Gastroenterologia Semiologia - GESEP Fatores de risco para ascite 2 ASCITE Dr. Joachim Graf Objetivos 1. Entender o que é ascite 2. Conhecer as causas de ascite 3. Saber diagnosticar ascite 4. Elaborar diagnósticos diferenciais das ascites O que é ascite? É o acúmulo patolológico de líquido livre na cavidade peritoneal. O termo provém do grego “askos”, que significa bolsa, saco. Quem tem a doença? O acúmulo do líquido na cavidade peritoneal ocorre em 90% dos casos por quatro causas principais: cirrose hepática, carcinomatose p e ri t o n ea l , c a r d i o p a t i a e t u b e r c u l o s e peritoneal. Para definir qual é a causa envolvida deve-se desenvolver um raciocínio clínico baseado em informações de anamnese e exame físico. Quais informações clínicas são relevantes? Início e Evolução Na maioria dos casos o desenvolvimento da ascite é lento e gradativo, acompanhando o surgimento de outros sinais e sintomas da doença primária. Como a maioria das ascites é em consequência de cirrose hepática, outros sinais físicos desta patologia deverão ser também verificados. Já o surgimento rápido de ascite suscita a possibilidade de causas extra-hepáticas, especialmente cardiovasculares, como trombose de veia suprahepática, pericardite constritiva e insuficiência cardiaca congestiva. Quando o processo se acompanha de emagrecimento acentuado, devem ser consideradas também outras causas, como carcinomatose ou tuberculose peritoneal, ou mesmo desenvolvimento de hepatocarcinoma a partir da cirrose hepática. São aqueles relacionados às causas primárias da ascite: Álcool: No caso da cirrose alcoólica é o etanol. Seu consumo muitas vezes é negado pelo paciente ou sua importância reduzida, especialmente tratando-se de mulheres, para as quais o alcoolismo ainda traz comportamentos estigmatizantes da sociedade. É necessaário quantificar o volume e o tempo de consumo, bem como o tipo de bebida. Para o cálculo da quantidade em gramas de etanol consumida por uma pessoa basta multiplicar o volume da bebida consumida, por sua concentração em percentagem, que vem expressa nos rótulos das bebidas, e finalmente multiplicar o resultado pela constante 0,8. Assim, uma latinha de cerveja com 350ml, a 5% contém 14 gramas de etanol (350 x 5% x 0.8) Vírus: Relacionam-se à cirrose os vírus das hepatites B, C e D, esta última de incidência geográfica bem delimitada. A hepatite B é considerada doença sexualmente transmissível, além de apresentar t r a n s m i s s ã o v e r t i c a l m a t e r n o-f e t a l considerável; a hepatite C tem vias de transmissão parecidas com a do HIV, devendo-se perguntar acerca de transfusões no passado, uso de drogas ilícitas (tanto injetadas como aspiradas), práticas de tatuagem e acupuntura. Em detrminados grupos populacionais como presidiários, as algemas utilizadas no transporte tem sido lembrada como possivelmente envolvida na transmissão deste vírus. As lesões hepáticas induzidas por este vírus são potencializadas pelo álcool. Drogas: É reconhecido que praticamente qualquer droga de metabolismo hepaático possa determinar agressão de maior ou menor grau ao seu parênquima. É imprescindivel a elaboração de um inventário de todas as drogas utilizadas, mesmo as sem receitas médicas, o motivo de sua administracao, dose e duração de uso. Devem também ser incluídos no questionário a utilização de ervas e fitoterápicos. História familiar: A informação de parente Gastroenterologia Semiologia - GESEP com doença hepática crônica pode remeter a causas metabólicas de cirrose, como hemocromatose, doenca de Wilson e outras síndromes hereditárias infiltrativas bem como doenças colestáticas familiares. Achados de Exame físico Inspeção geral: Os pacientes portadores de ascite causada por cirrose hepática apresentam um distúrbio da homeostase hormonal. Muitos sinais que acompanham a acite se devem a existência de um estado de hiperestrogenismo relativo. Assim, os pacientes do sexo masculino podem desenvolver aspectos fenotípicos de feminilização, com ginecomastia e queda de pêlos. Exame físico dirigido Inspeção: Na posição em decúbito dorsal o paciente com ascite hepática ao contrário do paciente cardíaco com ascite, não tem dispnéia nem jugulares ingurgitadas. O líquido livre em sua cavidade abdominal se desloca aos flancos conferindo a forma de “ventre de batráquio” . Em pé, pelo mesmo motivo, o líquido se desloca para as regiões mais inferiores do abdome, e à semelhança da grávida, o paciente joga o tronco para frente acentuando a lordose lombar, para manter o equilíbrio. Outros sinais também relacionadas ao desequilibrio entre androgênios e estrogênios vistos nestes pacientes incluem as aranhas vasculares (ou telangiectasias) que são observadas na pele do tronco superior, ombros e rosto, caracterizadas por dilatações arteriolares. O eritema palmar, constando de palmas avermelhadas, mais observadas em região tenar e hipotenar e atrofia testicular. Na posicão em decúbito dorsal ainda, pode-se observar a presença de circulação colateral tipo porta que se desenvolve pela hipertensão portal causada pela cirrose. Neste tipo de circulação as redes venosas circundam a cicatriz umbilical, conferindo um aspecto conhecido como “cabeca de medusa”. Deste ponto as veias se dirigem para os hipocôndrios, especialmente o direito e o epigástrio. O sentido do fluxo, que pode ser avaliado ao se ordenhar uma veia mais calibrosas, é centrípeto, ou seja, do centro para cima ou do centro para baixo. Na circulação colateral tipo cava, que se desenvolve em casos Gastroenterologia Semiologia - GESEP de obstrução da veia cava inferior, a rede venosa se desenvolve em região infraumbilical e o sentido do fluxo sempre se faz de baixo para cima. A inspeção ainda permite verificar a posição da cicatriz umbilical em relação ao apêndice xifóide e a sínfse púbica. Em casos de ascite, a cicatriz umbilical se aproxima da sínfse púbica enquanto em casos de cistos gigantes de ovário se aproxima do apêndice xifóide. Outra forma de diferenciar estas duas situações consiste em pressionar firmemente uma régua transversalmente no abdome, logo acima da espinha ilíaca ântero-superior. Em casos de cistos ovarianos a pulsação da aorta abdominal subjacente é transmitida aos dedos e pode ser demonstrada pela régua. Percussão: A percussão do abdome é importante ferramenta semiológica. Para a detecção de ascite é necessária a presença de pelos menos 1.500ml de líquido na cavidade peritoneal. Com o paciente em decúbito dorsal este líquido se posiciona nos flancos, e a percussão destes confere a típica macicez de flancos, que permite diferenciar ascite de outras causas de distensão abdominal. A mobilidade do líquido na cavidade abdominal pode ser detectada percutindo os flancos com o paciente em decubito lateral. Quando em decúbito lateral direito a percussão do flanco esquerdo detectará timpanismo, e quando em decúbito lateral esquerdo, a percusssão do flanco direito sera timpânica. A isto se denomina macicez móvel. Em casos de ascites volumosas é possivel constatar a presença de onda líquida ao se percutir um flanco e sentir a transmissão da onda líquida no outro flanco, desde que a vibração através da parede abdominal anterior seja gentilmente bloqueada por pressão manual. Tal manobra, conhecida como sinal do Piparote, geralmente é desnecessária para firmar o diagnóstico de ascite. A percussão abdominal permite ainda diferenciar um aumento de volume causado por acúmulo de líquido no abdome – ascite – de aumento de volume de outra natureza, como por exemplo, gravidez ou cisto gigante de ovário. No caso de ascite, estando o paciente em decúbito dorsal, as alças intestinais sao deslocadas para a regiao central do abdome, determinando hipertimpanismo central. No caso de cisto ovariano ou gravidez a regiao central tende a ser maciça à percussao, enquanto os flancos são timpânicos. Gastroenterologia Semiologia - GESEP mais raramente no flanco direito, em posição simétrica à do lado esquerdo. Aspecto: Na doença hepática crônica o aspecto geralmente é amarelo-citrino, e quanto menor a concentação de proteínas em seu interior maior a transparência. Na infecção, o líquido se torna turvo. Nas neoplasias, como a carcinomatose peritoneal, costuma ser hemorrágico, e pode assumir um aspecto leitoso, conhecido como ascite quilosa, nas infiltações linfáticas. Em casos de dúvida, quando a ascite é de pequeno volume, a melhor opção para sua detecção parece ser a ultra-sonografia abdominal, que pode detectar a presença de até 100 ml de líquido na cavidade peritoneal. Por que devemos analisar o líquido ascítico? A análise do líquido ascítico é imprescindível para confirmação etiolológica e detecção de complicações da ascite, como peritonite bacteriana espontânea. Considera-se que 10 a 27% dos líquidos ascíticos contém infecção e sua detecção pode ser crítica no tratamento do paciente. Como se estuda o líquido ascítico? Local da punção: Após ter completado a história clínica e exame físico, o próximo passo é a obtenção do líquido ascitico. O procedimento de retirada do mesmo da cavidade peritoneal, denominado paracentese, é seguro. Os locais habituais de punção são no flanco esquerdo, no ponto que marca o terço lateral da linha que une a cicatriz umbilical e a espinha ilíaca anteroposterior, ou abaixo da cicatriz umbilical, na linha infra-umbilical, e Análise bioquímica: Vários elementos podem ser estudados rotineiramente. Entre estes assumem especial importância a determinação do GASA, e a citologia do líquido. GASA, gradiente da albumina no soro e ascite, consiste na diferença da concentação de albumina no soro e na ascite em amostras colhidas simultaneamente. Este gradiente apresenta excelente correlação com o gradiente de pressão venosa hepática determinado por estudo hemodinâmico, e dessa forma é indicador confiável da presença de hipertensão portal como gênese da ascite. A citologia refere-se à contagem de células do sedimento do líquido ascítico, sendo crítico no diagnóstico de peritonite bacteriana espontânea (PBE). Valores de leucócitos acima de 500/mm3 com mais da metade representado por polimorfonucleares (PMN) é altamente sugestivo de PBE. Prefere-se a contagem dos PMN pois estes não sofrem influência da diurese como ocorre com os leucócitos. Quando o predominio dos leucócitos é por linfócitos, a possibilidade de tuberculose ou carcinomatose devem ser afastadas. Quais outros exames do líquido ascítico podem ser úteis? Glicose: nas fases iniciais da PBE tem níveis Gastroenterologia semelhantes aos do plasma. Em fases avançadas e na peritonite bacteriana 2ª ocorrendo por perfuração intestinal, seus níveis podem chegar próximo a zero. LDH – desidrogenase láctica – aumenta muito na peritonite bacteriana 2ª. Amilase: aumenta na ascite pancreática e peritonite bacteriana 2ª. Triglicerídeos: pode ser solicitado na suspeita de ascite quilosa Bilirrubina: concentração acima de 6 mg/dl sugere perfuração biliar. Adenosina d-aminase (ADA): encontra-se elevada na tuberculose. Quais doenças podem se manifestar com ascite? Doenças cardíacas: Insuficiencia cardíaca: além da ascite, o paciente pode apresentar estase jugular, hepatomegalia dolorosa, edema de membros inferiores. Pericardite constitiva: ascite, estase jugular, pulso jugular anormal, pulso paradoxal Doenças malignas: Além da acite, presença de Semiologia - GESEP emagrecimento em paciente com nódulos endurecidos na região supraclavicular ou periumbilical. Na fugura mostra-se um paciente co m implante perito neal de melanoma originário do trato uveal Doença renal: Sindrome nefrótica: anasarca, edema de rosto matutino, proteinuria Doenças vasculares: Síndrome de Budd-Chiari: ascite de instalação mais rápida em paciente com estado de hipercoagulação e doenças mieloproliferativas. Doenças ovarianas: Síndrome de Meigs: ascite e derrame pleural em pacientes com neoplasia benigna do ovário Bibliografia: 1. ARROYO, V. et al. Ascites. In: Weinstein W.M.; Hawkey C.J.; Bosch J. Clinical Gastroenteroly and Hepatology 1a ed 2005 2. BAILEY, H. Demonstrations of Physical Signs in Clinical Surgery, 15a ed, 1967 3. MATOS, A.A.;Both, C.T. Ascite. In: Matos A.A. ; Dantas W.Compendio de Hepatologia 2a ed, 2001 Gastroenterologia Semiologia - GESEP Leitura Complementar Causas de cirrose: as mais prevalentes são a alcoólica e as virais (B e C) Outras causas: hepatite auto-imune, colangite esclerosante primaria, cirrose biliar primaria, fibrose cística, hemocromatose, doenca de Wilson, deficiencia de !-1-antitripsina, criptogênica CLASSIFICAÇÃO DE CHILD Utilizada para estratificar gravidade do paciente com cirrose hepática, determinando seu prognóstico. CLASSIFICAÇÃO DE CHILD-PUGH ESCORE 1 2 3 Encefalopatia ausente leve intensa Ascite ausente leve intensa Bilirrubina <2mg/dl 2-3 mg/dl >3 mg/dl Albumina >3.5 g/dl 3.5-2.8g/dl < 2.8g/dl Tempo de Protrombina -segundos prolongados (INR) <4 “ (<1.7) 4-6”(1.7-2.3) >6 “s (>2.3) Some os escores individuais: (< 7 = Child A); (7-9 = Child B); (> 9 = Child C) % DE SOBREVIDA NA CIRROSE Chid-Pugh 1 ano 5 anos 10 anos Mortes hepáticas A 82 45 25 43 B 62 20 7 72 C 42 20 0 85 MELD (model for end-stage liver disease); Modelo matemático o qual utiliza três parâmetros laboratoriais, que se obtêm facilmente na rotina de qualquer hepatopatia crônica, para definir gravidade da doença, e utilizada na alocação do paciente na fila de transplante hepático. A equação para calcular o escore MELD = 9,57 x log de creatinina mg/dL + 3,78 x log de bilirrubina (total) mg/dL + 11,20 x log de INR + 6,42, arredondando-se o resultado para o próximo número inteiro. O valor máximo de creatinina vai até 4. Valores acima de 15 são considerados para definir hepatopatia grave.