O varejo e as peculiaridades brasileiras no

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O varejo e as peculiaridades
brasileiras no cenário da crise
Agência Sebrae de Notícias
Em entrevista à ASN, Roque Pelizzaro Jr, presidente da Confederação Nacional dos Dirigentes Lojistas, diz que a
empregabilidade é fator decisivo para enfrentamento da crise
O ano de 2009 será de turbulência, mas o Brasil deve atravessar a tempestade em boas condições, se não faltar
emprego. A reforma trabalhista é a mais importante e urgente para o País, neste momento. Tão estratégica e prioritária
que a reforma tributária pode esperar. A flexibilização da legislação trabalhista poderá apoiar a manutenção e geração
de empregos, neste momento. O mercado interno brasileiro é fundamental no enfrentamento dos efeitos da crise
internacional e depende totalmente da capacidade de consumo dos assalariados.
Nesse cenário o comércio varejista é um dos principais aliados do mercado interno e da economia para amenizar os
efeitos internos da crise internacional. O setor está presente em todos os municípios brasileiros, sendo que as grandes
redes varejistas estão em cerca de 350 deles. No restante, as empresas do setor são de pequeno e médios portes. Essa
é uma característica do varejo no Brasil.
A família brasileira foi a locomotiva do crescimento econômico nacional, nos últimos anos. O contínuo desenvolvimento
do mercado interno e do varejo é fruto do aumento do poder aquisitivo das famílias brasileiras. O mercado interno é o
grande diferencial vantajoso da economia brasileira em relação aos países mais atingidos pela crise financeira e
econômica internacional. Poderá ser o responsável pelo reposicionamento do País no mercado mundial no ciclo póscrise.
Grandes redes atacadistas internacionais estão sendo atraídas ao Brasil, devido às características e peculiaridades do
mercado interno. Diferentemente dos Estados Unidos e países europeus, onde empresários dependem do sistema
financeiro e das bolsas de valores para se financiarem, o comércio varejista brasileiro possui alternativas próprias. O
setor se autofinancia por meio de cheques pré-datados, carnês etc.
As constatações e recomendações são de Roque Pelizzaro Jr, presidente da Confederação Nacional dos Dirigentes
Lojistas (CNDL). Pelizzaro falou à ASN horas antes de o Comitê de Poilíticas Monetária do Banco Central (Copom)
reduzir a taxa Selic em 1%, na quarta-feira (21). Ele e outros presidentes de entidades setoriais parceiras do Sebrae
estão sendo ouvidos na segunda rodada da ASN sobre os efeitos da crise internacional, até o momento.
ASN - Como foram os negócios do setor varejista em 2008?
Pelizzaro Jr - Ninguém pode reclamar de 2008. Apesar do final do ano, quando houve uma desaceleração, os números
foram muito bons. Os efeitos da crise não chegaram ao Brasil como nos países desenvolvidos. A média anual de
crescimento do varejo brasileiro, no ano passado, ficou acima de 9%, comparada com 2007. A empregabilidade do
setor também aumentou. Só em dezembro, caiu um pouco.
ASN - Falta crédito para o setor de varejo?
Pelizzaro Jr - Nosso varejo sempre ficou longe do crédito. Devido a falta dele, os empresários do varejo construíram as
próprias alternativas. Os lojistas são responsáveis pelo crediário dos estabelecimentos. Nos Estados Unidos, o varejo
depende de crédito e do sistema financeiro, não existe crediário próprio. Aqui no Brasil todo varejo aceita cheque prédatado, carnês, entre outros. O SPC (Serviço de Proteção ao Crédito) foi criado pelos lojistas para ser uma ferramenta
de consulta e garantia, no momento em que concedem o crédito direto ao consumidor.
ASN - Quais são as outras peculiaridades do varejo brasileiro?
Pelizzaro Jr - Os grandes varejistas estão presentes em cerca de 350 municípios, não mais do que isso. Tomando como
referência os cerca de 5,5 mil municípios do País, o restante, ou cerca de 5,2 mil municípios, são atendidos por
pequenos e médios varejistas. Essa é outra característica que diferencia o varejo brasileiro.
ASN - Qual é a expectativa do setor em relação a 2009?
Pelizzaro Jr - Acho que 2009 será um ano de turbulência. O mar está revolto, mas temos todas as condições de
atravessar a tempestade e chegar do outro lado melhor do que outros países. Todos teremos papel importante nessa
travessia: empresários, governo, trabalhadores e até consumidores. Não podemos empurrar com a barriga essa
situação. Temos condições de crescer a números acima da média mundial. No momento em que o mundo se recuperar
desse processo, o Brasil poderá estar em condições melhores, internas e externas, para se recolocar no mercado
mundial. Tudo vai depender de como vai se comportar o fator emprego. Se ficar em patamar razoável, nosso setor tem
possibilidade de continuar crescendo, apesar de que não será em índices de 5% a 7% ao ano.
ASN - O que sugere aos empresários do setor e ao País, neste momento?
Pelizzaro Jr - Não se espera recessão no Brasil, mas temos de fazer o dever de casa: baixar a taxa de juros (Selic);
realizar as reformas trabalhista e tributária; melhorar o mix de produtos do comércio; definir o perfil do consumidor;
ter foco no consumidor e entender o que ele quer consumir. A manutenção e geração de postos de trabalho são os
temas com os quais governo, sindicatos e empresas têm que se preocupar e solucionar. A flexibilização da lei
trabalhista é emergencial. Nossa preocupação deve ser manter a economia ativa por meio da formalidade, gerando
empregos para o povo brasileiro. A carga tributária é muito alta, mas neste momento a reforma tributária pode
esperar. O câmbio vai ter acomodação entre R$ 2,20 e R$ 2,30, no segundo semestre. A inflação está totalmente sob
controle. Nada justifica que a queda da taxa Selic seja menor do que 1%, neste momento (o Copom reduziu a taxa
Selic em 1%, horas depois desta entrevista). O Brasil precisa respirar e mostrar ao mercado que estamos dispostos a
tomar decisões e correr riscos controlados. É uma questão de coragem dos nossos empresários, políticos, governantes
e do cidadão. Se o cidadão não acreditar nas medidas que estão sendo tomadas, não vai consumir. Se ele não
consumir, a economia não roda.
ASN - Como será possível manter e gerar empregos ao longo da crise?
Pelizzaro Jr - Esta é a hora de os poderes públicos colocarem o dedo na ferida. A única coisa que significará decidir
errado, neste momento, é deixar de decidir. O foco principal é flexibilizar a lei trabalhista, preservando os diretos de
quem já está trabalhando e possibilitando o aumento e geração dos postos de trabalho em setores, que não terão tanto
impacto com a crise. Neste momento, a reforma trabalhista é prioridade absoluta. As outras reformas que o País
precisa, como a tributária, podemos esperar. É fácil para sindicatos de trabalhadores, com garantia de empregos, falar
em regalias e direitos. Não existe sindicato dos desempregados, que olhe pelas necessidades dos trabalhadores fora do
mercado.
ASN - Quais são os setores menos impactados pela crise
Pelizzaro Jr - São aqueles mais voltados para o mercado interno. Como aconteceu em 2007 e 2008, a grande
locomotiva da economia brasileira foi a família brasileira, ou seja, nosso mercado interno. Agora é a hora e vez de
voltarmos para nosso mercado interno.
ASN - O senhor acaba de participar do encontro internacional de presidentes de confederações de comércio varejista,
ocorrido nos Estados Unidos. Quais foram as conclusões desse fórum?
Pelizzaro Jr - Quarenta e um presidentes de confederações de comércio varejista participaram do encontro. Escutei
muito o quê se espera do varejo no mundo e de alguns países específicos, neste momento. No debate, o Brasil
realmente apresentou as melhores condições no grupo Brics (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul) para superar
bem essa crise. Em dezembro passado, os negócios do varejo norte-americano ficaram 2,7% abaixo do que em
dezembro de 2007. No Brasil, neste mesmo período ficamos cerca de 3% acima de 2007. O Brasil foi o único país,
entre os Brics e os do primeiro mundo, que apresentou resultados positivos no varejo em 2008. Uma grande rede de
supermercados norte-americana não vai reduzir investimentos no Brasil. Será o único país no qual não deixará de
investir. "Os executivos americanos dessa rede vão ter que aprender português", brincaram no encontro.
ASN - O interesse de grandes varejistas internacionais no nosso mercado interno não
ameaça as empresas nacionais do setor?
Pelizzaro Jr - Nós temos que nos preparar e trabalhar para receber o capital estrangeiro no nosso varejo. Em 2007,
estive na Itália e na França para ver como fizeram lá, quando redes varejistas internacionais chegam ao mercado deles.
Eles utilizaram o conceito de segmentação, dividindo o varejo em três segmentos, por tipo de consumo: conveniência,
impulso, e programado. Na Europa, o varejo programado fica para os grandes varejistas, com plantas grandes e
localização retirada dos centros das cidades. Os outros dois perfis de compra ficam para os pequenos varejistas. Nas
legislações municipais, os planos diretores têm a missão de distribuir o varejo no município, equilibrando as
oportunidades para pequenos, médios e grandes varejistas. Desse modo, não fecham a economia à entrada do capital
estrangeiro, organizando o espaço de mercado e até geográfico do varejo. Em 2009, vamos tratar desse tema,
segmentação do varejo, com o Sebrae.
ASN - Como está a agenda da CNDL para este ano?
Pelizzaro Jr - No segundo semestre, vamos lançar uma ferramenta de pesquisa que possibilitará verificar as
expectativas do consumidor, como o que ele quer comprar, datas das compras etc. Uma análise do cliente nos
estabelecimentos pode ajudar muito os negócios da empresa no setor de varejo. Essa ferramenta será um modelo de
pesquisa que ofereceremos aos lojistas. Deverá ser usada no dia a dia. Por meio da aplicação dessa pesquisa, o
empresário poderá focar melhor o negócio no seu cliente e no mix de produtos a ser vendido.
ASN - Na sua visão, o quê significa essa crise?
Pelizzaro Jr - Essa crise é essencialmente de confiança no sistema financeiro. Os bancos não estão confiando uns nos
outros. Foram mais atingidos os setores que exportam commodities. Nos Estados Unidos, os empresários buscam
recursos nas bolsas de valores. Há pouco financiamento de pessoas jurídicas. Na Índia, a economia está voltada à
exportação de serviços para os Estados Unidos. A economia indiana despencou junto com a americana. A China está
num buraco, porque tem que exportar para os Estados Unidos e as exportações diminuíram muito. O Brasil está em
condições confortáveis, pois tem dependência muito pequena do crédito internacional. Nosso mercado interno é nossa
grande locomotiva. Ele vem desacelerando aos poucos. Aqui a mudança não é abrupta como foi nos outros países.
Queda de 2% na nossa economia é simples de ser administrada. O quê para o mundo é ameaça, pode ser uma grande
força para o Brasil. Não tivemos evasão de recursos. Hoje, o capital estrangeiro aplicado no Brasil sai daqui a
contragosto. Ao contrário de anos atrás, quando qualquer turbulência fazia o capital estrangeiro sair do País. Dessa vez,
os recursos internacionais que saíram foram para evitar a quebra da matriz no primeiro mundo.
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