ATENÇÃO FISIOTERAPÊUTICA NA MUCOPOLISSACARIDOSE DO TIPO II: UM RELATO DE CASO SILVA, André Felipe Santos da; PAZ, Márcia de Aguiar; PINHEIRO, Katiane Cantarelli; CANOVA, Gabriela1; PASIN, Juliana Saibt Martins2. Iniciação Científica 1 Acadêmicos de Fisioterapia, Centro Universitário Franciscano – UNIFRA 2 Docente do Curso de Fisioterapia do Centro Universitário Franciscano (UNIFRA), Santa Maria, RS, Brasil. Grupo de Pesquisa “Promoção da Saúde e Tecnologias Aplicadas à Fisioterapia”. Email: [email protected]; [email protected] Resumo Mucopolissacaridoses (MPS) são doenças hereditárias metabólicas que ocorrem devido a erros inatos do metabolismo. Existem seis tipos de MPS e somente no tipo II ou Síndrome de Hunter a herança genética é ligada ao cromossomo X. O presente estudo tem como objetivo descrever o caso de um sujeito com MPS tipo II, enfatizando a atuação da fisioterapia. Sendo de caráter descritivo, foram analisadas todas as fichas de avaliação contidas no prontuário de F.W.R, disponíveis no Laboratório de Ensino Prático de Fisioterapia da UNIFRA. Observou-se que a atuação da fisioterapia é de fundamental importância para prevenção de agravamentos e para manter as funções básicas do paciente. Porém não se tem muitos estudos relacionando a abordagem da fisioterapia na síndrome de Hunter. Desta forma, torna-se importante que novas pesquisas sejam realizadas e divulgadas, propondo alternativas terapêuticas para os pacientes com a síndrome. Palavras-chave: Síndrome de Hunter, Fisioterapia. Introdução As mucopolissacaridoses (MPS) são doenças metabólicas hereditárias de ocorrências determinadas por erros inatos do metabolismo. A deficiência de qualquer uma das enzimas envolvidas na degradação dos glicosaminoglicanos (GAGs) pode ser a causa da doença, a qual promove o seu acúmulo no organismo, resultando em sinais e sintomas que levam a um quadro clínico multissistêmico (FERREIRA e GUEDES, 2011). Existem seis tipos de MPS, cujos nomes possuem relação com o respectivo defeito enzimático. As MPS tem curso crônico e progressivo, acometendo principalmente o sistema cardiopulmonar e esquelético, a córnea, a pele, o fígado, o baço, o cérebro e as meninges (ALBANO et al.,2000). A Mucopolissacaridose do tipo II (MPS II) ou Síndrome de Hunter é uma doença genética recessiva ligada ao cromossomo X, caracterizada por disfunção da enzima iduronato-2-sulfatase (IDS) que cataboliza dois glicosaminoglicanos (GAGs). Charles Hunter em 1917 realizou o primeiro relato sobre a doença, a qual foi caracterizada por sinais e sintomas específicos (PEREIRA, 2011). Estima-se que a Síndrome de Hunter (MPS II) afete 1 em cada 155 mil nascidos vivos, sendo mais comum em pessoas do sexo masculino (MARTIN et al., 2008). Recentemente foram identificados 86 casos no Brasil, distribuídos de forma regional, ou seja, 39 casos no sudeste, 23 no nordeste, 19 no sul, 3 no norte e 2 no centro oeste (PEREIRA, 2011). O diagnóstico precoce e o tratamento adequado são importantes na otimização dos resultados para os pacientes e maior será o impacto na capacidade funcional para a realização das atividades diárias e na amplitude de movimento articular (BURTON e GIUGLIANI, 2012). As características clínicas da MPS II não são evidentes ao nascer. È na infância que os sinais começam a aparecer, tais como, atraso no desenvolvimento psicomotor, baixa estatura, displasia óssea, retardo mental, síndrome do túnel do carpo, espessamento de válvulas do coração, hepatomegalia e esplenomegalia, fácies caracterizadas grosseiramente com lábios carnudos, a boca aberta e achatamento nasal (CARLOS et.al., 2011). Burton e Giugliani (2012) afirmam que nem todos os pacientes com MPS II apresentarão a totalidade dos sinais e sintomas e, além disso, a gravidade destas manifestações pode variar entre eles. Diante do quadro clínico decorrente da MPS II, faz-se necessário um acompanhamento multiprofissional, incluindo a atenção fisioterapêutica. O presente estudo teve por objetivo descrever o caso de um sujeito com MPS II enfatizando a atuação da fisioterapia. Metodologia Esta pesquisa caracteriza-se como um relato de caso. Foram utilizadas as informações contidas no prontuário de um sujeito com Mucopolissacaridose tipo II (MPS II) - Síndrome de Hunter, no Laboratório de Ensino Prático de Fisioterapia, do Centro Universitário Franciscano - UNIFRA. Para a coleta das informações apresentadas nesse estudo, foram analisadas todas as fichas de avaliação contidas no prontuário do paciente disponível no Laboratório de Ensino Prático da UNIFRA (LEP). Com o material em mãos foi realizada uma apreciação da evolução da patologia. Foi solicitado ao responsável do sujeito da pesquisa para que assinasse o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, de acordo com as Diretrizes e Normas Regulamentadoras de Pesquisas envolvendo Seres Humanos do Conselho Nacional de Saúde (CNS), Resolução 196/96. Relato de caso O presente relato apresenta o caso de F.W.R, do gênero masculino, 13 anos, que desenvolveu a Mucopolissacaridose tipo II (MPS II) - Síndrome de Hunter e freqüenta regularmente os atendimentos de fisioterapia, no Laboratório de Ensino Prático de Fisioterapia do Centro Universitário Franciscano (UNIFRA), há seis anos. Os sintomas iniciaram progressivamente a partir dos seis anos de idade. F.W.R iniciou seu tratamento fisioterapêutico em maio de 2006, quando foram percebidos os primeiros sintomas. Nesta época, ele possuía seis anos de idade e apresentava fraqueza muscular de membros inferiores (MMII), diferenciando-o, assim, dos demais colegas, além de disartria, hipersensibilidade nas mãos, rigidez articular tanto em membros inferiores quanto em membros superiores (MMSS), porém ainda deambulava sem auxilio. Além disso, F.W.R apresentava déficit na motricidade fina, na coordenação motora e de atenção, permanecendo a maior parte do tempo dentro de casa. Ele fazia uso contínuo de Carbamazepina. Atualmente F.W.R possui treze anos, apresenta padrão flexor, encurtamentos e contraturas musculares em MMSS e MMII, dedos em garras, hipertonia global, perda de equilíbrio em todas as posturas, sendo dependente nas atividades de vida diária. O sujeito estudado perdeu a habilidade de controlar a cervical e de falar, utiliza sonda nasogástrica para se alimentar e as complicações respiratórias são recorrentes. Os objetivos fisioterapêuticos com F.W.R foram prevenir encurtamentos e contraturas musculares, bem como deformidades articulares, melhorar a mobilidade articular de membros, o controle cervical, melhorar a amplitude de movimentos, o equilíbrio e a eficácia respiratória. Durante os anos em que o sujeito recebeu atendimento, as condutas realizadas foram alongamentos de membros e tronco, mobilizações articulares de MMSS e MMII, estímulo ao controle cervical com taping, estímulos proprioceptivos com auxílio de bolinhas, ortostatismo no parapódium, dissociação de cinturas escapular e pélvica, tração e pompagens da musculatura acessória da respiração (esternocleidomastóideo, trapézio, escalenos e peitorais), higiene brônquica através de vibração, vibrocompressão, tapotagem e TEF e aspiração, quando fez-se necessário. Além disso, utilizou-se recursos como estímulo diafragmático, traço miofascial e direcionamento de fluxo, treino de equilíbrio sentado e em pé com auxílio do disco de propriocepção, posturas de abertura corporal, alcance e preensão de objetos, estímulo às rotações de tronco e estímulo à deambulação nas barras paralelas. A última avaliação data de 18 de junho de 2012, resultando 6 anos de atendimentos regulares de fisioterapia. F.W.R utiliza o medicamento Tegretol. Paciente é carregado pela avó ou mãe. Apresenta padrão flexor de MMSS e MMII, com pés em plantiflexão, já apresentando pequenas deformidades, a cabeça encontra-se alinhada ao corpo, às vezes rodada para a direita. Não deambula mais sozinho e com auxílio realiza com muita dificuldade. Discussão dos dados Analisando os resultados obtidos acima, os sintomas da MPS tipo II iniciaram aos seis anos de idade. Segundo PINTO et al. (2006), o quadro clinico é crônico e progressivo, acometendo mais o sexo masculino. As manifestações são parecidas com as outras MPS, algumas características, porém, são específicas do tipo II. Alguns pacientes podem apresentar lesões na pele conhecidas como pápulas esbranquiçadas, as quais distribuemse de modo simétrico nas escápulas, linhas axilares posterior, tórax, cervical e membros superiores. A atrofia cerebral e hidrocefalia estão presentes nesse tipo da síndrome. Na MPS o sistema respiratório também é gravemente comprometido devido à obstrução das vias aéreas superiores por fatores como hipertrofia das adenóides, pescoço curto, secreção nasal, macroglossia. Além disso, são comuns os distúrbios da deglutição em virtude de lesões neurológicas e nas estruturas orais ou orofaríngeas (FERREIRA e GUEDES, 2011). Conforme foi observado neste estudo, F.W.R apresentou infecções respiratórias de repetição desde 2010, decorrentes da aspiração brônquica, no início de 2012 paciente já fazia uso de sonda nasogástrica devido a disfagia. Observou-se também nas avaliações que o primeiro sintoma apresentado foi perda de força muscular de MMII e dificuldade de locomoção. Para PINTO et al. (2006), as manifestações musculoesqueléticas são conjuntamente chamadas de disostose múltipla e incluem sela túrsica em J, coxa valga, irregularidade da diáfise dos ossos longos e displasia da epífise dos ossos tubulares longos. O diagnóstico preciso do tipo de MPS é difícil ser realizado somente com o exame clínico. É necessário que sejam feitos exames específicos para determinar a linha de tratamento. A principal causa de morte é de ordem respiratória, com infecções e pneumonias freqüentes (PINTO et al.; 2006). Para Burton e Giugliani (2012), as terapias de apoio como a fisioterapia, a terapia ocupacional e a fonoaudiologia, entre outros, devem ser enfatizadas. Considerações Finais Com este estudo, observa-se que a atuação da fisioterapia é de fundamental importância para prevenção de agravamentos e para manter as funções básicas do paciente. Os objetivos da intervenção fisioterapêutica devem incluir a prevenção de complicações motoras e respiratórias, em alguns casos podendo retardar a progressão da doença, proporcionando assim uma melhor qualidade de vida para o paciente e seus familiares. Atualmente, poucos estudos relacionam a abordagem da fisioterapia na síndrome de Hunter. Assim, estudos que busquem novas alternativas terapêuticas precisam ser realizados e divulgados. Referências Bibliográficas ALBANO, L.M.J. et.al. Clinical and laboratorial study of 19 cases of mucopolysaccharidoses. Revista do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo. v.55, n.6, p.213-218, nov./dec. 2000. BURTON, B.K.; GIUGLIANI, R. Diagnosing hunter syndrome in pediatric practice: practical considerations and common pitfalls. European Journal of Pediatrics. 171:631–639, mar. 2012. CARLOS, A.E.J.; DENISSE, A.F.M.; ZULMA, R.M.; PAZ, G. Síndrome de Hunter Mucopolisacaridosis (II): reporte de un caso. Revista Científica Ciência Médica. v.14, n.1, p. 40-42, 2011. FERREIRA, A.C.R.G.; GUEDES, Z.C.F. Estudo prospectivo da deglutição na Mucopolissacaridose II (síndrome de Hunter) antes e após tratamento enzimático. Revista da Sociedade Brasileira de Fonoaudiologia. v.16 no.2 São Paulo Abril./Junho 2011. MARTIN, R.; BECK, M.; ENG, C.; GIUGLIANI, R.; HARMATZ, P.; MUNOZ, V.; MUENZER, J. Recognition and diagnosis of mucopolysaccharidosis II (Hunter syndrome). Pediatrics. v.121, p.377-386, 2008. PEREIRA, E.C.; SACOMANI, D.G.; MOTTA, A.A.P. Manifestações clínicas na Mucopolissacaridose do tipo II grave: Relato de Caso. Revista de Neurociências. v.19, n.4, p.675-680, 2011 PINTO, L.L.C.; SCHWARTZ, I.V.D.; PUGA, A.C.S.; VIEIRA, T.A.; MUNOZ, M.V.R.; GUIGLIANI, R.; GRUPO DE ESTUDOS SOBRE MPS II. Avaliação prospectiva de 11 pacientes brasileiros com mucopolissacaridose II. Jornal de Pediatria. (RJ) v.82, n.4, Porto Alegre Julho/Agosto. 2006.