DEWEY E A FUNÇÃO SOCIAL DA EDUCAÇÃO GALIANI, . Claudemir - CEEBJA “Prof. Manoel. R. da Silva” – Maringá –Pr [email protected] MACHADO, Maria Cristina Gomes – UEM – Maringá - Pr RESUMO Este trabalho, faz uma reflexão sobre a função social da educação, tomando por base as contradições sociais na sociedade americana nas primeiras décadas do século XX, o processo de materialização da ideologia burguesa. Para isto, toma-se como referencial as propostas educacionais expressas nas obras do educador norte-americano, John Dewey (1859-1952), que apresenta uma nova função social à escola. Entende-se que as questões educacionais refletem as questões econômicas, políticas e sociais do início do século XX, e, no conjunto de sua produção, Dewey expressa as contradições históricas e, ao se posicionar diante dessas contradições, busca conciliar interesses divergentes da sua sociedade. Neste sentido, ao defender a escola como um instrumento de formação para a democracia, acreditava que a democracia se constituía em um meio pacificador e amenizador dos conflitos sociais. Assim, apontou a educação como um fenômeno de extrema importância para garantir este fim: alcançar um desenvolvimento social sem se contrapor ao processo de produção capitalista vigente. Neste sentido, educar para a humanização, em uma sociedade que tratava os seres humanos como máquinas, proporcionou uma mudança de foco no que diz respeito à função social da educação. Os problemas sociais passaram a ser vistos como problemas educacionais e a responsabilidade da escola para a manutenção da ordem social ampliou-se. O caminho apontado por Dewey para a mudança social, pela via do que ele denominava “democracia”, que deveria ser despertada no âmbito escolar, sugerem vários questionamentos, tais como: A educação neste modelo de sociedade realmente serve como um elemento norteador das práticas democráticas capaz de propor mudanças mais abrangentes na estrutura social? Os interesses de classes que são antagônicos permitem um meio pacífico de transformação? A escola é capaz de criar um ambiente democrático? PALAVRAS – CHAVES: Educação, Dewey, função social e democracia. Introdução. Este trabalho, resultado da dissertação de mestrado defendida em 2003 no curso de Fundamentos da Educação na Universidade Estadual de Maringá, faz uma reflexão sobre a função social da educação, tomando por base as contradições sociais na sociedade americana nas primeiras décadas do século XX e o processo de materialização da ideologia burguesa. 905 Para isto, toma-se como referencial as propostas educacionais expressas nas obras do educador norte-americano John Dewey (1859-1952). Este apresenta uma nova função social à escola. Ante as mudanças e incertezas do início do século XX, a educação assume uma dupla função: educar os homens para uma convivência pacífica e prepará-los para o mundo do trabalho. Todavia essa função se constitui dilemática: como formular uma teoria educacional diferente do modelo tradicional que atenda às exigências de uma sociedade impulsionada por um tecnicismo mecanicista exacerbado imposto pelo processo de industrialização? Qual seria a função social da escola? Como a escola poderá cumprir uma função humanizadora em uma sociedade que tenta transformar homens em máquinas? Como ensinar conteúdos necessários à adaptação dos indivíduos a uma nova ordem social sem cair nas exigências utilitárias da sociedade capitalista? Que tipo de educação é necessária para não permitir que o homem seja excluído do processo de trabalho e nem tampouco se identifique nesse processo mecanizado? Quais conteúdos e métodos são necessários para essa formação? Refletir sobre a concepção de educação e a função social da escola, materializadas nos pressupostos deweyanos, é bastante pertinente aos dias atuais, visto que muitas questões que este autor tentou responder ainda sobrevivem por conta das contradições impostas pela produção capitalista. Sua atualidade se revela, sobretudo, ante os problemas da escola, especialmente, da pública, atender, com sucesso, às camadas excluídas e quais conteúdos e métodos adequados para esse fim. Outra constatação bastante pertinente aos dias atuais situa-se no fato de que os problemas educacionais, embora tenham uma gênese social, ainda são de responsabilidade, unilateralmente, da escola. Neste sentido, a materialização da ideologia burguesa, quando, imposta via decretos, diretrizes pedagógicas e leis, no caso do Brasil, conduzem muitas vezes à soluções individualizadas e isoladas dos problemas sociais. A igualdade, preconizada no século XIX pela burguesia, converte-se em atitudes de equidade no século XXI. Neste intuito, a escola é chamada para orientar os conflitos sociais e as crises contínuas decorrentes das relações de produção capitalista. A impressão é de que a crise econômica foi gerada no âmbito pedagógico, uma inversão ideológica que o próprio capitalismo se encarrega de criar. Da mesma forma que as desigualdades sociais no início do século XX foram focadas como sendo responsabilidade dos métodos de ensino tradicionais do século XIX, por essa razão a emergência de um ideário escolanovista ganhou força e sustentação, o mesmo ocorre neste 906 início do século XXI, com um discurso peculiar de substituição de métodos e acompanhados de políticas reformistas para a educação, como se a educação fosse a única responsável pelas desigualdades sociais e, principalmente, pelo desemprego estrutural. Sob este ponto de vista, a teoria do capital humano, se atualiza e ganha força, e a escola assume, além do ensinar, outras funções determinadas socialmente. Essa constatação é expressa no Relatório de Edgar Faure, publicado em 1972 para a UNESCO, recomendando o “aprender a ser”. O Relatório para a UNESCO da Comissão Internacional sobre a Educação no século XXI, presidida por Jacques Delors, em 1996, acrescentou o “aprender a viver juntos”, “aprender a conhecer” e “aprender a fazer”. A educação é conclamada para servir à paz, semeando um espírito de concórdia. Tais recomendações mundiais exerceram fortes influências na legislação educacional brasileira atual. A opção por tomar como referência John Dewey situa-se no fato de que este educador, além de sua vasta experiência no âmbito educacional, tendo, inclusive, fundado uma Escola que serviu para os seus experimentos pedagógicos durante o período em que era chefe do Departamento na Universidade de Chicago, envolveu-se com as questões sociais de sua época, posicionando-se a favor do direito feminino ao voto, do direito feminino de dirigir instituições educacionais, da educação progressista, dos direitos do educador, na defesa dos movimentos sindicalistas para a educação, entre outros, ainda propôs uma terceira via para a adequação da educação ao modelo social vigente, com intuito de superação dos métodos tradicionais, de não aliar a educação como um meio revolucionário, diferentemente do soviético, e de não fazer da educação uma profissão de fé, mas educar o sentimento, vinculado às experiências e à qualidade das mesmas, de modo a conduzir um novo processo de humanização. A sua produção é bastante ampla e variada. Há abordagens de âmbito filosófico, psicológico e pedagógico, entretanto a maioria de suas obras apresenta temas relacionados à educação e ao papel da escola na sociedade. Dentre elas, destacam-se: Interesse e Esforço, 1895 (1980); Meu Credo Pedagógico, 1897 (2002); The School and Society, 1900 (1990); The Child and the Curriculum, 1902 (1990); Democracy and Education (1916); Reconstrução em Filosofia, 1920, (1959b); Experiência e Natureza, 1925 (1980); O Público e seus Problemas, 1927; A Arte como Experiência, 1934, (1980); Liberalismo, 907 Liberdade e Cultura, 1935 (1970); Experiência e Educação, 1938 (1971); Experience and Education, 1938 (1997); Liberty and Social Control, in Problems of Men (1946). Acredita-se que uma incursão no pensamento do autor pode contribuir para uma reflexão crítica sobre as questões que se colocavam em sua época, assim como sobre as questões que se colocam na sociedade atual. De modo a não cair na crença simplista de que certas receitas milagrosas, algumas inclusive apontadas na Legislação Educacional vigente, impostas pelos governos de orientação neoliberal e de outras tendências, resolvam pelo âmbito educacional, os problemas sociais, inclusive os proporcionados pelo desemprego estrutural. 1. Uma breve contextualização histórica das propostas deweyanas. A partir do final do século XIX, é percebido um quadro acelerado de mudanças na sociedade americana, imprimidas pelo processo de industrialização. De acordo com Karnal (2007, p. 176), “[...] nas décadas seguintes à Guerra Civil, a economia agrícola e artesanal foi substituída pelo mundo industrial do carvão, aço e vapor. Pequenas firmas individuais e familiares foram superadas por grandes complexos industriais”. A ampla disponibilidade de matérias-primas, mão-de-obra extensiva e barata, inovação tecnológica, um crescente mercado de consumo e políticas estatais favoreceram para transformar os Estados Unidos na maior nação industrial do mundo na virada do século. Karnal (2007, p. 176) acrescenta que “[...] as ferrovias aumentaram seis vezes entre 1860 e 1920. Em 1900, metade dos operários da indústria trabalhava em firmas com mais de 250 empregados. Em 1904, 318 corporações poderosas controlavam 40% da indústria nacional”. Nas primeiras décadas do século XX nos Estados Unidos, a orientação econômica fundada no liberalismo econômico, sob as bases do “laissez-faire”, impulsiona a produção industrial de forma acelerada, gera milhares de empregos, entretanto esse modelo de produção, baseado nos modelos taylorista e fordista, garantia uma rotina mecanizada no processo de produção, mas não garantia aos trabalhadores sua estabilidade econômica e nem social. A fundação do Partido Comunista Americano, em 1919, que acirrou o conflito entre morganistas e progressistas naquele país, sinalizava as eminências contraditórias do modelo capitalista. Inclui-se nesse contexto, a disputa pelo controle e domínio de mercados no âmbito 908 externo, impulsionando conflitos armados generalizados entre países em desenvolvimento industrial e países desenvolvidos industrialmente. Neste sentido, o capitalismo gerou duas contradições simultâneas: a externa, entre burguesias nacionais e os capitalistas investidores de outros países, e a interna, entre burguesia e proletários, ambas instituídas pelo aumento da rentabilidade lucrativa. Para aumentar os seus lucros, as burguesias nacionais faziam grandes investimentos na produção industrial para garantir a manutenção de seus mercados. Entretanto os salários dos operários eram muito mais baixos do que o necessário para manterem um padrão razoável de vida. Eles não tinham qualquer defesa diante das oscilações do mercado, e a perda de emprego e o arrocho salarial eram freqüentes nessas recessões. Na jornada de trabalho de dez horas em condições precárias e anti-higiênicas, acidentes fatais eram comuns. As empresas empregavam, preferencialmente, mulheres e crianças, cujos salários eram bem menores que os pagos aos homens. O movimento sindical, que organizou cinco milhões de trabalhadores até 1920, favorecia apenas uma luta moderada pelas reformas nas condições de trabalho, excluía de sua luta negros, mulheres e imigrantes, a maioria do operariado. “As divisões ideológicas entre negros e brancos, nativos e imigrantes, homens e mulheres obstaculizaram a organização sindical. Além disso, imigrantes e negros eram usados constantemente pelos patrões para furar greves”. ( Karnal, 2007, p. 177). Os resultados se refletem internamente, já que permitem, temporariamente, o aumento da oferta de empregos e garantem uma certa ordem nas relações de classe. Porém esta “ordem” camuflada vem à tona, a partir de 1929, com a quebra da bolsa de valores e toda a sua extensão nacional e mundial. As mudanças sociais que se processavam nos Estados Unidos, impulsionadas pela da industrialização no final do século XIX, de acordo com Dewey (1907, p. 19), “[...] obscurecem e igualam o homem à máquina, controlam tudo, colocando numa balança vasta e barata, até mesmo nossas idéias morais”. Kilpatrick, ressaltava que o resultado social da crescente industrialização que se processou nos Estados Unidos alavancou mudanças no comportamento, nos hábitos, no modo de pensar do cidadão americano. A crescente divisão do trabalho provocou um quadro de interdependência crescente e dependência do indivíduo no mesmo processo. Significa dizer, no entendimento desse autor, que as mudanças que se processavam colocavam as velhas 909 certezas em dúvida. A expressão de William James, “tirou a tampa do universo”, caracteriza bem esse momento. Nesse sentido, a escola passava a desempenhar uma dupla finalidade, a de superar o ensino fundado em métodos tradicionais e a de educar o homem para a vida social, entendida esta como movida pelo novo ritmo imposto pelos processos de produção fabril, fundados na especialização que, para Kilpatrick (1967, p. 51), “[...] estabelece um espírito egoístico pelo resto da coletividade, aumenta a rivalidade entre os grupos e entre as classes”. A proposta do autor vai em direção à necessidade de evitar o egoísmo e assegurar a cooperação. Por essa razão, constitui-se finalidade da educação, “[...] criar um novo sentimento na relação do trabalho com o processo social, voltado para estimular o interesse pelo grupo social e pela cooperação.” (KILPATRICK,1967, p. 51). Dewey se contrapunha ao ideal individualista, predominante no século XIX, quando o Estado investiu na criação dos sistemas nacionais, convertendo a função cívica da educação que se identificava com a realização do ideal de um estado nacional. Segundo Dewey (1959, p. 101), “[...] o Estado substituiu a humanidade; o cosmopolitismo cedeu lugar ao nacionalismo. Formar o cidadão, e não o homem, tornou-se meta da educação”. A educação foi considerada mais como um adestramento disciplinar do que como desenvolvimento pessoal. E se o Estado não é capaz de propor um espírito solidário, menos ainda, o setor civil, que, no seu entender, “dizer-se que a própria sociedade deve cuidar de instituir uma ordem industrial cooperativa é permitIr epítetos abusivos e algumas vezes com prisão”. ( DEWEY, 1970, p. 64). Na obra Vida e Educação (1967), Dewey afirmou que a escola deveria prover um ambiente de integração social, de harmonização de tendências em conflito, de larga tolerância inteligente e hospitaleira. “A escola deve ser a casa da confraternização de todas essas influências, coordenando-as, harmonizando-as, consolidando-as para a formação de inteligências claras, tolerantes e compreensivas” ( DEWEY, 1967, p. 122). Segundo Dewey, os problemas de ensino-aprendizagem deveriam ser tratados em uma perspectiva prática e não teórica. Esta observação permite compreender a preocupação do autor em apontar a escola como uma instituição capaz de promover um novo modo de pensar e viver na sociedade. Desta forma, as suas propostas educacionais têm como pressuposto fundamental a idéia de que a educação é responsável pela formação de uma sociedade mais 910 justa e mais humana, mediada pela democracia como um modo de vida e como alavanca do desenvolvimento social. A escola, defendeu Dewey (1980, p. 129), “[...] não poderia ser, apenas, a casa onde se vão estudar alguns fatos e algumas habilidades mecânicas previamente determinadas pelos programas fixos”. Como aprender sem praticar a honestidade, a bondade, a tolerância, no regime de lições marcadas para o dia seguinte? Ele propunha que a escola fosse um laboratório da vida social, uma vez que reflete, de imediato, todas as nuances da sociedade, desde as diferenças culturais e cognitivas até as econômicas. Assim, A escola deve assumir a feição de uma comunidade em miniatura, ensinando situações de comunicação de umas a outras pessoas, de cooperação entre elas, e ainda, estar conectada com a vida social em geral, com o trabalho de todas as demais instituições: a família, os centros de recreação e trabalho, as organizações da vida cívica, religiosa, econômica, política (DEWEY, 1967, p. 8). Ao apontar para a educação como um processo social, estabelecia-se uma relação muito próxima entre as mudanças que ocorriam na sociedade e aquelas e as que ocorriam na educação, assim a escola refletiria os resultados da vida em sociedade e das experiências vividas no plano econômico, social, político, religioso, de forma que o fenômeno educativo, estaria intimamente ligado à vida social. Essa observação é fundamental para se compreender sua concepção de educação, tendo em vista que acreditava na democracia, mas para isso, a escola teria que assumir a função de coordenar a vida mental de cada indivíduo, bem como as diversas influências dos meios sociais em que ele vive. As desigualdades sociais eram consideradas como entraves para o progresso e o desenvolvimento da sociedade americana diante da nova exigência social proporcionada pela modernização tecnológica. “(DEWEY, 1959, p. 105). Um dos meios para romper com essas desigualdades era permitir uma ampliação das oportunidades escolares. Mas não era só isso, era necessária uma nova concepção de sociedade, na qual “[...] a organização social e as novas formas de produtividade sejam cooperativamente controladas e possam ser usadas no interesse da efetiva liberdade e do desenvolvimento cultural dos indivíduos que constituem a sociedade” ( DEWEY, 1970, p. 59). 911 2. As propostas de reformulação metodológicas e curriculares a partir do movimento “escolanovista”. Sob a concepção de escola como laboratório da vida social, Dewey propôs uma nova metodologia, voltada para o aluno como centro de interesse, para a sua experiência e sua expectativa, a superação da memorização pela pesquisa prática, enfim, conciliou o saber teórico ao fazer prático. Entendia como importante que a escola educasse para o “aprender para a vida”. A educação era interpretada como fenômeno direto da vida, tão inelutável como a própria vida e, portanto, não deveria ter um caráter de preparação para a vida, porque, segundo Dewey (1967, p. 7 ), “[...] eu não estou preparando para viver e daqui a pouco vivendo”. A finalidade do processo educacional é uma finalidade concreta e presente, ou, como afirma James (1917, p. 14),”[...] “a atividade do educador, em relação à criança, deve ser viva e concreta. Exaltar o lado prático da atividade humana”. Assim, a incorporação de uma metodologia fundada no caráter prático, no aprender a partir da experiência e a experiência proporcionando um caráter reflexivo e impulsionando para novas aprendizagens se fazia necessária para aquele contexto. Ao propor um método que levava em conta a experiência integrada ao mundo social, as matérias de estudos propostas para os programas escolares deveriam ter relevância para vida social, terem significações que proporcionassem o desenvolvimento da solidariedade e a formação do homem cidadão sem a imposição externa. A democracia moderna necessitava de um sistema educacional que fosse além da memorização de fato e da aquisição de habilidades de aprendizado. Como a democracia é uma forma de vida com vastas oportunidades de solução inteligente de problemas, os métodos ativos de ensino-aprendizagem, passou a ser vistos como necessários para habilitar os indivíduos na resolução de problemas durante toda a sua vida, assim instaurou-se uma estampa pedagógica para esse movimento: “o aprender a aprender”. O Movimento reformista da Educação, também denominado de “escolanovista”, que se intensificou nos Estados Unidos, no final do século XIX, fundados em grande parte pelos pressupostos deweyanos, apontava a educação como um meio para atingir um desenvolvimento social, mas mantendo a divisão hierárquica de classes. John Dewey, defendia um novo método para o ensino de conteúdos que fossem considerados úteis para a sociedade capitalista. Neste sentido, suas propostas tinham como parâmetro a democracia 912 articulada com a escola, com a sociedade e com o mundo do trabalho. O seu intuito era que a escola criasse condições para que todos, indistintamente de sua classe, participassem eficazmente na vida social. Para tanto era necessário que, “[...] as oportunidades intelectuais sejam acessíveis a todos os indivíduos, com iguais facilidades para os mesmos. Uma sociedade móvel, cheia de canais distribuidores de mudanças tecnológicas, deve tratar de fazer com que seus membros sejam educados de modo a possuírem iniciativa individual e adaptabilidade” (DEWEY, 1959, p. 21.). Dewey reconhecia a dificuldade da existência dessa sociedade móvel e democrática, em função da concentração de riqueza e, teceu uma crítica ao modelo liberal defendido por Locke, [...] as leis naturais de Locke perderam seu significado moral para tornar-se identificadas com as leis do capitalismo e com os interesses de uma classe social privilegiada. O indivíduo que nada possui, além de seu próprio corpo, fica a mercê das leis de um modo de produção e circulação de mercadorias cujo único propósito é a concentração da riqueza em mãos de poucos, uma elite à qual os trabalhadores não pertencem” ( DEWEY, 1970, p. 16.). Acreditava ainda que a democracia não se produzia espontaneamente. Por essa razão, a estrutura interna da escola e as matérias de estudos, com seus respectivos conteúdos, deveriam ser orientadas para um modelo democrático. Dewey propôs uma reforma curricular voltada para contemplar as necessidades práticas da própria vida. Para Osmon e Craver ( 2004, p. 157), “[...] a reformulação curricular nas escolas americanas estendeu-se para muitas áreas, como higiene, ocupação familiar, economia, além de disciplinas como saúde, educação física, vida familiar e educação sexual”. De acordo com Doll Jr. ( 1997, p. 157), “[...] o papel do currículo, para Dewey, não é o de predeterminar experiências, e sim o de transformar as experiências vividas”. Organizou sua escola em torno de experiências práticas ou de atividades que os alunos devessem realizar até certo ponto. Não queria que eles alunos se tornassem tecnicamente peritos em suas habilidades manuais. Para isso eram necessárias mudanças curriculares na escola. Kilpatrick (1944, p. 76), explica que “[...] debemos ensenarse y utilizarse problemas, instituciones y 913 modos de vida más importantes, au en la escuela más elemental, de acuerdo com la capacidad mental y las experiências de los ninos”. As mudanças curriculares propostas por Dewey contemplavam um ensino com base humanística e, também, privilegiava as ciências. Por essa razão, a metodologia proposta por ele parece assumir um caráter conciliador entre humanismo e utilitarismo. Posição semelhante foi adotada por Jacques Delors, no final do século XX, quando proclama que a educação é uma necessidade para a vida toda, por esse motivo o “aprender a aprender”, requer atualizações constantes. Por entender que o fenômeno educativo estava intimamente ligado com a vida social, a escola deveria produzir uma nova cultura, um novo sentimento, uma nova forma de pensar a sociedade, já que “[...] a tendência predominante no mundo do trabalho e nas ocupações são materialistas, utilitaristas e servil” ( DEWEY, 1990, p. 23). E, ainda, Cada qual supõe ser o árbitro supremo de seus próprios interesses. Esta contradição entre a esfera mais vasta da vida associada e de mútua cooperação e a esfera mais restrita de empreendimentos e intuitos egoístas exige da teoria educativa uma concepção mais clara do que a que se tem até hoje. Será possível para um sistema educativo, ser dirigido pelo estado nacional e, mesmo assim, conseguir-se que não seja restringida, constringida e deturpada a perfeita finalidade social da educação? ( DEWEY, 1959, p.104). Dewey (1959, p. 87) acreditava que a educação seria capaz de transformar a sociedade, “[...] a educação é uma função social que assegura a direção e o desenvolvimento dos imaturos, por meio de sua participação na vida da comunidade a que pertencem, equivale, com efeito, a afirmar que a educação variará de acordo com a qualidade de vida que predominar no grupo”. Mas, para isso, a sociedade deveria adotar um tipo de educação que proporcionasse aos indivíduos um interesse pessoal nas relações e direções sociais e hábitos de espírito que permitissem mudanças sociais sem ocasionar desordens. Por essa razão, sugeria que estivesse voltada para uma sociedade democrática, mais justa, mais humana, fundada em princípios científicos de valorização da experiência humana, conciliadora entre os mais divergentes interesses dos grupos sociais, fundada em uma convivência solidária e pacífica, promotora de modificações culturais para melhor aparelhar os jovens nas suas carreiras e nas suas ocupações. 914 Considerações Finais No Brasil, as propostas educacionais de Dewey foram encampadas por Anísio Teixeira que defendia uma nova escola, face às exigências sociais que emergiam com o recente processo de industrialização e, ainda, no início do século XX, as mudanças que se processavam no cenário político com a implantação do Estado Novo, de caráter autoritário, embora rompia com o modelo político baseado no coronelismo, via-se incapaz de organizar um sistema de ensino que atendesse ao aumento da classe operária no país. A organização da classe operária, o surgimento dos sindicatos para lutar pelos interesses da classe operária, a ampla divulgação de idéias voltadas para uma nova forma de produção baseada na distribuição igualitária de bens, as reformas que se processavam no interior da Rússia, a crise econômica de 1929, entre outros acontecimentos marcantes no início do século XX, contribuíram para que o Estado burguês repensasse a sua função na sociedade. Por isso, nos países desenvolvidos industrialmente, em particular os europeus, passaram a implementar um conjunto de reformas econômicas e sociais, voltadas para o bemestar social. No Brasil, as reformas na legislação trabalhista tais como: seguridade trabalhista, diminuição da jornada de trabalho, direito à maternidade, amamentação, paternidade, salário mínimo, entre outras, não permitem caracterizar o Estado Getulista como voltado para o “bem estar-social. Entretanto, tais avanços em termos de conquistas trabalhistas, criava uma nova forma de controle social e manutenção da divisão hierarquizada de classes. A materialização de um ideário educacional fundado nos princípios escolanovistas, expresso no “Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova”, que intencionava uma legislação para o Sistema de Ensino Nacional, não se efetivou no Brasil. Algumas dessas propostas foram efetivadas na Primeira Legislação Educacional do país em 1961. Nesta legislação contemplava-se um ensino profissionalizante a nível médio ou intermediário entre a educação básica e o ensino superior, nos quais algumas habilidades técnicas deveriam integrar os programas curriculares. O movimento da Escola Nova inserido num momento de crise do modelo liberal e suas sucessivas reformulações tomou a defesa de uma escola pública como uma opção e via de desenvolvimento social, reconhecendo inclusive que as condições de aprendizagem eram diferentes, e que a capacidade de aprendizagem de cada indivíduo não dependia apenas de si, mas de uma troca de experiências com outros indivíduos, enfim, uma educação com 915 característica de socialização. A opção pela educação como via de desenvolvimento social, partiu do princípio de que se ampliando as oportunidades escolares, a educação constituir-seia como um meio amortecedor das diferenças sociais existentes. A defesa da educação como um direito de todos e não somente de uma classe privilegiada, estava fundamentada nas premissas liberais de igualdade, justiça e liberdade. Neste sentido, a defesa por uma sociedade democrática, remeteu à educação o seu papel principal de assegurar as oportunidades iguais a todos os desiguais economicamente. Entende-se que as questões educacionais refletem as questões econômicas, políticas e sociais do início do século XX, e, no conjunto de sua produção, Dewey expressa as contradições históricas e, ao se posicionar diante dessas contradições, busca conciliar interesses divergentes da sua sociedade. Neste sentido, ao defender a escola como um instrumento de formação para a democracia, acreditava que a democracia se constituía em um meio pacificador e amenizador dos conflitos sociais. Assim, apontou a educação como um fenômeno de extrema importância para garantir este fim: alcançar um desenvolvimento social sem se contrapor ao processo de produção capitalista vigente. Neste sentido, educar para a humanização, em uma sociedade que tratava os seres humanos como máquinas, proporcionou uma mudança de foco no que diz respeito à função social da educação. Os problemas sociais passaram a ser vistos como problemas educacionais e a responsabilidade da escola para a manutenção da ordem social ampliou-se. O caminho apontado por Dewey para a mudança social, sem um caráter revolucionário e de uma forma pacífica pela via do que ele denominava “democracia”, sugerem vários questionamentos, tais como: A sociedade capitalista de cunho burguês permite verdadeiramente um ambiente escolar em que a potencialidades individuais possam ser desenvolvidas? A educação neste modelo de sociedade realmente serve como um elemento norteador das práticas democráticas capaz de propor mudanças mais abrangentes na estrutura social? É possível a democracia constituir-se como a única via de modificação da sociedade? Os interesses de classes que são antagônicos permitem um meio pacífico de transformação? A escola é capaz de criar um ambiente democrático? REFERÊNCIAS DELORS, Jacques. Educação: um tesouro a descobrir. São Paulo: Cortez; Brasília: MEC; UNESCO, 2006. 916 DEWEY, John Democracia e Educação. Introdução à filosofia da Educação. São Paulo: Nacional, 1959. ______. Reconstrução em filosofia. São Paulo: Nacional, 1959b. ______. Vida e educação. 6ª Ed.Trad. Anísio Teixeira; São Paulo: Melhoramentos, 1967. ______. Liberalismo, liberdade e cultura. São Paulo: Nacional, EDUSP, 1970. ______ . Experiência e educação. São Paulo: Nacional, 1971. ______. Experiência e natureza; Lógica: a teoria da investigação; A arte como experiência; Interesse e esforço; Teoria da vida moral. São Paulo: Abril Cultural, 1980. ( Coleção os Pensadores). ______. The school and society; The Child and the curriculum. Chicago: University of Chicago Press, 1990. ______. Experience and education. 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