DEWEY E A FUNÇÃO SOCIAL DA EDUCAÇÃO GALIANI

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DEWEY E A FUNÇÃO SOCIAL DA EDUCAÇÃO
GALIANI, . Claudemir - CEEBJA “Prof. Manoel. R. da Silva” – Maringá –Pr
[email protected]
MACHADO, Maria Cristina Gomes – UEM – Maringá - Pr
RESUMO
Este trabalho, faz uma reflexão sobre a função social da educação, tomando por base as
contradições sociais na sociedade americana nas primeiras décadas do século XX, o processo
de materialização da ideologia burguesa. Para isto, toma-se como referencial as propostas
educacionais expressas nas obras do educador norte-americano, John Dewey (1859-1952),
que apresenta uma nova função social à escola.
Entende-se que as questões educacionais refletem as questões econômicas, políticas e sociais
do início do século XX, e, no conjunto de sua produção, Dewey expressa as contradições
históricas e, ao se posicionar diante dessas contradições, busca conciliar interesses divergentes
da sua sociedade. Neste sentido, ao defender a escola como um instrumento de formação para
a democracia, acreditava que a democracia se constituía em um meio pacificador e
amenizador dos conflitos sociais. Assim, apontou a educação como um fenômeno de extrema
importância para garantir este fim: alcançar um desenvolvimento social sem se contrapor ao
processo de produção capitalista vigente. Neste sentido, educar para a humanização, em uma
sociedade que tratava os seres humanos como máquinas, proporcionou uma mudança de foco
no que diz respeito à função social da educação. Os problemas sociais passaram a ser vistos
como problemas educacionais e a responsabilidade da escola para a manutenção da ordem
social ampliou-se.
O caminho apontado por Dewey para a mudança social, pela via do que ele denominava
“democracia”, que deveria ser despertada no âmbito escolar, sugerem vários questionamentos,
tais como: A educação neste modelo de sociedade realmente serve como um elemento
norteador das práticas democráticas capaz de propor mudanças mais abrangentes na estrutura
social? Os interesses de classes que são antagônicos permitem um meio pacífico de
transformação? A escola é capaz de criar um ambiente democrático?
PALAVRAS – CHAVES: Educação, Dewey, função social e democracia.
Introdução.
Este trabalho, resultado da dissertação de mestrado defendida em 2003 no curso de
Fundamentos da Educação na Universidade Estadual de Maringá, faz uma reflexão sobre a
função social da educação, tomando por base as contradições sociais na sociedade americana
nas primeiras décadas do século XX e o processo de materialização da ideologia burguesa.
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Para isto, toma-se como referencial as propostas educacionais expressas nas obras do
educador norte-americano John Dewey (1859-1952). Este apresenta uma nova função social à
escola.
Ante as mudanças e incertezas do início do século XX, a educação assume uma dupla
função: educar os homens para uma convivência pacífica e prepará-los para o mundo do
trabalho. Todavia essa função se constitui dilemática: como formular uma teoria educacional
diferente do modelo tradicional que atenda às exigências de uma sociedade impulsionada por
um tecnicismo mecanicista exacerbado imposto pelo processo de industrialização? Qual seria
a função social da escola? Como a escola poderá cumprir uma função humanizadora em uma
sociedade que tenta transformar homens em máquinas? Como ensinar conteúdos necessários à
adaptação dos indivíduos a uma nova ordem social sem cair nas exigências utilitárias da
sociedade capitalista? Que tipo de educação é necessária para não permitir que o homem seja
excluído do processo de trabalho e nem tampouco se identifique nesse processo mecanizado?
Quais conteúdos e métodos são necessários para essa formação?
Refletir sobre a concepção de educação e a função social da escola, materializadas nos
pressupostos deweyanos, é bastante pertinente aos dias atuais, visto que muitas questões que
este autor tentou responder ainda sobrevivem por conta das contradições impostas pela
produção capitalista. Sua atualidade se revela, sobretudo, ante os problemas da escola,
especialmente, da pública, atender, com sucesso, às camadas excluídas e quais conteúdos e
métodos adequados para esse fim.
Outra constatação bastante pertinente aos dias atuais situa-se no fato de que os
problemas educacionais, embora tenham uma gênese social, ainda são de responsabilidade,
unilateralmente, da escola. Neste sentido, a materialização da ideologia burguesa, quando,
imposta via decretos, diretrizes pedagógicas e leis, no caso do Brasil, conduzem muitas vezes
à soluções individualizadas e isoladas dos problemas sociais. A igualdade, preconizada no
século XIX pela burguesia, converte-se em atitudes de equidade no século XXI. Neste intuito,
a escola é chamada para orientar os conflitos sociais e as crises contínuas decorrentes das
relações de produção capitalista. A impressão é de que a crise econômica foi gerada no
âmbito pedagógico, uma inversão ideológica que o próprio capitalismo se encarrega de criar.
Da mesma forma que as desigualdades sociais no início do século XX foram focadas como
sendo responsabilidade dos métodos de ensino tradicionais do século XIX, por essa razão a
emergência de um ideário escolanovista ganhou força e sustentação, o mesmo ocorre neste
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início do século XXI, com um discurso peculiar de substituição de métodos e acompanhados
de políticas reformistas para a educação, como se a educação fosse a única responsável pelas
desigualdades sociais e, principalmente, pelo desemprego estrutural. Sob este ponto de vista, a
teoria do capital humano, se atualiza e ganha força, e a escola assume, além do ensinar, outras
funções determinadas socialmente.
Essa constatação é expressa no Relatório de Edgar Faure, publicado em 1972 para a
UNESCO, recomendando o “aprender a ser”. O Relatório para a UNESCO da Comissão
Internacional sobre a Educação no século XXI, presidida por Jacques Delors, em 1996,
acrescentou o “aprender a viver juntos”, “aprender a conhecer” e “aprender a fazer”. A
educação é conclamada para servir à paz, semeando um espírito de concórdia. Tais
recomendações mundiais exerceram fortes influências na legislação educacional brasileira
atual.
A opção por tomar como referência John Dewey situa-se no fato de que este educador,
além de sua vasta experiência no âmbito educacional, tendo, inclusive, fundado uma Escola
que serviu para os seus experimentos pedagógicos durante o período em que era chefe do
Departamento na Universidade de Chicago, envolveu-se com as questões sociais de sua
época, posicionando-se a favor do direito feminino ao voto, do direito feminino de dirigir
instituições educacionais, da educação progressista, dos direitos do educador, na defesa dos
movimentos sindicalistas para a educação, entre outros, ainda propôs uma terceira via para a
adequação da educação ao modelo social vigente, com intuito de superação dos métodos
tradicionais,
de não aliar a educação como um meio revolucionário, diferentemente do
soviético, e de não fazer da educação uma profissão de fé, mas educar o sentimento,
vinculado às experiências e à qualidade das mesmas, de modo a conduzir um novo processo
de humanização.
A sua produção é bastante ampla e variada. Há abordagens de âmbito filosófico,
psicológico e pedagógico, entretanto a maioria de suas obras apresenta temas relacionados à
educação e ao papel da escola na sociedade. Dentre elas, destacam-se: Interesse e Esforço,
1895 (1980); Meu Credo Pedagógico, 1897 (2002); The School and Society, 1900 (1990);
The Child and the Curriculum, 1902 (1990); Democracy and Education (1916);
Reconstrução em Filosofia, 1920, (1959b); Experiência e Natureza, 1925 (1980); O
Público e seus Problemas, 1927; A Arte como Experiência, 1934, (1980); Liberalismo,
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Liberdade e Cultura, 1935 (1970); Experiência e Educação, 1938 (1971); Experience and
Education, 1938 (1997); Liberty and Social Control, in Problems of Men (1946).
Acredita-se que uma incursão no pensamento do autor pode contribuir para uma
reflexão crítica sobre as questões que se colocavam em sua época, assim como sobre as
questões que se colocam na sociedade atual. De modo a não cair na crença simplista de que
certas receitas milagrosas, algumas inclusive apontadas na Legislação Educacional vigente,
impostas pelos governos de orientação neoliberal e de outras tendências, resolvam pelo
âmbito educacional, os problemas sociais, inclusive os proporcionados pelo desemprego
estrutural.
1. Uma breve contextualização histórica das propostas deweyanas.
A partir do final do século XIX, é percebido um quadro acelerado de mudanças na
sociedade americana, imprimidas pelo processo de industrialização. De acordo com Karnal
(2007, p. 176), “[...] nas décadas seguintes à Guerra Civil, a economia agrícola e artesanal foi
substituída pelo mundo industrial do carvão, aço e vapor. Pequenas firmas individuais e
familiares foram superadas por grandes complexos industriais”. A ampla disponibilidade de
matérias-primas, mão-de-obra extensiva e barata, inovação tecnológica, um crescente
mercado de consumo e políticas estatais favoreceram para transformar os Estados Unidos na
maior nação industrial do mundo na virada do século. Karnal (2007, p. 176) acrescenta que
“[...] as ferrovias aumentaram seis vezes entre 1860 e 1920. Em 1900, metade dos operários
da indústria trabalhava em firmas com mais de 250 empregados. Em 1904, 318 corporações
poderosas controlavam 40% da indústria nacional”.
Nas primeiras décadas do século XX nos Estados Unidos, a orientação econômica
fundada no liberalismo econômico, sob as bases do “laissez-faire”, impulsiona a produção
industrial de forma acelerada, gera milhares de empregos, entretanto esse modelo de
produção, baseado nos modelos taylorista e fordista, garantia uma rotina mecanizada no
processo de produção, mas não garantia aos trabalhadores sua estabilidade econômica e nem
social. A fundação do Partido Comunista Americano, em 1919, que acirrou o conflito entre
morganistas e progressistas naquele país, sinalizava as eminências contraditórias do modelo
capitalista. Inclui-se nesse contexto, a disputa pelo controle e domínio de mercados no âmbito
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externo, impulsionando conflitos armados generalizados entre países em desenvolvimento
industrial e países desenvolvidos industrialmente.
Neste sentido, o capitalismo gerou duas contradições simultâneas: a externa, entre
burguesias nacionais e os capitalistas investidores de outros países, e a interna, entre
burguesia e proletários, ambas instituídas pelo aumento da rentabilidade lucrativa. Para
aumentar os seus lucros, as burguesias nacionais faziam grandes investimentos na produção
industrial para garantir a manutenção de seus mercados.
Entretanto os salários dos operários eram muito mais baixos do que o necessário para
manterem um padrão razoável de vida. Eles não tinham qualquer defesa diante das oscilações
do mercado, e a perda de emprego e o arrocho salarial eram freqüentes nessas recessões. Na
jornada de trabalho de dez horas em condições precárias e anti-higiênicas, acidentes fatais
eram comuns. As empresas empregavam, preferencialmente, mulheres e crianças, cujos
salários eram bem menores que os pagos aos homens. O movimento sindical, que organizou
cinco milhões de trabalhadores até 1920, favorecia apenas uma luta moderada pelas reformas
nas condições de trabalho, excluía de sua luta negros, mulheres e imigrantes, a maioria do
operariado. “As divisões ideológicas entre negros e brancos, nativos e imigrantes, homens e
mulheres obstaculizaram a organização sindical. Além disso, imigrantes e negros eram usados
constantemente pelos patrões para furar greves”. ( Karnal, 2007, p. 177).
Os resultados se refletem internamente, já que permitem, temporariamente, o aumento
da oferta de empregos e garantem uma certa ordem nas relações de classe. Porém esta
“ordem” camuflada vem à tona, a partir de 1929, com a quebra da bolsa de valores e toda a
sua extensão nacional e mundial.
As mudanças sociais que se processavam nos Estados Unidos, impulsionadas pela da
industrialização no final do século XIX, de acordo com Dewey (1907, p. 19), “[...]
obscurecem e igualam o homem à máquina, controlam tudo, colocando numa balança vasta e
barata, até mesmo nossas idéias morais”.
Kilpatrick, ressaltava que o resultado social da crescente industrialização que se
processou nos Estados Unidos alavancou mudanças no comportamento, nos hábitos, no modo
de pensar do cidadão americano. A crescente divisão do trabalho provocou um quadro de
interdependência crescente e dependência do indivíduo no mesmo processo. Significa dizer,
no entendimento desse autor, que as mudanças que se processavam colocavam as velhas
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certezas em dúvida. A expressão de William James, “tirou a tampa do universo”, caracteriza
bem esse momento.
Nesse sentido, a escola passava a desempenhar uma dupla finalidade, a de superar o
ensino fundado em métodos tradicionais e a de educar o homem para a vida social, entendida
esta como movida pelo novo ritmo imposto pelos processos de produção fabril, fundados na
especialização que, para Kilpatrick (1967, p. 51), “[...] estabelece um espírito egoístico pelo
resto da coletividade, aumenta a rivalidade entre os grupos e entre as classes”. A proposta do
autor vai em direção à necessidade de evitar o egoísmo e assegurar a cooperação. Por essa
razão, constitui-se finalidade da educação, “[...] criar um novo sentimento na relação do
trabalho com o processo social, voltado para estimular o interesse pelo grupo social e pela
cooperação.” (KILPATRICK,1967, p. 51).
Dewey se contrapunha ao ideal individualista, predominante no século XIX, quando o
Estado investiu na criação dos sistemas nacionais, convertendo a função cívica da educação
que se identificava com a realização do ideal de um estado nacional. Segundo Dewey (1959,
p. 101), “[...] o Estado substituiu a humanidade; o cosmopolitismo cedeu lugar ao
nacionalismo. Formar o cidadão, e não o homem, tornou-se meta da educação”. A educação
foi considerada mais como um adestramento disciplinar do que como desenvolvimento
pessoal. E se o Estado não é capaz de propor um espírito solidário, menos ainda, o setor civil,
que, no seu entender, “dizer-se que a própria sociedade deve cuidar de instituir uma ordem
industrial cooperativa é permitIr epítetos abusivos e algumas vezes com prisão”. ( DEWEY,
1970, p. 64).
Na obra Vida e Educação (1967), Dewey afirmou que a escola deveria prover um
ambiente de integração social, de harmonização de tendências em conflito, de larga tolerância
inteligente e hospitaleira. “A escola deve ser a casa da confraternização de todas essas
influências, coordenando-as, harmonizando-as, consolidando-as para a formação de
inteligências claras, tolerantes e compreensivas” ( DEWEY, 1967, p. 122).
Segundo Dewey, os problemas de ensino-aprendizagem deveriam ser tratados em uma
perspectiva prática e não teórica. Esta observação permite compreender a preocupação do
autor em apontar a escola como uma instituição capaz de promover um novo modo de pensar
e viver na sociedade. Desta forma, as suas propostas educacionais têm como pressuposto
fundamental a idéia de que a educação é responsável pela formação de uma sociedade mais
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justa e mais humana, mediada pela democracia como um modo de vida e como alavanca do
desenvolvimento social.
A escola, defendeu Dewey (1980, p. 129), “[...] não poderia ser, apenas, a casa onde se
vão estudar alguns fatos e algumas habilidades mecânicas previamente determinadas pelos
programas fixos”. Como aprender sem praticar a honestidade, a bondade, a tolerância, no
regime de lições marcadas para o dia seguinte? Ele propunha que a escola fosse um
laboratório da vida social, uma vez que reflete, de imediato, todas as nuances da sociedade,
desde as diferenças culturais e cognitivas até as econômicas. Assim,
A escola deve assumir a feição de uma comunidade em miniatura, ensinando
situações de comunicação de umas a outras pessoas, de cooperação entre elas, e
ainda, estar conectada com a vida social em geral, com o trabalho de todas as demais
instituições: a família, os centros de recreação e trabalho, as organizações da vida
cívica, religiosa, econômica, política (DEWEY, 1967, p. 8).
Ao apontar para a educação como um processo social, estabelecia-se uma relação
muito próxima entre as mudanças que ocorriam na sociedade e aquelas e as que ocorriam na
educação, assim a escola refletiria os resultados da vida em sociedade e das experiências
vividas no plano econômico, social, político, religioso, de forma que o fenômeno educativo,
estaria intimamente ligado à vida social.
Essa observação é fundamental para se compreender sua concepção de educação,
tendo em vista que acreditava na democracia, mas para isso, a escola teria que assumir a
função de coordenar a vida mental de cada indivíduo, bem como as diversas influências dos
meios sociais em que ele vive.
As desigualdades sociais eram consideradas como entraves para o progresso e o
desenvolvimento da sociedade americana diante da nova exigência social proporcionada pela
modernização tecnológica. “(DEWEY, 1959, p. 105). Um dos meios para romper com essas
desigualdades era permitir uma ampliação das oportunidades escolares. Mas não era só isso,
era necessária uma nova concepção de sociedade, na qual “[...] a organização social e as
novas formas de produtividade sejam cooperativamente controladas e possam ser usadas no
interesse da efetiva liberdade e do desenvolvimento cultural dos indivíduos que constituem a
sociedade” ( DEWEY, 1970, p. 59).
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2. As propostas de reformulação metodológicas e curriculares a partir do movimento
“escolanovista”.
Sob a concepção de escola como laboratório da vida social, Dewey propôs uma nova
metodologia, voltada para o aluno como centro de interesse, para a sua experiência e sua
expectativa, a superação da memorização pela pesquisa prática, enfim, conciliou o saber
teórico ao fazer prático. Entendia como importante que a escola educasse para o “aprender
para a vida”. A educação era interpretada como fenômeno direto da vida, tão inelutável como
a própria vida e, portanto, não deveria ter um caráter de preparação para a vida, porque,
segundo Dewey (1967, p. 7 ), “[...] eu não estou preparando para viver e daqui a pouco
vivendo”. A finalidade do processo educacional é uma finalidade concreta e presente, ou,
como afirma James (1917, p. 14),”[...] “a atividade do educador, em relação à criança, deve
ser viva e concreta. Exaltar o lado prático da atividade humana”.
Assim, a incorporação de uma metodologia fundada no caráter prático, no aprender a
partir da experiência e a experiência proporcionando um caráter reflexivo e impulsionando
para novas aprendizagens se fazia necessária para aquele contexto. Ao propor um método que
levava em conta a experiência integrada ao mundo social, as matérias de estudos propostas
para os programas escolares deveriam ter relevância para vida social, terem significações que
proporcionassem o desenvolvimento da solidariedade e a formação do homem cidadão sem a
imposição externa.
A democracia moderna necessitava de um sistema educacional que fosse além da
memorização de fato e da aquisição de habilidades de aprendizado. Como a democracia é uma
forma de vida com vastas oportunidades de solução inteligente de problemas, os métodos
ativos de ensino-aprendizagem, passou a ser vistos como necessários para habilitar os
indivíduos na resolução de problemas durante toda a sua vida, assim instaurou-se uma
estampa pedagógica para esse movimento: “o aprender a aprender”.
O Movimento reformista da Educação, também denominado de “escolanovista”, que
se intensificou nos Estados Unidos, no final do século XIX, fundados em grande parte pelos
pressupostos deweyanos,
apontava a educação como um meio para
atingir um
desenvolvimento social, mas mantendo a divisão hierárquica de classes. John Dewey,
defendia um novo método para o ensino de conteúdos que fossem considerados úteis para a
sociedade capitalista. Neste sentido, suas propostas tinham como parâmetro a democracia
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articulada com a escola, com a sociedade e com o mundo do trabalho. O seu intuito era que a
escola criasse condições para que todos, indistintamente de sua classe, participassem
eficazmente na vida social. Para tanto era necessário que,
“[...] as oportunidades intelectuais sejam acessíveis a todos os indivíduos, com iguais
facilidades para os mesmos. Uma sociedade móvel, cheia de canais distribuidores de
mudanças tecnológicas, deve tratar de fazer com que seus membros sejam educados
de modo a possuírem iniciativa individual e adaptabilidade” (DEWEY, 1959, p. 21.).
Dewey reconhecia a dificuldade da existência dessa sociedade móvel e democrática,
em função da concentração de riqueza e, teceu uma crítica ao modelo liberal defendido por
Locke,
[...] as leis naturais de Locke perderam seu significado moral para tornar-se
identificadas com as leis do capitalismo e com os interesses de uma classe social
privilegiada. O indivíduo que nada possui, além de seu próprio corpo, fica a mercê das
leis de um modo de produção e circulação de mercadorias cujo único propósito é a
concentração da riqueza em mãos de poucos, uma elite à qual os trabalhadores não
pertencem” ( DEWEY, 1970, p. 16.).
Acreditava ainda que a democracia não se produzia espontaneamente. Por essa razão,
a estrutura interna da escola e as matérias de estudos, com seus respectivos conteúdos,
deveriam ser orientadas para um modelo democrático.
Dewey propôs uma reforma curricular voltada para contemplar as necessidades
práticas da própria vida. Para Osmon e Craver ( 2004, p. 157), “[...] a reformulação curricular
nas escolas americanas estendeu-se para muitas áreas, como higiene, ocupação familiar,
economia, além de disciplinas como saúde, educação física, vida familiar e educação sexual”.
De acordo com Doll Jr. ( 1997, p. 157), “[...] o papel do currículo, para Dewey, não é
o de predeterminar experiências, e sim o de transformar as experiências vividas”. Organizou
sua escola em torno de experiências práticas ou de atividades que os alunos devessem realizar
até certo ponto. Não queria que eles alunos se tornassem tecnicamente peritos em suas
habilidades manuais. Para isso eram necessárias mudanças curriculares na escola. Kilpatrick
(1944, p. 76), explica que “[...] debemos ensenarse y utilizarse problemas, instituciones y
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modos de vida más importantes, au en la escuela más elemental, de acuerdo com la capacidad
mental y las experiências de los ninos”.
As mudanças curriculares propostas por Dewey contemplavam um ensino com base
humanística e, também, privilegiava as ciências. Por essa razão, a metodologia proposta por
ele parece assumir um caráter conciliador entre humanismo e utilitarismo. Posição semelhante
foi adotada por Jacques Delors, no final do século XX, quando proclama que a educação é
uma necessidade para a vida toda, por esse motivo o “aprender a aprender”, requer
atualizações constantes.
Por entender que o fenômeno educativo estava intimamente ligado com a vida social, a
escola deveria produzir uma nova cultura, um novo sentimento, uma nova forma de pensar a
sociedade, já que “[...] a tendência predominante no mundo do trabalho e nas ocupações são
materialistas, utilitaristas e servil” ( DEWEY, 1990, p. 23). E, ainda,
Cada qual supõe ser o árbitro supremo de seus próprios interesses. Esta contradição
entre a esfera mais vasta da vida associada e de mútua cooperação e a esfera mais
restrita de empreendimentos e intuitos egoístas exige da teoria educativa uma
concepção mais clara do que a que se tem até hoje. Será possível para um sistema
educativo, ser dirigido pelo estado nacional e, mesmo assim, conseguir-se que não
seja restringida, constringida e deturpada a perfeita finalidade social da educação? (
DEWEY, 1959, p.104).
Dewey (1959, p. 87) acreditava que a educação seria capaz de transformar a
sociedade, “[...] a educação é uma função social que assegura a direção e o desenvolvimento
dos imaturos, por meio de sua participação na vida da comunidade a que pertencem, equivale,
com efeito, a afirmar que a educação variará de acordo com a qualidade de vida que
predominar no grupo”. Mas, para isso, a sociedade deveria adotar um tipo de educação que
proporcionasse aos indivíduos um interesse pessoal nas relações e direções sociais e hábitos
de espírito que permitissem mudanças sociais sem ocasionar desordens.
Por essa razão, sugeria que estivesse voltada para uma sociedade democrática, mais
justa, mais humana, fundada em princípios científicos de valorização da experiência humana,
conciliadora entre os mais divergentes interesses dos grupos sociais, fundada em uma
convivência solidária e pacífica, promotora de modificações culturais para melhor aparelhar
os jovens nas suas carreiras e nas suas ocupações.
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Considerações Finais
No Brasil, as propostas educacionais de Dewey foram encampadas por Anísio Teixeira
que defendia uma nova escola, face às exigências sociais que emergiam com o recente
processo de industrialização e, ainda, no início do século XX, as mudanças que se
processavam no cenário político com a implantação do Estado Novo, de caráter autoritário,
embora rompia com o modelo político baseado no coronelismo, via-se incapaz de organizar
um sistema de ensino que atendesse ao aumento da classe operária no país.
A organização da classe operária, o surgimento dos sindicatos para lutar pelos
interesses da classe operária, a ampla divulgação de idéias voltadas para uma nova forma de
produção baseada na distribuição igualitária de bens, as reformas que se processavam no
interior da Rússia, a crise econômica de 1929, entre outros acontecimentos marcantes no
início do século XX, contribuíram para que o Estado burguês repensasse a sua função na
sociedade. Por isso, nos países desenvolvidos industrialmente, em particular os europeus,
passaram a implementar um conjunto de reformas econômicas e sociais, voltadas para o bemestar social.
No Brasil, as reformas na legislação trabalhista tais como: seguridade trabalhista,
diminuição da jornada de trabalho, direito à maternidade, amamentação, paternidade, salário
mínimo, entre outras, não permitem caracterizar o Estado Getulista como voltado para o
“bem estar-social. Entretanto, tais avanços em termos de conquistas trabalhistas, criava uma
nova forma de controle social e manutenção da divisão hierarquizada de classes.
A materialização de um ideário educacional fundado nos princípios escolanovistas,
expresso no “Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova”, que intencionava uma legislação
para o Sistema de Ensino Nacional, não se efetivou no Brasil. Algumas dessas propostas
foram efetivadas na Primeira Legislação Educacional do país em 1961. Nesta legislação
contemplava-se um ensino profissionalizante a nível médio ou intermediário entre a educação
básica e o ensino superior, nos quais algumas habilidades técnicas deveriam integrar os
programas curriculares.
O movimento da Escola Nova inserido num momento de crise do modelo liberal e
suas sucessivas reformulações tomou a defesa de uma escola pública como uma opção e via
de desenvolvimento social, reconhecendo inclusive que as condições de aprendizagem eram
diferentes, e que a capacidade de aprendizagem de cada indivíduo não dependia apenas de si,
mas de uma troca de experiências com outros indivíduos, enfim, uma educação com
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característica de socialização. A opção pela educação como via de desenvolvimento social,
partiu do princípio de que se ampliando as oportunidades escolares, a educação constituir-seia como um meio amortecedor das diferenças sociais existentes. A defesa da educação como
um direito de todos e não somente de uma classe privilegiada, estava fundamentada nas
premissas liberais de igualdade, justiça e liberdade. Neste sentido, a defesa por uma sociedade
democrática, remeteu à educação o seu papel principal de assegurar as oportunidades iguais a
todos os desiguais economicamente.
Entende-se que as questões educacionais refletem as questões econômicas, políticas e
sociais do início do século XX, e, no conjunto de sua produção, Dewey expressa as
contradições históricas e, ao se posicionar diante dessas contradições, busca conciliar
interesses divergentes da sua sociedade. Neste sentido, ao defender a escola como um
instrumento de formação para a democracia, acreditava que a democracia se constituía em um
meio pacificador e amenizador dos conflitos sociais. Assim, apontou a educação como um
fenômeno de extrema importância para garantir este fim: alcançar um desenvolvimento social
sem se contrapor ao processo de produção capitalista vigente. Neste sentido, educar para a
humanização, em uma sociedade que tratava os seres humanos como máquinas, proporcionou
uma mudança de foco no que diz respeito à função social da educação. Os problemas sociais
passaram a ser vistos como problemas educacionais e a responsabilidade da escola para a
manutenção da ordem social ampliou-se.
O caminho apontado por Dewey para a mudança social, sem um caráter revolucionário
e de uma forma pacífica pela via do que ele denominava “democracia”, sugerem vários
questionamentos, tais como: A sociedade capitalista de cunho burguês permite
verdadeiramente um ambiente escolar em que a potencialidades individuais possam ser
desenvolvidas? A educação neste modelo de sociedade realmente serve como um elemento
norteador das práticas democráticas capaz de propor mudanças mais abrangentes na estrutura
social? É possível a democracia constituir-se como a única via de modificação da sociedade?
Os interesses de classes que são antagônicos permitem um meio pacífico de transformação? A
escola é capaz de criar um ambiente democrático?
REFERÊNCIAS
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