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J Bras Nefrol 2000;22(2):55-62
55
Ocorrência de litíase renal em pacientes com ressecção parcial do
intestino delgado
Rui Alves, Cristina Comiran, Cristina Karhol e Elvino Barros
Resumo
Serviço de Nefrologia do Hospital de
Clínicas de Porto Alegre da Universidade
Federal do Rio Grande do Sul
Endereço para correspondência:
Elvino Barros
Rua Ramiro Barcelos, 2350
CEP 90035-003 Porto Alegre, RS
Tel./fax: (0xx51) 316-8295
E-mail: [email protected]
Litíase renal. Hiperoxalúria entérica.
Ressecção intestinal.
Kidney stone. Enteric hyperoxaluria. Intestine ressection
1Litiase.p65
55
Introdução
A hiperoxalúria pode ocorrer após ressecção parcial do intestino delgado e
está associada a maior risco de nefrolitíase.
Métodos
Foram estudados 40 pacientes com ressecção de mais de 30 cm de intestino
delgado no período de 1984 a 1997 para avaliar a prevalência de litíase renal
e as alterações metabólicas associadas a essa condição. Os pacientes foram
divididos em dois grupos. Grupo 1: sem litíase, com 33 pacientes que não
formaram cálculos renais durante o período de observação. Grupo 2: com
litíase, constituído de 7 pacientes que desenvolveram um ou mais cálculos
renais após a ressecção intestinal.
Resultados
Os 7 pacientes que desenvolveram um ou mais cálculos renais durante o
período de observação correspondem a 18% da população em estudo e
indicam uma incidência de 3,1 casos por 100 pessoas/ano. A excreção urinária
de oxalato foi significantemente maior no grupo com litíase (49,2±23,8 mg/
24horas Vs 30,6±3,4 mg/24h). O magnésio foi significativamente menor
nesses pacientes comparado com os não-formadores de cálculos (54,5±17,9
mg/24horas Vs 94,9±8,5 mg/24horas). O citrato, apesar de ser menor nos
pacientes com cálculo renal, não apresentou diferença estatisticamente
significativa (265,9±55,8 mEq/24horas Vs 404,8±49,7 mEq/24horas). A
frequência de pacientes que apresentaram alterações metabólicas, como a
hipercalciúria, foi identificada em 4 (12%) pacientes do grupo com litíase e
em 1 (14%) paciente do grupo sem litíase. A hiperuricosúria foi observada
em apenas um paciente de cada grupo. A hiperoxalúria foi encontrada em 7
(21%) pacientes do grupo sem litíase e 2 (29%) do grupo com litíase e a
hipocitratúria em 12 (36%) pacientes do grupo sem litíase e em 5 (71%)
pacientes do grupo com litíase, não havendo diferenças estatisticamente
significativas entre os dois grupos.
Conclusões
Novos cálculos urinários podem ser detectados em um número significativo
de pacientes que se submetem à cirurgia de ressecção parcial do intestino
delgado. Esses cálculos estão associados ao aumento da excreção urinária de
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Alves R et al - Litíase secundária à ressecção intestinal
oxalato e à diminuição dos inibidores da cristalização de oxalato de cálcio
como o magnésio e o citrato, além de outras alterações metabólicas associadas.
Abstract
Introduction
Hyperoxaluria complicates ressection of the small intestine, and it is associated
with a higher risk to develop calcium oxalate nephrolithiasis.
Methods
Between 1984 and 1997, 40 patients submitted to ressection of more than
30cm of the small intestine were investigated for kidney stones formation and
associated metabolic alterations. These patients were divided in two different
groups. Group 1: non-stone-formers (n=33). Group 2: stone-formers (n=7).
Results
Seven (18%) of these patients developed at least one kidney stone during the study
period with an incidence rate of 3.1/100 person-year. The average excretion of
oxalate was higher among stone-formers patients when compared with non-stoneformers patients (49.2±23.8 mg/24h vs. 30.6±3.4 mg/24h). Magnesium excretion was significantly lower in stone-formers patients (54.5±17.9 mg/24h vs.
94.9±8.5 mg/24h). Citrate excretion was also lower in these patients (265.9±55.8
mEq/24h vs. 404.8±49.7 mEq/24h) but without significant statistical difference. In
the metabolic evaluation, there were 4 patients (12%) with hypercalciuria in group
2 and 1 patient (14%) in group 1. Hyperuricosuria was observed in only one patient
of each group. Hyperoxaluria was seen in 7 patients (21%) without lithiasis and in 2
(29%) of the lithiasis group. Hypocitraturia was observed in 12 (36%) of the patients without lithiasis and in 5 (71%) of the lithiasis group. There were no significant
statistical differences between the groups.
Conclusions
This study shows that kidney stones are detected in a large number of patients
after ressection of the small intestine, and are associated with increased oxalate
excretion and lower magnesium and citrate excretion.
Introdução
A litíase urinária é uma entidade clínica comum,
estimada de 1% a 12% da população e mais freqüentemente encontrada nos homens de raça branca.1 A idade média de aparecimento da doença é entre 20 e 40
anos.2 Apresenta uma alta recorrência, sendo que aproximadamente 50% dos pacientes poderão apresentar
um segundo episódio de litíase entre 5 e 10 anos.1,3,4
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A formação dos cálculos urinários é o resultado
de um processo complexo e multifatorial. Alterações
metabólicas são encontradas na imensa maioria dos
pacientes. 5 Hipercalciúria, hipocitratúria, hiperuricosúria, hiperoxalúria, distúrbios de acidificação renal e cistinúria são as mais prevalentes.5-7
O oxalato é o constituinte mais freqüente dos cálculos urinários, que o apresentam em aproximadamente 2/3 de sua constituição. Apesar disso, a maioria dos
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pacientes portadores de urolitíase apresenta excreção
urinária de oxalato dentro de faixas consideradas normais e a prevalência de hiperoxalúria na população
de litiásicos oscila entre 3% e 6%.2,5,6
Nas últimas décadas, tem sido descrito um aumento na freqüência de litíase por oxalato de cálcio em
pacientes com doenças intestinais inflamatórias crônicas, com ressecção intestinal ou “bypass” jejunoileal.810
Nesses casos, ocorre um aumento na absorção intestinal de oxalato, o que determina uma maior excreção
renal e supersaturação urinária para o oxalato de cálcio, favorecendo a precipitação e a formação de cálculos renais. Os pacientes com ressecção intestinal e hiperoxalúria também apresentam, com muita freqüência,
uma significativa redução dos inibidores da cristalização urinária, particularmente o citrato e o magnésio.11,12
Associado a essas alterações é comum, nesses pacientes com ressecção intestinal, uma significativa redução
do volume urinário em conseqüencia de diarréia.11,13
Estudou-se um grupo de pacientes submetidos a
ressecção parcial do intestino delgado avaliando a prevalência e a incidência de litíase do trato urinário e as
alterações metabólicas associadas pela medida de vários parâmetros urinários.
Métodos
Trata-se de um estudo observacional e contemporâneo de prevalência e de incidência de litíase renal
em pacientes submetidos à ressecção intestinal. Os
pacientes incluídos foram aqueles submetidos a ressecção parcial do intestino delgado, com uma extensão maior do que 30 cm, atendidos no Ambulatório de
Urolitíase do Hospital de Clínicas de Porto Alegre no
período de 1986 a 1994. Esses pacientes foram acompanhados até janeiro de 1997, sendo submetidos a
avalição clínica e laboratorial periódica durante esse
período.
Os pacientes foram divididos em dois grupos: grupo 1, sem litíase (sem LIT); grupo 2, com litíase (com
LIT). Todos os indivíduos foram submetidos a uma
entrevista inicial, realizada pelo preenchimento de um
formulário pré-elaborado, que continha dados de identificação do paciente, história completa de sua doença
intestinal e formação de cálculos renais. Na história
pregressa foi dada ênfase à idade de início da doença
(ocasião em que o diagnóstico de litíase renal foi firmado pela primeira vez), duração da doença, número
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de cálculos formados e/ou eliminados. Todos os pacientes foram submetidos a uma avaliação radiológica
e/ou ecográfica do trato urinário no dia ou próximo
ao dia em que foram submetidos a cirurgia abdominal
para ressecção intestinal. Somente os pacientes sem
história de litíase e não-portadores de litíase no momento da cirurgia foram incluídos.
Após um mínimo de um ano da cirurgia, os pacientes foram avaliados com exames de imagem (radiografia ou ultrassom) e de laboratório. A avaliação laboratorial constou dos seguintes exames: exame de urina,
urocultura, dosagens em urina de 24 horas de cálcio,
fósforo, ácido úrico, creatinina, citrato, magnésio, oxalato, sódio e volume urinário. Dosou-se no plasma
cálcio, fósforo, ácido úrico, uréia, creatinina e CO2. As
dosagens na urina de 24 horas foram realizadas com o
paciente mantido nas suas condições usuais de dieta e
de atividade física. Sempre que possível se evitou coletas em fins-de-semana.
O oxalato foi dosado por método enzimático, utilizando a enzima oxalato oxidase, (“Sigma Diagnostics”).
Foram considerados hiperoxalúricos aqueles pacientes cuja excreção urinária de oxalato era igual ou superior a 50 mg/ 24h. O cálcio sérico e urinário foram
dosados por método colorimétrico de combinação (cresol-ftaleina-complexona). Os valores considerados
normais no sangue foram: 8,5 mg/dl a 10,5 mg/dl e, na
urina de 24 horas, até 250 mg/24h nas mulheres, 300
mg/24h nos homens ou abaixo de 4 mg/kg/dia em
ambos os sexos.14 O citrato urinário foi dosado por
método enzimático, utilizando-se a enzima citrato liase. Os valores considerados normais foram aqueles
acima de 320 mg na urina de 24 horas para ambos os
sexos.14 O magnésio foi dosado por método colorimétrico (“Kit Labtest”). Os valores considerados normais
foram de 15 mg a 300 mg na urina de 24 horas.
Análise cristalográfica foi realizada por meio de um
microscópio com dispositivo de polarização (microscópio petrográfico) e platina rotativa de 360º, sendo o
material analisado comparativamente em meios de
imersão com diferentes índices de refração. A difratometria de raio-X foi realizada pelo método do pó. Esse
método se baseia na pulverização do material, que
depois é submetido a um bombardeio de raio-X. O
espectro resultante é registrado em um detector. Posteriormente, faz-se a análise dos picos característicos
de cada espécie mineral.
O estudo foi aprovado pela comissão de ética em
pesquisa do Hospital de Clínicas de Porto Alegre.
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A análise estatística foi realizada utilizando-se o
programa Epi Info 6. Os dados são apresentados como
média e erro padrão. Para as comparações entre os
grupos de pacientes não-formadores e formadores de
cálculo renal, grupo 1 e grupo 2 respectivamente, foi
utilizado o teste “t” de Student, para os dados com
distribuição normal, e o teste de Mann-Whitney, para
os dados de distribuição não paramétrica. O teste exato
de Fisher foi utilizado para comparar a proporção de
pacientes no grupo com litíase e sem litíase que
apresentaram alterações metabólicas. O nível de
significância adotado foi 5% (α=0,05).
Resultados
Foram estudados e acompanhados 40 pacientes, 20
homens e 20 mulheres, sem história prévia de litíase
renal, que se submeteram a ressecção de intestino delgado por isquemia, infecção ou traumatismo abdominal por um período médio de 6 anos. Nesse período,
observou-se que 7 de 40 pacientes desenvolveram pelo
menos um cálculo renal, correspondendo a 18% da
população estudada, com uma incidência de 3,1 casos
por 100 pessoas/ano. O grupo 1, sem litíase renal, formado por 33 pacientes (17 mulheres e 16 homens), foi
observado por um período de 6,2±2,11 anos semelhante ao grupo 2, com sete pacientes (3 mulheres e 4 homens), que desenvolveu um ou mais cálculos durante
o período de observação de 7,4±3,77 anos.
A idade dos pacientes em ambos os grupos foi semelhante, sendo de 52±3,0 anos no grupo 1 e 53±7,4
anos do grupo 2.
A extensão da ressecção intestinal foi maior no grupo de pacientes com litíase renal 148±95,2 Vs 54±5,0
centímetros, mas sem diferença estatísticamente significativa entre os grupos. A maior extensão observada
nesse grupo se deveu a grande ressecção realizada em
uma das pacientes, que retirou 668 cm de jejuno e íleo.
A avaliação metabólica desses pacientes foi realizada após a cirurgia de ressecção intestinal, em média
3,65±2,10 anos no grupo1 e 5,7±3,81 anos no grupo 2,
não havendo diferenças estatísticas entre os grupos.
O tempo decorrido para o desenvolvimento de litíase renal, após a ressecção intestinal nos pacientes
que já a haviam apresentado, foi em média 4 anos. O
aparecimento de litíase renal em uma das pacientes
ocorreu após 14 meses da cirurgia. Essa paciente foi a
que teve a maior extensão de intestino ressecado, mais
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de 6 metros, e também apresentou um grande número
de evacuações diarréicas, de 5 a 15 por dia. Teve recorrência da litíase com formação de pelo menos 4
cálculos em 6 anos de evolução.
Todos os pacientes apresentavam função renal
normal com níveis de creatinina de 1,0±0,09 mg/dl
no grupo sem LIT e 0,9±0,05 mg/dl no grupo com
LIT, não havendo diferenças entre os dois grupos
(Tabela 1). O exame de urina dos pacientes também
foi normal e as uroculturas negativas. Da mesma forma, os valores séricos de uréia, ácido úrico, fósforo e
CO2 total foram normais e semelhantes em ambos os
grupos (Tabela 1).
O cálcio sérico no grupo sem LIT foi de 8,7±0,25
Tabela 1
Determinação de parâmetros bioquímicos no sangue dos pacientes
submetidos a ressecção intestinal, Grupo1 sem litíase e Grupo 2 com
litíase
Variáveis
Creatinina(mg/dl)
Uréia(mg/dl)
Ácido Úrico(mg/dl)
Cálcio(mg/dl)
Fósforo(mg/dl)
Albumina(g/dl)
CO2 total(mEq/L)
Grupo
1,0
36,2
4,5
8,7
3,6
4,1
23,1
1
±
±
±
±
±
±
±
(n=33)
0,09
3,21
0,23
0,25
0,12
0,10
0,70
Grupo2(n=7)
0,9 ± 0,05
34,6 ± 2,49
5,9 ± 0,97
9,7 ± 0,18*
3,7 ± 0,31
4,1 ± 0,22
21,3 ± 3,47
*P<0,05
mg/dl, sendo significantemente menor do que o grupo com LIT, de 9,7±0,18mg/dl. Nenhum paciente apresentou hipercalcemia.
O volume urinário dos pacientes sem formação de
cálculo foi maior do que nos pacientes com litíase renal, embora não tenha tido uma diferença estatisticamente significativa: 1570±111 ml/24h no grupo 1 e
1199±305 ml/24h no grupo 2 (Tabela 2).
A avaliação de parâmetros urinários evidenciou
creatinina, fósforo, sódio e ácido úrico semelhante nos
dois grupos de pacientes. A excreção de cálcio na urina de 24 horas foi semelhante nos dois grupos:
171,4±14,1 mg nos pacientes não-formadores de cálculo renal e 153,6±45,6 mg naqueles formadores de
cálculos renais. O oxalato urinário, em média, foi de
30,6±3,4 mg/24h no grupo sem litíase e 49,2±23,8 mg/
24h no grupo com litíase (p<0,05) (Tabela 2).
A determinação dos inibidores da cristalização de
oxalato de cálcio na urina de 24 horas, como o magnésio e o citrato, em média foram menores no grupo de
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Tabela 2
Dosagens de parâmetros urinários de pacientes com ressecção intestinal
não formadores de cálculo renal, grupo1 e os formadores de cálculos,
grupo2
Variável
Volume (ml/24h)
Cálcio (mg/24h)
Fósforo (mg/24h)
Sódio (mEq/24h)
Ácido úrico(mg/24h)
Oxalato (mg/24h)
Citrato (mg/24h)
Magnésio (mg/24h)
Creatinina (mg/24h)
Grupo 1
1570 ± 111
171,4 ± 14,1
656,8 ± 51,9
192,9 ± 18,6
394,8 ± 46,9
30,6 ± 3,4
404,8 ± 49,7
94,9 ± 8,5
1213,3 ± 93,1
Grupo 2
1199 ± 305
153,6 ± 45,6
695,1 ± 335,9
159,4 ± 45,3
313,4 ± 149,1
49,2 ± 23,8*
265,9 ± 55,8
54,5 ± 17,9*
868,0 ± 125,2
* p<0,05
pacientes formadores de cálculos. O citrato foi de
404,8±49,7 mg/24h no grupo sem litíase e 265,9±55,8
mg/24h no grupo com litíase, não havendo diferença
estatisticamente significativa entre os grupos. O magnésio, na urina de 24 horas, foi de 94,9±8,5 mg no
grupo sem litíase e de 54,5±17,9 mg no grupo com litíase (p<0,05) (Tabela 2).
Utilizando-se os parâmetros urinários para identificar os pacientes com alterações metabólicas, não foi
possível verificar diferenças estatisticamente significativas entre os dois grupos. Apenas 5 (15%) pacientes
do grupo sem litíase e 1 (14%) paciente do grupo com
litíase não apresentaram nenhuma alteração metabólica. Hipercalciúria foi identificada em 4 (12%) pacientes do grupo sem litíase renal e em 1 (14%) paciente
do grupo 2 com litíase (Tabela 3).
Hiperuricosúria foi observada em apenas 1 paciTabela 3
Alterações metabólicas nos pacientes submetidos a resseccção intestinal,
grupo 1 sem formação de cálculo renal e grupo 2 com litíase renal
Alteração metabólica
Grupo 1(n=33)
Hipercalciúria
4 (12%)
Hiperuricosúria
1
(3%)
Hiperoxalúria
7 (21%)
Hipocitratúria
1 2 (36%)
Volume urina <1000ml/dia
4 (12%)
Grupo
1
1
2
5
1
2(n=7)
(14%)
(14%)
(29%)
(71%)
(14%)
ente de cada grupo. A hiperoxalúria foi encontrada
em 7 (21%) pacientes do grupo sem litíase e em 2
(29%) do grupo com litíase. A hipocitratúria foi encontrado em 12 (36%) pacientes sem litíase e em 5
(71%) pacientes com litíase. Volume urinário abaixo
de 1.000 ml nas 24 horas, também considerado fator
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de risco relevante na precipitação de oxalato de cálcio na urina, foi encontrado em 4 (12%) pacientes no
grupo sem litíase e em 1 (14%) paciente no grupo
com litíase (Tabela 3).
A avaliação cristalográfica de quatro cálculos, eliminados pela paciente com ressecção de mais de 6
metros de intestino delgado e íleo, mostrou ser constituída de oxalato de cálcio no núcleo de crescimento e
no corpo do cálculo.
Discussão
A formação de cálculos no trato urinário é multifatorial e está associada a causas metabólicas, infecciosas, anatômicas e idiopáticas.1,2,15 Sua prevalência
é alta na população de uma maneira geral, podendo
variar de região para região e entre as várias populações. Dados de países europeus, como Portugal e
França, têm mostrado uma prevalência de litíase renal de 3,3 a 7,2% da população e uma incidência anual
de 3,6 novos pacientes para cada 10.000 habitantes.16,17 Incidência maior tem sido divulgada nos Estados Unidos e Venezuela: 1 a 4 casos por 1.000 habitantes.6 No Brasil não se dispõe de dados estatísticos
da prevalência ou incidência de litíase renal, mas estima-se que não devam ser muito diferente dos encontrados nos países ocidentais.18
A ocorrência de nefrolitíase, como uma complicação de doença intestinal com ou sem resseccção de
parte do intestino, foi descrita no início da década de
40, quando Lindahl & Bargen19 relataram seis casos de
colite ulcerativa com ressecção ileal, apresentando
como complicação a formação de inúmeros cálculos
renais. Em 1968, Gelzayd et al20 revisaram 885 casos de
doença intestinal inflamatória e calcularam uma prevalência de 7,2% de nefrolitíase nessa população. Em
1970, Smith et al21 relataram hiperoxalúria e nefrolitíase em 2 pacientes com ressecção prévia do intestino
delgado. Desde essa época, outras doenças crônicas
do trato gastrointestinal, no qual ocorre má-absorção,
incluindo doença inflamatória crônica intestinal, pancreatite crônica e “bypass” jejunoileal têm também sido
ligadas à formação de cálculos de oxalato de cálcio.9,2123,25-27
Nishiura et al23 observaram litíase renal em 30%
de pacientes com diagnóstico de doença inflamatória
intestinal, 6 pacientes com doença de Crohn e 6 com
retocolite ulcerativa. Na casuística dos autores deste
estudo, de pacientes submetidos à ressecção intesti-
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nal, observou-se a presença de litíase do trato urinário em 7 pacientes de 40 indivíduos estudados. Isso
corresponde a uma alta prevalência, 18% da população em estudo, e também de significativa incidência
de 3,1 casos por 100 pessoas/ano. A litíase ocorreu
precocemente em 1 paciente com ressecção maciça do
intestino delgado, após 14 meses da cirurgia. Portanto, esses índices refletem uma condição básica e nova
determinada pela ressecção intestinal, predispondo a
formação de cálculos renais, já que nenhum dos pacientes era portador de litíase renal previamente à cirurgia de ressecção intestinal. A história de ausência de
litíase antes da cirurgia e a realização de exames radiológicos e ecográficos no pré ou no pós-operatório
imediato excluíram a possibilidade da presença de litíase renal assintomática.
Um dos problemas mais importantes da litíase renal é a sua alta taxa de recorrência. Aproximadamente
60% dos pacientes que apresentam um episódio de
cólica renal repetirão um novo episódio nos próximos
5 a 10 anos.1,4,24 De fato, encontrou-se uma alta taxa de
recorrência em uma das pacientes estudadas, que apresentou uma média de quase 1 cálculo por ano. Vale
lembrar que essa paciente teve uma importante ressecção intestinal, apresentando várias alterações metabólicas associadas. Além disso, foi a paciente com
os maiores níveis de oxalato na urina: 99 mg/24h. Sutton & Walker25 definem hiperoxalúria grave como a
excreção de oxalato na urina de 24 horas acima de 90
mg e chamam a atenção para a maior freqüência de
litíase renal nessa população. Os outros pacientes ainda não desenvolveram recorrência da litíase, provavelmente por apresentarem alterações metabólicas
menos significativas ou devido ao pouco tempo de
observação, em média 6 anos. Provavelmente, com o
acompanhamento por um tempo mais prolongado, será
possível a observação de uma maior recorrência da
litíase nesses pacientes.
Em todas as situações clínicas em que ocorre a supersaturação de oxalato de cálcio, observou-se um
aumento no risco de formação de litíase urinária.1,23-25
O mecanismo pelo qual a hiperoxalúria entérica induz
nefrolitíase e nefrocalcinose permanece pouco claro.
No entanto, um aumento na absorção intestinal de
oxalato do intestino tem sido proposto como o principal mecanismo.1,23,26,27 Pode ocorrer má-absorção de
gordura em conseqüência da ressecção intestinal particularmente ileal, levando a uma ligação com o cálcio
(saponificação), dessa forma deixando o oxalato livre
1Litiase.p65
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para ser absorvido pelo cólon.26-29 Portanto, a maior
absorção e excreção renal de oxalato pode determinar
a deposição de oxalato de cálcio com formação de cristais e posteriormente cálculos renais no interstício, levando a nefrocalcinose.11,12,20,29-31 Yuan et al30 relataram
o caso de pacientes com hiperoxalúria entérica e deposição importante de oxalato de cálcio no parênquima renal, nefrocalcinose e insuficiência renal crônica
terminal. O diagnóstico de hiperoxalúria é baseado na
excreção de oxalato na urina de 24 horas. Quanto mais
elevado for o nível de oxalato, maior será a probabilidade de formação de cálculos renais.20,30,31 Os dados
encontrados confirmam essas observações, já que o
grupo de pacientes com formação de cálculos apresentou uma excreção média de oxalato maior do que
o grupo sem cálculos renais. Além disso, a maioria
dos pacientes formadores de cálculos renais também
apresentou outras alterações metabólicas como hipercalciúria, hiperuricosúria, diminuição do volume urinário e principalmente hipocitratúria, observada em
71% desses pacientes. Dos 7 pacientes com formação
de cálculo renal, somente 1 não apresentou alteração
metabólica detectável durante a avaliação realizada
nesse período de estudo.
Nas síndromes de má-absorção de qualquer etiologia, além do citrato, tem sido observado uma significativa redução do magnésio.11,12,26 Observou-se, também, uma significativa diminuição do magnésio
urinário nos pacientes com litíase renal. Portanto, a
diminuição do magnésio e também do citrato são fatores importantes na formação de cálculos renais desses pacientes com ressecção intestinal. Também tem
sido descrito nos pacientes com “bypass” ileal uma
alta incidência de litíase renal, sendo que os fatores
mais freqüentemente associados são redução do volume urinário, hipocitratúria, diminuição de magnésio e aumento do oxalato urinário.8,12,20,29,32 Acreditase que os pacientes deste estudo apresentaram esses
mesmos fatores de risco, embora não se tenha observado significância estatística para todos eles. Trabalho semelhante a este foi realizado por Annuk et al,28
que estudaram 25 pacientes por 18 anos, submetidos
a cirurgia intestinal por doença inflamatória. Esses
autores diagnosticaram litíase renal em 64% dos pacientes e encontraram uma diminuição dos níveis de
magnésio com elevação dos níveis urinários de oxalato. Também nessa série, o citrato urinário foi menor do que nos pacientes não formadores de cálculos mas, como neste trabalho, não observaram
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qualquer diferença do ponto de vista estatístico.
Portanto, pode-se concluir que a litíase do trato
urinário é uma patologia freqüente nos pacientes submetidos à ressecção intestinal, estando associada a
múltiplos fatores que aumentam a precipitação de oxalato de cálcio. O fator mais importante é o aumento na
excreção do próprio oxalato, que foi maior no grupo
dos pacientes formadores de cálculos renais. Outro
fator significativo foi a redução dos inibidores da cristalização urinária, sendo o magnésio o inibidor significantemente menor no grupo de pacientes com cálculos renais. O citrato urinário é o mais importante
inibidor da cristalização urinária de oxalato de cálcio,
mas, embora menor no grupo de pacientes com litíase, não atingiu uma diferença significativa do ponto
de vista estatístico.
Torna-se importante o acompanhamento desses pacientes submetidos a ressecção intestinal, devendo-se
periodicamente, de preferência a cada ano, realizar exames urinários para detecção de distúrbios metabólicos.
Com o adequado conhecimento das alterações metabólicas e a devida correção desses distúrbios, evitar-se-á a
formação de cálculos renais e sua recorrência.1,33 Portanto, esses pacientes devem manter um alto volume
urinário, acima de 2.000 ml nas 24 horas e corrigir, por
dieta ou medicamentos, os distúrbios metabólicos como
a hipocitratúria, hipomagnesúria e hiperoxalúria, que
são os principais fatores envolvidos na gênese da litíase dos pacientes com ressecção intestinal.
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