fisiopatologia, diagnóstico e tratamento.

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Editorial
A Sociedade Brasileira de Hepatologia tem
como um de seus objetivos primordiais a
promoção de Educação Médica Continuada
de elevada qualidade científica. Neste projeto
ela se propõe a fazê-lo através de discussão
de casos clínicos, entrevistas e revisões
de atualização sobre temas fundamentais
em Hepatologia, abordados por renomados
especialistas da área.
A Zambon participa desta iniciativa, levando
à classe médica a melhor mensagem técnicocientífica, com o apoio da Sociedade Brasileira
de Hepatologia.
Nesta edição o médico terá a oportunidade
de atualizar seus conhecimentos através da
informação mais precisa e atual sobre um
importante problema: ASCITE.
João Galizzi Filho
Presidente
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Atha Comunicação e Editora – e-mail: [email protected]
Criação e Coordenação editorial
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ASCITE: fisiopatologia, diagnóstico e tratamento
Angelo Alves de Mattos
Professor Titular da Disciplina de Gastroenterologia da Fundação Faculdade Federal de Ciências
Médicas de Porto Alegre (FFFCMPA); Professor do Curso de Pós-Graduação em Hepatologia da
FFFCMPA; Doutor e Livre-Docente em Gastroenterologia.
Aproximadamente 50% dos pacientes com cirrose compensada irão desenvolver ascite em um período de 10
anos de observação. Uma vez que a doença se desenvolva, a mortalidade esperada em 2 anos é de 50%. Tendo
em vista a incidência e o mau prognóstico que a ascite
acarreta ao paciente, fica clara a necessidade de compreender a sua patogenia e de ofertar um diagnóstico e
um tratamento adequado para o seu controle. A patogênese, representada pela teoria da vasodilatação arterial,
pode ser apreciada na figura 1.
No diagnóstico diferencial das ascites, a despeito do valor do exame bioquímico, citológico, bacteriológico e citopatológico, um destaque inicial deve ser dado à determinação dos níveis de proteína na ascite e do gradiente de
albumina soro-ascite. Tendo em vista a correlação que
observamos entre a presença de hipertensão portal e
um gradiente elevado, poderíamos afirmar que níveis
≥1,1 g/dL associados a níveis de proteínas inferiores a
3,0 g/dL sugerem o diagnóstico de cirrose. Naqueles
casos em que o gradiente fosse <1,1 g/dL e os níveis
de proteínas elevados, dever-se-ia pensar em doença peritoneal (p. ex. tuberculose ou carcinomatose peritoneal), e quando ambos os parâmetros estivessem acima
dos níveis críticos discriminativos propostos a hipótese
a ser considerada seria a de hipertensão portal pós-sinusoidal (p. ex. insuficiência cardíaca congestiva). Por outro
lado, quando tanto o gradiente quanto o nível de proteínas estivessem diminuídos, a causa da ascite não estaria relacionada nem a hipertensão portal nem a doença
peritoneal (p. ex. síndrome nefrótica). Obviamente esses
diagnósticos devem ser respaldados por investigação
complementar. Seriam, então, o gradiente de albumina
e os níveis de proteínas do líquido de ascite divisores de
águas a orientar o clínico nos passos propedêuticos a
serem seguidos.
Ressaltamos o papel da contagem de células do líquido
de ascite e sua análise diferencial, tendo em vista sua importância na sugestão diagnóstica da peritonite bacteriana espontânea (PBE). Em recente reunião de consenso,
foi definido que o diagnóstico presuntivo da PBE deve ser
considerado quando o número de polimorfonucleares for
superior a 250 células/mm3. O exame bacteriológico, no
entanto, é gold standard no diagnóstico dessa enfermidade. Embora não seja utilizado como parâmetro inicial
de tratamento da PBE (pela demora no resultado e pela
percentagem significativa de resultados falso-negativos),
serve para uma eventual readequação terapêutica. É
apregoada sua realização com a inoculação do material
coletado em frascos de hemocultura, o que possibilitaria
uma positividade ao redor de 60% a 90% dos casos.
Diante de suspeita de ascite maligna ou pancreática,
deve ser realizado o exame citopatológico e a determinação da amilase. Após terem sido afastadas outras
causas de ascite e confirmado que ela decorre de uma
hepatopatia crônica, torna-se fundamental que se inicie
o tratamento.
De grande importância no manejo dos pacientes com derrame peritoneal é identificar e afastar ou tratar, quando
possível, a causa da hepatopatia. Assim, por exemplo, em
um paciente com hepatopatia decorrente de alcoolismo
é fundamental que esse hábito seja suspenso.
Em regra, os pacientes com ascite necessitam de hospitalização, embora aqueles com derrame peritoneal de
pequeno volume possam ser manejados em nível ambulatorial.
A restrição de sódio nos parece um passo fundamental
do tratamento, preconizando-se uma limitação ao redor
de 2 g, devendo o clínico adequar a dosagem do diurético
quando necessário.
O déficit de excreção hídrica é um achado freqüente
no cirrótico. A ingestão de água, no entanto, só deve
ser restringida naqueles em que a concentração sérica de sódio for inferior a 130 mEq/L. Caso o paciente
apresente importante hiponatriemia (120 mEq/L), a
despeito da restrição de líquidos, os diuréticos devem
ser suspensos.
A resposta inicial à dieta com restrição de sódio ocorre somente em 5% a 15% dos pacientes. Em função
disso, seu uso isolado parece ter pequeno papel terapêutico. Como a absorção da ascite é limitada, toda vez
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que a capacidade for excedida haverá mobilização de
líquido a partir do compartimento plasmático, com conseqüente hipovolemia, azotemia e alterações eletrolíticas. A presença de edema periférico concomitante
evita essa evolução, em decorrência de sua mobilização preferencial e ilimitada. Pelo exposto, fica sugerido que o tratamento deve resultar em perda média de
1 kg/dia naqueles pacientes com ascite e edema periférico e de 300-500 g/dia naqueles só com ascite.
No início do tratamento, são utilizados diuréticos poupadores de potássio, preferencialmente a espironolactona.
Tal substância apresenta um excelente efeito nos cirróticos, em decorrência do hiperaldosteronismo existente.
A dose inicial, de 100 mg, pode ser aumentada a cada
3-5 dias, até um máximo de 400 mg/dia. O intervalo de
dias utilizados para a modificação da dose é baseado no
fato de que o pico de ação da droga é entre o terceiro e
o quinto dia de uso. Como a espironolactona tem meiavida longa, está justificada sua administração uma vez
ao dia.
Sendo o sítio de ação da droga ao nível do néfron distal, a retenção proximal de sódio e de água explica a
falha terapêutica em alguns pacientes. Nestes casos,
associa-se um diurético de alça. A droga habitualmente utilizada é a furosemida, cuja dose varia de 40 a
120-160 mg/dia.
No momento, há quem prefira que o início e os aumentos subseqüentes da terapia diurética façam-se com a
utilização de ambos os diuréticos, pelo fato de isso proporcionar menor tempo de hospitalização e diminuição
das complicações provenientes dos desequilíbrios dos
níveis de potássio do soro dos pacientes.
Figura 1 – Teoria da Vasodilatação Arterial (modificado de Schrier et al.)
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Em recente reunião de consenso do International Ascites Club (IAC) foi somente preconizada a adição de
diuréticos de alça (20-40 mg/dia de furosemida) quando o paciente falhar em responder a uma dose de até
200 mg/dia de espironolactona, após as primeiras
duas a três semanas.
Em aproximadamente 5% a 10% dos pacientes com função hepatocelular estável, há falta de resposta à terapêutica médica utilizada. Eles seriam considerados portadores de ascite refratária, definida como aquela que
não pode ser mobilizada ou cuja recorrência precoce não
pode ser evitada com a terapia médica.
Várias situações devem ser observadas antes de rotularmos uma ascite de refratária. A causa que mais freqüentemente nos induz a considerar um derrame peritoneal
como “refratário” é a ingestão excessiva de sódio. No entanto, tem sido dada especial atenção à PBE, ao uso dos
antiinflamatórios não-hormonais, à trombose porta ou à
associação com um carcinoma hepatocelular, já que podem induzir a uma falsa refratariedade da ascite.
Uma vez definida a refratariedade da ascite, o clínico
deve lançar mão de procedimentos alternativos, já que
esta situação empobrece de forma particular o prognóstico dos pacientes (a sobrevida em um ano varia de
20-50%).
A terapêutica através da paracentese, que consiste na
retirada de 4 a 6 litros de ascite por dia com infusão
intravenosa de 40 g de albumina, mostrou-se mais efetiva, acarretando menos complicações e diminuindo o
tempo de internação dos pacientes, em comparação
com o tratamento à base de diuréticos. Na dependência do caso, a retirada do líquido de ascite pode ser
realizada através de parecentese única, com infusão
intravenosa de albumina.
Tendo em vista o custo da reposição com albumina, foi
realizado estudo multicêntrico randomizado comparando albumina, dextrana 70 e Haemaccel® na prevenção
da hipovolemia. Concluiu-se pela maior eficácia da albumina, refletida por menor número de readmissões
e maior sobrevida dos pacientes. Ficaria, no entanto,
permitido o uso desses expansores plasmáticos nas
paracenteses em que o volume drenado de ascite fosse
inferior a 5 litros.
Outra modalidade terapêutica que poderia ser utilizada
nos casos de ascite refratária é a colocação de shunt
transjugular intra-hepático portossistêmico (TIPS). O
sucesso terapêutico alcançado é ao redor de 60% em
um ano. A maior complicação desse método é o desenvolvimento de encefalopatia portossistêmica (EPS),
que ocorre em até 30% dos pacientes, embora seja,
geralmente, de fácil manejo.
Estenose de shunt ocorre em até 70% dos casos, quando eles são seguidos por um ano, embora estudos recentes sugiram que o TIPS com politetrafluoretileno diminua
a possibilidade de oclusão.
Quando o papel do TIPS e da paracentese terapêutica foi avaliado, observou-se que o mesmo controla de
maneira mais eficaz a ascite, a despeito da maior incidência de EPS, não havendo alteração significativa de
sobrevida.
Em regra, tem sido aceita a colocação de TIPS naqueles
pacientes que não respondem à terapêutica com a paracentese (mais de três tratamentos ao mês). Por outro
lado, ela tem sido contra-indicada em pacientes com EPS,
naqueles com idade superior a 70 anos, naqueles com disfunção cardíaca (fração de ejeção inferior a 55%) e nos
que apresentam escore de Child superior a 12.
É importante enfatizar que o transplante hepático é a forma de terapia definitiva a ser ofertada aos pacientes com
ascite refratária. Seriam, então, as alternativas anteriormente consideradas procedimentos terapêuticos que proporcionariam uma vida mais digna a essa população de
pacientes até a sua realização. Grosso modo, um escore
Child-Pugh maior do que 10, em um paciente com ascite,
poderia ser encarado como sinalizador para o transplante, já que a sobrevida de um ano que este proporciona
varia de 75% a 85%. Parece ser de fundamental importância a utilização de um índice prognóstico para indicar o
transplante de forma mais precoce, antes que o paciente
desenvolva ascite refratária, uma vez que deve ser pesado, na decisão do momento da indicação, o tamanho da
fila de transplante.
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Estudo comentado
Victorino Spinelli Toscano Barreto
Médico hepatologista por YALE University
Vice-presidente do Instituto do Fígado de Pernambuco - Universidade de Pernambuco
Colestase Intra-hepática da Gravidez
Zapata, R et al. Liver International 2005 Jun; 25(3):548-54.
A colestase intra-hepática da gravidez (CIP) é uma
hidrófilo e não gera o ácido litocólico, metabólito na-
condição clínica pouco comum, resultante de alte-
tural do QDCA e hepatotóxico.
rações no metabolismo dos sais biliares não eluci-
A administração contínua de UDCA leva a uma mo-
dadas completamente. Dessas alterações resultam
dificação do perfil dos sais biliares, com aumento da
dois problemas principais: a) prurido, a partir do
concentração deste ácido e redução do QDCA, melho-
segundo trimestre da gestação, por vezes intenso
rando as características físico-químicas da bile. Essa
e incapacitante, e b) maior freqüência de prematuri-
propriedade levou à introdução da molécula UDCA
dade e de mortalidade fetal, de causa também pouco
como um agente para “dissolver” cálculos biliares.
esclarecida. Do ponto de vista fisiopatológico, trata-
Logo verificou-se que essa estratégia não apresenta-
se de um distúrbio primário na gênese da força os-
va vantagem em relação à clássica colecistectomia
mótica de propulsão biliar em nível canalicular. Esse
e a idéia foi abandonada. Tornou-se então clara a sua
distúrbio é induzido pelos elevados níveis de estróge-
utilidade no tratamento das doenças colestáticas e
nos, aparentemente por interferência na formação
de algumas outras condições crônicas do fígado de
de micelas pelo complexo sais biliares/colesterol/
patogenia pouco compreendida, como a esteatoe-
fosfolipídeos.
patite não-alcoólica. Entretanto, foi na cirrose biliar
Alterações qualitativas e quantitativas nos sais bilia-
primária que o UDCA encontrou sua aplicação mais
res têm sido relatadas, como o aumento da relação
importante, sendo hoje o medicamento de primeira
ácido cólico-ácido quenodesoxicólico e da relação
escolha para o tratamento dessa condição.
glicina-taurina entre os sais biliares conjugados. Do
Um estudo publicado na edição de setembro de 2005
ponto de vista histopatológico, trata-se de um exem-
da Gastroenterology apresenta dados contundentes
plo de colestase pura, ou seja, uma estrutura hepáti-
que dão suporte à segunda grande indicação desse
ca normal com plugs biliares visíveis em canalículos
fármaco, a colestase intra-hepática da gravidez. Até
biliares, grânulos de bilirrubina em hepatócitos e cé-
então, a droga mais eficaz para a doença, a colestira-
lulas de Kupfer e ductos biliares normais. O trata-
mina, na melhor hipótese controlava o prurido, porém
mento dessa condição tem se baseado no alívio do
nada fazia pelo feto. O UDCA é a primeira droga que
prurido com a resina colestiramina, no intuito de es-
consegue, além de controlar o prurido (com vantagem
tender a gestação o máximo possível para diminuir
em relação à colestiramina), reduzir significativamen-
os problemas com o feto. A doença regride total e
te a prematuridade e a mortalidade fetal e neonatal.
imediatamente com a interrupção da gravidez.
Humberto Reyes, um dos grandes estudiosos do as-
O ácido ursodesoxicólico (UDCA), um isômero espa-
sunto, apresentou dados semelhantes em recente
cial do ácido quenodesoxicólico (QDCA), componente
congresso brasileiro (Hepatologia do Milênio, Salva-
principal da bile do urso, tem concentração margi-
dor-BA, julho de 2006), com base em sua experiên-
nal na bile humana. Em comparação com o QDCA,
cia de 12 anos em Santiago do Chile, cuja leitura re-
principal componente da bile humana, é muito mais
comendamos aos interessados no assunto.
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202104 URSACOL/SBH2/SET06
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