vírus influenza, pois, em raros momentos, podemos dobrar a dose da medicação e prolongar o tempo de tratamento. Apesar de saber-se que a droga deve ser iniciada nas primeiras 48 horas de sintomas para obter resposta ideal, não está proibida a sua indicação em pacientes que chegam com sintomas há mais tempo. CUIDADOS GERAIS O paciente deve ser orientado a manter-se bem hidratado e em repouso. As recomendações incluem medidas para reduzir a transmissão. Para isso, o enfermo deve permanecer em casa, de preferência em um quarto específico para ele, com portas e janelas abertas para ventilação. Tossir e espirrar em um lenço descartável, com lavagem das mãos logo após. Orienta-se que o paciente use máscara no contato próximo, a menos de um metro, com familiares, por exemplo. O paciente deve permanecer afastado de escola, faculdade ou trabalho durante o período da doença. VACINAÇÃO Todos os anos é feita campanha de vacinação para aqueles com risco de formas graves da doença ou risco de transmiti-la a pessoas em risco de complicações. Esses casos incluem: 343 DOENÇAS INFECCIOSAS E PARASITOSES | Como eu trato Idosos acima de 60 anos; Crianças com menos de dois anos de idade e acima de seis meses; Portadores de imunossupressão por diferentes tipos de patologias; Portadores de doença pulmonar crônica; Obesidade; Portadores de tumores; Doenças hematológicas; Insuficiência renal, hepática ou cardíaca; Gestantes ou mulheres que pretendem engravidar próximo à época de disseminação viral; Trabalhadores da área de saúde. Dr. Mauro José da Costa Salles (CRM 61960) Herpes simples DOENÇAS INFECCIOSAS E PARASITOSES | Como eu trato 344 Virose causada por dois vírus DNA neurotrópicos da família Herpesviridae, herpes simples vírus 1 e 2 (HSV1 e HSV2). Geralmente, o HSV1 é responsável por doença na face e tronco, e o HSV2, por doença anogenital, sendo esta caracterizada como uma DST (doença sexualmente transmissível). A contaminação pode ocorrer após contato direto com uma pessoa transmissora viral, por meio da superfície mucosa ou de lesão infectante, ou contato indireto, por materiais ou objetos contaminados. Com a penetração do vírus através da pele com solução de continuidade, o vírus causa necrose e ulceração, com lesões típicas e em vários estágios no local (placa, pápula, bolha, crosta), o que é chamado de primoinfecção, que é autolimitada (a primoinfecção também pode ser assintomática). Após a infecção primária, o vírus fica latente nos gânglios nervosos sensitivos e, quando ocorre queda da imunidade do paciente, por mecanismos ainda não muito bem compreendidos, há uma reativação viral, com o surgimento de um pródromo (alteração da sensibilidade no local afetado, como dor, ardor e prurido) e, em seguida, novas lesões, também em várias fases, o que chamamos de herpes simples recidivante. O acometimento neurológico também é comum, já que se trata de um vírus neurotrópico, e as complicações no Sistema Nervoso Central (SNC) são meningite, encefalite, mielite transversa e radiculopatia. Em pacientes imunossuprimidos, como aqueles com leucemia, mieloma e AIDS, podem aparecer desde lesões localizadas como as disseminadas pelo corpo, provocando uma doença sistêmica grave. O diagnóstico é eminentemente clínico, com a identificação de lesões em vários estágios clínicos (placas, pápulas, bolhas e crostas). A biópsia da lesão, com uso de certas colorações que auxiliam no diagnóstico, pode mostrar células com inclusões virais nas fases de vesículas, mas com baixa sensibilidade. O isolamento do vírus no tecido infectado é a técnica mais específica para o diagnóstico, e podem ser usadas técnicas de PCR ou cultura viral. A sorologia só tem papel na avaliação da soroprevalência ou quando se detecta soroconversão, mas não se aplica na rotina diagnóstica. O tratamento é eficaz somente na prevenção de novas lesões e, se já houver lesões ativas, estas evoluirão para crosta, independentemente do uso do antiviral. Portanto, a medicação deve ser iniciada o mais precocemente possível, de preferência quando o paciente estiver apresentando os pródromos, e terá pouca eficácia quando as lesões já estiverem ativas. Os antivirais disponíveis para o tratamento de HSV 1 e 2 são: • Aciclovir • Valaciclovir • Famciclovir Para tratamento de infecções localizadas, podem-se usar as seguintes doses: • Aciclovir 400 mg VO de 8/8 horas por 5 a 7 dias (ou 200 mg de 4/4 horas – 5 x ao dia por 5 a 7 dias); • Valaciclovir 500 mg VO de 12/12 horas (ou 1 grama, dose única) por 5 a 7 dias; • Famciclovir 250 mg de 8/8h (primoinfecção) ou 125 mg de 12/12h (recidivas) por 5 a 7 dias. Para tratamento de doença recidivante (seis ou mais episódios/ano), pode-se, após o tratamento da infecção ativa, manter terapia supressora: • Aciclovir 400 mg VO de 12/12h por até seis meses; • Valaciclovir 500 mg 1 x dia por até um ano; • Famciclovir 250 mg VO de 8/8h por até um ano. Para tratamento de infecções neurológicas ou infecção disseminada em imunossuprimidos, mais graves: • Aciclovir 5 a 10 mg/kg/dose EV de 8/8 horas por 5 a 7 dias ou até a resolução clínica (quando todas as lesões estiverem no estágio de crosta). Referência 1. Doenças Infecciosas e Parasitárias; Ministério da Saúde, 8° edição, 2010. DOENÇAS INFECCIOSAS E PARASITOSES | Como eu trato 345 Dr. Ivan L. A. França e Silva (CRM 93300) Dra. Alice Tung Wan Song (CRM 104964) Dra. Barbara Silva de Sousa (CRM 114489) Dra. Beatriz Quental Rodrigues (CRM 107773) Dr. Hermes Ryoiti Higashino (CRM 112060) Herpes zoster DOENÇAS INFECCIOSAS E PARASITOSES | Como eu trato 346 Introdução Varicela ou catapora constitui a infecção primária pelo vírus varicela-zoster, e ocorre principalmente na infância. Após esse quadro inicial, o vírus permanece de forma latente nos gânglios de nervos espinhais ou cranianos. O herpes-zoster resulta da reativação do vírus e sua disseminação, a partir de um único gânglio, para o tecido neural do segmento afetado e seu dermátomo correspondente. Diagnóstico O diagnóstico de herpes-zoster é clínico. Quadro clínico Trata-se de uma doença autolimitada. Antes do aparecimento de lesões cutâneas, podem ocorrer parestesias ou prurido. As lesões cutâneas caracterizam-se por vesículas ou bolhas sobre base eritematosa, e podem ser acompanhadas de febre, cefaleia e mal-estar. Se as lesões acometerem somente um dermátomo, o quadro é denominado localizado, e se forem acometidos dois ou mais dermátomos, é denominado disseminado, o que ocorre mais frequentemente em pacientes imunossuprimidos. Em geral, as lesões regridem espontaneamente em 2 a 4 semanas. Devido ao acometimento nevrálgico, as dores podem permanecer e até se agravarem, constituindo a dor neuropática pós-herpética, muitas vezes, de grande intensidade e de difícil controle. Tratamento O objetivo do tratamento é reduzir a duração e a gravidade da neuralgia aguda, a incidência e gravidade da neuralgia pós-herpética e promover cicatrização mais rápida das lesões. Herpes-zoster não complicado: indica-se tratamento para pacientes imunocompetentes acima de 50 anos, até 72 horas após o aparecimento do rash. Deve-se considerar início de tratamento após este período se houver aparecimento de novas lesões. Em pacientes mais jovens, a terapia deve ser considerada dependendo da gravidade das lesões e intensidade da dor neuropática aguda. Atualmente, existem 3 drogas licenciadas para uso como tratamento: Aciclovir: deve ser iniciado de 48 a 72 horas após o aparecimento do rash, na dose de 800mg 5 vezes ao dia. Estudos demonstraram benefício em redução da dor associada a neurite aguda, especialmente em pacientes com idade acima de 50 anos, bem como redução da incidência de neurite pós-herpética em 6 meses. Valaciclovir: biodisponibilidade melhor do que o Aciclovir, com posologia mais fácil, embora tenha maior custo. A dose indicada é de 1000mg, 3 vezes ao dia, por 10 a 14 dias. Famciclovir: Indicado na dose de 500 a 750mg, 3 vezes ao dia. Tem boa absorção pelo trato gastrointestinal, embora maior custo quando comparado ao Aciclovir. Herpes-zoster complicado: O tratamento deve ser iniciado a todos os pacientes imunossuprimidos para quadro de zoster disseminado (acometimento de mais de um dermátomo), ou para zoster oftálmico. O objetivo do tratamento é evitar progressão da doença. Assim, recomenda-se o início do tratamento com Aciclovir IV, e progressão para medicação VO após melhora do quadro. Para pacientes imunocomprometidos, o início de tratamento deve ser considerado mesmo após as 72 horas do início dos sintomas, embora haja benefício com o início o mais precocemente possível. Analgesia para neurite aguda: Na maioria dos casos, o controle da dor aguda é necessário. São recomendados antiinflamatórios não esteroidais para dor moderada, associados ou não a opioides como Tramadol. Para dor intensa, recomenda-se o uso de morfina. O uso de corticosteroides só é indicado para casos em que a dor é intensa, apesar destas intervenções, em pacientes sem contraindicações para esta medicação. Entretanto, estudos sugerem pouco benefício com seu uso, e não há evidências de que reduza a incidência de neuralgia pós-herpética. 347 DOENÇAS INFECCIOSAS E PARASITOSES | Como eu trato Referências Dworkin RH, Johnson RW, Breuer J, Gnann JW, Levin MJ, Backonja M, Betts RF, Gershon AA, Haanpaa ML, McKendrick MW, Nurmikko TJ, Oaklander AL, Oxman MN, Pavan-Langston D, Petersen KL, Rowbotham MC, Schmader KE, Stacey BR, Tyring SK, van Wijck AJ, Wallace MS, Wassilew SW, Whitley RJ. Recommendations for the management of herpes zoster.Clin Infect Dis. 2007;44 Suppl 1:S1. Gnann JW Jr.New antivirals with activity against varicella-zoster virus. Ann Neurol. 1994;35 Suppl:S69. Jackson JL, Gibbons R, Meyer G, Inouye L. The effect of treating herpes zoster with oral acyclovir in preventing postherpetic neuralgia. A meta-analysis. Arch Intern Med. 1997;157(8):909. Moomaw MD, Cornea P, Rathbun RC, Wendel KA. Review of antiviral therapy for herpes labialis, genital herpes and herpes zoster. Expert Rev Anti Infect Ther. 2003;1(2):283. Wood MJ, Kay R, Dworkin RH, Soong SJ, Whitley RJ.Oral acyclovir therapy accelerates pain resolution in patients with herpes zoster: a meta-analysis of placebo-controlled trials. Clin Infect Dis. 1996;22(2):341. Dr. Julio Henrique Onita (CRM 112652) Dr. Luciano Bello Costa (CRM 111557) Dr. Gilberto Turcato Jr. (CRM 44511) Meningites bacterianas DOENÇAS INFECCIOSAS E PARASITOSES | Como eu trato 348 Meningite é uma inflamação das leptomeninges (pia mater e aracnoide), membranas que envolvem o encéfalo e todo o neuroeixo. Resulta da invasão de agentes infecciosos (bactérias ou vírus), determinando o aumento de células inflamatórias no líquido cefalorraquiano (LCR) que circula no espaço subaracnoideo e intraventricular. As meningites bacterianas podem ocorrer após trauma (com ou sem fístula liquórica) ou após intervenção neurocirúrgica; nestes casos, as principais bactérias causadoras são os S. aureus e os bacilos Gram-negativos. Na comunidade, as meningites bacterianas são causadas mais frequentemente por alguns poucos agentes: S. pneumoniae, N. meningitidis, H. influenzae, outros estreptococos do grupo B e Listeria monocytogenes. Trata-se de urgência médica e, como tal, o reconhecimento diagnóstico deve ser precoce e a intervenção terapêutica deve ser imediata, diminuindo morbidade e mortalidade. Do ponto de vista clínico, as meningites agudas são diagnosticadas através da identificação da síndrome de irritação meníngea, caracterizada por: 1. Cefaleia de início súbito e persistente; 2. Febre e, eventualmente, hipotermia; 3. Sinais de irritação meníngea, manifestados classicamente pela presença de rigidez de nuca ou dos de Kernig e/ou de Brudzinski. sinais Outros sintomas e sinais também contribuem para a identificação precoce da síndrome de irritação meníngea: fotofobia, náusea, vômito, irritação ou letargia, abaulamento de fontanela, hipertonia muscular, convulsões e sinais focais, que podem estar presentes na dependência da virulência do agente infeccioso, da gravidade do quadro clínico e da faixa etária e condições clínicas do paciente acometido. A ausência de alguns destes sinais e / ou sintomas não deve justificar o retardo no diagnóstico Exames gerais de laboratório a partir da coleta de sangue são de pouca valia para o diagnóstico, e pode-se observar tendência à leucocitose ou trombocitopenia, sem tradução específica em termos diagnósticos ou prognósticos. Ao menos dois conjuntos de hemoculturas devem ser coletados quando a hipótese clínica é meningite bacteriana; dependendo do agente envolvido pode haver crescimento em até 60% dos casos, desde que nenhum antimicrobiano tenha sido consumido anteriormente. Quando o exame de LCR tiver de ser postergado, a coleta de hemoculturas antes da introdução de antimicrobianos ganha importância ainda mais fundamental. Segundo recomendações da Sociedade Americana de Doenças Infecciosas (IDSA), de 2004, há necessidade de realização de exame de tomografia computadorizada antes da punção lombar para a coleta de LCR (com o objetivo de prevenir herniação encefálica por hipertensão intracraniana exagerada), nas seguintes condições: 1. Pacientes imunocomprometidos (transplantados de órgãos sólidos ou de células tronco hematopoiéticas, AIDS ou pacientes sob tratamento imunossupressivo); 2. Alteração ou instabilidade do nível de consciência (Glasgow<11) ou alteração importante de padrão respiratório; 3. Sinal neurológico focal; 4. Convulsão recente; 5. Achados clínicos ou história atual de lesões de massa (tumores ou abscesso intracranianos, AVC recente); 6. Papiledema. O exame do líquido cefalorraquiano confirma o diagnóstico de meningite e fornece informações importantes acerca da etiologia. Os achados liquóricos característicos são pleiocitose (100 a 1000 células, com predomínio >80% de polimorfonucleares), hipoglicorraquia (<40mg/dL ou <60% do valor da glicose plasmática) e hiperproteinorraquia. Considerando os agentes etiológicos mais comuns, o exame bacterioscópico direto do LCR utilizando a coloração de Gram antecipa informações importantes que possibilitam a adequação do tratamento antimicrobiano (tabela B). Tratamento antimicrobiano empírico O tratamento antimicrobiano da meningite bacteriana não deve ser retardado, mesmo que nenhuma informação diagnóstica esteja disponível; deve ser iniciado logo após da coleta do LCR ou, no caso de atraso para realização do LCR (necessidade de realização de tomografia de crânio), logo após a coleta de hemoculturas. O antimicrobiano deve ser administrado por via intravenosa e necessita ter boa penetração no sistema nervoso central. Outro ponto de atenção é a necessidade de maior dose do antimicrobiano quando comparado ao tratamento de outras infecções. Doses de antimicrobianos recomendadas para tratamento de meningite bacteriana em adultos, por via intravenosa: Ampicilina: 2,0g cada 4 horas Cefotaxime: 2,0g cada 4 a 6 horas Ceftriaxone: 2,0g cada 12 horas Ceftazidime: 2,0g cada 8 horas Cefepime: 2,0g cada 8 horas Meropenem: 2,0g cada 8 horas Vancomicina: 30 a 60mg/kg dia, em 2 ou 3 doses diárias A distribuição dos agentes etiológicos mais comuns varia com algumas condições do hospedeiro e, caracteristicamente, com a faixa etária do paciente acometido, o que permite que a escolha empírica do tratamento antimicrobiano seja baseada nestes fatores (ver tabela B). 349 DOENÇAS INFECCIOSAS E PARASITOSES | Como eu trato Quando não há a utilização pregressa de antimicrobianos, a sensibilidade do exame direto do LCR sob coloração de Gram é de cerca de 70%. As culturas têm maior sensibilidade, mas exigem tempo mais prolongado para a obtenção do resultado; por outro lado, sofrem maior redução da sensibilidade com o uso pregresso de antimicrobianos. O exame bacterioscópico direto pode fornecer resultado útil em 10 a 15% dos casos de meningites bacterianas, nas quais a cultura do LCR não obteve crescimento. Tabela A – Relação da faixa etária e outras condições do hospedeiro com os agentes etiológicos e tratamento empírico sugerido. Faixa etária e outras condições do hospedeiro Faixa Etária Agentes etiológicos Tratamento empírico <2 meses Streptococcus agalactiae, Escherichia coli, Listeria monocytogenes, Klebsiella sp Ampicilina + Cefotaxime ou Ampicilina + Aminoglicosídeo >2m e <24m Streptococcus pneumoniae, Neisseria meningitidis, S. agalactiae, Haemophilus influenzae, E. coli Ceftriaxone ou Cefotaxime Crianças e Adultos N. meningitidis, S. pneumoniae, Haemophilus influenzae Ceftriaxone ou Cefotaxime > 65 anos S. pneumoniae, N. meningitidis, Listeria monocytogenes, Bacilos Gram-Neg aeróbios Ampicilina + Ceftriaxone Trauma Penetrante Staphylococcus aureus, Staphylococcus coagulase-negativo Bacilos Gram-neg aeróbios (inclusive P. aeruginosa) Vancomicina + Ceftazidime ou Vancomicina + Cefepime ou Vancomicina + Meropenem Pós-procedimento neurocirúrgico Bacilos Gram-neg aeróbios (inclusive P. aeruginosa), S. aureus, Staphylococcus coagulase-negativo Vancomicina + Ceftazidime ou Vancomicina + Cefepime ou Vancomicina + Meropenem Imunossuprimido S. pneumoniae, N. meningitidis, L. monocytogenes, Bacilos Gram-neg aeróbios (inclusive P. aeruginosa) Vancomicina + Ampicilina + Ceftazideme (ou Cefepime ou Meropenem) DOENÇAS INFECCIOSAS E PARASITOSES | Como eu trato 350 Tratamento antimicrobiano baseado no resultado do exame bacterioscópico do LCR Quando o resultado do exame de Gram do LCR estiver disponível, o tratamento deve ser direcionado para as possibilidades diagnósticas pertinentes (Tabela B): Tabela B – Tratamento antimicrobiano baseado no exame bacterioscópico do líquido cefalorraquiano: Gram Bactéria Tratamento de escolha Tratamento alternativo Diplococos Gram + S. pneumoniae Penicilina ou Ampicilina ou Cloranfenicol Diplococos Gram ¬¬Cocobacilo Gram - N. meningitidis H. influenzae Ceftriaxone* ou Ceftriaxone* + vancomicina** Bacilos Gram + L. monocytogenes Ceftriaxone* / Ceftriaxone* Ampicilina ou Penicilina * outra cefalosporina de 3ª geração pode ser utilizada: Cefotaxime. ** ver resistência do pneumococo aos betalactâmicos a seguir. Sulfa-Trimetoprim ou Meropenem A resistência do pneumococo à penicilina e às cefalosporinas de 3ª geração (C3G), que pode ser parcial ou raramente total, pode ocorrer em alguns países ao redor do mundo com frequência heterogênea. Com exceção da condição específica da meningite ou de quadro séptico grave, tal resistência bacteriana não interfere muito nos resultados terapêuticos. Na meningite deve-se levar em conta a dificuldade de algumas drogas em alcançar níveis séricos elevados. Nas meningites pneumocócicas, a penicilina ou Ampicilina não devem ser utilizadas, e as C3G são consideradas drogas de escolha. Dependendo da prevalência da resistência à Cefalosporina (MIC para Ceftriaxone >1,0mcg/mL) e da gravidade da meningite, é recomendada a utilização concomitante da C3G e da Vancomicina. Da mesma forma, meningococos resistentes à penicilina ou Ampicilina têm sido descritos. Portanto, estas drogas não devem ser utilizadas como primeira escolha, pelo menos enquanto a sensibilidade a elas não estiver definida. A maioria dos H. influenzae são produtores de betalactamase, capazes de degradar as penicilinas. Por isso, é importante reservar o uso destes antimicrobianos apenas para as bactérias que sabidamente não produzam tal enzima. Uso de corticosteroide antes da administração de antimicrobianos Referências: 1. Bacterial Meningitis in the United States, 1998-2007. N Engl J Med 2011; 364:2016-25. 2. Corticosteroids for acute bacterial meningitis. Cochrane Database Syst Rev 2010; Sep 8;(9):CD004405. 3. Quagliarello VJ, Scheld WM – Treatment of bacterial meningitis. N Engl J Med 1997; 336:708 4. Hasbun R, Abrahams J, Jekel J, Quagliarello VJ. Computed tomography of the head before lumba puncture in adults with suspected miningitis. N Engl J Med 2001; 345:1727. 351 DOENÇAS INFECCIOSAS E PARASITOSES | Como eu trato Há alguns anos, estudos têm mostrado que o uso de corticosteroides precedendo a administração dos antimicrobianos com o objetivo de diminuir a ocorrência de complicações (sequelas) neurológicas decorrentes das meningites não beneficia a totalidade de pacientes. Apenas um pequeno subgrupo de pacientes adultos com meningite por S. pneumoniae pode se beneficiar, desaconselhando tal prática de forma rotineira. Em metanálises mais recentes, foi considerado que o corticoide pode ser benéfico apenas para pacientes com meningite pneumocóccica, que habitam países de elevada condição socioeconômica. Tal benefício não foi alcançado em pacientes oriundos de países com baixo nível socioeconômico. Dra. Leontina da Conceição Margarido (CRM 27387) Moléstia de Hansen (MH) DOENÇAS INFECCIOSAS E PARASITOSES | Como eu trato 352 Figura 1: área dormente, leve hipocromia MH grupo indeterminado (inicial) (doente tratado nesta fase evolui para cura sem sequela) Figura 2 – prova da histamina: a - incompleta, área dormente e hipocrômica; b - completa, pele normal (ramusculite neural = MH inicial) I. INTRODUÇÃO, DEFINIÇÕES E BREVE REVISÃO Desde a antiguidade, a Moléstia de Hansen (MH) existe em qualquer camada social, mas predomina entre as menos favorecidas. Hoje, tenho notado que, nos doentes de classe social mais elevada, o diagnóstico tem sido tardio, pois as equipes médicas negam a hipótese diagnóstica nesse grupo. O bacilo de Hansen se multiplica nas pessoas com déficit imune celular específico, independentemente da classe social. A hanseníase é uma moléstia infectocontagiosa causada pelo Mycobacterium leprae, também denominado bacilo de Hansen, que acomete, primeiramente, o sistema nervoso periférico. O bacilo de Hansen (BH) é eliminado pelo doente contagiante, multibacilar (que nunca foi tratado ou com tratamento irregular), principalmente pelas vias aéreas superiores e soluções de continuidade da pele e/ou mucosas; também estas áreas servem de porta de entrada do bacilo. Outras vias de eliminação do BH: leite materno (4,5 bilhões de BH por mamada), secreções vaginais, esperma, suor, lágrimas. O bacilo de Hansen tem especial predileção pelas células de Schwann que envolvem os axônios dos nervos periféricos. O glicolipídeo fenólico (PGL1), específico e constituinte da parede do bacilo de Hansen adentra a célula de Schwann unindo-se à laminina alfa-2 – matriz proteica extracelular existente na lâmina basal da célula de Schwann e seu receptor-destroglicana, que é um componente do complexo destroglicana da membrana plasmática da célula de Schwann; os ramúsculos neurais existem, em grande quantidade, na pele e mucosas. A moléstia é, portanto, altamente incapacitante, em especial nos estados reacionais; este fato contribui sobremaneira para a perpetuação do estigma. Apenas o grupo indeterminado, que é a fase inicial e matricial de todas as outras manifestações espectrais, se for adequadamente tratado, não deixa nenhuma sequela. A Moléstia de Hansen (MH) tem como característica: I. a evolução lenta e silenciosa; mas, muitas vezes, esta cronicidade é interrompida por: II. processos inflamatórios agudos ou subagudos - neural, cutâneo, extracutâneo e/ou visceral, chamados estados reacionais. Estes têm cortejo sintomático geral: febre, mal estar, náuseas, diarreia, cefaleia e/ou outras manifestações gerais. Muitas vezes o doente procura unidades de pronto atendimento (PA) devido aos episódios reacionais; via de regra, recebem outros diagnósticos, de etiologias diferentes e com similitude clínica, às vezes laboratoriais (resultados falso positivos): doenças do colágeno, urticária, farmacodermia, eritema polimorfo, etc. I. Durante a característica evolução, lenta e silenciosa, as manifestações clínicas da moléstia são, inicialmente, o comprometimento do sistema nervoso periférico: dormência, formigamento na pele, em especial antebraços, mãos, pernas e pés (parestesias); alopecia parcial, hipo-hidrose, anidroses localizadas, com predominância nas regiões palmoplantares; tardiamente, amiotrofias no primeiro interósseo das mãos, loja anterior da tíbia, principalmente. Figura 3: placa rósea de relevo discreto. Figura 4: placa rósea de relevo discreto, MH Tuberculoide (não contagiante) alopecia parcial. Dimorfo Tuberculoide (não contagiante) As manifestações extracutâneas predominam em doentes do grupo multibacilar – contagiante. O comprometimento visceral ocorre principalmente nos órgãos ricos em sistema fagocítico mononuclear, mucosas do trato respiratório alto, testículos e epidídimos; não há alterações funcionais importantes, pois os granulomas são pouco destrutivos e os bacilos não se adaptam bem em temperaturas mais elevadas, ao contrário do que ocorre na pele e nervos. Nariz - rinite específica, tardiamente, perfuração de septo; mucosa oral – espessamento dos lábios, palato mole, úvula, palato duro; faringe; laringe - epiglote, falsas cordas vocais e dobras aritenoepiglóticas; olhos - além de comprometimento neural da córnea, queratite pontuada, infiltrado com aumento da vascularização, obstrução do duto nasolacrimal; mas, o limbo esclerocorneano é o local mais acometido. Complicação grave: iridociclite aguda ou crônica (evolui para glaucoma e cegueira). Lagoftalmo e/ ou ectrópio; infiltração nos linfonodos (supratroclear, axilar, inguinal e cervical, porta-hepático, ilíacos internos e externos, para-aórticos); medula óssea - pode haver alteração da hematopoiese, com consequente anemia 353 DOENÇAS INFECCIOSAS E PARASITOSES | Como eu trato O acometimento neural intenso, precoce e assimétrico caracteriza doentes do grupo não contagiante (paucibacilar); e o espessamento neural simétrico e tardio evidencia doentes do grupo contagiante (multibacilar). As manifestações cutâneas: no início (dois a cinco anos, em média), máculas discretas, hipocrômicas, alopecias ou não, bem ou mal delimitadas, em qualquer local da pele; após meses ou anos, podem evoluir para placas de relevo variável, cor variável entre róseo-hipocrômica, eritematosa até violáceo-acastanhadas, isoladas ou em pequeno número, com disposição assimétrica na pele (hanseníase com granuloma tuberculoide, doentes paucibacilares, não contagiantes); ou múltiplas e disseminadas simetricamente no tegumento, ou ainda espessamento cutâneo difuso (doentes multibacilares e contagiantes). (hemoglobina menor que 9 g%); fígado (infiltrado nas células de Kupffer, sinusoides), baço (hansenomas na polpa vermelha e branca, com redução de linfócitos e aumento de macrófagos e plasmócitos), testículos e epidídimo (infiltração difusa e, a seguir, atrofia [impotência sexual e esterilidade], seguida de ginecomastia); suprarrenais - infiltração nos sinusoides, células endoteliais com função preservada, exceto nos pacientes “virchowianos” antigos e nos doentes com reações por imunecomplexos; alterações ósseas - infiltração do periósteo, trabéculas e medula óssea: rarefação, atrofia e absorção, em especial nas mãos e pés; pode ocorrer osteíte rarefaciente por: trauma repetido, déficit de irrigação sanguínea, endarterite durante reação, inervação óssea prejudicada, osteoporose generalizada por atrofia testicular e déficit de testosterona; osteomielite, como complicação de úlceras crônicas; atrofia da espinha nasal anterior (queda da pirâmide nasal); atrofia do processo alveolar maxilar (afrouxamento ou perda dos incisivos superiores); músculos - infiltração perivascular; as células musculares que envolvem os nódulos virchowianos têm alterações degenerativas (perda da estriação e vacuolização), amolecimento e espessamento do endomísio; o que mais ocorre é atrofia neuropática e por desuso; articulações - são comprometidas de maneira específica [sinovite granulomatosa com presença de bacilos e, algumas vezes, pode-se encontrar parasitismo no líquido sinovial, em especial nos doentes em atividade progressiva da moléstia; e de maneira inespecífica, secundária aos traumas, infecções repetidas, às reações tipo II e às celulites e/ou linfedemas. Nos processos crônicos, instalam-se garras e anquiloses. Rins - acometidos secundariamente: pode haver glomerulonefrite (endocapilarite difusa, proliferativa; crescêntica difusa; membranosa difusa; focal proliferativa e outras; ao exame imuno-histoquímico observam-se: depósitos de IgG, IgM, IgA, C3 e fibrina no mesângio glomerular e capilares) e amiloidose renal. A insuficiência renal é a causa mais comum de óbito nos doentes com hanseníase virchowiana. II. ESTADOS REACIONAIS DOENÇAS INFECCIOSAS E PARASITOSES | Como eu trato 354 No grupo indeterminado (inicial) e no tuberculoide polar NÃO ocorrem estados reacionais (classificação de Riddley/Joppling). As lesões dermatológicas das reações mais frequentes são: A. placas eritêmato-edematosas, semelhantes às da urticária (reação tipo I – de degradação (piora), ou de melhora, que corresponde ao tipo IV da classificação de Gell e Coombs, imunidade mediada por células; ou, B. nódulos eritêmato-edematosos, às vezes necrotizantes (eritema nodoso - reação tipo II que corresponde ao tipo III da classificação de Gell I e Coombs, imunecomplexos). Fig. 5 reação tipo I, (corresponde à reação tipo IV de Gell e Coombs: placas eritêmato-edematosas, na face, orelha e couro cabeludo. Cefaleia e fotofobia antecederam o quadro cutâneo. Fig. 6 reação tipo II: eritema nodoso ou reação tipo II (corresponde à reação tipo III de Gell e Coombs) Fig. 7 reação tipo II: eritema nodoso necrotizante É grave. Doente precisa ser internado. Há outro estado reacional, grave, com vascularites de médio e pequeno calibre, necrotizantes, denominado Fenômeno de Lúcio, que ocorre em variante da hanseníase virchowiana, descrita por Lúcio e Alvarado e comum no México e América Central. É RARA no Brasil; por isso, não a discutiremos neste capítulo. Todos os episódios reacionais ocorrem apenas no espectro da moléstia; portanto, em sua fase tardia. As lesões cutâneas reacionais são edematosas, quentes e dolorosas. Durante os estados reacionais, com processo inflamatório cutâneo e/ou extracutâneo, o doente busca auxílio médico; é uma oportunidade importante de se diagnosticar a moléstia. Nos estados reacionais, o sistema nervoso periférico é acometido drasticamente, desencadeando sequelas, na maioria das vezes, definitivas. O eritema nodoso hansênico necrotizante (ENHne) ocorre em 9% dos doentes com reação tipo II e caracteriza reação grave, cutânea, extracutânea e visceral. O doente pode evoluir para óbito devido às complicações. Fig. 8 - REAÇÃO TIPO II, necrótica e ulcerativa. Doente de 25 anos. Óbito por necrose das suprarrenais; obstrução da laringe, mediastinite. Sepse. 355 DOENÇAS INFECCIOSAS E PARASITOSES | Como eu trato A característica “hipo ou anestesia térmica e dolorosa” das lesões cutâneas da moléstia, em sua evolução crônica, é substituída nas lesões cutâneas reacionais pela hiperestesia térmica e dor. Manifestações extracutâneas da reação tipo II: neurite (mononeurite, oligo ou polineurite) dores neurais que pioram à noite e nos dias mais frios; linfadenites, com ou sem adenomegalia – raramente, com fistulização através da pele, em geral nas cadeias inguinofemorais ou nas axilares; rinite, às vezes com perfuração do septo nasal; laringite; iridociclite; esplenite com ou sem esplenomegalia; hepatite, às vezes com icterícia e aumento das enzimas e/ou bilirrubinas; iridociclite; reação no palato, às vezes com necrose seguida de perfuração do palato duro; orquiepididimite; faringite; nefropatia, predominando, em nosso meio, glomerulonefrite; reações na medula óssea (com consequente aumento da anemia); dores ósseas, em geral tibialgia; artralgia ou artrite (mono, oligo ou poli) nas pequenas e médias articulações, muitas vezes com reações sorológicas, falsamente positivas, para doenças do colágeno ou reumáticas – fator antinúcleo (FAN), fator reumatoide (FR), látex, etc., à semelhança do que ocorre com as reações sorológicas para sífilis; vasos: tromboses venosas e/ou arteriais (aumento do fibrinogênio, do número de plaquetas, dos anticorpos antifosfolípides, do anticoagulante lúpico e do fator de von Willebrand; diminuição da atividade fibrinolítica. Há lesão endotelial, pois também há bacilos no endotélio. Portanto, as alterações do fluxo sanguíneo, do endotélio e do sangue favorecem a formação dos trombos. Tese de doutorado de Paula Vilaça. HCFMUSP). 356 DOENÇAS INFECCIOSAS E PARASITOSES | Como eu trato Fig. 9 Trombose da artéria femoral durante reação tipo II Fig. 10: RII – poliartrite de pequenas e médias articulações Fig. 11: RII – insuficiência renal aguda (glomerulite) Nos doentes que sofrem episódios reacionais frequentes, tardiamente, ocorre amiloidose secundária, em vários órgãos; porém, são os rins que sofrem de maneira intensa e são responsáveis pela insuficiência renal crônica irreversível e falência. Fig. 12: RII – rim amiloidótico Fig. 13: RII – fígado com amiloidose GRAVIDEZ na hanseníase - nas mulheres infectadas ou nas doentes já tratadas, porém com bacilos persistentes, a diminuição da imunidade celular pode permitir a multiplicação dos bacilos. A reação tipo I e neurites surgem no pós-parto, devido à melhora da imunidade celular. A reação tipo II pode ser desencadeada pela gravidez e é frequente durante a gestação; o comprometimento neural piora mais rapidamente que em doentes não gestantes. DIAGNÓSTICO NA FASE REACIONAL PESQUISAR: ESPESSAMENTO DE NERVOS PESQUISAR: HIPO OU ANIDROSE PALMAR E/OU PLANTAR FAZER: BIÓPSIA DE PELE PESQUISAR: BACILOS ÁLCOOL ÁCIDO-RESISTENTES As provas da histamina e da pilocarpina, úteis para o diagnóstico da fase de evolução crônica da moléstia de Hansen, NÃO SERVEM nas fases inflamatórias, pois estarão exacerbadas e não auxiliarão na definição do quadro. Avaliação geral do doente Hemograma, VHS, coagulograma, função renal e hepática, glicemia, eletrólitos. Fatores desencadeantes Morte bacilar ou alteração da quantidade de bacilos e/ou outras infecções (virais, bacterianas ou fúngicas), parasitose, estresse mental ou físico, puberdade, gravidez, parto, intervenções cirúrgicas, tumores, tratamentos específicos ou medicamentos. Diagnóstico diferencial O exame histológico e baciloscópico da pele e outras áreas diferenciará hanseníase das outras doenças. EXAMES COMPLEMENTARES Os exames de laboratório podem evidenciar o acometimento descrito: proteinúria, hematúria, anemia com leucocitose, às vezes com desvio à esquerda, e aumento da velocidade de hemossedimentação, até acima de 80 mm na primeira hora. Nas reações graves e com infecção secundária, pode ocorrer aumento das gamaglobulinas (lgG, IgM) das frações do complemento (C2, C3). Ocorre alta concentração de TNFa circulante e rápida toxicidade sistêmica. Orientam se os exames baciloscópico e histológico. DIAGNÓSTICO DIFERENCIAL DIAGNÓSTICO DIFERENCIAL das MANIFESTAÇÕES CUTÂNEAS OBS.: MH não coça; tem hipoestesia ou anestesia térmica na lesão e/ou disestesia insular nos territórios dos nervos mais acometidos. 1. Das placas da reação tipo I - urticária, tinhas da pele; tuberculose; sífilis, sífilis maligna precoce ou tardia, psoríase (placas reacionais regressivas, com a descamação lamelar); sarcoidose, linfoma. 2. Do eritema nodoso hansênico farmacodermia, eritema nodoso estreptocócico e de outras etiologias (colagenoses, retocolite ulcerativa, sarcoidose, tuberculose, sífilis, gravidez, micoses superficiais e profundas, tumores, etc.), e eritema indurado de Bazin. DIAGNÓSTICO DIFERENCIAL das LESÕES NEURAIS 1. Há que se diferenciá-las da: neurite traumática, siringomielia, diabetes, “tabes dorsalis”, síndrome de Thévènard, DOENÇAS INFECCIOSAS E PARASITOSES | Como eu trato 357 meningocele; trauma, meralgia parestésica; entretanto, nestas doenças não ocorre espessamento neural. Na moléstia de Hansen, como já visto, existe espessamento neural, exceto no início da moléstia (MH indeterminado). Existe outra doença com espessamento de nervos periféricos; é a “polineuropatia hipertrófica de Déjèrine-Sottas”, porém, esta entidade é raríssima, de ocorrência familiar, e manifesta-se já nos primeiros anos da vida de várias pessoas da mesma família. 2. Da necrose caseosa do nervo, com abscesso e fistulização através da pele, durante reação tipo I - esporotricose - forma com linfangite nodular ascendente; tuberculose; sífilis maligna precoce ou tardia, gomosa, quando com poucas lesões e dispostas linearmente. Classificação simplificada, para fins operacionais, dos doentes de hanseníase, quanto ao número de lesões. RESUMO PARA CLASSIFICAR, DE MODO SIMPLES, DOENTES: OBJETIVANDO ESCOLHA DA TERAPÊUTICA ESPECÍFICA Doentes com lesões cutâneas disestésicas Quando inexiste baciloscopia EXAME CLÍNICO ATÉ CINCO LESÕES CUTÂNEAS MAIS DE CINCO LESÕES CUTÂNEAS QUANDO HÁ EXAME DA BACILOSCOPIA AUSÊNCIA DE BACILOS PRESENÇA DE BACILOS DOENÇAS INFECCIOSAS E PARASITOSES | Como eu trato 358 PAUCIBACILAR MULTIBACILAR TRATAMENTO ESPECÍFICO DA MOLÉSTIA DE HANSEN Sulfona (Diamino-difenil-sulfona) ou Dapsona OBSERVAÇÃO: a clofazimina (CFZ) é um rímico lipofílico; portanto, é droga bem absorvida pelos macrófagos vacuolizados que sofreram degeneração lipoídica pelo grande número de bacilos (que contêm lipídeos em sua parede). Desencadeia pigmentação acobreada em todas as áreas com bacilos de Hansen, cutâneas e extracutâneas (portanto, o único órgão preservado é o SNC). Esse pigmento persiste por longos anos e aumenta o estigma, por identificar doentes com a MH. Eu NÃO administro essa medicação (CFZ) para crianças; assim como não a utilizo para tratamento de doentes adultos que rejeitam a hipótese da pigmentação marginalizante, conforme se observa no exemplo das figuras 14 e 15. Importante: 1. Prevenção e reabilitação física e psicossocial das incapacidades. 2. Exame dos contatos + BCG intradérmico. DROGAS ALTERNATIVAS - todas as quinolonas são efetivas; embora, nas pesquisas de laboratório, o ofloxacino tenha sido mais efetivo. Nós temos usado, com excelentes resultados bactericidas, o ciprofloxacino 500 mg dia, dose adulta; dentre os macrolídeos, o mais efetivo é a claritromicina – 500 mg dia, dose adulta. Nos esquemas para doentes do grupo multibacilar, a dose mensal deve ser equivalente a 1,5 g de ciprofloxacino ou claritromicina. EX.: Alternativa A – para doente multibacilar Dose diária: Sulfona 100 mg/dia + Cipro 500 mg/dia + dose mensal: Rifampicina 600 mg + Cipro 1500 mg EX.: Alternativa B – para doente multibacilar Dose diária: Sulfona 100 mg/dia + Claritromicina 500 mg/dia + dose mensal: Rifampicina 600 mg + Claritromicina 1.500 mg Também se pode usar a minociclina como droga alternativa. IMPORTANTE: 1. O TRATAMENTO NÃO DEVE SER INTERROMPIDO durante os estados reacionais; 2. Nos doentes imunodeprimidos com MH, deve-se aumentar o tempo de tratamento, até a regressão clínica e laboratorial (negativação de bacilos no exame de fragmento de pele e/ou de nervo sural). As drogas de primeira linha são seguras durante a gestação; embora a clofazimina também pigmente o feto (vide clofazimina). Tratamento dos Estados Reacionais Reação Tipo I Reação Inversa = cutânea e neural Corticosteroides succinato de hidrocortisona injetável endovenoso 500 mg/dia Prednisolona - via oral – 0,5 a 2 mg/kg Tratamento da neurite na fase aguda: 1. Imobilizar regiões articulares próximas aos nervos afetados; 2. Infiltração perineural com lidocaína e dexametasona (não agredir o nervo); 3. Na falha dos itens 1 e 2: neurocirurgia descompressiva. A reabilitação dos processos neurais agudos é melhor do que os crônicos ou com reações recidivantes. — ciclosporina: 5 a 7 mg/kg (inibe IL2). Deve se dosar ciclosporinemia; o ideal é obter cerca de 200 ng/ml de soro; — analgésicos e anti-inflamatórios não hormonais. Nesta reação pode haver importante comprometimento neural, às vezes com necrose caseosa do nervo, cujo tratamento consta no item “tratamento das neurites”, abaixo. Reação Tipo II Eritema Nodoso Hansênico O tratamento específico deverá ser mantido ou iniciado quando se diagnostica a moléstia durante o período reacional; deve-se associar: 1.nas reações leves: analgésicos e anti-inflamatórios não hormonais; 2. nas reações moderadas e intensas: 359 DOENÇAS INFECCIOSAS E PARASITOSES | Como eu trato Reação Tipo I Reação Inversa ou Reversa O tratamento específico deverá ser mantido ou iniciado, associado com imunodepressores; em geral, corticosteroides, prednisolona: 20 a 60 mg/dia (0,5 a 2 mg/kg/peso, conforme a gravidade da neurite e das placas cutâneas). Frequentemente, usam-se os corticosteroides em doses altas, correspondendo à intensidade da reação, e por período prolongado. Deve-se diminuir a prednisolona lentamente (5 mg a cada duas ou quatro semanas). Ainda assim, às vezes, podem-se identificar citoquinas pró-inflamatórias nas lesões cutâneas, mesmo após seis meses de administração de corticosteroides. 3. Talidomida, que é a melhor droga para tratar reação tipo II; inibe o fator alfa de necrose tumoral (TNFa): administra-se 100 a 600 mg/dia; de acordo com a gravidade da reação; reduzimos a dose lentamente e conforme a regressão da reação. A talidomida é absolutamente contraindicada para mulheres gestantes, por ser teratogênica (pode causar focomelia no feto) no primeiro trimestre da gestação [21o ao 44o dia] e está proibida por força de Lei Federal, para mulheres na idade fértil. Nas reações graves e recidivantes (mal de reação) com risco de perda da vida da mulher, pode-se solicitar à Comissão de Ética autorização para o uso da talidomida; obviamente, antes de sua introdução, deve-se realizar exames para detectar possível gravidez (beta HCG repetido) e iniciar anticoncepcional injetável pelo menos nos dois ciclos prévios. 2. Corticosteroides: quando houver neurite, mãos e pés reacionais, glomerulonefrite (hematúria e proteinúria), orquiepididimite, vasculite necrotizante (eritema nodoso necrotizante), iridociclite e acometimento de outras vísceras devem se associar corticosteroides em doses maiores, além da orientação dos respectivos especialistas; 4. “Olho vermelho”, especialmente em concomitância com a reação tipo II, cutânea e/ou extracutânea, é olho de risco; provavelmente, o doente está com iridociclite. Deve-se associar, além da medicação acima: colírio de hidrocortisona de hora em hora; atropina a 1% duas vezes ao dia, até que o oftalmologista interfira. DOENÇAS INFECCIOSAS E PARASITOSES | Como eu trato 360 Tabela - TRATAMENTO DA REAÇÃO TIPO II – GRAVE • Talidomida – 300 a 600 mg/dia; EXCETO PARA MULHERES NA IDADE FÉRTIL. • Corticosteroides 1,0 a 2 gramas por kg. • Analgésicos. • Estabilização clínica do doente: hidratação, oxigenação, proteção das vias aéreas superiores, correção dos distúrbios eletrolíticos e da anemia. Anticoagulantes. • Diálise, quando da insuficiência renal. • Tratar as infecções secundárias; quando há lesões necrótico-ulcerativas múltiplas, considerar o doente como se fosse um “grande queimado”. • Iniciar tratamento do “olho vermelho”: colírio de hidrocortisona de hora em hora; atropina a 1%, duas vezes ao dia. Outros tratamentos: .- ciclosporina: 3 a 7 mg/kg para atingir níveis sanguíneos em torno de 200 ng/ml de soro, pelo método de radioimunoensaio; portanto, indica se ciclosporinemia periódica. Esta medicação demora mais para controlar a reação e não melhora a neurite. .- clofazimina (CFZ): 100 a 400 mg/dia até a regressão completa do quadro clínico; em nossa experiência, os resultados com CFZ não são bons, como alguns relatos da literatura; e, nas doses maiores, as chances de enteropatia com retardo do trânsito intestinal pela CFZ são mais frequentes. .- pentoxifilina = embora conste que também iniba a produção de TNFa, em nossa experiência, não é efetivo. .- anticorpos monoclonais ou inibidores solúveis para neutralizar TNFa, teoricamente, são úteis; há que se fazer estudos bem controlados para melhor avaliá-los. Tratamento das Neurites A neurite, ou comprometimento neural, pode ocorrer antes, durante e/ou após a multidrogaterapia (MDT). Tratamento da dor, sem estado reacional cutâneo associado. De modo geral decorre de compressão de importante tronco neural nos locais onde os nervos (NN) encontram se, anatomicamente, compactados. (Nos MMSS: NN ulnar no cotovelo e próximo ao pulso canal de Guyon; NN mediano, no túnel do carpo. Nos MMII: NN fibular, junto à cabeça da fíbula e NN tibial, próximo ao tornozelo túnel do tarso.) Nesta situação, pode se recorrer à carbamazepina (200 mg a 500 mg/dia); à gabapentina de 300 a 1500 mg/dia; ou, pregabalina na dose de 150 a 600 mg/dia; e prednisona (dose a ser ajustada, entre 20 e 60 mg/dia, diminuindo 5 mg a cada 15 ou 20 dias). O tratamento clínico deve ser transitório; caso a dor persista ou aumente, deve se tentar infiltração perineural de lidocaína (a 2%, sem vasoconstritor), associada à dexametasona aquosa (devem ser evitados corticosteroides de depósito, pois, teoricamente, poderiam aumentar o processo inflamatório); a injeção é realizada nas proximidades do nervo afetado, evitando se, cuidadosamente, que haja contato da agulha com o nervo. Tratamento da neurite na fase aguda: 1. Imobilizar regiões articulares próximas aos nervos afetados; 2. Infiltração perineural com lidocaína e dexametasona (não agredir o nervo); 3. Na falha dos itens 1 e 2: neurocirurgia descompressiva. Na fase aguda, as orientações do médico fisiatra e as medidas fisioterápicas são fundamentais; os exercícios são contraindicados neste período; deve-se colocar talas nas regiões articulares referidas, permitindo assim que o nervo não seja mais agredido pelos movimentos. Nesta situação de dor intensa, caso a infiltração também seja insuficiente, deve se indicar descompressão neurocirúrgica que, quando adequadamente indicada, tem efeito muito benéfico. Tratamento da dor com estado reacional cutâneo associado. Nesta situação, muitas vezes, os nervos sofrem processo de rápida degradação, provocando dores intensas; o tratamento deve ser associado: medicamentoso, com infiltrações perineurais e, eventualmente, neurocirúrgico. Tratamento dos déficits sensitivos e motores. Em geral, resultam do estado reacional. Mantém-se o que foi indicado para o combate à dor. Quando os déficits instalam se lentamente, decorrente de situações crônicas (neurite silenciosa), deve¬-se indicar a descompressão neural neurocirúrgica. O tratamento da necrose caseosa (abscessos caseosos) neural – Reação Tipo I é neurocirúrgico. Pode-se fazer enxerto de nervo para recuperar o território neural acometido. CONCLUSÕES • As reações são episódios que ocorrem numa frequência variável entre 20 a 60% dos doentes de hanseníase. • O diagnóstico é estabelecido pelo exame clínico e histopatológico, com exame baciloscópico da linfa das lesões de pele, linfonodos ou da biópsia. • A palpação dos nervos periféricos é de suma importância. • Avaliar se há hipo ou anidrose palmar e/ou plantar. • Avaliar se o (s) olho (s) está vermelho. • Avaliar mãos e pés. • Os exames complementares podem evidenciar o comprometimento e a intensidade do envolvimento visceral. • O tratamento objetivo pode preservar a vida do doente e minimizar as sequelas, em especial as neuromusculares, oculares e renais. • Os corticosteroides devem ser usados em doses altas e durante período prolongado na reação tipo I. • A talidomida é a melhor medicação para a reação tipo II, quando puder ser utilizada. Na discussão dos estados reacionais, a quantidade de bacilos e/ou da relação entre bacilos íntegros ou granulosos 361 DOENÇAS INFECCIOSAS E PARASITOSES | Como eu trato NEURITE TRATAMENTO CLÍNICO TRATAMENTO CIRÚRGICO Neurite sem estado reacional cutâneo OU com reação cutânea prednisona (1 a 2 mg/kg/dia, diminuindo 5 mg a cada 15 ou 30 dias); + carbamazepina (200 mg à noite de 12/12 horas ou mais vezes) e ou, pregabalina 150 a 600 mg/dia; ou gabapentina 300 a 1500 mg/dia; a amitriptilina também tem sido usada com dose inicial de 25 mg Neurite persistente Associar: infiltração perineural de lidocaína (a 2%, sem vasoconstritor), associada à dexametasona aquosa. Cuidado para não agredir o nervo Déficits sensitivos e motores Descompressão neurocirúrgica precedida e seguida por métodos fisiátricos Necrose caseosa (abscessos caseosos) neural Neurocirúrgico – deve-se fazer enxerto de nervo é fundamental. E assim, a moléstia também pode ser estadiada em: 1. Atividade progressiva – quando há bacilos íntegros na área cutânea e extracutânea; 2. Atividade regressiva - quando os bacilos são granulosos; e 3. Residuais ou inativos - quando NÃO existem bacilos. Infelizmente, o diagnóstico da doença tem sido feito tardiamente. O doente, em geral, percorre vários médicos, com queixas específicas da moléstia (parestesia, neurite, rinite, artralgia e/ou artrite e até manchas ou placas na pele) e nem mesmo se aventa a hipótese de hanseníase. No Brasil, cerca de 2/3 dos doentes são diagnosticados quando já apresentam algum grau de incapacidade física. ABORDAGEM INICIAL DO DOENTE COM REAÇÃO TIPO I DOENTE COM PLACAS ERITEMATOSAS, EDEMATOSAS, DOLOROSAS DOR NEURAL, AMIOTROFIAS E/OU PARALISIAS MUSCULARES Nervo espessado, doloroso ® CORTICOSTEROIDES, ANALGÉSICOS DOR NEURAL espontânea e/ou à palpação ® IMOBILIZAÇÃO DO MEMBRO AFETADO DOR NEURAL intensa, espontânea ou à palpação: (cuidado para não agredir o nervo) ® INFILTRAÇÃO PERINEURAL VERIFICAR SE EXISTE HISTÓRIA DE MH PRÉVIO, ADEQUADAMENTE TRATADO OU NÃO. DOENÇAS INFECCIOSAS E PARASITOSES | Como eu trato 362 Referências|: 1. Margarido LC. Hanseníase. In Sampaio, S.A.S. & Rivitti EA. Dermatologia. Ed. Artes Médicas, 2008; 2009. 2. Margarido LC. Estados reacionais na hanseníase. In Pronto Socorro Diagnóstico e Tratamento em Emergências Médicas. Ed. Manole. 2007 e 2008. 1347-1355. 3. Sengupta U. Immunopathology of leprosy, state of art. Int. J.Lepr 2001:69 (2 suppl): s36-s78. Dr. Ivan L. A. França e Silva (CRM 93300) Dra. Alice T. W. Song (CRM 104964) Dra. Beatriz Quental (CRM 107773) Dra. Glaucia Varkulja (CRM 93885) Dra. Maristela Pinheiro Freire (CRM 97155) Parasitoses intestinais Investigação Diagnóstica Devem ser solicitadas três amostras de exame protoparasitológico de fezes e coprocultura. Se houver suspeita de esquistossomose, deve ser pedido exame quantitativo de Kato-Katz. Se o paciente for imunossuprimido, deve-se solicitar também pesquisa de criptosporídeos, microsporídeos, isosporídeos e ciclosporídeos. Características das infecções dos principais parasitas: Ascaris lumbricoides (ascaridíase, “lombriga”) – Em infecções leves, manifesta-se assintomaticamente; caso haja infecção profusa, pode ocorrer anorexia, irritabilidade, distensão abdominal e cólicas; casos mais graves podem levar à obstrução intestinal, apendicite, perfuração do intestino com peritonite, pneumonite e icterícia obstrutiva. Giardia lamblia/intestinalis (giardíase) – A gravidade da apresentação clínica é variável, e pode ser aguda ou crônica (esteatorreia, perda ponderal importante, má-absorção, depressão). Pacientes sintomáticos devem receber tratamento, e os assintomáticos, principalmente crianças, com impacto em prevenção de transmissão de doença. A recorrência da diarreia pode se dar por intolerância à lactose mais do que por recidiva da infecção. Schistosoma mansoni (esquistossomose) – associado a alta morbidade e mortalidade. Quando ocorrem, os sintomas são diversos, como manifestações agudas (dermatite no local da penetração da cercária), reações de hipersensibilidade aos parasitas migrantes (febre de Katayama) e crônicas (com formas hepáticas, intestinais, urinárias, pulmonares e neurológicas). Entre as complicações da doença, vale lembrar a bacteremia recorrente (por exemplo, por Salmonella). Entamoeba histolytica (amebíase) – A maioria das infecções são assintomáticas (> 90%), mas podem ocorrer casos graves de invasão tecidual como abscesso hepático e disseminação hematogênica para outros órgãos. O diagnóstico de doença invasiva geralmente é clinico e radiológico. Strongyloides stercoralis (estrongiloidíase) – Normalmente apresenta-se como infecção assintomática ou como sintomas gastrintestinais leves. No entanto, em pacientes imunossuprimidos, pode ocorrer síndrome de 363 DOENÇAS INFECCIOSAS E PARASITOSES | Como eu trato Parasitoses intestinais são um problema mundial de saúde pública, associadas às condições de saneamento básico e educação da população. Podem levar à desnutrição, e são consideradas doenças emergentes em imunocomprometidos. Dentre as parasitoses, somente a esquistossomose confirmada constitui doença de notificação compulsória. hiperinfecção ou doença disseminada, com mortalidade de 60 a 80%. Hiperinfecção e doença disseminada podem ser associadas a sibilância, dispneia, tosse, dor pleurítica, taquipneia, hemoptise. Infecções bacterianas secundárias são complicações potencialmente graves da síndrome de hiperinfecção. Taenia solium (teníase) – infecção intestinal com a forma adulta do verme. Pode acarretar dor abdominal, anorexia e outras manifestações gastrointestinais. Cisticercose: ocorre a partir da ingestão de ovos de Taenia solium. Pode permanecer assintomática durante longo tempo. Nas formas cerebrais, pode se manifestar com crises convulsivas, hipertensão intracraniana e meningoencefalite. Taenia saginata (teníase) – transmitida pela carne bovina contaminada, causa somente infecção intestinal com o verme adulto em humanos. Cryptosporidium (criptosporidíase) – Nos pacientes HIV positivos, pode ser responsável por 50% dos quadros diarreicos. O quadro clínico pode variar desde assintomático até diarreia semelhante à da cólera, podendo envolver infecção do trato biliar. Isospora belli (isosporíase) – quadro clínico variado, desde somente febre, dores no corpo e exantema, até diarreia profusa com náuseas e vômitos. Também é importante causa de diarreia crônica em pacientes com AIDS e com outras causas de imunodepressão. Tratamento Ancylostoma duodenale ou Necator americanus (ancilostomíase, “amarelão”) – Albendazol 400 mg dose única, repetir após sete dias, ou mebendazol 100 mg de 12/12 horas por três dias. DOENÇAS INFECCIOSAS E PARASITOSES | Como eu trato 364 Ascaris lumbricoides (ascaridíase, “lombriga”) – Forma habitual: levamizol 150 mg dose única para adultos, levamizol 80 mg dose única para crianças, ou albendazol 400 mg dose única. Oclusão/suboclusão intestinal: hexa-hidrato de piperazina 100 mg/kg + 50 ml de óleo mineral por sonda nasogástrica e após 24 horas, 50 mg/ kg + 50 ml de óleo mineral, com dose máxima diária de piperazina de 6 g. Se houver insucesso do tratamento clínico, considerar abordagem cirúrgica com remoção manual dos vermes. Balantidium coli (balantidíase) – Sintomáticos: tetracilina 30-50 mg/kg/dia por 10 dias, ou metronidazol 20 mg/ kg/dia por sete dias. Blastocystis hominis – Nitazoxanida 500 mg de 12/12 horas por três dias ou Metronidazol 1,5 g uma vez ao dia por 10 dias; alternativa: sulfametaxazol-trimetoprima 160/800 mg de 12/12hs por sete dias. Cryptosporidium (criptosporidíase) – Nitazoxanida 500 mg de 12/12 horas por três dias; nos pacientes imunocomprometidos, é essencial a melhora do status imunológico. Cyclospora cayetanensis (ciclosporíase) – Sulfametoxazol/Trimetropim DS um comprimido de 12/12 horas por 7 a 10 dias; se houver alergia a sulfa: ciprofloxacina 500 mg de 12/12 horas por sete dias depois 500 mg três vezes por semana, por 3 semanas, ou Nitazoxanida 500 mg de 12/12 horas por sete dias. Dientamoeba fragilis – Iodoquinol (não disponível no mercado brasileiro), alternativamente pode ser usada tetraciclina 500 mg 6/6 horas por dez dias ou metronidazol 750 mg 8/8 horas por dez dias ou paromomicina 35 mg/kg/dia 8/8 horas por sete dias. Entamoeba histolytica (amebíase) – Infecção intestinal assintomática: Paromomicina 25-35 mg/kg/dia 8/8 horas por sete dias; Diarreia ou disenteria de intensidade moderada que permita terapia oral – metronidazol 750 mg 8/8 horas por dez dias ou tinidazol 2 mg uma vez ao dia por três dias; Doença grave ou infecções extraintestinais: metronidazol 750 mg 8/8 horas EV por 10 dias ou Tinidazol 2 mg uma vez ao dia por cinco dias. Os esquemas com Metronidazol ou Tinidazol devem ser seguidos de Paromomicina 25-35 mg/kg/dia 8/8 horas para eliminação intraluminal do parasita e evitar recidivas. Alguns estudos descrevem o uso de Nitazoxanida 500 mg 8/8 horas por três dias com bons resultados. Enterocytozoon bieneusi/Encephalitozoon intestinalis (microsporidiose) - Albendazol (eficácia duvidosa para E. bieneusi) 400 mg duas a três vezes ao dia, por duas a quatro semanas em imunodeprimidos, mas por tempo menor em imunocompetentes (podem apresentar melhora clínica sem terapia específica). Tratamento conjunto da condição imunossupressora de base. Enterobius vermicularis (oxiuríase) – Albendazol 400 mg dose única, repetir em duas semanas ou mebendazol 100 mg dose única, repetir em duas semanas. Giardia lamblia/intestinalis (giardíase) – Metronidazol 250 mg 8/8 horas, de cinco a dez dias, ou Tinidazol 2 g dose única, ou Nitazoxanida (500 mg 12/12 horas); opções para casos refratários: metronidazol 750 mg 8/8 horas por dez dias, troca da classe de droga do primeiro esquema, ou associação com quinacrina. Hymenolepis nana (himenolepsíase) – Praziquantel 25 mg/kg dose única, repetir após dez dias; alternativa: nitazoxanida 500 mg/dia por três dias. Isospora belli (isosporíase) – Sulfametaxazol-Trimetoprima 160/800 mg 12/12 horas por dez dias; alternativa pirimetamina 75 mg/dia + 10 mg/dia por 14 dias. Schistosoma mansoni (esquistossomose) – Praziquantel (escolha) 50 mg/kg, dose única; ineficaz na infecção aguda, pois não tem ação no verme imaturo nem no ovo, ou oxamniquine dose única (15 mg/kg). A febre de Katayama e o acometimento do sistema nervoso central são duas situações em que se pode particularizar o uso de corticoide. Strongyloides stercoralis (estrongiloidíase) - Ivermectina 200 mcg/kg/dia por dois dias (escolha); albendazol 400 mg 12/12 horas por sete dias (menor eficácia). Repetir em duas semanas. Taenia solium/Taenia saginata (teníase) – Praziquantel 10 mg/Kg dose única. Trichuris trichiura (triquiuríase) - Albendazol 400 mg/dia por três dias; mebendazol 100 mg 12/12 horas por três dias ou 500 mg dose única ou ivermectina 200 mcg/kg/dia por três dias. Parasitas não patogênicos: Entamoeba coli; Entamoeba dispar; Entamoeba hartmanni; Entamoeba gingivalis; Iodamoeba butschlii; Trichomonas hominis; Chilomastix mesnili. DOENÇAS INFECCIOSAS E PARASITOSES | Como eu trato 365 Dr. Pedro R. Chocair (CRM 13500) Dr. William Nahas (CRM 34807) Parvovirose prolongada pós-transplante renal DOENÇAS INFECCIOSAS E PARASITOSES | Como eu trato 366 A parvovirose é uma infecção infrequente, mas que acomete, vez por outra, organismos imunossuprimidos e crianças normais. Em cada um desses grupos, as manifestações são diferentes, assim como os procedimentos para o diagnóstico. Nada mais ilustrativo do que descrever um caso clínico real, com todas as particularidades diagnósticas e terapêuticas, para melhor compreensão do problema. Foi o que fizemos e, por isso, o texto foi além do programado, com envolvimento maior da literatura. Parvovirose prolongada pós-transplante renal: relato de um caso curado depois do 4º curso de imunoglobulina venosa (IVIg) e da substituição do tacrolimus por ciclosporina A Resumo Este relato descreve, até onde se estende nosso conhecimento, o primeiro caso de parvovirose em um transplantado de rim no Brasil. A doença se manifestou no 3º mês pós-transplante, com anemia pronunciada, aplasia pura de células vermelhas, associada a intensa reticulocitopenia e alterações compatíveis com hepatite aguda. O diagnóstico foi confirmado pela detecção do DNA do parvovírus B19 por PCR em medula óssea e sangue. A cura da infecção só foi conseguida após o 4º curso de imunoglobulina venosa ministrada no 14º mês pós-transplante, dois meses depois da substituição do tacrolimus por ciclosporina A. Na época desse relato, cinco anos depois do transplante, o paciente continuava bem com hemoglobina de 13 g%, hematócrito de 43% e com pesquisa negativa do DNA viral. A sorologia para parvovirose permaneceu negativa durante toda a evolução. Introdução O parvovírus B19 (HPV B19) foi descoberto no sangue humano em 1975 por Cossart e cols (1) e é o único da família Parvoviridae patogênico para os humanos. Em crianças, a parvovirose se manifesta principalmente pelo chamado eritema infeccioso, ou 5ª doença, que se caracteriza por exantema, mialgia, dor de cabeça, febre e sintomas respiratórios altos, mas em adultos normais, o rash cutâneo costuma ser menos acentuado (2,3). Em transplantados, ou em outras situações em que há imunossupressão, a principal manifestação da parvovirose é a anemia, usualmente severa, e se deve à infecção das células eritroides progenitoras pelo parvovírus (4). Menos frequentemente, pode haver pancitopenia e acometimento de outros órgãos (3). O diagnóstico da doença em transplantados nem sempre é fácil por causa das múltiplas causas existentes de anemia, que são mais comuns que a parvovirose. Em uma primeira revisão, foram descritos, até o ano 2000, 26 pacientes transplantados (15 com transplante renal) portadores de aplasia de células vermelhas secundária à infecção pelo parvovírus, dos quais 15 eram homens e 11 mulheres, com idades entre 1 e 62 anos. O início da anemia nestes casos variou de duas semanas a 96 meses pós-transplante. Doze pacientes recebiam ciclosporina, 14 tacrolimus e o micofenolato mofetil fazia parte da imunossupressão em quatro desses 26 pacientes (4). Entre 2000 e 2005, vários relatos foram publicados (2,5,6,7,8,9,10,11,12,13,14,15), mas é provável que haja muito mais pacientes que ficam sem diagnóstico por apresentarem manifestações mais discretas e autolimitadas da doença, tanto por menor replicação viral, quanto por maior capacidade produtora dos anticorpos IgG neutralizadores. Cavallo e cols (9) avaliaram a incidência de infecção pelo parvovírus por PCR no sangue de 48 transplantados renais com anemia e compararam os resultados com 21 receptores sem anemia. O DNA viral foi demonstrado em 11 dos 48 pacientes (23%) e em apenas um receptor (5%) do grupo controle. Dez desses 11 pacientes tinham sorologia positiva pré-transplante e, em oito deles, a infecção ativa foi observada nos primeiros três meses póstransplante. Apenas um paciente apresentou infecção primária nove meses depois da cirurgia. Três pacientes (27%) recuperaram-se espontaneamente da anemia e oito (73%) necessitaram de tratamento. A associação com citomegalia foi frequente, presente em oito casos (73%) e o declínio transitório da função renal foi observado em quatro pacientes (36%). Entre 2005 e 2011, outros casos foram publicados, incluindo relatos da associação de parvovirose com hepatite aguda, miocardite, encefalite, disfunção crônica do enxerto, microangiopatia trombótica, microepidemias e parvovirose resistente à associação da eritropoetina. Nós relatamos a evolução de um paciente que permaneceu com anemia acentuada depois do transplante renal devida à infecção prolongada (cerca de um ano) pelo parvovírus B19, que só foi eliminado depois de substituição do tacrolimus por ciclosporina A e do 4º curso de imunoglobulina venosa, aproximadamente um ano depois da confirmação diagnóstica. Relato de caso Paciente branco de 48 anos, portador de insuficiência renal crônica secundária a amiloidose primária, foi submetido a dois transplantes renais. O primeiro, com um rim da mãe, foi realizado em 1988. A evolução foi normal por 10 anos, quando, por intenso quadro depressivo, suspendeu toda a medicação imunossupressora, fato que levou à perda do enxerto. Em dezembro de 1999, entrou em programa dialítico que se estendeu até 8/5/2000, quando foi submetido a novo transplante com rim de doador não consanguíneo. No período que permaneceu em diálise, a anemia já era pronunciada. Entre 1997 e 1999 foram feitas duas transfusões sanguíneas. Em 16/11/1999, cerca de seis meses antes do transplante, estava com hemoglobina de 4,7 g% e hematócrito de 13,5%. Em março de 2000, continuava com hemoglobina e hematócrito muito baixos, 4,9 g% e 13,6%, respectivamente. Nesse período, recebeu rotineiramente eritropoetina e hidróxido de ferro, e não foi feita nenhuma pesquisa adicional para causa da anemia, atribuída à uremia. Ao chegar à nossa Unidade para o transplante, encontrava-se com hemoglobina de 6.,7 g%, hematócrito de 19,9%, e não foi realizado nenhum teste sorológico para parvovírus no doador, antes ou depois da doação, e nem no receptor antes do transplante. 367 DOENÇAS INFECCIOSAS E PARASITOSES | Como eu trato Nova revisão pesquisada no Medline entre 1986 e 2006 mostrou 49 receptores de transplante renal com anemia relacionada à parvovirose. O paciente não recebeu indução e a imunossupressão inicial incluiu azatioprina (2 mg/kg/dia), prednisona (dose inicial de 1 mg/kg, com posterior diminuição até 10 mg/dia a partir do 3º mês) e ciclosporina neoral (trough level entre 150 a 250 ng/ml). Em 17/5/2000 (9º dia pós-operatório) apresentou crise de rejeição celular aguda, caracterizada por elevação da creatinina (1,6 para 2,1 mg%) e ganho de peso. Foi tratado com três pulsos de 500 mg de metil-prednisolona e teve alta hospitalar em 25/05 (17º dia pós-transplante), com creatinina de 1,5 mg%, hemoglobina 7,6 g%, hematócrito 22%, hemoglobina corpuscular média 30,8 pg, volume corpuscular médio 89,5 μ3, leucócitos 8,99 mil/mm3 e plaquetas, 285 mil/mm3. Em 6/6/2000 (28º dia pós-transplante), apresentou lesões localizadas no lábio compatíveis com Herpes simplex, curadas com aciclovir tópico, antigenemia positiva para citomegalovírus e elevação da creatinina de 1,5 para 2,1 mg%, quando foi submetido a outra biópsia renal, que mostrou rejeição celular aguda limítrofe pela classificação de Banff. Recebeu novamente 500 mg/dia/3 dias de metil-prednisolona e a ciclosporina foi trocada por tacrolimus (5 a 10 ng/ml). O paciente permaneceu com creatinina em torno de 2 mg%, acentuadamente anêmico, refratário à eritropoetina, sem evidências laboratoriais de hemólise ou de perda sanguínea e com reticulócitos abaixo de 0,5%, havendo necessidade de transfusões sanguíneas periódicas. Em julho de 2000, cerca de dois meses pós-retransplante, apresentou também leucopenia (2,2 mil/mm3), que cedeu em uma semana após suspensão da azatioprina, mantendo-se tacrolimus e prednisona. DOENÇAS INFECCIOSAS E PARASITOSES | Como eu trato 368 Em 2/8/2000 (82º dia pós-transplante), estava com 7 g/dl de hemoglobina, 21% de hematócrito, leucócitos 9.7 mil/mm3 e o mielograma mostrou aplasia pura de células vermelhas. Em 05/08/2000, foi submetido a biópsia de medula óssea, que mostrou intensa mielodisplasia, pronunciada redução da linhagem eritroblástica, redução mielocítica e megacariocítica moderadas e 80% de infiltração gordurosa da medula óssea. Nessa data, agosto de 2000 (3º mês pós-transplante), foi confirmado o diagnóstico de parvovirose por PCR, tanto em medula óssea como no sangue, e se iniciou o tratamento com imunoglobulina (IVIg) na dose de 400 mg/kg/ dia/5 dias (1º tratamento com IVIg). Em 10/08/2000 (90º dia pós-transplante), o hematócrito era de 13,6% e a hemoglobina, 4,8 g/dl, quando foram ministradas novas transfusões sanguíneas. O paciente continuou anêmico, reticulocitopênico, necessitando transfusões periódicas. Em 27/11/2000, estava com os seguintes dados: hemoglobina 5,6 g%, hematócrito 20,7%, reticulócitos 0,4%, leucócitos 5,8 mil/mm3 e plaquetas 373 mil/mm3. Em janeiro e maio de 2001, foram administrados dois (2º e 3º) cursos adicionais de IVIg (400 mg/kg/dia/5 dias) e, em 23/05/2001, o tacrolimus foi suspenso e substituído por ciclosporina (350 mg/dia), mantendo-se 10 mg/dia de prednisona. Em 31/05, a hemoglobina era de 8,7 g%, hematócrito 23% e os reticulócitos subiram transitoriamente até 8%, caindo, em poucas semanas, para níveis inferiores a 0,5%. Entre março e junho, diminuímos a prednisona de 10 mg/dia para 7,5 mg/dia e, posteriormente, para 5 mg/dia. Em 30/7/2001, cerca de 14 meses após transplante, permaneceu com hemoglobina baixa (6,6 g%), 19% hematócrito e reticulócitos de 0,5%, quando recebeu o 4º e último curso de IVIg (400 mg/kg/dia/5 dias). No 2º dia desta nova série de imunoglobulinas, em 02/08/2001, apresentou episódio de insuficiência renal aguda, caracterizada por diminuição da diurese e elevação da creatinina até 4 mg%, que retornou espontaneamente para os níveis basais de 2 mg% após 10 dias do episódio agudo. Concomitantemente, as enzimas hepáticas se alteraram, sem icterícia, com pesquisa negativa para hepatite B, hepatite C e citomegalia. Assim, no dia 02/08, estava com TGO de 36 U/L, TGP de 81 U/L e γGT de 114 U/L e se elevaram progressivamente até que em 01/10, quando atingiram os máximos valores, as transaminases atingiram, TGO 149 U/L, TGP 349 U/L e a γGT 189 U/L, para depois diminuírem espontaneamente. Em 25/10 estava com TGO de 41 U/L, TGP 46 U/L e γGT 117 U/L e, em março de 2002, com TGO 24 U/L, TGP 33 U/L e γGT 33 U/L.. A partir da última série de IVIg, o hematócrito se elevou progressivamente e se manteve na faixa normal durante toda a evolução. Pesquisas sucessivas do parvovírus foram negativas. Em 20/08, cerca de um ano depois do primeiro curso de IgIV, a hemoglobina foi de 12,5 g% e o hematócrito de 33%. Em 25/10, a hemoglobina estava em 15,1 g%, hematócrito 43,6% e, em março de 2002, com 16,5 g% de hemoglobina, hematócrito de 50,3% e creatinina de 2,1 mg%. Em setembro de 2003, em razão da elevação da creatinina para 2,8 mg%, iniciamos rapamicina (2 mg/dia) e diminuímos a ciclosporina de 100 para 50 mg/dia. A sorologia para parvovírus realizada em outubro de 2003 apresentou anticorpos IgG < 1/64 e IgM < 1/10, com valores de referência de até 1/64 e 1/10, respectivamente. Em junho de 2005, com pouco mais de cinco anos do 2º transplante, encontrava-se estável, com pressão arterial de 120/80 mmhg, hemoglobina de 13 g%, hematócrito 43%, leucócitos 8,75 mil/mm3, TGO 16 U/L, TGP 21 U/L, γGT 26 U/L, proteinúria 0,75 g/L, creatinina 2,9 mg%, recebendo 5 mg/dia de prednisona, 50 mg/dia de ciclosporina e 2 mg/dia de rapamicina. Discussão Nós relatamos a evolução de um paciente transplantado renal que persistiu com anemia secundária ao parvovírus B19 por período bastante prolongado, certamente maior do que um ano, e que foi curada somente depois do 4º curso de IgIV e da substituição do tacrolimus por ciclosporina A. Durante a fase dialítica, antes de se confirmar o diagnóstico de parvovirose, já havia anemia muito mais acentuada que a habitualmente encontrada nos pacientes em diálise crônica que recebem rotineiramente, hoje em dia, nas unidades brasileiras de diálise, eritropoetina e hidróxido de ferro, como aconteceu com nosso paciente. É possível, portanto, que a parvovirose possa ter sido adquirida antes do 2º transplante, pelas transfusões que foram ministradas, mas isso não foi comprovado por exames específicos. O que se pode afirmar é que o momento em que se definiu o diagnóstico foi no 3º mês pós-2º transplante, quando se encontrou o DNA do parvovírus na medula óssea. Para diagnóstico de parvovirose em crianças e adultos com competência imunológica, a sorologia é método eficaz porque esses pacientes possuem, contrariamente ao que se verifica com os imunologicamente comprometidos, capacidade normal de produção dos anticorpos necessários para erradicação da virose, como também para a positividade da reação sorológica (3,4). Nosso paciente continuou com sorologia negativa para o parvovírus a despeito da viremia prolongada, fato que vem ao encontro do assinalado em imunossuprimidos. DOENÇAS INFECCIOSAS E PARASITOSES | Como eu trato 369 Durante a fase aguda da virose, formam-se anticorpos no sangue do tipo IgM que permanecem por dois a seis meses, e do tipo IgG, que são definitivos e responsáveis pelo clearance viral do organismo. Para os imunossuprimidos, a pesquisa do DNA viral por PCR, no sangue e/ou medula óssea, certamente é a melhor opção para o diagnóstico, pois a sorologia pode ser falsamente negativa (3,4). Mais recentemente, tem sido utilizada a avaliação por PCR em tempo real (real-time PCR), para detecção quantitativa dos três genótipos do vírus B19, que oferece vantagens sobre o PCR tradicional, que tem menor sensibilidade, especialmente para a detecção do genótipo 2 (14). Há outras particularidades da parvovirose encontrada nos imunossuprimidos e que são de interesse clínico. A transmissão do parvovírus nos imunologicamente competentes se faz, principalmente, pelo contato direto com secreções respiratórias (3,6), mas não se sabe ao certo se os imunossuprimidos com infecção crônica da medula óssea sejam igualmente contaminantes (6). Admite-se que nos transplantados a doença possa ser adquirida pelo próprio órgão transplantado, por transfusões ou por reativação de infecção latente em decorrência da queda da imunidade ocasionada pela medicação imunossupressora (4). Nos imunossuprimidos infectados com o vírus B19, a doença se exterioriza principalmente por anemia severa, do tipo normocrômica, normocítica, resistente à eritropoetina e aplasia pura de células vermelhas. A reticulocitopenia, quase sempre menor que 0,5%, faz parte do quadro hematológico, assim como a presença de pronormoblastos gigantes em aspirado de medula óssea (16). DOENÇAS INFECCIOSAS E PARASITOSES | Como eu trato 370 Normalmente não se observa pancitopenia; quando presente, sugere a coexistência de infecções virais distintas, como as causadas pelo citomegalovírus ou por herpes vírus humano (3,17,18). Em nosso paciente, a anemia foi a principal alteração encontrada e não se observou qualquer evidência clínica de perda sanguínea ou de hemólise. A azatioprina, imunossupressor potencialmente causador de anemia, foi suspensa no inicio do transplante e não se observou qualquer mudança significativa nos níveis de hemoglobina e hematócrito após sua suspensão. A decisão de não reintroduzi-la foi pelo receio de se agravar o quadro hematológico. Outros medicamentos que podem também causar anemia, como os inibidores da enzima de conversão da angiotensina, não foram utilizados pelo paciente, enquanto a eritropoetina pode dificultar o clareamento da virose (25). O episódio de citomegalia observado no inicio do transplante desapareceu em curto tempo, ficando difícil admitir que o CMV pudesse estar também envolvido no presente caso. Finalmente, é inquestionável que a normalização das células vermelhas só foi verificada depois que o parvovírus foi eliminado da medula óssea. Além da anemia, há outras maneiras menos frequentes de manifestação da doença, como hepatite de intensidade clínica variável (5,19,29), glomerulonefrite (4,20), encefalite (26), vasculite (15, 27), neuropatias (4), crises de anemia aplástica em pacientes portadores de anemia hemolítica (6,21) e miocardite e artrite (3,22). Nosso paciente apresentou, no final da evolução, quadro laboratorial evidente de hepatite aguda, que se prolongou por alguns meses, muito possivelmente relacionado ao próprio parvovírus, pois a pesquisa dos outros agentes potencialmente causadores de hepatite foi negativa. O tratamento recomendado da parvovirose em transplantados inclui diminuição da imunossupressão e imunoglobulina intravenosa comercialmente existente na dose habitual de 500 mg/dia por quatro ou cinco dias (2,3,4,10). Essa imunoglobulina é eficaz porque contém altos níveis de anticorpos, sendo fabricada com soro populacional, em que a prevalência dos anticorpos IgG contra o parvovírus é alta, da ordem de 10% em adolescentes, 60 a 70% em adultos e 90% nos idosos – dados obtidos em população do Reino Unido (23) e que não devem ser muito diferentes dos existentes em nosso meio. São esses anticorpos os responsáveis pelo clearance viral e a consequente cura da doença. Em casos menos acentuados, pode haver erradicação da virose com diminuição da imunossupressão ou até mesmo espontaneamente (2,9). A terapêutica com imunoglobulinas não é isenta de efeitos colaterais. Os mais comuns são de fundo alérgico e há relatos de insuficiência renal aguda, complicação que nosso paciente apresentou, atribuída a dano osmótico causado pela sacarose. Nesses pacientes, as principais lesões observadas foram o edema e vacuolização de células tubulares e glomerulares (24). Infecções bem mais prolongadas já foram relatadas e também erradicadas com imunoglobulina venosa (16). Concluindo, a pesquisa do DNA do parvovírus no soro e/ou medula óssea de transplantados deve ser incluída na investigação da causa da anemia, sobretudo se houver reticulocitopenia. Além disso, aconselha-se a realização de sorologia para o parvovírus antes do transplante, tanto no receptor como no doador. É possível que os receptores com sorologia negativa sejam os de maior risco para desenvolverem doença mais grave, especialmente se o doador apresentar sorologia positiva, como se observa com o citomegalovírus. Referências 1- Cossart YE, Field AM, Cant B et al. Parvovirus-like particles in human sera. Lancet 1975; i: 72-73. 2- Liefeldt L, Buhl M, Schweickert B et al. Eradication of parvovirus B19 infection after renal transplantation requires reduction of immunosuppression and high-dose immunoglobulin therapy. Nephrol Dial Transplant 2002; 17: 1840-42. 3- Broliden K. Parvovirus B19 in pediatric solid-organ and bone marrow transplantation. Pediatr Transplantation 2001; 5: 320-30. 4- Geetha D, Zachary James B et al. Pure red cell aplasia caused by parvovirus B19 infection in solid organ transplant recipients: a case report and review of literature. Clin Transplantation 2000; 14: 586-91. 5- Yan-Shen, S, Po-Chang L, Jen-Ren W et al. Fibrosing cholestatic hepatitis possibly related to persistent parvovirus B19 infection in a renal transplant recipient. Nephrol Dial Transplant 2001; 16: 2420-22. 6- Lui SL, Luk WK, Cheung CY et al. Nosocomial outbreak of parvovirus B19 infection in a renal transplant unit. Transplantation 2001; 71: 59-64. 7- Cho SH, Chang SP, Won JC et al. A case of persistent anemia in a renal transplant recipient: association with parvovirus B19 infection. Scand J Infec Dis 2002; 34: 71-5. 8- Murdock J, Morris TC, Alexander HD, McNamee P. Red cell aplasia due to erythrovirus parvovirus B19 infection in a Jehovah’s witness with post-transplant EBV-induced aggressive lymphoma: management considerations. Leukemia & Lymphoma 2002; 43: 211-3. 9- Cavallo R, Merlino C, Re D et al. B19 virus infection in a renal transplant recipient. J Clin Virol 2003; 26: 361-8. 10- Plentz A, Hahn J, Holler E et al. Long term parvovirus B19 viraemia associated with pure red cell aplasia after allogeneic 371 DOENÇAS INFECCIOSAS E PARASITOSES | Como eu trato A persistência da infecção e, consequentemente, da anemia, por mais de um ano em nosso paciente, a despeito de vários cursos de imunoglobulina, foi atribuída à manutenção do tacrolimus, iniciado no inicio do 2º mês pós-transplante visando ao reforço da terapêutica imunossupressora. Esse agente, ao que se admite, inibe o clearance viral (7). DOENÇAS INFECCIOSAS E PARASITOSES | Como eu trato 372 bone marrow transplantation. J Clin Virol 2004; 31: 16-19. 11- Markiewicz M, Holowiecki J, Wojnar J et al. Allogeneic transplantation of selected peripheral CD34+ cells add-back in high risk patients. Transplant Proc 2004; 36: 3194-9 12- Montini G, Murer L, Ghio L et al. One-year results ob basiliximab induction and tacrolimus associated with sequential and MMF treatment in pediatric kidney transplant recipient. Transplant Intern 2005; 18: 36-42. 13- Gomes Huertas E, Melon S, Laures AS et al. Parvovirus B19 infection in a renal transplant recipient. Diagnosis by detection of viral genome in peripheral blood. Nefrologia 2005; 25: 67-72. 14- Liefeldt L, Plentz A, Klempa B et al. Recurrent high level parvovirus B19/genotype 2 viremia in a renal transplant recipient analyzed by real-time PCR for simultaneous detection of genotypes 1 to 3. J Med Virol 2005; 75: 161-9. 15- Bilge I, Sadikoglu B, Emre S et al. Central nervous system vasculitis secondary to parvovirus B19 infection in a pediatric renal transplant patient. Pediatr Nephrol 2005; 20: 529-33. 16- Kurtzman G, Frickhofen N, Kimball J et al. Pure red-cell aplasia of ten year’s duration due to persistent parvovirus B19 infection and its cure with immunoglobulin therapy. N Engl J Med 1989; 321: 519-23. 17- Marchand S, Tchernia G, Hiesse C et al. Human parvovirus B19 infection in organ transplant recipients. Clin Transpl 1999; 13: 17-24. 18- Al-Khaldi N, Watson AR, Harris A, Irving WL. Dual infection with human herpesvirus type 6 and parvovirus B19 in a renal transplant recipient. Pediatr Nephrol 1994; 8: 349-50. 19- Lee PC, Hung CJ, Lei HY et al. Parvovirus B19-related hepatitis in an immunosuppressed kidney transplant. Nephrol Dial Transplant 2000; 15: 1486-88. 20- Wierenga KJJ, Pattison JR, Brink N et al. Glomerulonephritis after human parvovirus infection in homozygous sickle cell disease. Lancet 1995; 346: 475-6. 21- Saarinen UM, Chorba TL, Tattersall P et al. Human parvovirus B19-induced epidemic acute red cell aplasia in patients with hereditary hemolytic anemia. Blood 1986; 67: 1411-17. 22- Cherry JD. Parvovirus infections in children and adults. Adv Pediatr 1999, 46:245-69 23- Cohen BJ, Buckley MM. The prevalence of antibody to human parvovirus B19 in England and Wales. J Med Microbiol 1988; 25: 151-53. 24- Ahsan N, Weigand LA, Abendroth CS, Manning EC. Acute renal failure following immunoglobulin therapy. Am J Nephrol 1996; 16: 532-36. 25- Arzouk N, Sannoudj R, Beauchamp-Nicoud A et al. Parvovirus B-19-induced anemia in renal transplantation: a role for rHuEPO in resistance to classical treatment. Transpl Int 2006; 19 (2): 166-9. 26- Laurenz M, Winkelmann B, Roigaas J et al. Severe parvovirus B19 encephalitis after renal transplantation. Pediatr Transplant 2006; 10 (8): 978-81. 27- Ardalan MR, Shoja MM, Tubbs RS, Jayne D. Parvovirus B19 microepidemic in renal transplant recipients with thrombotic microangiopathy and allograft vasculitis. Exp Clin Transpant 2008; 6 (2): 137-43. 28- Dupont PJ, Manuel O, Pascual M. Infection and chronic allograft dysfunction. Kidney Int Suppl. 2010; 119: S47-S53. 29- Hatakka A, Klein J, He R et al. Acute hepatitis as a manifestation of parvovirus B19 infection. J Clin Microbiol 2011 Jul 6 (Epub ahead of print). Dra. Ligia Câmera Pierrotti (CRM 77357) Pneumonia por Pneumocystis jiroveci O tratamento da PCP deve ser iniciado imediatamente após a suspeita clínica para todo paciente em condição de imunodepressão (sobretudo se a contagem de linfócitos for T CD4 ≤ 200 células/mm3) e quadro clínico compatível, independentemente do uso da profilaxia da PCP. O quadro clínico caracteriza-se por dispneia de início progressivo, febre e tosse. Na ausência do tratamento, o quadro costuma evoluir para insuficiência respiratória em um período de duas a três semanas. Ao exame físico, a ausculta pulmonar costuma ser normal, e os pacientes apresentam diferentes graus de desconforto respiratório, a depender da fase evolutiva da doença. A principal alteração laboratorial é a hipoxemia. Uma elevação da desidrogenase láctica a níveis > 500 mg/dL é comum, mas inespecífica. A radiologia simples do tórax apresenta achados variados, desde um exame normal até a presença de infiltrado intersticial bilateral, nódulos e pneumotórax. Pneumotórax em um paciente com infecção pelo HIV deve reforçar a suspeita de PCP. A tomografia computadorizada demonstra infiltrado alveolar com o típico padrão de vidro fosco. Embora classificado como fungo, o P. jirovecci não responde ao tratamento com antifúngicos, e a droga de escolha é o sulfametoxazol-trimetropim (tabela 1). A adição de leucovorin para prevenir mielossupressão durante o tratamento não é recomendada. Mesmo pacientes que desenvolvem PCP a despeito da profilaxia com SMX-TMP são, em regra, tratados com sucesso com essa droga. Regimes alternativos ao SMX-TMP são: 1) dapsona + TMP; ou 2) primaquina + clindamicina. A pentamidina IV, recomendada para casos graves, não está mais disponível no Brasil. O uso associado de corticoide iniciado nas primeiras 72 horas do tratamento está recomendado para os pacientes com hipoxemia moderada ou grave: pressão arterial de oxigênio (paO2) < 70 mmHg ou diferença de oxigênio alvéolo-arterial (dO2) > 35 mmHg. Recomenda-se prednisona VO (ou metilprednisolona IV na dose correspondente) na dose de 80 mg/dia nos primeiros 5 dias, seguida por 40 mg/dia nos próximos 5 dias, e então 20 mg/dia até o término da terapia. A duração da terapia é de 14 a 21 dias. Os efeitos adversos mais comuns são rash, com casos de síndrome de Stevens-Johnson, febre, leucopenia, plaquetopenia, azotemia e hepatite. A resposta à terapia ocorre em torno de 373 DOENÇAS INFECCIOSAS E PARASITOSES | Como eu trato A pneumocistose (PCP) é a pneumonia causada pelo Pneumocystis jirovecci (antigamente denominado Pneumocystis carinii), a principal infecção oportunista em pacientes com HIV/AIDS, que também acomete outros pacientes imunodeprimidos. 4 dias para os pacientes sem HIV e em torno de 8 dias nos pacientes com infecção pelo HIV/AIDS. Se o paciente evolui sem melhora, deve-se considerar a troca da terapia para um esquema alternativo; nesse caso, é importante a confirmação etiológica da PCP e a investigação de causas alternativas de pneumopatia, por vezes associadas a PCP. Droga sulfametoxazol trimetropim Dose recomendada Baseado na dose do trimetropim: 5 – 20 mg/kg/dia, divididos de 6/6h, VO ou IV Clearance de creatinina 30 – 50 ml/h: 5 – 7,5 mg/kg/dia, divididos de 8/8h Cl creat 10 – 29 ml/h: 5 – 10 mg/kg/dia, divididos de 12/12h Cl creat < 10 ml/h, hemodiálise/CAPD: não recomendado. Se usar: 5 – 10 mg/kg/dia. Dapsona Primaquina Clindamicina 100 mg/dia VO 15 mg base VO 1x/ dia 300 – 450 mg VO 6/6 h Referências: 1- Kaplan JE, Benson C, Holmes KH, et al. Guidelines for prevention and treatment of opportunistic infections in HIV-infected adults and adolescents: recommendations from CDC, the National Institutes of Health, and the HIV Medicine Association of the Infectious Diseases Society of America. MMWR Recomm Rep. 2009: 58 (RR-4):1-207. 2- Mandell, D, Bennett's. Principles and Practice of Infectious Diseases, Seventh Edition. Elsevier Inc. Gerald L. Mandell MD, MACP. Chapter 129: Management of Opportunistic Infections Associated with Human Immunodeficiency Virus Infection. DOENÇAS INFECCIOSAS E PARASITOSES | Como eu trato 374 Dr. Gilberto Turcato Júnior (CRM 44511) Dr. Julio Henrique Onita (CRM 112652) Dr. Luciano Bello Costa (CRM 111557) Pneumonias hospitalares Hoje, a assistência à saúde tem exigido cada vez mais dispositivos invasivos para o diagnóstico, tratamento, manutenção e suporte à vida. Esses procedimentos que, por um lado, são essenciais para determinada doença ou condição, por outro é possível notar que as infecções também as acompanham em uma relação diretamente proporcional. Neste contexto, a pneumonia é uma das síndromes infecciosas mais graves, principalmente se houver dispositivo endotraqueal. A pneumonia associada à ventilação mecânica merece atenção redobrada no ambiente hospitalar pela dificuldade de tratamento e por sua incapacidade funcional temporária ou sequelar. Uma parte se deve ao fato de ter, em seus agentes etiológicos, bactérias com perfil de sensibilidade, por vezes desfavorável ao arsenal antimicrobiano disponível. Outro ponto é o tratamento de pacientes com elevada gravidade e cada vez mais dependentes de medidas de suporte respiratório. Diagnóstico O diagnóstico da pneumonia hospitalar se baseia em três pontos distintos: quadro clinico, laboratório e microbiologia. Um paciente com ausculta sugestiva, febre e com secreção de aspecto purulento é forte candidato a ter uma pneumonia e, para um auxílio maior, inicialmente, lança-se mão de exames subsidiários: leucograma, raios-x e provas inflamatórias. O exame microbiológico pode ser adquirido pela secreção traqueal e pela hemocultura. Algumas ressalvas podem ser feitas: todos estes testes diagnósticos merecem contestação, pois são muito sensíveis e pouco específicos. Exceção se faz com a hemocultura; porém, é o teste menos sensível. Tendo isso em vista, alguns outros métodos auxiliares podem ser utilizados: broncoscopia, tomografia de tórax ou ultrassonografia. Porém, quanto mais específico o método, maior a sua invasão ao paciente, o que pode ter uma influência direta no tratamento e na escolha e utilização do antimicrobiano. 375 DOENÇAS INFECCIOSAS E PARASITOSES | Como eu trato As pneumonias são ditas hospitalares quando acometem o paciente a partir do segundo dia de sua internação. Sua incidência varia de acordo com a unidade, e é mais frequente naqueles locais de maior complexidade. Porém, independentemente deste fator, essa entidade tem elevada morbidade e mortalidade. Tratamento É importante enfatizar que os possíveis agentes etiológicos da pneumonia nosocomial podem variar amplamente: Pseudomonas aeruginosa, outras enterobactérias, Acinetobacter sp e Staphylococcus aureus, na dependência de fatores característicos da unidade de internação ou do hospital, do próprio paciente e dos antimicrobianos previamente utilizados. Portanto, a opção de tratamento deve ser individualizada, considerando estes fatores e a possibilidade de resistência bacteriana. Existe maior risco de infecção por agentes multirresistentes nos pacientes com diagnóstico de pneumonia adquirida no hospital e pneumonia associada à ventilação mecânica, mas principalmente para aqueles com diagnóstico de pneumonia de início tardio (5 dias ou mais de internação). São definidos como fatores de risco para infecção por agentes multirresistentes: terapia antimicrobiana nos últimos 90 dias, internação atual por 5 dias ou mais, alta prevalência de resistência bacteriana na unidade específica ou no hospital, internação por 2 dias ou mais nos últimos 90 dias, residir em casa de repouso, antibioticoterapia em home care, diálise nos últimos 30 dias, familiar colonizado por agente multirresistente e imunossupressão. Outro ponto importante a ser lembrado é a precocidade do início do antibiótico adequado. O atraso para o início do tratamento e escolha inadequada do antibiótico estão relacionados com maior mortalidade. Portanto, os resultados de culturas não finalizadas não devem ser justificativos para se atrasar o início da antibioticoterapia. Terapia empírica inicial para pacientes com pneumonia nosocomial sem fatores de risco para agentes multirresistentes e de início precoce: DOENÇAS INFECCIOSAS E PARASITOSES | Como eu trato 376 Agentes Antibiótico Streptococcus pneumoniae Ceftriaxone ou Levofloxacino ou Moxifloxacino Haemophilus influenzae Staphylococcus aureus sensível a oxacilina Gram negativos entéricos Dosagens 1g EV 12/12horas 750mg EV 1x/dia 400mg EV 1x/dia Terapia empírica inicial para pacientes com pneumonia nosocomial e com fatores de risco para agentes multirresistentes ou de início tardio Agentes Pseudomonas aeruginosa Klebsiella pneumoniae Acinetobacter spp Antibiótico Meropenem ou Piperacilina/tazobactam Dosagens 1g EV de 8/8 horas 4,5g EV de 6/6 horas Staphylococcus aureus Vancomicina ou Teicoplanina ou Linezolida 15mg/kg EV de 12/12 horas 400mg EV de 12/12 horas 600mg EV de 12/12 horas Suspeita de Gram- negativos Polimixina B resistentes aos carbapenêmicos 25.000 UI/kg/dia de 12/12 horas Causas de falha do tratamento empírico inicial Relacionadas ao antibiótico ou ao agente Escolha inadequada do antibiótico; Posologia inadequada ou concentração tecidual inadequada; Resistência antimicrobiana Complicações Infecções em outro sítio Empiema Sepse de foco abdominal, urinário, infecção associada a cateter Condições que confundem a avaliação SARA Atelectasia embolia pulmonar Referências: 1. American Thoracic Society; Infectious Diseases Society of America. Guidelines for the management of adults with hospitalacquired, ventilator-associated, and healthcare-associated pneumonia. Am J Respir Crit Care Med. 2005 Feb 15;171(4):388-416. 2. Sociedade Brasileira de Pneumologia e Tisiologia. Brazilian guidelines for treatment of hospital acquired pneumonia and ventilator associated pneumonia- 2007. J Bras Pneumol. 2007 Apr;33 Suppl 1:S1-30. DOENÇAS INFECCIOSAS E PARASITOSES | Como eu trato 377 Dr. Stefan Cunha Ujvari (CRM 64629) Sarampo DOENÇAS INFECCIOSAS E PARASITOSES | Como eu trato 378 O vírus do sarampo foi eliminado do território nacional e das Américas no ano 2000. A estratégia de campanha nacional conseguiu atingir a meta de vacinar cerca de 95% da população, e, com isso, reduzir o número de pessoas suscetíveis à infecção. Hoje, os postos de vacinação e clínicas fornecem a vacina para as crianças com um ano de idade e reforço entre quatro e seis anos. O sucesso americano não foi acompanhado por outras nações. Com isso, a doença ainda aparece em países africanos, europeus e asiáticos. Esse fato torna imperativo não apenas saber tratar a doença como também suspeitar de caso de sarampo e diagnosticá-lo o mais breve possível para abortar qualquer epidemia naqueles não vacinados. O risco a que estamos sujeitos é exemplificado com fatos ocorridos nos últimos anos. Em 2005, um esportista vindo das ilhas Maldivas, no Oceano Índico, retornou infectado ao Brasil. Esse brasileiro não vacinado na infância eliminou o vírus em suas secreções respiratórias enquanto os sintomas não apontaram para a suspeita do sarampo. Conclusão: cinco pessoas adquiriram a doença, inclusive durante o voo. Em 2006, no estado da Bahia, ocorreu uma epidemia de sarampo entre adultos e crianças não vacinados. As cidades mais castigadas foram Senhor do Bonfim, Filadélfia, Irecê e João Dourado. A suspeita do início da epidemia recaiu em algum turista europeu que teria trazido o vírus. Em 2010, a globalização se mostrou aliada à disseminação do sarampo. Três estados brasileiros (Pará, Paraíba e Rio Grande do Sul) receberam turistas infectados pelo vírus do sarampo no exterior. Diante desse risco iminente de retorno da doença ao nosso solo, tornam-se imperativas as recomendações abaixo. COMO SUSPEITAR Após o período de incubação, entre 10 a 14 dias, inicia-se mal-estar, febre, anorexia, conjuntivite e sintomas respiratórios de tosse com secreção e coriza. Esse quadro clínico pode ser confundido com outros agentes etiológicos de infecções respiratórias, virais ou bacterianos. Pouco antes do surgimento do rash cutâneo característico da doença, poderá aparecer o achado clínico patognomônico, descrito por Koplik em 1896. O sinal consiste de pequenos pontos cinza-azulados com base avermelhada na mucosa oral, na altura da posição do segundo molar. A doença é firmada, na maioria das vezes, com o surgimento do rash eritematoso e maculopapular, que se conflui durante a progressão, principalmente na face e pescoço. O rash inicia-se no segmento cefálico e progride para as regiões inferiores do corpo, atingindo tronco, extremidades e palmas e solas. COMPLICAÇÕES A PROCURAR Na consulta e acompanhamento, precisamos ficar atentos às possíveis complicações do sarampo. As lesões inflamatórias causadas pelo vírus, aliadas à depressão imunológica, favorecem infecções bacterianas do sistema respiratório. Por isso, ficamos atentos ao surgimento de sintomas e sinais de pneumonia ou otite média que necessitam a administração de antibiótico. Encefalite aguda pode ocorrer e se manifestar com reinicio de febre na fase de convalescência do sarampo associada à cefaleia, convulsões e letargia ou confusão mental. Sua incidência é de um caso em cada mil a dois mil doentes. DIAGNÓSTICO História e exame clínico são suficientes para suspeita do diagnóstico, e para que se proceda à imediata notificação da doença aos órgãos de vigilância epidemiológica. Esse procedimento desencadeia as medidas de contenção de epidemia. O diagnóstico sorológico consiste na comprovação da elevação dos títulos em quatro ou mais vezes entre as amostras da fase aguda e da convalescência da doença. Hoje, temos o método sorológico ELISA, que possibilita a detecção de IgM específica com maior simplicidade e rapidez diagnóstica. Títulos sorológicos elevados no líquor facilitam o diagnóstico da encefalite. A condução consiste em rigorosa hidratação, oral ou venosa, quando indicada, associada às medicações sintomáticas. O acompanhamento do caso requer atenção às complicações infecciosas bacterianas: pneumonias, otites e diarreia. A Organização Mundial da Saúde recomenda administração de vitamina A para crianças doentes de sarampo para prevenir as formas severas. PREVENÇÃO A vacinação já está bem implantada e aderida pela população brasileira. Crianças a recebem no primeiro ano de vida com reforço aos quatro e seis anos. Durante um surto da doença, podemos antecipar a primeira dose para aqueles com mais de seis meses de vida. DOENÇAS INFECCIOSAS E PARASITOSES | Como eu trato TRATAMENTO 379 Dr. Mauro José da Costa Salles (CRM 61960) Sífilis DOENÇAS INFECCIOSAS E PARASITOSES | Como eu trato 380 Sífilis ou lues é uma doença infectocontagiosa causada por uma espiroqueta, o Treponema pallidum, transmitida pelo contato com lesão ativa geralmente no ato sexual (doença adquirida), por via transplacentária (doença congênita) ou contato com derivados biológicos contaminados. A bactéria penetra na pele/mucosa do hospedeiro por alguma solução de continuidade, causando a doença. Pode ser classificada como sífilis adquirida quando é transmitida pelo contato com lesão ativa, geralmente sexual, ou sífilis congênita, quando transmitida de mãe para filho por via hematogênica. A sífilis adquirida, por sua vez, pode ser divida de acordo com o tempo da infecção. Precoce ou recente, para um tempo de doença entre a lesão primária – cancro duro – e o diagnóstico de doença até um ano (*) e tardia, para tempo da lesão primária e a doença maior que um ano, ou para pacientes que não sabem se tiveram ou quando tiveram a lesão primária. Existe outra forma de classificar a doença adquirida: • Sífilis primária: caracterizada pela presença da lesão primária, ou cancro duro, que é uma lesão ulcerada, de base limpa e indolor, que se forma no local de penetração da bactéria na pele, de 10 a 90 dias (média de 21 dias) após o contágio, e que pode apresentar adenite satélite; o cancro duro desaparece sozinho, geralmente até quatro semanas do seu aparecimento sem deixar cicatrizes, com ou sem tratamento. • Sífilis secundária: caracterizada pela disseminação da doença; pode surgir de quatro a oito semanas do aparecimento do cancro até um ano após o seu desaparecimento, com lesões por todo o corpo: desde exantema morbiliforme não pruriginoso, que acometem palmas e plantas, até placas mucosas, alopecia, adenopatia generalizada e condilomas planos. • Sífilis terciária: caracterizada por reações sorológicas positivas; o paciente pode estar em fase de latência (a fase inicial da doença é, geralmente, assintomática), ou apresentar algumas síndromes clínicas características (em fases mais avançadas), como neurossífilis (meningo-vascular, meningite aguda, goma do cérebro ou da medula, crise epileptiforme, tabes dorsalis, etc.), sífilis cardiovascular (aortite sifilítica, aneurismas e estenose de coronárias), sífilis óssea (osteíte gomosa, periostite, osteíte esclerosante), cutânea (lesões gomosas e nodulares de caráter destrutivo), dentre outras. A primeira classificação é mais utilizada na prática clinica, pois há dificuldade de se identificar o momento inicial da infecção. A segunda classificação é mais didática, e auxilia no diagnóstico sorológico. Sabe-se que as reações sorológicas não treponêmicas (VDRL) somente se positivam após três a quatro semanas do contágio, ou seja, um paciente com lesão ativa primária, geralmente logo após seu aparecimento, pode apresentar VDRL negativo. Da mesma forma, as reações sorológicas treponêmicas (TPHA, TPPA, FTAabs) somente se positivam na 4a ou 5a semana de doença, o que significa que, normalmente, estarão negativas em pacientes no início da lesão primaria, e somente se positivar no momento da sífilis secundária. O diagnóstico depende do estágio em que o paciente se encontra, para que a classificação seja sífilis primária, secundária ou terciária. Para paciente com lesão ativa/cancro duro (sífilis primaria), os testes sorológicos treponêmicos e não treponêmicos podem estar negativos. Neste caso, o diagnóstico de escolha é a realização de raspagem na base da úlcera, submetendo-se o material a coloração especial para visualização do Treponema (coloração com sais de prata e microscopia de campo escuro). Para pacientes em fases mais avançadas da doença, com lesões disseminadas pelo corpo (sífilis secundária), ou suspeita de sífilis terciária, técnicas sorológicas são as mais recomendadas. Para paciente com suspeita de neurossífilis, deve-se, além dos testes sorológicos, proceder à coleta de líquor e analisar o VDRL, testes treponêmicos e quimiocitológico da amostra. Se o VDRL /teste treponêmico for positivo e a celularidade estiver aumentada (> 5 células/mm3), deve-se proceder ao tratamento específico para neurossífilis. Não há relatos de Treponema pallidum resistente à penicilina, sendo este antibiótico a droga de escolha para seu tratamento. Para sífilis primária, deve-se usar Penicilina Benzatina 2.400.000 UI intramuscular dose única (1.200.000 UI em cada nádega) Para sífilis secundária e precoce, deve-se usar Penicilina Benzatina 2.400.000 UI intramuscular uma vez por semana durante duas semanas consecutivas (1.200.000 UI em cada nádega) – dose total de 4.800.000 UI. Para sífilis terciária e tardia, que não neurossífilis, deve-se usar Penicilina Benzatina 2.400.000 UI uma vez semana durante três semanas consecutivas (1.200.000 UI em cada nádega) – dose total de 7.200.000 UI. Para neurossífilis, o tratamento deve ser Penicilina Cristalina 18 a 24 Milhões unidades por dia, divididos de 3 a 4 Milhões de unidade a cada 4 horas por 17 dias. Para pacientes alérgicos à penicilina, excluindo-se neurossífilis: • Doxiciclina 100 mg via oral de 12/12h por 14 dias ou • Azitromicina 500 mg via oral uma vez ao dia por 10 dias ou • Ceftriaxona 500 mg endovenoso ou intramuscular uma vez ao dia por 10 dias Para pacientes alérgicos à penicilina, tratamento para neurossífilis: • Doxiciclina 200 mg via oral de 12/12 horas por 28 dias ou • Ceftriaxona 2 g endovenoso ou intramuscular uma vez ao dia por 14 dias 381 DOENÇAS INFECCIOSAS E PARASITOSES | Como eu trato O diagnóstico sorológico baseia-se fundamentalmente em testes não treponêmicos (ou seja, teste da cardiolipina, que não é específica do Treponema, e pode estar positiva em diversas outras doenças), e reações treponêmicas (específicas para o Treponema). O teste não treponêmico mais utilizado é o VDRL, que se baseia na aglutinação de hemácias em amostras consecutivamente diluídas e visualizadas pelo microscópio, e que é usado como teste de triagem no diagnóstico sorológico, e no seguimento do paciente após o tratamento inicial. As reações treponêmicas são exames que medem imunoglobulinas dirigidas contra o Treponema, e estes são mais específicos, confirmando o diagnóstico, portanto, quando o VDRL se apresenta positivo. Porém, uma vez positivos, ficarão assim para o resto da vida do paciente e, em reinfecções posteriores, não servirão de parâmetro para o diagnóstico, tendo-se então que usar o VDRL como diagnóstico e seguimento. Referências: 1. Doenças Infecciosas e Parasitárias; Ministério da Saúde, 8° edição, 2010. 2. UK National Guidelines on the Management of Syphilis 2008; M Kingston,P French, B Goh, P Goold, S Higgins, A Sukthankar, C Stott, A Turner, C Tyler, H Young. International Journal of STD & AIDS 2008; 19: 729–740. DOENÇAS INFECCIOSAS E PARASITOSES | Como eu trato 382 Dr. Ivan L. A. França e Silva (CRM 93300) Dra. Alice Tung Wan Song (CRM 104964) Dra. Barbara Silva de Sousa (CRM 114489) Dra. Beatriz Quental Rodrigues (CRM 107773) Dr. Hermes Ryoiti Higashino (CRM 112060) Varicela Introdução: A infecção primária pelo vírus varicella-zoster causa a varicela ou catapora, uma doença autolimitada em crianças saudáveis. Pode ser uma doença grave em pacientes imunodeprimidos, gestantes e adultos. A varicela pode causar complicações, como infecção de partes moles, pneumonia, hepatite, encefalite e Síndrome de Reye. O uso do Aciclovir no tratamento da varicela dependerá do hospedeiro, do tempo de apresentação da doença e da presença de outras comorbidades. • Crianças É indicado Aciclovir oral 20mg/kg – 4 vezes/dia durante 5 dias nos seguintes casos: -crianças maiores de 12 anos de idade; - caso secundário intradomiciliar (doença mais severa que nas infecções primárias); -história de doença cutânea ou cardiopulmonar crônicas, visto que a infecção bacteriana secundária pode ser grave; -uso crônico ou intermitente de corticoide oral ou inalatório; -uso crônico de salicilatos, pelo risco aumentado de Síndrome de Reye. • Adultos - Pacientes adultos apresentam risco aumentado de complicações, principalmente pneumonia pelo vírus. Outras complicações incluem encelatite, hepatite e falência hepática; - Indicamos iniciar até 24 horas após o início dos sintomas o uso de Aciclovir 800mg via oral 5 vezes/dia durante 5 dias. •Pacientes imunodeprimidos - Iniciar Aciclovir endovenoso na dose de 10mg/kg a cada 8 horas, durante 7 dias no mínimo, mesmo se ultrapassadas 24 horas do início dos sintomas. •Pacientes imunocompetentes com complicações - Pacientes com pneumonia, encefalite ou hepatite devem receber Aciclovir endovenoso 10/mg/kg a cada 8 horas durante 7 dias, no mínimo 383 DOENÇAS INFECCIOSAS E PARASITOSES | Como eu trato Tratamento: • Sintomático Podem ser usados anti-histamínicos sistêmicos para aliviar o prurido, que é intenso. Para febre pode ser usado paracetamol ou dipirona. Não usar ácido acetilsalicílico pelo risco de Síndrome de Reye. • Terapia antiviral Aciclovir, um análogo de nucleosídeo, é uma terapia efetiva e bem tolerada em pacientes saudáveis e em pacientes imunodeprimidos. Dr. Leonardo Victor Barbosa Pereira (CRM 94871) Dr. Américo Lourenço C. Neto (CRM 74761) Dr. Érico Souza Oliveira (CRM 104310) Dr. Roberto T. Betti (CRM 29857) Dr. Pedro R. Chocair (CRM 13500) Crise addisoniana ENDOCRINOLOGIA | Como eu trato 384 Entre os textos apresentados no “Como eu trato”, há os que se referem aos distúrbios eletrolíticos, de autoria do Dr. Américo L. Cuvello Neto, cuja leitura nós recomendamos. Diante de um paciente com grave distúrbio eletrolítico, impõe-se tratamento imediato, pois, como sabemos, não se pode perder tempo. Após a remoção da emergência médica, torna-se obrigatória a pesquisa da causa do problema. Nós apresentaremos a evolução de uma paciente com Crise Addisoniana que chegou ao pronto socorro do Hospital Alemão Oswaldo Cruz com hiponatremia e hiperpotassemia graves, desidratada, nauseada, hipotensa e com intensa prostração. Após as medidas corretivas desses distúrbios que ameaçaram seriamente a vida da paciente, conseguimos definir o diagnóstico de Síndrome Poliglandular Autoimune tipo 2, também chamada doença de Schmidt (insuficiência adrenal e doença tireoidiana autoimunes), cujos detalhes serão apresentados. É oportuno assinalar que estudo recente (1) mostrou que 30% das mulheres e 50% dos homens com insuficiência adrenal foram diagnosticados nos primeiros seis meses do início dos sintomas. Vinte por cento dos pacientes sofreram mais de cinco anos antes que se fizesse o diagnóstico. Além disso, quase 70% dos pacientes consultaram três médicos e, em 68% das vezes, o primeiro diagnóstico foi equivocado. Tudo isso se deve aos sintomas inespecíficos; mas devemos ficar atentos para esse diagnóstico, que não é tão raro e, uma vez feito, é de fácil manuseio terapêutico. RELATO DE CASO – Clínica Médica do Hospital Alemão Oswaldo Cruz Paciente DBCS, sexo feminino, 38 anos, admitida no pronto socorro devido a quadro de adinamia e fraqueza muscular importantes, sintomas agravados nas últimas semanas, com piora nos últimos dois dias. Negava febre, sintomas respiratórios ou gastrointestinais. Tinha antecedente de hipotireoidismo e fazia uso regular de levotiroxina. Referiu, na internação, ter sido feito diagnóstico de citomegalovirose aguda dois meses antes da internação em viagem ao Chile. Negava alterações menstruais e não apresentou gestações. Ao exame físico no pronto atendimento a paciente se encontrava bastante debilitada, nauseada, com pressão arterial de 90x50 mmhg, pulso regular de 100 bpm. Os exames laboratoriais colhidos imediatamente após a chegada ao pronto socorro mostraram hiponatremia e hiperpotassemia graves. O eletrocardiograma tinha alterações típicas de hiperpotassemia, com onda T apiculada e QRS alargado. Foi imediatamente medicada com soro fisiológico, solução polarizante e bicarbonato de sódio. Em seguida, providenciamos sua transferência para a UTI, onde se deu sequencia ao tratamento corretivo das alterações hidroeletrolíticas. Diante de hiponatremia e hiperpotassemia acentuadas, ausência de vômitos, diarreia e uso de diuréticos, associadas à evidente hiperpigmentação cutânea e mucosa, levantou-se, de imediato, a hipótese diagnóstica de Doença de Addison. Após coleta dos exames laboratoriais para comprovação diagnóstica, iniciamos o tratamento com hidrocortisona e fludrocortisona. A ressonância magnética de abdome não evidenciou alterações morfológicas das suprarrenais. Após hidratação, correção das alterações eletrolíticas e início de esteroides, ocorreu plena recuperação clínica, com desaparecimento de toda a sintomatologia, e a paciente recebeu alta hospitalar seis dias após a internação. Abaixo, os principais exames laboratoriais da paciente colhidos durante a internação: Exames hormonais Outros exames de autoimunidade Sorologias Na 112 138 K 8,4 4,0 Cr 0,99 0,85 HCO3 18 Glicemia 133 80 ACTH: > 1250 (VR até 46 pg/ml) Cortisol: 4,9 (VR: 5,4 a 25 mcg/dl) TSH: 11 (VR: 0,45 a 4,5 mUI/L) T4 livre: 1,4 (0,6 a 1.3 ng/dl) Peptídeo C: 1,73 (VR: 1,1 a 4,4 ng/ml) Antitiroglobulina: 432 (VR: < 60 U/ml) Antiperoxidase Tireoidiana: 619 (VR: < 9 U/ml) Anticorpo Antiadrenal: 1/40 (VR: inferior a 1/10) FAN: negativo Fator Reumatoide: negativo C4: 18 (VR: 10 a 38 mg/dl) C3: 78 (VR: 67 a 149 mg/dl) Hepatite B, C, Sífilis e HIV negativas DISCUSSÃO: Os exames laboratoriais da paciente confirmaram o diagnóstico de insuficiência adrenal secundária à Doença de Addison de etiologia autoimune, associada a hipotireoidismo também de natureza autoimune, como se pode observar pela presença de anticorpos antitireoide e antiadrenal. A gravidade das alterações caracterizou o diagnóstico de crise Addisoniana, que pode ocorrer após período variável da doença, como no caso apresentado, ou ser de aparecimento súbito pós-infecção ou hemorragia adrenal. Como dissemos, as causas mais comuns de insuficiência adrenal primária em adultos têm etiologia autoimune, respondendo por 70 a 90% dos casos. Entre outras causas que devem ser investigadas estão as infecciosas, como tuberculose e HIV, por infiltração tumoral, hemorragia adrenal e drogas. No caso específico da nossa paciente, a associação de Doença de Addison com hipotireoidismo pós-tireoidite de Hashimoto, ambas causadas por autoanticorpos, caracterizou a Síndrome Poliglandular Autoimune do tipo 2, também chamada síndrome de Schmidt (tipo mais comum), que pode ser autossômica dominante, recessiva ou poligênica. Diabetes tipo 1 é observada em 50% dos casos. O tratamento dessas complicações baseia-se na reposição hormonal das glândulas insuficientes com resolução de todos os sintomas associados. 385 ENDOCRINOLOGIA | Como eu trato Data 12/05 - admissão 18/05 - alta Com frequência, as manifestações clínicas são vagas e inespecíficas, como fadiga, sudorese, perda de peso, vitiligo, cansaço, principalmente ortostático, o que dificulta o diagnóstico. Entre essas manifestações, podemos ter sintomas preferencialmente de ordem psiquiátrica, caracterizados por distúrbios do humor, do comportamento e até psicose (2). Em conjunto, os sinais e sintomas não são característicos, mas a hiperpigmentação cutânea e mucosa associada nos faz pensar, como fez no caso ora apresentado, em Addison, e o diagnóstico se confirma pelas dosagens hormonais. É sempre oportuno ter me mente que a doença de Addison não é tão rara, pois, em países desenvolvidos, sua prevalência é da ordem de 110 a 144 casos por milhão de pessoas (3). A reposição com glico e mineralocorticoides, além da levotiroxina para o hipotireoidismo, constitui a base terapêutica dos portadores da síndrome poliglandular tipo 2. Nossa paciente, revista quatro meses depois da internação, sob uso de prednisona (5 mg/dia) e acetato de fludrocortisona (0,2 mg/dia), encontrava-se totalmente assintomática, com eletrólitos normais, euglicêmica, função renal normal, sem hipotensão postural, com melhora da hiperpigmentação, manifestação que foi espontaneamente referida e enfatizada pela paciente. Referências: 1- Bleicken B, Hahner SS, Ventz M et al. Delayed diagnosis of adrenal insufficiency is common: a cross-sectional study in 216 patients. Am J Med Sci 2010; 339 (6): 525-31. 2- Anglin RE, Rosebush PI, Mazurek MF. The neuropsychiatric profile of Addison´s disease: revisiting a forgotten phenomenon. J Neuropsychiatry Clin Neurosci 2006; 18 (4): 450-9. 3- Betterle C, Morlin L. Autoimmune Addison´s disease. Endocr Dev 2011; 20: 161-72. ENDOCRINOLOGIA | Como eu trato 386 Dr. Roberto Betti (CRM 29857) Diabetes descompensado Os sintomas clínicos mais comuns são a poliúria, polidipsia, náuseas e vômitos, dor abdominal e, finalmente, coma, sobretudo, quando ocorre hiperosmolaridade sanguínea. Os achados laboratoriais mais comuns são a glicemia > 250 mg/dl, pH inferior ou igual a 7,3, bicarbonato sérico igual ou menor a 15 mEq/l e graus variados de cetonemia. Em relação ao coma hiperosmolar, torna-se preocupante quando a glicemia é maior que 600 mg/ dl e a osmolaridade sérica, maior que 320 mOsm/kg. Tratamento 1- Reposição de líquidos e eletrólitos: Infusão salina isotônica de NaCl a 0,9%, em média 15 a 20 ml/kg na primeira hora. A escolha da solução subsequente vai depender dos eletrólitos séricos e da diurese. No coma hiperosmolar, que geralmente evolui com sódio elevado (> 150 mEq/l) , deve-se infundir solução salina hipotônica de NaCl a 0,45% de 10 a 14 ml/kg/h. Com o débito urinário normal, iniciar após a primeira hora a infusão de 10 a 15 mEq/l de KCl a 19,1% por hora, e manter o potássio sérico entre 4 e 5 mEq/l. 2- Insulinoterapia: Deve-se iniciar a insulina se o potássio estiver maior que 3,3 mEq/l, devido ao risco de arritmia associada à hipocalemia. Nos casos mais graves, deve-se iniciar a infusão intravenosa de insulina regular com média de 0,1 u/kg/h. A insulina subcutânea e intramuscular deve ser usada nos casos mais leves. É importante que a glicemia seja corrigida gradualmente e, como consequência, a hiperosmolaridade também, com a finalidade de prevenir o edema cerebral clínico, principalmente em jovens. Quando a glicemia atingir 250 mg/dl na correção da cetoacidose diabética e de 300 mg/dl na correção do coma hiperosmolar, e o paciente ainda não tiver condições de se alimentar, torna-se necessário administrar soro glicosado a 5% associado à insulina IV, ou SC a cada quatro horas até a resolução do processo. 3- Bicarbonato: É prudente o uso de bicarbonato em baixas doses quando o pH for inferior ou igual a 7, com hipercalemia grave. A 387 ENDOCRINOLOGIA | Como eu trato As duas complicações agudas mais graves, tanto no diabetes mellitus do tipo 1, quanto no tipo 2, são a cetoacidose diabética e o coma hiperosmolar. Os estados infecciosos são as causas mais frequentes, principalmente as pneumonias e as infecções do trato urinário. Outras causas importantes são o acidente vascular encefálico, ingestão excessiva de álcool, pancreatite aguda e infarto agudo do miocárdio. dose é de 50 mEq de bicarbonato de sódio IV, se o pH estiver entre 6,9 e 7, e 100 mEq se o pH for menor que 6,9. 4- Fosfato: Durante a terapia da cetoacidose diabética, pode ocorrer uma hipofosfatemia leve, que não necessita ser tratada. Recomenda-se o tratamento quando houver manifestações clínicas graves, como insuficiência cardíaca congestiva, insuficiência respiratória aguda e outras condições associadas à hipóxia. Referências: 1- Kitabchi AE, Murphy MB, Umpierrez GE et al. Hyperglycemic crisis in adult patients with diabetes. Diabetes Care. 2006; 29(12): 2739-48. 2- Kitabichi AE, Umpierrez GE, Fisher JN et al. Thirty years of personal experience in hyperglycemic crisis: diabetic ketoacidosis and hyperglycemic hyperosmolar state. J.Clin Endocrinol Metab. 2008; 93: 1541-52. 3- Diretrizes da Sociedade Brasileira de Diabetes, 2009. Sociedade Brasileira de Diabetes. ENDOCRINOLOGIA | Como eu trato 388 Dr. Roberto Betti (CRM 29857) Diabetes Mellitus tipo 1 1- Orientação alimentar: No plano alimentar, deve-se evitar os açúcares refinados, de absorção rápida, com a instituição de uma dieta equilibrada, com 50 a 60% de hidratos de carbono, 15 a 20% de proteínas e 30% de gorduras. Atualmente, a contagem de carboidratos facilita o cálculo da dose de insulina a ser administrada antes das refeições. Em geral, administra-se 1 u de insulina de ação rápida para cada 10 a 20 g de carboidrato. 2- Atividade física: Um programa regular de atividade física proporciona bem-estar emocional, além de ajudar no controle do diabetes, pois, durante a atividade física, a entrada de glicose na célula muscular é facilitada. A atividade física está contraindicada em diabéticos de qualquer idade com glicemia superior a 250 mg/dl. O exercício pode aumentar a incidência de hipoglicemia sem sintomas; portanto, é necessário medir o valor da glicemia antes da atividade física, assim como ajustar a dose de insulina. 3- Insulinoterapia: A insulinoterapia é sempre necessária no tratamento do diabetes mellitus do tipo 1. O tratamento deve visar ao melhor controle glicêmico possível, pois o clássico estudo Diabetes Control and Complications Trial (DCCT) mostrou que o controle intensivo do DM1 reduziu as complicações crônicas de modo expressivo. O tratamento intensivo clássico é o que utiliza duas doses de Insulina NPH (antes do café e antes de dormir), com três doses de insulina regulares antes das refeições. Com o surgimento das insulinas de ação ultrarrápida (lispro, asparte e glulisina), existe a vantagem de se substituir a insulina regular humana, pois estas insulinas mimetizam os picos de insulina relacionados às refeições melhor do que a insulina regular. Além disso, com a contagem de carboidratos, a vida do paciente diabético ficou menos restrita em relação à alimentação. Os análogos de insulina de ação prolongada (glargina e detemir) têm a vantagem de produzir menos hipoglicemia em relação à insulina humana NPH pela diminuição ou ausência de picos de ação dessas insulinas. A insulina glargina pode ser usada uma vez ao dia e a detemir, de uma a duas vezes ao dia. 389 ENDOCRINOLOGIA | Como eu trato O diabetes mellitus do tipo 1 é uma doença crônica caracterizada pela destruição parcial ou total das células beta das ilhotas de Langerhans pancreáticas, que resulta em uma incapacidade progressiva de produzir insulina. O tratamento consiste na orientação alimentar, programa regular de atividade física e na insulinoterapia. Outra opção para o tratamento do diabetes melittus do tipo 1 é a bomba de infusão contínua de insulina. A bomba infunde insulina de um reservatório através de um cateter inserido por meio de uma pequena agulha no subcutâneo. Pode-se usar a insulina regular e os análogos de ação ultrarrápida para infusão pela bomba. Os análogos apresentam vantagens na utilização pelo menor tempo de ação, pico de ação mais precoce, absorção mais previsível e menor risco de obstrução do cateter pela formação de cristais de insulina, quando comparado ao uso de insulina regular. A monitorização intensiva é fundamental, com, no mínimo, três testes ao dia, de preferência antes das refeições. Referências: 1- Liberatore Jr R, Damiani D. Insulin Pump therapy in type 1 diabetes mellitus. J Pediatr (Rio J). 2006; 82(4): 249-254 2- American Diabetes Association. Clinical practice recomendation.Diabetes Care 2009; 32 (suppl.1): S6-S12 3- Diretrizes da Sociedade Brasileira de Diabetes, 2009. Sociedade Brasileira de Diabetes. ENDOCRINOLOGIA | Como eu trato 390 Dr. Luciano R. Giacaglia (CRM 70676) Diabetes tipo 2 A primeira abordagem visa a corrigir os hábitos de vida. Fugindo de conceitos antigos de abolição de carboidratos, preconiza-se uma dieta saudável, proporcional às necessidades calóricas, que inclui porções fracionadas de carboidratos complexos e grande quantidade de fibras vegetais. Isto confere menor índice glicêmico, maior secreção incretínica, saciedade prolongada e melhor perfil da flora bacteriana intestinal, que se tem mostrado determinante na ação insulínica. Restringimos as gorduras como um todo, pois a hiperlipemia pós-prandial é fator de risco para RI, com cuidado especial para as saturadas, as “trans” e o colesterol, pela participação que têm nas doenças cardiovasculares (DCV). Com relação às proteínas, optamos pelas vegetais, como leguminosas e cogumelos, ou fontes animais magras, como peixes e aves, sem excessos. Utilizamos até 3 g de sal ao dia, pois a ativação do sistema renina-angiotensina-aldosterona intensifica a RI. Bebidas alcoólicas devem ser evitadas. A atividade aeróbia de baixo impacto, realizada com frequência (ao menos 5 dias na semana e duração de 40 minutos), é uma das mais eficazes estratégias no controle glicêmico, além de promover liberação de serotonina e dopamina, que reduzem a glicemia e previnem estados depressivos. A complementação com atividade anaeróbia, de baixa carga, ao menos 2 vezes na semana, visa a contrabalancear o efeito catabólico muscular do DM2. Como consenso entre as sociedades médicas mundiais, introduz-se a metformina logo ao diagnóstico. Ela aumenta a sensibilidade insulínica, principalmente hepática, e promove redução moderada de peso. É introduzida aos poucos, minimizando os efeitos adversos, que incluem dispepsia e diarreia. A dose varia de 0,5 a 2,5 g/dia, em até 3 tomadas pós-refeições. Se predomina a hiperglicemia de jejum, administra-se a metformina preferencialmente à noite. Aqueles com redução importante da depuração renal, os hepatopatas e os cardiopatas graves devem evitar a metformina, pelo risco de acidose lática. Embora figurem como segunda opção, as sulfonilureias (SU), que estimulam a secreção pancreática de insulina, associam-se a ganho ponderal, maior risco de hipoglicemia e aceleração da falência β-pancreática. Para elevações glicêmicas pós-prandiais pontuais, podemos utilizar as 391 ENDOCRINOLOGIA | Como eu trato Ao tratar o diabetes tipo 2 (DM2), precisamos conhecer suas bases fisiopatológicas, representadas por: hiperatividade das células α-pancreáticas (com hiperglucagonemia), produção hepática aumentada de glicose, déficit de incretinas, maior lipólise periférica, hipocaptação de glicose muscular, maior reabsorção renal de glicose e disfunção dopaminérgica no hipotálamo, todas associadas à resistência à insulina (RI) e à falência β-pancreática, que surge na evolução da doença. Cerca de 80% dos portadores de DM2 são obesos e muitos apresentam comorbidades micro e macrovasculares, o que acaba influenciando na opção terapêutica, que deve abranger também a dislipidemia, a hipertensão e o tabagismo. É importante salientar que basta uma redução de apenas 5-10% do peso para já observarmos melhoras significativas no controle glicêmico. glinidas, como a nateglinida e repaglinida, embora atuem de maneira semelhante às SU, mas com menor meia vida. Atualmente, os agentes incretínicos vêm sendo cada vez mais utilizados. Os inibidores da enzima DPP-4, representados por vildagliptina, saxagliptina e sitagliptina, são drogas orais que aumentam a meia vida do GLP1, inibindo a liberação de glucagon e estimulando a secreção de insulina pancreática, por vias não apoptóticas, como as SU. Raramente se associam a eventos adversos e não induzem hipoglicemia, necessitando apenas de ajuste da dose nas nefropatias não dialíticas, sendo seguras para idosos. Nos obesos, optamos pelos agonistas de GLP-1, como exenatida e liraglutida, de aplicação subcutânea, que possuem maior potência incretínica que os demais e promovem redução expressiva e sustentada do peso. No entanto, a ocorrência de náuseas é comum com estas drogas, razão pela qual devem ser introduzidas com doses crescentes, até a dose máxima diária de 20 mcg e 1,8 mcg, respectivamente. A pioglitazona é potente sensibilizador da insulina, não associada à hipoglicemia que, além do efeito hipoglicemiante, eleva o HDL-colesterol, reduz os triglicérides e tem efeito regenerativo sobre a célula β-pancreática. Leva a um pequeno ganho de peso, por aumento do depósito adiposo subcutâneo, embora determine redução da adiposidade visceral, razão de seu efeito preventivo nas DCV. É utilizada em dose única oral de 15 a 45 mg/dia. Não deve ser utilizado em nefropatas, hepatopatas e cardiopatas, pois pode promover retenção hídrica e levar a insuficiência cardíaca congestiva. Além disso, está associada a um aumento de fraturas ósseas em mulheres, devendo ser utilizado com cautela naquelas em risco. Em pacientes com elevação glicêmica pós-prandial, a acarbose, que inibe a enzima intestinal α-glicosidase, retarda a absorção enteral de glicose e reduz os picos pós-prandiais. A flatulência, por vezes impeditiva, é o maior efeito adverso desta classe. ENDOCRINOLOGIA | Como eu trato 392 Na presença de falência pancreática e controle insatisfatório com as demais drogas, recorre-se às insulinas subcutâneas, cujos principais efeitos adversos são o ganho de peso e a hipoglicemia, sendo esta última menos frequente com as formas análogas. Em pacientes com hiperglicemia de jejum, pode-se utilizar apenas uma insulina basal, como a glargina, por exemplo, aplicada a qualquer hora do dia, por sua meia vida de 24 horas e sem pico, na dose de 0,15-0,30 U/Kg, ajustando-se a dose pela glicemia de jejum. Estudos demonstram que o uso precoce e temporário de insulina, no momento do diagnóstico, pode restabelecer a função β-pancreática e prolongar a vida útil pancreática. No paciente com falência pancreática total, introduzimos o esquema basalbolus, com introdução de insulinas ultrarrápidas (glulisina, lispro e aspart), além da basal, aplicadas logo antes das refeições. A dose pode ser definida pela fórmula 0,5-0,1 U/Kg/refeição ou conforme a contagem de carboidratos, realizando-se ajustes de acordo com a monitorização capilar pós-prandial. Finalmente, entre as drogas até o momento importadas, dispomos da amilina, que potencializa a ação insulínica e reduz o peso, e agonistas dopaminérgicos de ação prolongada, para o controle glicêmico, pela ação hipotalâmica. O objetivo do tratamento é a obtenção de uma glicemia de jejum inferior a 110 mg/dl e pós-prandial inferior a 160 mg/dl. O controle médio se faz pela medição da hemoglobina glicada (HbA1c) trimestral, com valor ideal abaixo de 6,5%, exceto em idosos ou naqueles com doença de longa data ou com DCV estabelecida, quando valores próximos a 7% são mais seguros. Deve-se também evitar as oscilações glicêmicas, cuja variabilidade deve ser inferior a 50 mg/dl, para não acarretar estresse oxidativo. Referências: 1. Defronzo RA. Banting Lecture: From the triumvirate to the ominous octet: a new paradigm for the treatment of type 2 diabetes mellitus. Diabetes 2009; 58(4):773-95. 2. Nyenwe EA, Jerkins TW, Umpierrez GE, Kitabchi AE. Management of type 2 diabetes: evolving strategies for the treatment of patients with type 2 diabetes. Metabolism 2011; 60(1):1-23 3. Stolar MW. Defining and achieving treatment success in patients with type 2 diabetes mellitus. Mayo Clin Proc 2010; 85:S50-9. Dr. Fábio Luiz de Menezes Montenegro (CRM 69526) Dr. Anói Castro Cordeiro (CRM 7417) Hiperparatireoidismo O QUE É HPT? No presente texto conceitua-se HPT, de forma simplificada, por um estado de secreção excessiva do paratormônio (PTH), com consequências metabólicas. Entenda-se por HPT primário a condição de secreção excessiva, cuja causa é intrínseca à paratireoide. O HPT secundário é aquele decorrente da reposta a um estímulo metabólico prévio (por exemplo, hipocalcemia, deficiência de vitamina D, hiperfosfatemia). O HPT terciário corresponde ao desenvolvimento de autonomia da paratireoide em um HPT secundário. Do ponto de vista prático, considerando que a causa mais comum de HPT secundário é a doença renal crônica, ele equivalerá nesta exposição ao HPT do doente renal crônico dialítico. O HPT terciário será o encontrado no indivíduo com transplante renal bem-sucedido, com persistência do HPT após o enxerto renal. QUANDO O INDIVÍDUO COM HPT PRIMÁRIO PRECISA SER OPERADO? Até a redação desse texto, o único tratamento definitivo do HPT é o tratamento cirúrgico. Quando se documenta lesão em órgão-alvo (osteoporose, cálculo renal, crise hipercalcêmica), a abordagem cirúrgica está formalmente indicada. Em indivíduos supostamente assintomáticos, as indicações aceitas para o procedimento são prejuízo à função renal (com depuração de creatinina inferior a 60 mL/min.), o nível de cálcio total superior a 1 mg/dL o limite máximo da normalidade estabelecido para o método, a incapacidade de seguimento clínico ou idade do indivíduo inferior a 50 anos. QUE EXAMES DE IMAGEM SÃO POTENCIALMENTE ÚTEIS NO HPT PRIMÁRIO? Dadas as possíveis ectopias da glândula paratireoide, o uso de exames de imagem para sua localização préoperatória é inquestionável em doentes com HPT persistente ou que já tiveram uma operação no compartimento central, por outro motivo qualquer. Durante muitos anos afirmou-se que não era necessário nenhum exame de localização antes da primeira 393 ENDOCRINOLOGIA | Como eu trato Antes de comentar como tratamos o hiperparatireoidismo (HPT), convém recapitularmos os conceitos de HPT primário, HPT secundário e HPT terciário. exploração cervical por HPT primário. Esse conceito já mudou na maior parte do mundo. O exame mais sensível para a localização de paratireoides doentes é a cintilografia de paratireoides como MIBI. Ele pode ser útil para apontar a glândula doente. Algumas considerações práticas: 1. Em imagens planares, nem toda imagem que pode sugerir a paratireoide inferior é segura. Por vezes, a área de projeção da paratireoide superior dá-se na altura do polo inferior da tireoide; 2. A observação de uma única área de captação não garante que esta seja a única glândula doente; 3. Em imagens com concentração no mediastino, convém esclarecer se a área está no mediastino anterior (timo), médio (raro) ou posterior (muito raro), pois os acessos cirúrgicos podem muito diferentes; 4. Exame de MIBI negativo não contraindica a operação. A ultrassonografia pode ajudar a visualizar a paratireoide doente (geralmente as inferiores). Ela pode sugerir paratireoide intratireoidea ou ainda alertar para doença tireoidea concomitante, que demande tratamento cirúrgico (por exemplo, câncer de tireoide). Outros exames de imagem podem ser pedidos, dependendo dos achados prévios. QUAL É A EXTENSÃO DA PARATIREOIDECTOMIA NO HPT PRIMÁRIO? Em doentes com HPT primário esporádico, pode ser proposta a PARATIREOIDECTOMIA SELETIVA, iniciando-se a operação com foco na glândula sugerida pelo método de imagem. Caso seja utilizada dosagem intraoperatória rápida do PTH e observe-se, após 10 minutos da retirada da paratireoide suspeita, uma queda superior a 50% no nível do PTH, há grande possibilidade de resolução do distúrbio metabólico, sem necessidade de explorar as outras glândulas. Em casos selecionados e com o consentimento do paciente, pode-se optar pela PARATIREOIDECTOMIA SELETIVA sem o uso do PTH rápido. ENDOCRINOLOGIA | Como eu trato 394 Caso não haja queda efetiva do PTH ou o doente necessite de tireoidectomia total concomitante, realiza-se a EXPLORAÇÃO BILATERAL DAS PARATIREOIDES. Caso seja encontrado outro adenoma, ele deve ser retirado. Tratamos como hiperplasia quando três ou mais glândulas estão macroscopicamente alteradas e empregamos a paratireoidectomia total com autoimplante imediato. Em pacientes com Neoplasia Endócrina Múltipla do tipo 1, os tratamentos do HPT aceitáveis são a paratireoidectomia subtotal ou a total com autoimplante imediato. Em qualquer uma delas, recomenda-se a timectomia profilática e, se possível, criopreservação de parte do tecido. QUAL É A EXTENSÃO DA PARATIREOIDECTOMIA NO HPT SECUNDÁRIO E TERCIÁRIO? Em geral, o achado é de doença multiglandular. Ainda que haja aumento assimétrico, as operações mais recomendadas são a paratireoidectomia subtotal ou a total com autoimplante imediato e, se possível, criopreservação de parte do tecido. Referências: 1. Bilezikian JP, Khan AA, Potts JT Jr. Third International Workshop on the Management of Asymptomatic Primary Hyperthyroidism. Guidelines for the management of asymptomatic primary hyperparathyroidism: summary statement from the third international workshop. J Clin Endocrinol Metab. 2009; 94(2): 335-9. 2. Mihai R, Barczynski M, Iacobone M et al. Surgical strategy for sporadic primary hyperparathyroidism an evidence-based approach to surgical strategy, patient selection, surgical access, and reoperations. Langenbecks Arch Surg. 2009; 394(5): 785-98. 3. Suliburk JW, Sywak MS, Sidhu SB et al. 1000 minimally invasive parathyroidectomies without intra-operative parathyroid hormone measurement: lessons learned. ANZ J Surg. 2011; 81(5): 362-5. 4. Coutinho FL, Lourenço DM Jr, Toledo RA et al. Bone mineral density analysis in patients with primary hyperparathyroidism associated with multiple endocrine neoplasia type 1 after total parathyroidectomy. Clin Endocrinol (Oxf). 2010; 72(4): 462-8. 5.Triponez F, Clark OH, Vanrenthergem Y et al. Surgical treatment of persistent hyperparathyroidism after renal transplantation. Ann Surg. 2008; 248(1): 18-30. Dr. Gerson da Silva Rodrigues (CRM 33630) Dr. Sergio Gonçalves (CRM 122007) Manuseio dos nódulos tireoidianos Os fatores pertinentes da história clínica com preditivos de malignidade são principalmente: história de câncer de tireoide em um ou mais parentes de primeiro grau, exposição à radiação ionizante da cabeça e/ou do pescoço na infância e adolescência ou síndrome de neoplasias endócrinas múltiplas na família (NEM tipo 2 ou carcinoma medular de tireoide familiar associado à mutação do protoncogene RET). Alguns sinais e sintomas encontrados no exame físico do paciente podem sugerir a presença de malignidade, tais como: rouquidão (paralisia de prega vocal), linfonodomegalia cervical, crescimento rápido do nódulo tireoidiano, fixação do nódulo nos tecidos vizinhos e disfagia. A USG é o exame de imagem indicado para a avaliação inicial dos nódulos tireoidianos. Deve-se realizar a avaliação ultrassonográfica completa da região cervical em busca de linfonodomegalias associadas à presença de nódulos tireoidianos. Sempre que possível, deve-se realizar a USG com doppler para avaliar o padrão de vascularização do nódulo. Nódulos com padrão de vascularização central são suspeitos de malignidade. Outras características ultrassonográficas que merecem atenção: nódulos hipoecoicos, com microcalcificações, sem halo, irregulares e espongiformes. 395 ENDOCRINOLOGIA | Como eu trato Os nódulos tireoidianos são um problema clínico comum. Estudos epidemiológicos americanos mostram uma prevalência de nódulos tireoidianos palpáveis em 5% das mulheres e 1% dos homens que vivem em condições onde haja suficiência de iodo. Esse índice aumenta com a utilização da ultrassonografia (USG) como método de rastreamento, pelo qual detectamos até 67% dos indivíduos avaliados com nódulos na tireoide, em estudos prospectivos, multicêntricos e randomizados. A importância clínica do estudo dos nódulos tireoidianos é baseada na ocorrência do câncer de tireoide, que pode acometer de 5 a 15% dos pacientes com nódulos, dependendo de fatores como: idade, sexo, história de exposição à radiação ionizante na infância e adolescência e história familiar de câncer de tireoide. Estudos feitos nos Estados Unidos mostram um aumento na incidência dessa neoplasia, observando-se um incremento de 100% nos últimos trinta anos. Temos verificado fato semelhante em nossos pacientes. É comum recebermos pacientes “triados” por meio de exames ultrassonográficos realizados como forma de rastreamento dos nódulos de tireoide, por clínicos, gastroenterologistas, ginecologistas, entre outros. Atualmente, em nossa clínica privada, aproximadamente 70% dos pacientes com nódulos de tireoide chegam até nós oriundos da avaliação feita por esses especialistas. Deve-se realizar a avaliação da função tireoidiana por dosagem dos hormônios TSH e T4 livre. A cintilografia pode estar indicada em situações específicas (ver Algoritmo). A punção por agulha fina (PAAF) guiada por USG e a análise citopatológica do aspirado podem definir a natureza do nódulo avaliado. A PAAF é o mais acurado e efetivo método de avaliação de nódulos tireoidianos. Há indicação de PAAF nos casos sumarizados na tabela abaixo, que contemplam a maioria das situações clínicas possíveis e garantem um uso racional do exame. Se a PAAF é negativa para neoplasia ou o nódulo em questão não é elegível para o exame deve-se acompanhar esses pacientes com exames clínicos e USG periódicos (semestrais). Quando o tamanho do nódulo se mantém estável nas avaliações subsequentes, ou seja, não há aumento de 50% em relação ao volume inicial, esse seguimento pode ser anual. Caso contrário, pode haver necessidade de nova avaliação citopatológica com PAAF guiada por USG. Não é recomendada a terapia supressiva hormonal nos nódulos benignos da tireoide. Mesmo nos nódulos tireoidianos benignos há situações em que a cirurgia pode ser indicada: bócio mergulhante, desvio de traqueia com sintomas compressivos (disfagia, odinofagia e dispneia), hipertireoidismo com intratabilidade clínica ou de grande volume glandular e queixas estéticas relacionadas ao tamanho do nódulo tireoidiano. ENDOCRINOLOGIA | Como eu trato 396 Referência: 1.Cooper DS, Doherty GM, Haugen BR, et al. Revise American Thyroid Association management guidelines for patients with thyroid nodules and differentiated thyroid Cancer. Thyroid 2009; 19(11): 1167-214 ENDOCRINOLOGIA | Como eu trato 397 Dr. Fábio Batista (CRM 87665) Pé Diabético ENDOCRINOLOGIA | Como eu trato 398 Relevância e Breve Revisão do Tema O Pé Diabético, principal causa de amputação do membro inferior (risco de 15 a 40 vezes maior), mais do que uma complicação do Diabetes, deve ser considerado como uma situação clínica bastante complexa, que pode acometer os pés e tornozelos de indivíduos portadores de Diabetes Mellitus. Assim, pode reunir características clínicas variadas, tais como alterações da sensibilidade dos pés, presença de feridas complexas, deformidades, limitação da mobilidade articular, infecções e amputações, entre outras. A abordagem deve ser especializada e contemplar um modelo de atenção integral (educação, qualificação do risco, investigação adequada, tratamento apropriado das feridas, cirurgia especializada, aparelhamento correto e reabilitação global), objetivando a prevenção e a restauração funcional da extremidade1,3,6,13. Dados epidemiológicos demonstram que o Pé Diabético é responsável pela principal causa de internação do portador de Diabetes. A Organização Mundial de Saúde reconhece que a saúde pública se depara com um sério problema em relação ao Diabetes. A previsão para o ano de 2025 é de mais de 350 milhões de portadores de Diabetes. Destes, pelo menos 25% vão ter algum tipo de comprometimento significativo nos seus pés. Atualmente, estima-se que, mundialmente, ocorram duas amputações por minuto às custas do Pé Diabético, sendo que 85% destas são precedidas por úlceras1,6. Conceitos Importantes Mal Perfurante Plantar Mal perfurante plantar é uma complicação podal caracterizada por uma úlcera profunda e crônica, gerada em decorrência da alteração da sensibilidade ou perda da sensibilidade protetora dos pés (neuropatia periférica), associada ao trauma repetitivo. Isto leva a uma ruptura dos tecidos moles e à formação de uma lesão característica, que pode ou não ter comunicação com a cavidade ósteo-articular. O risco de se desenvolver úlcera no Pé Diabético em alguma época da vida é de 15%, e uma em cada cinco úlceras resulta de falhas de atendimento. O manejo deve ser especializado, feito por uma equipe multidisciplinar treinada, com cirurgião de tornozelo e pé familiarizado com o contexto de prevenção e tratamento do pé diabético, endocrinologistas, nutricionistas, enfermeiras, educadores em Diabetes, que visem não só o manejo do mal perfurante plantar, mas o equilíbrio total das condições clínicas coadjuvantes encontradas no indivíduo portador de Diabetes6. Artropatia de Charcot A Artropatia de Charcot é considerada uma complicação bastante grave no portador de Diabetes. Os típicos pacientes portadores da Artropatia de Charcot são indivíduos que se apresentam com Diabetes de longa duração, sobrepeso, pés insensíveis, entre a quinta e a sétima décadas de vida e que, comumente, demonstram deformidades graves e tentativas desorganizadas de remodelação óssea, associadas ou não a úlceras ou infecções (risco elevado de ablação da extremidade). Segundo a nossa recomendação, que condiz com a recomendação de grandes centros mundiais especializados no tratamento do Pé Diabético, na eventual hipótese de Artropatia de Charcot, o paciente deve ser encaminhado a um profissional especializado, sem demora, para que o tratamento efetivo seja instituído de forma integral e adequada7,8,13. Tratamento Academicamente, os Pés Diabéticos são divididos em neuropáticos, angiopáticos ou mistos. Os pés neuropáticos correspondem 65% a 80% dos casos. Assim, a estratégia terapêutica ortopédica é apoiada em cinco grandes grupos conforme suas características clínicas sindrômicas: Pé Diabético com Ferida, Pé Diabético sem Ferida, Pé de Charcot, Pé Diabético Séptico e Condições Especiais (amputados parciais com deformidade de coto e úlcera; fraturas do pé e tornozelo de diabéticos; indivíduos em estágio final de doença renal; transplantados; extremidades angiopáticas não revascularizáveis e não passíveis de intervenção endovascular associadas a úlcera, deformidade e pobre qualidade funcional; entre outras). Pé Diabético sem Ferida: Este cenário talvez concentre o maior número de equívocos identificados no manejo do Pé Diabético, no qual inúmeras vezes nos deparamos com pés não funcionais sendo orientados à programas fisioterápicos ou ao uso de palmilhas e calçados ditos para diabéticos. O Pé Diabético sem ferida necessita ser minuciosamente investigado e avaliado, buscando-se correlacionar os achados clínicos peculiares a este contexto a outras condições biomecânicas, sejam elas do aparelho locomotor apendicular ou axial, que possam influenciar nas alterações funcionais precursoras de novas lesões, no aumento do gasto energético e nos prejuízos com a qualidade da marcha. Assim, após a categorização apropriada do risco, para os pés sem ferida e funcionais, fica sugerido pelo médico assistente o uso de órteses e calçados apropriados, sendo que, em alguns casos, há necessidade do aparelhamento individualizado e ajustado. Para os pés não funcionais, a cirurgia do pé nas mãos de profissionais treinados para este conteúdo passa a ser a opção conservadora e mais adequada, visando à restauração funcional, a diminuição da recorrência de lesões, a diminuição dos índices de amputação e a possibilidade do melhor aparelhamento ortésico possível1,3,6,12,13. Artropatia de Charcot: O tratamento deve ser individualizado e pode reunir técnicas conservadoras, seja por meio de ortetização apropriada, controle metabólico do Diabetes, uso de neuro-imunomoduladores, bifosfonados sistêmicos e calcitonina intranasal, ao manejo cirúrgico oportuno e especializado por meio de reconstrução ou realinhamento articular, utilizando-se de placas e parafusos, hastes intramedulares ou fixadores externos. O período pós-operatório é bastante criterioso, frequentemente utilizando-se gesso de contato total e órteses tipo Clam Shell ou CROW, e exige do paciente, dos familiares e do cirurgião grande cumplicidade, disciplina e interatividade. O objetivo ao final do manejo é a obtenção de um pé plantígrado, estável, funcional, livre de lesões 399 ENDOCRINOLOGIA | Como eu trato Pé Diabético com Ferida: Os cuidados locais, de forma bastante sucinta, requerem o manejo da lesão com o desbridamento dos tecidos desvitalizados, o tratamento avançado de meio úmido da ferida, por meio de soluções de cobertura (curativos primários) que interajam com a personalidade da ferida em cada momento de seu estágio evolutivo cicatricial (conceito TIME: tipo de tecido, infecção/exsudato, umidade e perilesão), instrumentos ortésicos que facilitem a descarga da lesão e que não permitam que o portador do mal perfurante plantar pise literalmente na ferida (gesso de contato total, órteses bivalvadas sob molde, sandálias de cicatrização) e, eventualmente, cirurgia especializada reconstrutiva e/ou profilática, que deve ser feita com o intuito de proporcionar o fechamento de uma lesão complicada com infecção profunda, ou com o intuito de proporcionar que a lesão crônica, uma vez cicatrizada, não volte a ocorrer, melhorando substancialmente a biomecânica da marcha, a distribuição da pressão plantar e a qualidade de vida dos pacientes. Considerar biópsia óssea das lesões crônicas profundas e que não evoluem para a cicatrização, bem como biópsia das lesões de partes moles com apresentação clínica incomum e que também não evoluem para cicatrização, apesar do controle de todas as variáveis clínicas3,5,6,9,10,11,12,13. e que possa ser aparelhado, sob molde, de forma satisfatória6,7,8,12,13. Pé Diabético Séptico: A infecção no Pé Diabético deve ser considerada como uma situação urgencial ou mesmo emergencial. O manejo intra-hospitalar muitas vezes se faz necessário. O ponto crucial no tratamento deve ser o desbridamento cirúrgico agressivo de tecidos desvitalizados. A tomada de material profundo para cultivo, administração de antibioticoterapia de amplo espectro (empírico inicialmente e posteriormente ajustado à cultura e antibiograma), eventual técnica coadjuvante no processo de cicatrização (evidência clínica e científica comprovada para este cenário) que acelere a formação do tecido de granulação, proporcionando com mais rapidez a cobertura de tecidos nobres sem que eles se desvitalizem, além de um bom suporte clínico, frequentemente complementam a ação terapêutica4,5,6,9,13. Cenários Combinados e Especiais: Neste contexto, várias combinações de procedimentos se fazem necessários. Desde rebalanceamento miotendíneo de cotos de amputação parcial não fisiológicos e não anatômicos; passando por cirurgias percutâneas e minimamente invasivas para indivíduos considerados de alto risco; osteossíntese rígida e pós-operatório diferenciado nas fraturas do diabético; manejo orto-protésico repleto de detalhamento técnico-científico, sempre prescrito e monitorado pelo médico assistente; e eventualmente, em situações especiais, amputação primária dita fisiológica com coto anatômico-funcional, além da inserção do indivíduo em um programa de reabilitação global para o diabético2,3,6,7,12,13. Considerações Finais Um verdadeiro “Programa de Prevenção e Tratamento do Pé Diabético” não se restringe à troca de curativos, ao corte adequado das unhas e à sugestão do uso de calçados, nem tão pouco é contemplado por opções terapêuticas isoladas e ditas milagrosas. ENDOCRINOLOGIA | Como eu trato 400 Obrigatoriamente, deve ser um programa extremamente abrangente e complexo, e que necessite de equipe efetivamente treinada, integrada e literalmente comprometida com a saúde e qualidade de vida do indivíduo e da sociedade. Referências 1.Batista F, Pinzur MS. Disease knowledge in patients attending a diabetic foot clinic. Foot & Ankle Int 2005; 26 (1): 38-41. 2. Pinzur MS, Pinto MAGS, Saltzman M, Batista F, Gottschalk F, Juknelis D. Health quality of life in patients with transtibial amputation and reconstruction with bone bridging of the distal tibia and fibula. Foot and Ankle Int, 2006; 27(11): 907-12. 3. Lavery LA et al. Disease management for the diabetic foot – effectiveness of a diabetic foot prevention program to reduce amputations and hospitalizations. Diab Res Clin Pract 2005; 70(1): 31-7. 4. Henke PK et al. Osteomyelitis of the foot and toe in adults is a surgical disease – conservative management worsens lower extremity salvage. Annals of Surgery 2005; 241(6): 885 – 94. 5. Hirsch IB et al. Perioperative management of surgical patients with diabetes mellitus. Anesthesiology 1991; 74: 346 – 59. 6. Richardson EG. Pé Diabético. In: Crenshaw AH, Daugherty K, editors. Cirurgia ortopédica de Campbell. 10a ed. São Paulo: Manole; 2006. v.4. p. 4111-27 [Revisor Científico: Fábio Batista]. 7. Batista, F. Pie de Charcot. In: Martinez-Jesus F, editor. Pie diabético–Atención integral. 3ª ed. Veracruz: McGraw-Hill, 2010. 8. Pinzur MS, Sostak J. Surgical stabilization of nonplantigrade Charcot arthropathy of the midfoot. Am J Orthop 2007; 36: 361-5. 9. Boykin JV. Wound environment: Future trends in clinical wound healing. symposium on advanced wound care & medical research forum on wound repair. Main Conference Syllabus 2006; C16. 10. Eaglstein WH. Wound care an emerging discipline. Wound Care Manual – New Directions in Wound Healing 1990; 1-5. 11. Ovington L. The well-dressed wound : An overview of dressing types. Wounds: A Compendium of Clinical Research and Practice 1998; 10 A. 12. Batista F et al. Cirurgia profilática no pé diabético. Tobillo y Pie 2008; 1(1): 16-9.Batista F. Uma Abordagem Multiprofissional sobre Pé Diabético, 2010 1a. ed, Editora Andreoli, São Paulo, SP, Brasil. 13. Batista F. Uma Abordagem Multiprofissional sobre Pé Diabético, 2010 1a. ed, Editora Andreoli, São Paulo, SP, Brasil Dra.