ARTIGO ORIGINAL AVALIAÇÃO NUTRICIONAL DE PACIENTE RENAL DIALÍTICO E ONCOLÓGICO: UM ESTUDO DE CASO Amanda I Oliveira(1) Andressa F. Santos(1) Pâmela T. A. Nasser(2) (1)Discentes do Curso de Nutrição da Faculdade Integrado de Campo Mourão (2) Mestranda no Departamento de Nutrição, docente da Faculdade Integrado de Campo Mourão- PR RESUMO A Insuficiência Renal Crônica (IRC) é uma condição clínica que pode ser gerada por múltiplos processos patológicos que levam às alterações das funções renais. A perda progressiva e irreversível da função renal faz com que o paciente necessite de diálise para poder continuar mantendo as funções do organismo em equilíbrio. Por se tratar de um estado delicado e com poucos estudos disponíveis, este trabalho tem como objetivo avaliar o estado nutricional, o consumo alimentar atual e relacionar com a necessidade nutricional de um paciente com IRC realizando hemodiálise e tratamento de câncer de próstata. Os resultados foram coletados no mês de setembro de 2015, no Instituto do Rim, no Município de Campo Mourão, Pr. A avaliação antropométrica demonstra Índice de Massa Corporal de 26,09 kg/m² (eutrofia), Circunferência Muscular do Braço de 8,3% (desnutrição grave); e pela média do diário alimentar de 5 dias, baixa ingestão calórica, glicídica e de cálcio e uma ingestão suficiente de proteínas e fósforo. O resultado da Avaliação Subjetiva Global Adaptada para Pacientes Renais evidenciou desnutrição leve. Os exames encontrados indicam hipoalbuminemia, hipocalcemia, anemia e hiperfosfatemia. Concluindo, a desnutrição observada pela baixa ingestão alimentar torna necessário intervenções nutricionais específicas para o aumento da ingestão calórica e controle dos níveis de fósforo. PALAVRAS CHAVE: paciente dialítico; câncer de próstata; avaliação nutricional de doenças crônicas. NUTRITION EVALUATION OF RENAL-DIALYSIS AND ONCOLOGICAL PATIENT: A CASE STUDY ABSTRACT Chronic Kidney Disease (CKD) is a clinical condition that can be generated by multiple pathological processes that lead to changes in kidney functions. The progressive and irreversible loss of kidney function causes the patient to require dialysis to continue maintaining balance of body functions. Since this is a delicate condition and there are few available studies, this work aims to evaluate the nutritional status and the current food consumption and to relate them to the 120 nutritional needs of a patient with CKD performing hemodialysis and treatment of prostate cancer. The results were collected in September, 2015 at the Instituto do Rim, in the city of Campo Mourão-Pr. The anthropometric assessment shows body mass index of 26.09 kg/m² (atrophy), muscular circumference of the arm of 8,3% (severe malnutrition); and, according to the average from the food diary collected for 5 days, low intake of calories, glycides and calcium, as well as a sufficient intake of protein and phosphorus. The results of the Subjective Global Assessment Adapted for Kidney Patients showed mild malnutrition. The tests found indicate hypoalbuminemia, hypocalcemia, anemia and hyperphosphatemia. In conclusion, malnutrition observed by low food intake makes specific nutritional interventions necessary to increase caloric intake and to control phosphorus levels. KEYWORDS: dialysis patient; prostate cancer; nutritional assessment of chronic diseases. INTRODUÇÃO A incidência da Doença Renal Crônica (DRC) vem crescendo em todo o mundo, aproximadamente 8% ao ano. A DRC é um problema mundial de saúde pública, sendo que as doenças do rim e trato urinário contribuem com aproximadamente 850 mil mortes anuais, sendo a 12ª e 17ª causas de morte e de incapacidade, respectivamente (1). A perda lenta e irreversível da função renal é originada por lesões da vasculatura renal, que podem evoluir para isquemia e a morte do tecido renal . Hipertensão arterial sistêmica, diabetes mellitus, rins policísticos, glomerulonefrites, infecções urinárias e cálculos renais de repetição, assim como doenças da próstata, são as principais etiologias da doença renal (2). A deterioração das funções bioquímicas e fisiológicas dos sistemas do organismo, bem como o acúmulo de toxinas urêmicas, alterações do equilíbrio hidroeletrolítico e ácido-básico, dentre outros como hipervolemia, hiperfosfatemia, anemia, hipercalemia e hiperparatireoidismo, são os principais prejuízos que caracterizam a DRC (3). Para diagnosticar a DRC, avalia-se a Taxa de Filtração Glomerular (TFG) menor que 60 mL/min/1,73 m2 ou maior que 60 mL/min/1,73 m2, acrescentado de pelo menos um marcador de dano renal parenquimatoso (por exemplo, proteinúria) presente há pelo menos 3 meses (4). Apesar dos avanços no tratamento dialítico, a mortalidade na população com insuficiência renal crônica (IRC) continua elevada. Essa mortalidade é influenciada por diversos fatores, dentre estes se encontra a desnutrição (5). Revista Iniciare, Campo Mourão, v. 1, n. 1, p. 119-133, jul. /dez. 2016. 121 A desnutrição ocorre em cerca de 10% a 70% dos pacientes com DRC em hemodiálise (HD), apresenta causa multifatorial e inclui ingestão alimentar diminuída, distúrbios hormonais e gastrintestinais, restrições dietéticas rigorosas, interação medicamentosa, bem como a diálise insuficiente e presença constante de enfermidades intercorrentes (6, 7). A perda de nutrientes durante um procedimento dialítico pode ser um fator importante para a desnutrição desses pacientes. São perdidos, primariamente, aminoácidos, peptídeos e vitaminas hidrossolúveis. A perda de aminoácidos para o dialisado é em média de 4-8 g/dia(8). De acordo com Maradei (9) os pacientes com neoplasias estão sujeitos a desenvolver várias complicações metabólicas que requerem imediata avaliação e tratamento. Considerando-se que vários agentes quimioterápicos são eliminados pelos rins e podem interferir na função renal, a variabilidade na disfunção renal descrita é significante (10). A desnutrição em indivíduos com câncer é outro fator muito frequente. Diversas causas estão envolvidas no desenvolvimento, particularmente aquelas relacionados com a doença, tais como redução do apetite, dificuldades mecânicas para mastigar e deglutir alimentos, efeitos colaterais do tratamento e o jejum prolongado para exames pré ou pós-operatórios. Os principais fatores determinantes da desnutrição nesses indivíduos são: redução na ingestão total de alimentos, alterações metabólicas provocadas pelo tumor e aumento da demanda nutricional para crescimento do tumor (11). Segundo Launay (12) A frequência da insuficiência renal em pacientes com câncer não está definida e estudos mostram prevalência de 33% até 60%. A monitoração periódica do estado nutricional deve fazer parte do seguimento de pacientes em diálise, sendo fundamental para prevenir, diagnosticar e tratar a desnutrição proteico-calórica, principalmente quando associado a um quadro de neoplasia. A identificação e o tratamento precoce do déficit nutricional podem reduzir o risco de infecções e outras complicações, bem como a mortalidade desses pacientes (13). A manutenção de um estado nutricional adequado é de grande importância para sobrevida e sucesso do tratamento, nesse sentido avaliar a presença de desnutrição é um instrumento valioso para intervenções nutricionais precoces que Revista Iniciare, Campo Mourão, v. 1, n. 1, p. 119-133, jul. /dez. 2016. 122 podem auxiliar na melhora do seu quadro clínico, visando o controle sintomatológico como uremia, distúrbios hidroeletrolíticos, amenizar sintomas e, consequentemente, melhorar a qualidade de vida do paciente. Sendo assim, o presente trabalho tem por objetivo tecer o estudo do estado nutricional, o consumo alimentar atual e relacionar com a necessidade nutricional de um paciente com IRC realizando hemodiálise e tratamento de câncer de próstata. 2 METODOLOGIA 2.1 Tipo de estudo Trata-se de um estudo descritivo, do tipo estudo de caso. O estudo foi realizado com um paciente em terapia renal substitutiva, tipo hemodiálise, e em tratamento para câncer de próstata. A entrevista foi realizada no Instituto do Rim de Campo Mourão, onde o sujeito da pesquisa foi submetido a uma avaliação nutricional, associando dados antropométricos, bioquímicos e diário alimentar (DA). Os dados foram coletados no mês de setembro de 2015. 2.2 Avaliação antropométrica Para a avaliação antropométrica, foram coletados peso e altura. O paciente foi pesado com balança universal Line-Man® com capacidade máxima de 200 kg, utilizando roupas leves, sem sapatos e em posição ortostática. Para a altura foi utilizado estadiômetro portátil com dois metros de capacidade e precisão de um centímetro, a mesma orientação da pesagem se aplicou para a altura. O índice de massa corpora (IMC) foi calculado considerando a fórmula P/H² e classificado de acordo Organização Pan-americana de Saúde, 2003 (14). A circunferência de braço (CB) foi retirada com fita métrica inelástica de fibra de vidro da marca Sanny® com dois metros de capacidade e precisão de um centímetro, seguindo os critérios de Heyward (15). 2.3 Avaliação nutricional subjetiva global Para classificar o risco nutricional foi realizada, como método de triagem, a Avaliação Subjetiva Global Adaptada ao Paciente Renal, desenvolvida por KalantarZadeh et al., (16). Chamada de SGA Quantitativa Modificada ou Escore de Revista Iniciare, Campo Mourão, v. 1, n. 1, p. 119-133, jul. /dez. 2016. 123 Desnutrição em Diálise (Dialysis Malnutrition Score, DMS). Através dessa avaliação é possível classificar o paciente de forma subjetiva em adequado (8 pontos), risco nutricional/ desnutrição leve (9 a 23 pontos), desnutrição moderada (24 a 31 pontos), desnutrição grave (32 a 39 pontos) e desnutrição gravíssima (40 pontos). A DMS é uma ferramenta através da qual o estado nutricional é classificado de maneira sistemática, com base na história clínica e no exame físico. Embora tenha sido utilizado originalmente para classificar pacientes cirúrgicos, esse sistema de avaliação do estado nutricional tem se mostrado um instrumento confiável, útil e válido para os pacientes renais (17). 2.4 Diário alimentar O paciente recebeu um diário alimentar com as devidas orientações a respeito do seu preenchimento tais como: ser preenchido durante 5 dias, sendo pelo menos um dia anterior a diálise, um posterior e um dia do fim de semana. O indivíduo registrou o tamanho da porção consumida, horário e local em que consumiu. Para a melhor estimativa do tamanho da porção, o paciente pode contar com o auxílio de medidas caseiras tradicionalmente usadas. As variáveis dietéticas foram processadas no software Dietbox® (18). 2.5 Avaliação bioquímica Na avaliação bioquímica foram analisados os valores séricos de albumina, hemoglobina, cálcio e fósforo. Os marcadores bioquímicos fornecem medidas objetivas das alterações do estado nutricional, com a vantagem de possibilitar seguimento ao longo do tempo e intervenções nutricionais específicas (19). Os dados foram retirados do prontuário do paciente. 2.6 Análise dos dados Os dados obtidos foram digitados em planilha eletrônica do Excel® e posteriormente analisados à luz da literatura mais recentemente divulgada. Para análise do consumo alimentar do indivíduo, utilizou-se a média da ingestão habitual de 5 dias e comparou-se os valores de energia, proteínas, ferro, cálcio e fósforo com as recomendações preconizados pela National Kidney Foundation (20), específicas para pacientes renais em HD. Revista Iniciare, Campo Mourão, v. 1, n. 1, p. 119-133, jul. /dez. 2016. 124 2.7 Comitê de Ética A pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa com Seres Humanos da Faculdade Integrado sob parecer nº 084184/2015, e a coleta de dados procedeu-se após as assinaturas da Declaração de Permissão de Utilização dos Dados pelo local e do Termo de Consentimento Livre Esclarecido pelo paciente, respeitando a resolução nº 196/1996 do Conselho Nacional de Saúde. 3 RESULTADOS Paciente com as iniciais A. H., 64 anos, homem, branco, contador aposentado e ex- jogador de futebol, casado, pai de 2 filhos, natural de Campo Mourão-Pr. Peso atual de 78,8 Kg e 1,74 m de altura. Sem histórico familiar patológico. Relata tabagismo durante 2 anos. Nega etilismo. Foi diagnosticado com neoplasia de próstata metastática (PSA>1000 ng/mL), quando iniciou o tratamento com Zoladex®, evoluiu para obstrução urinária e, consequente insuficiência renal crônica. Começou o tratamento dialítico em 05-12-2014, na modalidade hemodiálise, com frequência de 3 vezes por semana no Instituto do Rim de Campo Mourão-Pr. Com relação aos hábitos alimentares, realiza 3 refeições ao dia. Nega alergias ou intolerâncias alimentares. Os dados da avaliação antropométrica do paciente são descritos na Tabela 1. Quanto a avaliação nutricional, os resultados obtidos foram: IMC = 26,09 kg/m², classificado como eutrofia, o cálculo da CMB (Circunferência Muscular do Braço) foi de 8,3%, sendo classificado como desnutrição grave. Tabela 1. Dados antropométricos do paciente A.H., pós sessão de hemodiálise, obtidos na primeira quinzena de setembro de 2015, no Instituto do Rim de Campo Mourão. Dados gerais do paciente Medidas encontradas Peso (Kg) 78,80 Altura (m) 1,74 IMC (Kg/m²) 26,09 CMB (%) 8,30 Fonte - Instituto do Rim, Campo Mourão- PR, 2015. Soares (21) relata em seu estudo sobre composição corporal de 47 pacientes Revista Iniciare, Campo Mourão, v. 1, n. 1, p. 119-133, jul. /dez. 2016. 125 renais crônicos em hemodiálise que a maioria (83%) estavam eutróficos. Casas (22), também avaliando IMC de 35 pacientes renais crônico em programa de hemodiálise, relata resultado médio de 24,8 Kg/m² classificado em estado de eutrofia. Sabe-se que a avaliação nutricional de pacientes renais crônicos em hemodiálise deve ser relacionada com a massa muscular e não somente pelo índice de massa corporal, para melhor definição da conduta nutricional (23). Para isso, utiliza-se o cálculo da CMB, através do qual é possível avaliar a massa muscular do paciente. Nesse estudo, o valor de CMB encontrado caracteriza desnutrição grave, com perda de massa muscular evidente. Conforme Valenzuela (24), a incidência de desnutrição apontada pelos parâmetros de medidas do braço em contraste com o sobrepeso evidenciado pelo IMC pode ser explicada pela hiper-hidratação desses pacientes, que aumenta o peso corporal com pouca repercussão nas medidas de PCT (Prega Cutânea Tricipital) e CMB. Várias ferramentas foram desenvolvidas na tentativa de validar a associação de métodos para melhorar a eficácia da avaliação do estado nutricional. A Avaliação Subjetiva Global Adaptada ao Paciente Renal é baseada em dados da história clínica, exame físico e tempo de tratamento. O resultado obtido pela Avaliação Subjetiva Global foi de 9, classificando o paciente objeto de estudo em desnutrição leve. Marculino (25) relata, em seu estudo sobre avaliação nutricional de pacientes submetidos à hemodiálise, que 77,78% dos pacientes estudados foram classificados como desnutrição leve e 22,22% foram classificados como desnutrição moderada. Daltrozo (26) aponta, em seu estudo sobre avaliação do estado nutricional e do perfil clínico epidemiológico dos pacientes em tratamento dialítico no hospital São José de Criciúma e na Nefroclínica-Criciúma, que 90,5% dos pacientes avaliados encontravam-se em desnutrição leve e 1,2% em estado de desnutrição moderada, o que corrobora o presente estudo de caso. Os resultados evidenciados pela classificação da maioria dos pacientes em desnutrição leve podem estar associados ao tempo de diálise, modificação da ingestão alimentar e incapacidade funcional, que são levados em consideração na pontuação desse método e são condições agravantes, principalmente conforme aumenta a idade dos pacientes (17). Revista Iniciare, Campo Mourão, v. 1, n. 1, p. 119-133, jul. /dez. 2016. 126 Com relação à ingestão alimentar de 5 dias, a Tabela 2 traz a análise de calorias (Kcal), porcentagem de carboidratos, proteínas, lipídeos e quantidade de ferro (mg/dia), cálcio (mg/dia), fósforo (mg/dia), sódio (g/dia) e suas respectivas médias. Tabela 2. Cálculo do consumo de Kcal, macronutrientes, ferro, fósforo, cálcio e sódio do diário alimentar de 5 dias do paciente A. H. Cálcio Fósforo Kcal/d Carboidr Proteína Lipídeo Ferro ia atos (%) s (%) s (%) (mg/dia) (mg/dia) (mg/dia) Dia Hemodiálise Pós hemodiálise Hemodiálise Final de semana Pré hemodiálise 802,00 1858,0 0 951,00 1650,0 0 876,00 1227,4 0 Média Desviopadrão 489,16 Fonte - Dietbox®, 2015. 57,70 33,10 26,00 5,60 115,70 331,80 46,90 40,60 23,70 24,00 29,40 35,40 17,00 8,00 1092,40 242,00 1243,80 595,80 39,70 13,80 46,50 12,90 374,40 845,20 51,40 37,30 11,20 4,10 117,30 885,60 47,26 26,38 29,70 9,52 388,36 780,44 7,55 9,16 12,95 5,35 407,77 341,07 Com relação à análise do consumo de energia, a média encontrada foi de 1227,40 Kcal, sendo muito inferior ao Gasto Energético Total (GET) recomendado pela National Kidney Foundation (20), o qual consiste de 30 a 35 Kcal por quilograma de peso atual, estimando um valor de 2364 a 2758 Kcal/dia. Além dos fatores catabólicos inerentes à insuficiência renal crônica e aos métodos dialíticos, a presença de desnutrição energético-proteica está comumente associada ao baixo consumo alimentar, principalmente de calorias (19). A conduta dietoterápica indicada para esse caso, com predominância do catabolismo, foi baseada na Insuficiência Renal Crônica devido à maior necessidade de cuidado com o tratamento de hemodiálise para proporcionar ao paciente um bom aporte energético. Classifica-se a dieta como hipercalórica e hiperproteica para a manutenção do peso e para evitar que a proteína consumida seja desviada para fornecimento de energia (21). Revista Iniciare, Campo Mourão, v. 1, n. 1, p. 119-133, jul. /dez. 2016. 127 De acordo com Leão (27), a recomendação para o consumo de carboidratos é de 50% a 60% do valor calórico total. Ressalta-se que a preferência deve ser dada aos do tipo complexos devido à tendência a hipertrigliceridemia nesses pacientes. O consumo de carboidrato encontrado foi de 47,26%, estando abaixo do recomendado. A adição ou perda de glicose não são significativas para mudar as recomendações de carboidratos pelo fato da hemodiálise ocorrer somente três vezes por semana (19). A média do consumo da proteína foi de 1,01 mg/dL, estando dentro da recomendação de 1,0 a 1,2 g/kcal, preconizada pelas Guidelines da National Kidney Foundation (20). A dieta hiperproteica é indicada a afim de promover um balanço nitrogenado neutro ou positivo. Por outro lado, segundo Pinto et al., (28) a maior necessidade proteica tem como objetivo prevenir a desnutrição, só que dificulta o tratamento do quadro de hiperfosfatemia, comumente presente na DRC devido à deficiência de calcitriol e ao descontrole do balanço cálcio-fósforo, com consequente aparecimento de hiperparatireoidismo secundário, que pode determinar o desenvolvimento de doença óssea, influenciando na velocidade de progressão da DRC. De acordo com Carvalho & Cuppari (29), cerca de 60% dos pacientes em diálise apresentam níveis de fósforo elevados. Segundo Cuppari (30), o consumo de proteínas tem sido reportado como baixo em pacientes hemodialisados. Isso ocorre devido ao excesso de ureia que faz com que o paciente comumente recuse alimentos de origem animal, e também ao controle de fósforo, que é um mineral abundante nos alimentos e a hemodiálise não é um método eficiente para remover a carga alimentar ingerida de fósforo (19, 30). De acordo com a National Kidney Foundation (20), a recomendação de cálcio deve ficar em torno de 1.000 mg/dia. O valor encontrado foi de 388,36 mg/dia, estando abaixo do recomendado. Esse mineral pode requerer suplementação devido a sua absorção intestinal diminuída e pela restrição usual de produtos lácteos ricos em fósforo. Por outro lado, a restrição de fósforo é recomendada, sendo ideal a ingestão de até 800 mg/dia. Porém, como as proteínas são recomendadas em quantidades elevadas, é impossível manter grandes restrições de fósforo na dieta, podendo ser necessário o uso dos quelantes (31). Podemos observar na tabela 2 que o paciente teve um maior consumo energético nos dias pós diálise. Segundo Burrowes et al., (32) isso ocorre devido a um Revista Iniciare, Campo Mourão, v. 1, n. 1, p. 119-133, jul. /dez. 2016. 128 melhor apetite no dia sem diálise pois o cansaço/fadiga imediatamente após a diálise pode contribuir para ingestões mais baixas no dia do tratamento. Já a média de consumo proteico foi praticamente igual em todos os dias, evidenciando que a variação do consumo diário não caracterizou a dieta como hipoproteica. Segundo Marculino (33) apud Mannarino (34) há muita dificuldade em ofertar calorias aos pacientes renais crônicos, pois muitos alimentos que são boas fontes energéticas são também fontes de proteínas e potássio. Por isso, lipídios e carboidratos são os nutrientes a serem ofertados em maior proporção, sendo que os carboidratos são mais eficientes do que os lipídios no sentido de diminuir o catabolismo proteico, devendo constituir cerca de 2/3 das fontes não-proteicas. Segundo Silva et al., (35) para aumentar a quantidade de energia de uma dieta o ideal é consumir as fontes de carboidratos simples que podem ser encontrados em forma de concentrados puros, como por exemplo, açúcar, balas, mel e doces sem leite que possuem baixo teor de fósforo, potássio e proteína. A sua utilização contribui mais facilmente para se atingir as necessidades calóricas do paciente em hemodiálise. Para avaliar bioquimicamente o paciente, foram coletados do prontuário os exames laboratoriais referentes ao mês no qual ocorreram as entrevistas. Os dados são demonstrados na Tabela 3. Tabela 3. Valores dos exames laboratoriais de rotina do paciente A.H., obtidos na primeira quinzena de setembro/2015. Exame Valor encontrado Valor de referência* ALBUMINA 3,3 >4,0g/dL HEMOGLOBINA 8,9 11- 12 g/dL CÁLCIO 7,9 8,4 – 9,5 mg/dL FÓSFORO 6,8 3,5 – 5,5 mg/dL Fonte - Instituto do Rim de Campo Mourão, 2015. *RIELLA(17). A albumina é um parâmetro de avaliação de desnutrição. O resultado de albumina encontra-se abaixo do padrão apresentado, sugerindo estado de desnutrição proteica do paciente. A albumina sérica é o critério mais comumente utilizado como marcador nutricional, pois a hipoalbuminemia está fortemente correlacionada com a presença de desnutrição (36). A hipoalbuminemia, condição frequente entre os pacientes com DRC, pode ser consequência de vários fatores, entre Revista Iniciare, Campo Mourão, v. 1, n. 1, p. 119-133, jul. /dez. 2016. 129 eles perdas urinárias e para o dialisado, particularmente, e à inflamação. Os efeitos combinados da redução da ingestão alimentar e da inflamação diminuem a concentração sérica de albumina, principalmente como resultado da diminuição da sua taxa de síntese hepática (37). O valor de hemoglobina apresentado encontra-se abaixo do limite, sugerindo quadro de anemia. Alguns autores relatam hematúria em pacientes com câncer de próstata, acentuando o quadro considera-se a IRC e a baixa ingestão de alimentos fonte de ferro-heme, principal nutriente para síntese de hemoglobina. Na maioria dos casos, a anemia decorre primariamente da produção renal reduzida de eritropoetina (38). Na insuficiência renal, os níveis de cálcio e fósforo são alterados, os valores séricos de cálcio abaixam, enquanto o valor de fósforo aumenta, causando danos ao sistema circulatório e descalcificação dos ossos (19). A maioria dos estudos realizados com essa população encontrou níveis de cálcio dentro do limite padrão devido à suplementação com calcitriol. Taglietti (23) encontrou o valor médio de cálcio sérico de 9,25 mg/dL em pacientes em hemodiálise. Brasil (39) refere que pacientes com câncer de próstata excretam níveis elevados de cálcio pela urina, de acordo com o resultado apresentado por este estudo de caso, o valor de cálcio apresenta-se abaixo do limite mínimo, o que pode ser evidenciado pelo estado natural da doença renal, pelo câncer de próstata e pela baixa ingestão de cálcio em sua alimentação. No entanto, ao avaliar o cálcio sérico, é importante considerar as concentrações da albumina, pelo fato de o cálcio estar ligado à proteína, seus níveis plasmáticos podem estar falsamente baixos quando ocorre a hipoalbuminemia (17). A hiperfosfatemia é um distúrbio metabólico presente neste estudo de caso. O problema contribui para o hiperparatireoidismo secundário, a resistência à vitamina D e a hipocalcemia. O distúrbio pode ocorrer já em estágios iniciais da DRC, quando a TFG está abaixo do normal e os néfrons residuais não são mais capazes de excretar fósforo. Nesse estágio, o paratormônio (PTH) elevado acentua a hiperfosfatemia por tirar fósforo dos ossos e passar para o sangue. Em combinação com outros fatores, a hiperfosfatemia danifica órgãos, incluindo as glândulas da paratireoide, os ossos, além do sistema cardiovascular. Níveis elevados de fósforo estão associados com calcificação vascular, aterosclerose e aumento do risco de morte cardiovascular. Mais Revista Iniciare, Campo Mourão, v. 1, n. 1, p. 119-133, jul. /dez. 2016. 130 de 95% dos pacientes com IRC necessitam fazer uso de quelantes de fósforo junto com a dieta com a finalidade de evitar o hiperparatireoidismo e doença óssea metabólica (17). 4 CONCLUSÃO Destaca-se a prevalência de desnutrição por meio da avaliação de CMB, avaliação subjetiva global, exame bioquímico de albumina e baixo consumo calórico. Apesar da baixa ingestão alimentar, os níveis de fósforo encontram-se elevados, devido à própria evolução da DRC, em contraste com a necessidade de ingestão de dieta hiperproteica. O paciente também apresenta hemoglobina baixa, agravado pelo câncer de próstata e a produção reduzida de eritropoetina. A conduta nutricional sugerida para o caso clínico apresentado deve ser pautada na educação nutricional para que o paciente se conscientize dos alimentos permitidos mediante as suas necessidades, realizando melhor suas escolhas alimentares. O uso de quelante de fósforo com a finalidade de controlar a progressão da doença óssea pode ser indicado. Diante do acompanhamento desse caso, verifica-se a necessidade de estudos mais elaborados sobre essa temática, correlacionando o tempo de tratamento, o consumo nutricional e estado de saúde do paciente renal, pois existem até o momento poucas fontes de informações referentes a esse assunto. REFERÊNCIAS (1) ARAÚJO, C. P.; BORDIGNON, J. S.; LASTA, L. 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