SÍNDROME OBESIDADE-HIPOVENTILAÇÃO ALVEOLAR

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Medicina, Ribeirão Preto,
39 (2): 195-204, abr./jun. 2006
Simpósio: DISTÚRBIOS RESPIRATÓRIOS DO SONO
Capítulo IV
SÍNDROME OBESIDADE-HIPOVENTILAÇÃO ALVEOLAR
OBESITY HYPOVENTILATION SYNDROME
Geruza A Silva
Docente. Disciplina de Pneumologia. Departamento de Clínica Médica. Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto-USP.
CORRESPONDÊNCIA: Profa. Dra. Geruza Alves da Silva / E-mail: [email protected]
Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto-USP. Departamento de Clínica Médica.
Av. dos Bandeirantes, 3900. Bairro Monte Alegre. CEP: 14048-900 – Ribeirão Preto-SP
Silva GA.
Síndrome obesidade-hipoventilação alveolar. Medicina (Ribeirão Preto) 2006; 39 (2): 195-204.
RESUMO: A hipoventilação alveolar é o principal prejuízo causado à função respiratória pela
obesidade. O conceito de hipoventilação alveolar reflete a incompetência do aparelho respiratório
para eliminar gás carbônico (CO2) na mesma proporção em que o gás chega ao pulmões. Subentende, portanto, a presença de hipercapnia (PaCO2 > 45 mmHg) acompanhada de equivalente
grau de hipoxemia (baixa PaO2). Síndrome obesidade-hipoventilação alveolar é definida como
hipoventilação alveolar crônica, em paciente obeso (índice de massa corpórea > 30 Kg/m2), sem
qualquer outra doença respiratória que justifique o distúrbio de trocas gasosas. A síndrome reveste-se de grande importância pelo risco que acrescenta às condições de doença e de má qualidade
de vida do obeso, mas ocorre numa baixa percentagem deles. O diagnóstico diferencial é feito
principalmente com doença pulmonar obstrutiva crônica e com síndrome das apnéias do sono. O
tratamento paliativo consiste no controle da hipoventilação e da hipoxemia crônica e o tratamento
resolutivo consiste em combater a obesidade.
Descritores: Hipoventilação Alveolar. Obesidade. Síndromes da Apnéia do Sono. Distúrbios
do Sono por Sonolência Excessiva.
1- INTRODUÇÃO
A hipoventilação alveolar é o principal prejuízo
causado à função respiratória pela obesidade. Desde
os primeiros relatos documentados, da síndrome obesidade-hipoventilação alveolar, que datam da década
de 19501, até os dias atuais, sua importância tem aumentado, por duas razões principais: o aumento da
prevalência da obesidade e a descoberta da síndrome
das apnéias do sono como fator de agravamento dos
sintomas, na maioria dos casos.
Diferentes termos têm sido empregados para
dar nome à síndrome, tais como, Síndrome de Pickwick,
hipoventilação da obesidade, síndrome obesidade-hipoventilação alveolar, síndrome de hipoventilação da
obesidade. Porém o seu conteúdo central que é a presença de hipoventilação alveolar no obeso, sem
doença pulmonar que justifique, permite ao médico,
reconhecê-la sob qualquer rótulo. A associação dos
sinais dessa síndrome é reconhecida desde o século
XIX, quando os médicos começaram a identificar entre os pacientes obesos, alguns com traços especiais:
caracteres despretenciosamente descritos nos anos de
1830, pelo escritor inglês Charles Dickens, ao referir-se
a um de seus mais famosos personagens, nas histórias
do clube dos Pickwickianos, uma série de artigos intitulados Posthumous Papers of the Pickwick Club.
O autor faz uma jocosa, porém muito lúcida descrição dos sintomas que acometem seu personagem,
o jovem Joe, referindo-se a ele como a fat and
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Silva GA
red-faced boy in a state of somnolency, seguindo-se afirmações do tipo: young dropsy, young
opium-eater e young boa-constrictor em alusão a
sua obesidade, sua sonolência e seu apetite excessivo, respectivamente1,2.
O sono desses pacientes despertou uma especial curiosidade, enquanto o registro e a análise da respiração durante o sono insinuavam-se como procedimentos diagnósticos possíveis na década de 1960, de
tal forma que os primeiros experimentos que levaram
a descoberta das apnéias obstrutivas do sono foram
conduzidos em pacientes obesos sonolentos. Progressivamente tem se confirmado que, a quase totalidade
dos obesos sonolentos sofre de apnéias, principalmente do tipo obstrutivo. Essa constatação proporcionou
um entendimento parcial da síndrome e um manejo
mais racional dos sintomas. A interferência sobre o
ganho exagerado de peso e a assistência ventilatória
são aspectos fundamentais no controle dos sintomas.
2- CONCEITOS
2.1- Hipoventilação alveolar
O conceito de hipoventilação alveolar é funcional. Reflete a incompetência do aparelho respiratório
para eliminar gás carbônico (CO2) na mesma proporção em que o gás chega aos pulmões3. Subentende,
portanto, a presença de hipercapnia (PaCO2 > 45
mmHg) acompanhada de equivalente grau de hipoxemia (baixa PaO2).
O diagnóstico de hipoventilação alveolar se
faz pela gasometria arterial realizada no paciente acordado, em repouso e respirando ar ambiente. Não é
obrigatório, mas é aconselhável, que o paciente adote
a posição deitada, pois ela reflete parcialmente, as
condições de trocas gasosas durante o sono (veja
abaixo).
2.2- Síndrome obesidade-hipoventilação alveolar
É definida como hipoventilação alveolar crônica, em paciente obeso (índice de massa corpórea
> 30 Kg/m2) sem qualquer outra doença respiratória
que justifique o distúrbio de trocas gasosas4.
A síndrome reveste-se de grande importância
pelo risco que acrescenta às condições de doença e
de má qualidade de vida do obeso, mas ocorre numa
baixa percentagem deles. A grande maioria dos obesos, mesmo os obesos grau III (IMC > 40 Kg/m2),
não são hipercapneicos.
196
3- FISIOPATOLOGIA DA HIPOVENTILAÇÃO
DA OBESIDADE
A falta de habilidade do aparelho respiratório
para eliminar gás carbônico no obeso (hipoventilação
da obesidade) guarda relação com a adiposidade que
reveste o tórax e o abdômen, atuando adversamente,
contra o trabalho respiratório desenvolvido pelo diafragma e outros músculos da respiração5. Diversos
estudos têm apontado que o padrão de distribuição
regional da gordura tem importante papel na predisposição dos indivíduos obesos a certas complicações.
No que tange a função pulmonar na obesidade, ela é
afetada essencialmente pela quantidade e distribuição
centrípeta do excesso de gordura (Figura 1) com seu
potencial para interferir mecanicamente no funcionamento do fole torácico5,6,7. Essa interferência produz
disfunções respiratórias, que são reversíveis com a
redução da massa corpórea5. Nesse contexto a hipercapnia crônica representa uma auto-proteção do fole
torácico sobrecarregado, contra o desenvolvimento de
insuficiência muscular manisfesta8.
Não há evidência de alteração da quimiossensibilidade ao gás carbônico nessa síndrome9 .
Teoria mais recente evoca o possível papel da
leptina na geração da hipoventilação na obesidade. A
leptina é um hormônio protéico derivado do adipócito,
que age dentro do hipotálamo, via receptor específico,
no processo de saciedade e de aumento do gasto energético. Em um grupo de 56 obesos e não-obesos, com
e sem hipercapnia, o alto nível sérico de leptina revelou-se melhor que a percentagem de gordura corpórea para prever a presença de hipercapnia10. O mecanismo intrinsecamente envolvido nesse papel ainda é
objeto de estudos e pode vir a proporcionar uma luz a
favor da teoria da incapacidade do aparelho respiratório de adaptar-se a condição de sobrecarga mecânica
imposta pela adiposidade tóraco-abdominal. A leptina
sob condições experimentais reduz seletivamente a adiposidade visceral e tem efeito estimulante da respiração. Geralmente ela está aumentada até quatro vezes
no soro dos obesos, entretanto, seus níveis circulantes
em seres humanos obesos não têm evitado a progressão do ganho de peso nem a hipoventilação dos hipercapneicos com síndrome das apnéias do sono11.
4- QUADRO CLÍNICO
Clinicamente os pacientes com síndrome de hipoventilação por obesidade são identificados pela
Síndrome obesidade-hipoventilação alveolar
hipersonolência que os acompanha, o que significa que
o diagnóstico é geralmente tardio. O estereótipo é de
um indivíduo “volumoso”, cianótico, com fácies cansada e carregada de certa indiferença pelo mundo ao
seu redor, com sonolência intensa que conduz o paciente a cair no sono em situações impróprias como
durante uma conversa, ou tentando alimentar-se ou
na posição de pé. Têm cansaço fácil aos esforços e
podem apresentar edema, perceptível em membros
inferiores. Estes pacientes apresentam também distúrbios do humor, e cefaléia noturna ou matinal.
A observação do paciente em estado de sono
quase sempre revela a existência de ronco faringeano
e de pausas repetidas na respiração.
Com freqüência a síndrome só é identificada
após a primeira internação do paciente, em insuficiência respiratória aguda12 acompanhada de insuficiência
cardiaca direita ou global (acidose respiratória e hipóxia
grave desproporcional ao grau de hipercapnia, em decorrência de congestão pulmonar e às vezes, derrame
pleural associados). Surge dispnéia importante, a
cianose se acentua e o nível de hipersonolência torna-se
patético e assustador. Após tratado do episódio de agudização, o paciente permanece hipercapneico (embora com PaCO2 em nível mais baixo; o pH estará normalizado e o nível de hipoxemia pode voltar a ficar
proporcional ao de retenção de gás carbônico) o que
permite ao médico, firmar o diagnóstico de síndrome
obesidade-hipoventilação alveolar. Esses casos com
agudizações “inquietantes” comumente possuem intensa participação das apnéias do sono no seu bojo.
É importante salientar que o diagnóstico de hipoventilação é muitas vezes ignorado porque o uso de
oximetria isoladamente não avalia a presença de hipercapnia. Como resultado os pacientes são tratados
unicamente com oxigênio suplementar, o qual não reverte a hipoventilação. É aconselhável obter análise
de gases arteriais em todos pacientes com obesidade
mórbida e hipoxemia não explicada ou com sinais de
cor pulmonale.
O reconhecimento do quadro clínico é essencial para o manejo correto do tratamento e direcionamento da conduta pós-alta hospitalar. Sem a assistência apropriada esses pacienes desenvolvem hipertensão pulmonar e cor pulmonale e podem ir a óbito, nos
períodos de agudização.
5- LABORATÓRIO
Além das alterações nas trocas gasosas identi-
Figura 1: O paciente com SOHA é acometido por depósitos
exagerados e mal distribuídos de gordura sobre o tórax e o
abdômen; a síndrome pode estar presente mesmo em crianças,
desde que muito obesas.
ficáveis na gasometria arterial, pode haver policitemia ao hemograma (decorrente do regime de hipoxemia crônica) e dilatação cardíaca, congestão pulmonar e derrame pleural à radiografia simples do
tórax. O comprometimento da função cardíaca está
relacionado à sobrecarga hídrica própria dos obesos13,
à hipoxemia crônica e ao regime de alterações repetidas e crônicas da pressão intratorácia nos episódios
de apnéia obstrutiva do sono14. Outros fatores que freqüentemente concorrem para o comprometimento da
função cardíaca, são a hipertensão arterial sistêmica e
vascular pulmonar. Hipertensão vascular pulmonar15
é uma decorrência usual da hipoxia alveolar crônica,
própria da síndrome, e da policitemia e deve ser sempre investigada nesses pacientes, por meio de ecocardiografia. A ocorrência simultânea de apnéias do sono
deve ser avaliada com a polissonografia.
6- A SÍNDROME NO SONO
6.1- Efeitos do sono sobre a respiração normal
O sono interfere sobre a respiração, mesmo em
condições fisiológicas. Ele determina as seguintes alterações no processo respiratório16:
197
Silva GA
• diminuição acentuada da atividade dos músculos
dilatadores da faringe, reduzindo o calibre desse trecho das vias aéreas;
• aumento da resistência das vias aéreas superiores
à passagem do ar;
• redução do volume de ar através das vias aéreas
superiores;
• redução da ventilação alveolar;
• diminuição da quimiossensibilidade ao gás carbônico.
Estas adequações do aparelho respiratório ao
sono propiciam um estado muito susceptível à ocorrência ou agravamento de distúrbios respiratórios. A
redução da ventilação ocorre em todos os estágios do
sono e de forma sensivelmente mais intensa durante o
sono com movimentos rápidos dos olhos (o sono
REM). No indivíduo normal isso resulta em:
• queda de até 10 mmHg na PaO2 e
• elevação de até 8 mmHg na PaCO2. Já o aumento
do limiar de sensibilidade ao CO2 (importante estimulante respiratório, principalmente durante o sono,
situação em que não dispomos do controle voluntário da ventilação) propicia o surgimento de apnéias
do tipo central nos estágios iniciais do sono (estágios 1 e 2)15.
6.2- Efeitos do sono sobre a hipoventilação dos
obesos
Nos pacientes com síndrome obesidade-hipoventilação, por causa da situação de hipercapnia e
hipóxia mesmo na vigília, o efeito da hipoventilação do
sono sobre as trocas gasosas é grotesco. A hipoxemia
se revela através de grande dessaturação da oxihemoglobina, que se intensifica à medida que o sono progride no tempo e em profundidade, chegando a níveis
inferiores a 40% por longos minutos durante o sono
REM. Isso ocorre principalmente porque a queda adicional da PaO2 durante o sono, desloca a saturação
da hemoglobina para a faixa íngreme da curva de saturação.
O diagnóstico da síndrome durante o sono (antes da manifestação da hipoventilação no estado de
vigília) pode ser feito por meio da detecção de elevações sustentadas da PaCO2 acima de 8 mmHg.
O exame polissonográfico torna-se indispensável, pelos seguintes aspectos, que nos ajudam a entender a abrangência e a necessidade dos cuidados a
serem dispensados a esses pacientes:
• permite relacionar as alterações gasométricas aos
estágios do sono;
198
• permite o diagnóstico simultâneo de apnéias + hipopnéias do sono, possibilitando discriminação do
tipo (obstrutivas, centrais ou mistas), seu número
por hora de sono, a duração dos eventos, seu efeito
sobre o agravamento das trocas gasosas e o efeito
sobre a deterioração da qualidade do sono (o que
em última análise, indica a contribuição do sono, para
a deterioração da qualidade de vida do obeso que
hipoventila).
• nos casos em que as apnéias estão presentes, o sofrimento do paciente aparece em toda a sua plenitude durante o sono; nos curtos intervalos de despertar entre os, literalmente “sufocantes” eventos
de apnéias e hipopnéias, o paciente, com freqüência, apresenta crises de tosse seca, engasgos, gemidos e sonilóquio.
7- DIAGNÓSTICO DIFERENCIAL
O diagnóstico diferencial deve ser feito com
todas as doenças que se acompanham de hipoventilação alveolar12,17,18.
7.1- Doença pulmonar obstrutiva crônica
O principal diagnóstico a ser excluído é doença
pulmonar obstrutiva crônica (DPOC). Nessa condição a espirometria é de importância fundamental, pois
define o diagnóstico. As duas entidades se encontram
funcionalmente em extremos opostos no espectro das
doenças respiratórias: a DPOC é uma doença obstrutiva das vias aéreas intra-torácicas e como tal,
evidencia padrão espirométrico com redução de fluxo
aéreo e hiperinsuflação pulmonar. A síndrome obesidade-hipoventilação alveolar é uma morbidade restritiva dos movimentos respiratórios por um fator extrínseco ao pulmão19 e como tal, produz padrão
espirométrico restritivo com redução dos volumes e
capacidades pulmonares (comportamentos ilustrados
na Figura 2). Alguns obesos têm tendência a aumentar o volume residual e reduzir o fluxo das
vias aéreas terminais.
Nos casos de sobreposição das duas doenças,
o diagnóstico pode ser feito pela usual desproporção
entre o grau de obstrução das vias aéreas (evidenciado pelo grau de redução do VEF1 em paciente com
VEF1/CVF baixa) e o de distúrbio das trocas gasosas. Na DPOC a retenção de gás carbônico só ocorre a partir do estádio III (doença grave, com VEF1
menor que 30%)20.
Síndrome obesidade-hipoventilação alveolar
Figura 2: Curva fluxo-volume expiratória máxima com medida do fluxo expiratório máximo aos 25, 50 e 75% da capacidade vital (CV).
No distúrbio obstrutivo a curva é anormal pelo retardo na eliminação do ar expirado e deslocada pelo aumento da capacidade pulmonar
total (CPT) e do volume residual (VR). No distúrbio restritivo a forma da curva mantém-se normal, pois o ar expirado não enfrenta
obstáculos nas vias aéreas e os volumes pulmonares são pequenos (traçados reproduzidos de Frank H. Netter)21.
7.2- Síndrome das apnéias do sono
Outro diagnóstico importante e freqüente a ser
excluído é o de Síndrome das Apnéias Obstrutivas do
Sono (SAOS)18. Nesse ponto, existe um conflito que
dificulta a diferenciação entre SAOS com hipoventilação no obeso e a sindrome obesidade-hipoventilação com SAOS. A evolução dos conceitos
envolvidos nessas duas síndromes, conduz a aceitação atual de que a SAOS dificilmente leva a alterações diurnas das trocas gasosas, mas precipita essas
alterações em face de outras co-morbidades22. Portanto a hipóxia e hipercapnia diurnas em pacientes com
SAOS, apontariam para antecipação de hipoventilação por obesidade ou por doença pulmonar obstrutiva crônica15,22. A DPOC pode ser geralmente de
grau leve a moderado e não ser acompanhada de sintomas. A diferenciação apropriada desses diversos
componentes mórbidos representa significativa diferença no custo financeiro do tratamento indicado,
razão pela qual recomenda-se a tomada de uma seqüência de atitudes em face do paciente obeso que
hipoventila, sem doença pulmonar12 (Figura 3). A hipercapnia diurna que acomete 10% dos pacientes com
SAOS com ou sem obesidade, é sensível ao tratamento com aparelho de ventilação com pressão positiva contínua nas vias aéreas (CPAP), enquanto que
as trocas gasosas decorrentes da hipoventilação do
obeso com ou sem SAOS pode requerer o uso de ventilação com pressão positiva em dois níveis (BiPAP).
Nesse sistema de pressão positiva em dois níveis, a
pressão contra a qual o paciente expira é menor que
a pressão inspiratória.
Gasometria arterial
PaCO2 alto
PaO2 baixo
mesmo acordado
SOHA
(temporariamente)
Polissonografia
Ausência
Apnéia / Hipopnéia
Apnéia / Hipopnéia
Leve
Moderada
Grave
Diagnóstico é
SOHA
Usar nCPAP
Normaliza
PaCO2
Diagnóstico é
SAOS
Não normaliza
PaCO2
Diagnóstico é
SOHA
Trata com
CPAP
Trata com
BiPAP
Figura 3: O esquema mostra, a seqüência de procedimentos
recomendados para escolha do modo de ventilação não-invasiva,
a ser aplicado ao paciente obeso que hipoventila, visando correção
das apnéias do sono e da hipoventilação com seus efeitos
maléficos sobre o organismo na vigília e no sono (adaptado de
Berger)12.
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7.3- Doenças da parede torácica
Outras entidades que cursam com hipoventilação alveolar entram no diagnóstico diferencial quando
o paciente é obeso. Por exemplo, outras doenças que
aumentam o trabalho respiratório por estarem sediadas
na parede torácica, como a cifoescoliose, o fibrotórax,
a toracoplastia e a espondilite anquilosante, bem como,
uma outra categoria de doenças incluídas nas síndromes neuromusculares23.
7.4- Síndrome de hipoventilaçao central
Depressão do drive respiratório de origem
idiopática ou secundária a outras desordens que causam danos aos centros respiratórios podem causar síndrome de hipoventilação central, condição em que o
estudo do sono pode revelar predomínio de apnéias
centrais e apnéias mistas, hipercapneicas 23,24.
8- ABORDAGEM TERAPÊUTICA
8.1- Tratamento da obesidade
O tratamento eficaz da síndrome obesidade-hipoventilação alveolar implica numa atuação sobre a
obesidade. Trata-se de um procedimento reconhecidamente difícil, demorado e caro e que está a exigir
dos médicos, dos governantes e da sociedade em geral uma verdadeira mudança de atitudes, prioridades,
conceitos, hábitos e filosofia de vida, incluindo por isso,
a mobilização de vários profissionais e muitos recursos. A cirurgia para obesidade tem se apresentado
modernamente como uma alternativa para os obesos
graves vencerem a transição até um novo e mais saudável nível de consciência a respeito dos hábitos alimentares e da necessidade de atividade física regular.
(ver capitulos sobre abordagens clínica e cirúrgica da
obesidade).
8.2- Tratamento da hipoventilação alveolar
A abordagem das alterações ventilatórias deve
contemplar o “obeso que hipoventila”, conforme enfatizado no diagrama acima. Isto significa, abordar as
apnéias do sono e a hipoventilação a elas associada
e abordar a hipoventilação associada somente à obesidade. Atualmente, a monitoração da respiração dos
pacientes no sono, não inclui a medida da PaCO2 porque os métodos disponíveis são invasivos ou não são
confiáveis. A abordagem terapêutica, portanto, baseia-
200
se no controle da hipoxemia, no sono e na vigília, conforme recomendações da American Academy of
Sleep Medicine25. Esse controle é conseguido com
o uso de ventilação não-invasiva com CPAP ou com
BiPAP, aplicado no período noturno, durante o sono.
O BiPAP é indicado sempre que o paciente mantém
hipoxemia sustentada após correção das apnéias do
sono com CPAP.
Ao ajustar-se um BiPAP o regime de pressão
aplicado deve ser capaz de abolir todos os eventos
respiratórios anormais (apnéias, hipopnéias, ronco e
dessaturação sustentada). Então, quais as pressões a
serem colocadas no BiPAP: 1) a pressão expiratória
deve ser igual a pressão ajustada no CPAP para vencer a oclusão ou semi-oclusão das vias aéreas; 2) a
pressão inspiratória deve corrigir a hipoxemia residual. Deve-se manter a saturação de oxigênio ≥ 90%.
Valores como 16-20 cm H2O de pressão inspiratória e
8-12 cm H2O de pressão expiratória, são comumente
empregados. Deve- se manter sempre um diferencial
de 4 cm H2O ou mais entre pressão inspiratória e
expiratória.
Às vezes é também necessário fazer oxigenoterapia complementar noturna, através do aparelho de
ventilação a fim de manter a saturação recomendada15,25 de 90% ou mais.
Na dependência do grau de hipoxemia diurna,
por exemplo, PaO2 < 55 mmHg, torna-se necessário
também, o uso de oxigênio contínuo ou por oito horas
diurnas, por cateter nasal.
Quando o paciente mostrar-se intolerante ao uso
do aparelho de ventilação, seja por dificuldade de aceitação da máscara facial, seja por dificuldade expiratória
contra altas pressões no aparelho, ou qualquer outro
fator, pode ser necessário recorrer a traqueostomia,
sozinha ou associada à ventilação com BiPAP12. O
uso do acetato de progesterona tem sido recomendado nos casos de falha de resposta ao CPAP e BiPAP.
A progesterona exerceria efeito estimulante sobre os
quimiorreceptores centrais que pode ser identificado
24 horas após a administração de 30 a 60 mg/dia, por
meio de queda da PaCO2. A manutenção do efeito a
longo prazo é desconhecida, assim como os dados sobre efeitos adversos a longo prazo, logo o uso deve
ser feito sob cautela.
8.3- Tratamento dos episódios agudos
Nos episódios de agudização da síndrome, a
assistência ventilatória é a conduta mais importante a
Síndrome obesidade-hipoventilação alveolar
ser considerada. Ela produz rápida e surpreendente
reversão dos sintomas. Deve ser usado CPAP ou
BiPAP26 com ou sem oxigênio adicional, visando correção da hipoxemia e da acidose. Se um aparelho não
estiver disponível deve ser considerada a possibilidade de traqueostomia. Outro aspecto fundamental é detectar a existência de processo infeccioso respiratório
desencadeando a descompensação. A hipertensão
pulmonar e conseqüente sobrecarga ventricular direita podem ser atenuadas somente com a correção da
hipóxia. A policitemia pode exigir a realização de sangria. Restrição hídrica e salina e uso de diuréticos devem ser considerados.
9- CASO CLÍNICO
(inúmeras) e de oxigenoterapia domiciliar 2L/min, contínua. Apesar disso, apresentava-se com dispnéia em
repouso, incapacitante e tosse quase sempre seca, que
nos últimos meses o impediam de dormir, apesar de
intensa sonolência. Era obeso grau III, cianótico,
pletórico, hipertenso, dislipidêmico, hipóxico e hipercapneico. Já não trabalhava há um ano. Ex-fumante de
2 maços/dia 30 anos; ex-alcoólatra.
9.1- Exames complementares
9.1a- Gasometria arterial em ar ambiente condizente com insuficiência respiratória hipercápnica
-
Paciente RZM, 42 anos, masculino, internado
na Pneumologia em 07/05/2005 para avaliação de distúrbio respiratório do sono e tratamento. Queixava-se
de cansaço crônico e dispnéia progressiva desde os
30 anos de idade. Internara há um ano, por dois dias,
com cardiomegalia e congestão pulmonar (Figura 4) e
desde então, fazia uso de medicações sintomáticas
9.1b- Espirometria condizente com disfunção
ventilatória obstrutiva moderada e restritiva leve. Não havia resposta ao uso de broncodilatador
Figura 4: Telerradiografia de tórax na primeira internação, por dois dias. Cardiomegalia com estase pulmonar.
201
Silva GA
9.1c- Polissonografia em 09/05/2005 revelou: Índice de Apnéia/Hipopnéia=124/h (com um
total de 355 apnéias obstrutivas e 5 hipopnéias; 226 eventos com dessaturação e 327,
com bradicardia).
9.2- Conduta
Paciente recebeu BiPAP com pressão I/E de
16/8 cmH2O, e foi mantida a oxigenoterapia.
9.3- Resposta
A reação de alerta comportamental, alívio da
sensação de canseira e mal-estar, alívio da pletora e
cianose e alívio gradual da tosse e dispnéia, foram
observados rapidamente e o paciente teve alta em uma
semana.
9.3a- Em paralelo
O paciente foi admitido em programa de controle de peso da Nutrologia.
9.3b- Avaliação em 5 meses revelava
Perda de 38 kg de peso corporal; normalização
do padrão ventilatório; correção da hipoxemia até níveis considerados seguros (Figuras 5 e 6); desaparecimento de sintomas. Foram mantidas somente duas
das 09 medicações que o paciente utilizava (antihipertensivo e antidislipidemia).
Figura 5: Comportamento da gasometria arterial nos diferentes momentos (1,2,3 e 4) do decorrer de um ano e 5 meses (da
primeira internação até a reavaliação no 5º mês de tratamento dirigido a: restaurar a permeabilidade das vias aéreas superiores
no sono e, combater a insuficiência ventilatória do obeso hipercapnéico).
Momento 1 – primeira internação, respirando ar ambiente; 2 – Após seis meses sob tratamento sintomático, respirando ar
ambiente e 3 – com oxigênio a 2L/minuto; 4 – Última reavaliação. Obs.: os valores do momento 5 correspondem aos normais de
PaO2 e PaCO2 para comparação.
202
Síndrome obesidade-hipoventilação alveolar
Idade (anos)
Figura 6: Evolução exponencial do peso corporal desde os 30 anos de idade até sua alta em maio/2005 e queda de 37 Kg na
reavaliação no 5º mês de tratamento.
Silva GA.
Obesity hypoventilation syndrome. Medicina (Ribeirão Preto) 2006; 39 (2): 195-204.
ABSTRACT: Alveolar hypoventilation is the main harm caused by obesity to the respiratory
function. That means an inability of the respiratory aparatus to eliminating carbon dioxide as soon
as it reaches the lung. So, it occurs hypercapnia (PaCO2 > 45 mmHg) together with equivalent
degree of hipoxemia (low PaO2). Obesity-hypoventilation syndrome means chronic alveolar
hipoventilation in an obese patient (body mass index > 30 Kg/m2), without any other respiratory
causes for gas exchange disturbance. This syndrome adds risk to the health condition and quality
of life of the obese people, although it attacks a low percentage of them. One must exclude chronic
obstructive lung disease and sleep apnea syndrome. Palliative treatment looks for the control of
hypoxemia and hypercapnia, while ultimate treatment seeks eliminating obesity.
Keywords: Hypoventilation, Alveolar. Obesity. Sleep Apnea Syndromes. Disorders of Excessive
Somnolence.
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203
Silva GA
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