IMUNOLOGIA DOS TRANSPLANTES O transplante como forma de tratamento para inúmeras deficiências do organismo tem apresentado grandes avanços nos últimos anos. Embora muitas das questões básicas relativas aos mecanismos responsáveis pela rejeição ou aceitação dos transplantes ainda não estejam completamente elucidadas, o conhecimento de alguns destes processos tem auxiliado no desenvolvimento de novas formas de supressão do sistema imune, permitindo assim, uma sobrevida cada vez maior do enxerto. Para que seja efetuado um transplante, é necessário que exista um "doador", que irá ceder um órgão ou tecido a ser enxertado no "receptor". De acordo com o tipo de doador, os transplantes podem ser classificados como autotransplantes (transplantes autólogos), alotransplantes (transplantes alogênicos) ou xenotransplantes (transplantes xenogênicos). Os transplantes autólogos ocorrem quando o tecido enxertado provém do próprio receptor. Este é o caso dos transplantes de pele, utilizados no tratamento de queimaduras não muito extensas, ou mesmo das pontes de safena para tratamento de problemas cardiovasculares. Um dos principais problemas do transplante esta na possibilidade de rejeição do órgão ou tecido por parte do receptor, o que, evidentemente, não irá ocorrer no caso dos autoenxertos devido ao reconhecimento do tecido como componente próprio. Existem animais desenvolvidos e criados para fins de pesquisa científica que constituem as linhagens isogênicas de camundongos, ratos, hamsters e outras espécies. Estes animais, obtidos através de endocruzamentos, isto é, entre irmãos, ao longo de pelo menos 20 gerações passam a ter a mesma bagagem genética, diferindo apenas nas características ligadas ao sexo. Em outras palavras, é como se fossem todos irmãos gêmeos. O transplante realizado entre estes animais é referido como singênico ou isogênico e, da mesma maneira que nos transplantes autólogos, o receptor não reconhece o enxerto como estranho e, portanto, não desenvolve uma reação de rejeição. Um exemplo clínico seria o dos os transplantes entre irmãos gêmeos. Um terceiro tipo de transplante, que constitui o caso mais comum nos transplantes clínicos, é o alogênico, realizado entre indivíduos da mesma espécie, mas que tenham uma bagagem genética distinta. No transplante alogênico podemos distinguir 3 tipos de doador. O doador vivo aparentado é representado por familiares como os irmãos, pais e primos. De um modo geral, quanto mais próximo o grau de parentesco, maior a semelhança genética entre doador e receptor. O doador vivo não-aparentado pode ser qualquer pessoa que não esteja geneticamente relacionada com o receptor, como é o caso da esposa ou namorada, amigos ou mesmo doadores 'voluntários'. Com mais freqüência, os órgãos são provenientes de indivíduos que tenham ido a óbito em período recente, desde que clinicamente estejam aptos como doadores, sendo estes referidos como doadores cadáveres. Existem ainda os transplantes xenogênicos, nos quais doador e receptor são animais de espécies diferentes, como, p. ex. o transplante de coração de um primata não-humano para um membro da espécie humana. Em virtude das dificuldades de obtenção de órgãos da própria espécie humana, os transplantes xenogênicos representam um dos caminhos em que os pesquisadores concentram muitos esforços. Ainda quanto a classificação dos transplantes, eles podem ser ortotópicos ou heterotópicos, de acordo com a localização anatômica do enxerto. COMPLEXO PRINCIPAL DE HISTOCOMPATIBILIDADE (MHC) No homem, o MHC é chamado de sistema HLA e compreende uma série de genes intimamente relacionados que se localizam ao longo de um dos braços curtos do cromossomo 6. Os genes do MHC compreendem 3 loci (A, B e C), responsáveis pela codificação dos antígenos de classe I, de ampla distribuição tecidual, presente em todas células nucleadas do organismo. Como foram os primeiros antígenos descobertos quanto a participação no processo de rejeição, estes foram anteriormente chamados de antígenos de transplante. Os Ag Classe I são cadeias polipeptídicas glicosiladas (glicoproteínas), com peso molecular aproximado de 45.000 dáltons, constituindo 3 domínios globulares denominados alfa1, 2 e 3. Intimamente ligada à cadeia alfa, localiza-se uma cadeia peptídica não-glicosilada denominado beta 2-microglobulina, presa por forças não-covalentes. Este peptídio de aproximadamente 12.000 dáltons é codificado por um segmento no cromossomo 15, diferente daquele em que se encontra o MHC (cromossomo 6), mas é essencial para que haja expressão dos antígenos de classe I. A molécula de classe I tem ainda um segmento intramembrana e uma porção intracitoplasmática em sua terminação carboxila, pela qual fica ancorada na membrana. Os sítios antigênicos responsáveis pelas diferenças alogênicas parecem ocorrer nos domínios alfa1 e alfa 2, que são justamente aqueles mais externos à membrana citoplasmática. Os loci DQ, DP E DR, por sua vez, codificam os antígenos de classe II. De distribuição mais restrita, eles estão presentes na superfície de linfócitos B, macrófagos, células dendríticas e linfócitos T ativados. Os antígenos de classe II consistem de 2 cadeias polipeptídicas distintas denominadas alfa e beta, unidas entre si através de forças nãocovalentes. Cada cadeia apresenta 2 domínios globulares, glicosilados ou não. A cadeia alfa mais longa, tem peso aproximado de 35 kd. A cadeia beta, mais curta, tem peso aproximado de 28 kd, e é a que apresenta os sítios alogênicos. Cada indivíduo apresenta um par de alelos, de cada locus, responsáveis pela codificação de antígenos na superfície das células, de expressão codominante. Em outras palavras, uma determinada pessoa expressa em suas células, 2 antígenos HLA-A, 2 HLA-B, 2 HLA-C, 2 HLA-DQ, 2 HLA-DP e 2 HLA-DR. Assim, a possibilidade de que um transplante seja bem sucedido se deve, em grande parte, ao grau de compatibilidade entre doador e receptor. SELEÇÃO DO DOADOR Evidentemente, a probabilidade de maior grau de compatibilidade entre doador vivo parente e o receptor, aumenta a sobrevida do enxerto e do receptor. Os resultados obtidos com doadores vivos não parentes são comparáveis aos que envolvem doadores parentes haploidênticos, enquanto os transplantes com doador cadáver resultam em menor sobrevida tanto do enxerto quanto do receptor. Quando a situação possibilita a seleção de um doador adequado (no caso dos doadores vivos) alguns critérios devem ser adotados para aumentar a probabilidade de que o transplante seja bem sucedido. Em linhas gerais, o doador deve ser adulto, com idade superior a 21 anos, dando-se preferência aos indivíduos acima de 30 anos, com idade máxima de 70 anos. O doador deve ser normal, do ponto de vista clínico e emocional. O primeiro aspecto a ser considerado é a compatibilidade ABO entre doador e receptor, respeitando-se as mesmas regras utilizadas para as transfusões sanguíneas. Esta compatibilidade é importante porque os Ag do sistema ABO são expressos na superfície das células endoteliais, podendo servir de alvo para as isohemaglutininas naturais presentes no sangue do receptor. Tais anticorpos, sendo da classe IgM, são eficientes fixadores de complemento, e poderiam mediar a rejeição hiperaguda do enxerto. O sistema Rh não é levado em consideração, por ser um sistema antigênico próprio das hemácias, sem expressão nos demais tecidos. Anticorpos anti-Rh são da classe IgG e, portanto, também são bons fixadores de complemento. Entretanto, tais anticorpos só aparecem como resultado de exposição prévia do hospedeiro ao Ag, de modo que o receptor geralmente não possui Ac pré-formados contra as hemácias do doador (mesmo que estivessem presentes, não poderiam ser responsáveis por uma eventual rejeição do enxerto). Talvez a única preocupação quanto à incompatibilidade Rh esteja na possibilidade de que um receptor Rh-, ao receber o enxerto de um doador Rh +, sensibilize-se contra o Ag e, no caso de ser uma mulher em idade fértil, ter uma gestação com risco de desenvolvimento da eritroblastose fetal. Além disso, para os doadores vivos, o processo de seleção requer a tipagem HLA do receptor e dos possíveis doadores, para permitir a seleção do melhor doador entre os candidatos. No caso de doador cadáver, nem sempre é possível se realizar a tipagem do doador, para comparação com o receptor, e seleção daquele que apresentar maior grau de compatibilidade HLA com o receptor do enxerto e na maior parte dos centros de transplante essa avaliação não é realizada quando se trata desse tipo de doador. Na prática, considera-se de maior importância à compatibilidade entre os antígenos de classe II, seguido da compatibilidade entre os antígenos HLA-B e, por fim, os antígenos HLAA. Quanto aos antígenos do locus C, pouco se tem conhecimento de sua importância em relação à rejeição mas parecem ser pouco antigênicos. 1 Outra prova necessária é a prova cruzada ou “cross-match”, empregada para avaliar se o receptor não é sensibilizado contra os Ag de histocompatibilidade do doador (ainda que seja seu primeiro transplante), o que deve resultar negativa. Esta avaliação é realizada através de um ensaio "in vitro" no qual uma amostra de soro do receptor é misturado com linfócitos do doador e incubados por um período. Após a incubação, durante a qual deve ocorrer a formação de complexos antígeno-anticorpo (se no soro houver a presença de anticorpos antiHLA), adiciona-se ao sistema, uma fonte de complemento, que deverá provocar a lise de linfócitos reconhecidos pelos anticorpos. Na reação positiva, uma vez que existem anticorpos específicos anti-doador em circulação, se for realizado um transplante, este poderá ser rapidamente rejeitado. A reação de "cross-match" positiva pode ser observada em pacientes que foram submetidos a transfusões múltiplas, mulheres multíparas ou indivíduos que já foram previamente transplantados. Na realidade, um cross-match positivo nem sempre é sinônimo de mau prognóstico para o enxerto/receptor. Assim, nos casos suprareferidos, se o cros-match for positivo para linfócitos totais do sangue periférico, o teste é repetido com suspensão ricas em células T ou em células B. Se o este for negativo para células B, o transplante pode ser realizado. Se for positivo para B, o teste é repetido para verificar se os antígenos reconhecidos são anti-MHC I ou anti-MHC II. A presença de anticorpos (ou linfócitos B) anti-MHC II, não contra-indica o transplante. Para os receptores politransfundidos, multíparas ou aqueles que já receberam um transplante, com cross-match positivo, às vezes é necessário que se avalie sua reatividade frente a um painel de linfócitos, que traduz o grau de reatividade do indivíduo contra a população de potenciais doadores. Outros exames a que o doador deve se submeter para o caso do transplante renal, são Ca, P, ácido úrico, enzimas hepáticas, coagulograma, glicemia, hemograma completo e sorologia para as doenças crônicas Chagas, hepatites B e C, toxoplasma, citomegalovírus, mononucleose e aids. Entre os critérios adotados para exclusão de doadores estão: a) idade abaixo dos 7 anos e acima dos 70, com avaliação rigorosa pela equipe, nos casos de indivíduos entre 7 e 15 anos ou entre 65 e 70; b) patologias prévias com comprometimento renal como diabetes mellitus, hipertensão arterial sistêmica, anormalidades ou lesões anatômicas; c) infecções bacterianas em processos sépticos com comprometimento renal direto ou em uso de antibioticoterapia com drogas nefrotóxicas; d) infecção pelo HIV (doadores com sorologia positiva para HCV, HbsAg, T. cruzi ou CMV, poderão ser utilizados em situação específicas à critério da equipe médica), e) instabilidade hemodinâmica persistente ou transitória e f) neoplasias, que não sejam o câncer de pele localizado ou alguns tipos de tumor primário do SNC. Assim como na escolha do doador, alguns critérios devem também nortear a seleção do receptor, entre eles a idade inferior a 1 ano ou peso inferior a 7 quilos, ocorrência de vasculopatia periférica, doença pulmonar crônica, tuberculose em atividade ou com tratamento incompleto, sorologia positiva para HIV, entre outros. REJEIÇÃO DE ENXERTOS ALOGÊNICOS A reação de rejeição é caracteristicamente uma reação de hipersensibilidade do tipo IV, isto é, uma reação imunológica tardia que envolve principalmente a ação de linfócitos T e monócitos. Trata-se de uma reação específica, uma vez que determina uma memória imune celular, capaz de induzir rejeição mais rápida de um segundo enxerto proveniente do mesmo doador. De acordo com as características gerais da reação e tempo de sobrevida do enxerto, a rejeição pode ser classificada como hiperaguda, aguda e crônica. Rejeição hiperaguda Em raras ocasiões um transplante sofre rejeição imediata, forma denominada rejeição hiperaguda, causada pela presença de anticorpos pré-formados no soro do receptor. A rejeição hiperaguda se caracteriza pela presença de um grande número de células polimorfonucleares (PMN) na vasculatura, associada com intensa formação de microtrombos e acúmulo de plaquetas. Isto ocorre quando anticorpos anti-HLA ou isohemaglutininas (ABO) circulantes ligam-se ao endotélio vascular e desencadeiam uma reação de hipersensibilidade citotóxica (tipo II). Inicialmente os anticorpos que reagem com os antígenos presentes no endotélio fixam componentes do sistema complemento, resultando em intensa infiltração de células PMN nos vasos do enxerto. Em seguida estes componentes provocam lesão da parede vascular, ativando a cascata de coagulação em vários pontos, refletindo em deposição de plaquetas e formação de microtrombos nos capilares do órgão. O comprometimento dos vasos é evidenciado pela hemorragia que se segue. Este processo impede a vascularização do órgão transplantado, levando à isquemia severa e posterior necrose do enxerto. Células PMN são praticamente ausentes no interstício. A rejeição hiperaguda ocorre minutos ou horas após o transplante, dependendo do tipo e concentração de anticorpos presentes em circulação. Entre os pacientes que podem apresentar anticorpos antiHLA estão os politransfundidos, as multíparas e indivíduos previamente submetidos a transplante. Ë esta também a forma de rejeição que se observa nos transplantes xenogênicos, devido a presença de isohemaglutininas naturais, constituindo-se em uma das principais barreiras para a prática deste tipo de transplante na clínica. Diferentemente do que ocorre na rejeição aguda, o processo de rejeição hiperaguda não pode ser interrompido por medicamentos ou agentes biológicos assim, a conduta se restringe à prevenção da reação pela escolha cuidadosa do doador. Via de regra, a compatibilidade ABO e o cross-match (prova cruzada) negativo são os parâmetros utilizados para \evitar este tipo de rejeição. Classicamente o cross-match é realizado por reação de linfocitotoxicidade mas atualmente, alguns centros têm realizado a prova através de técnicas mais sensíveis como a citometria de fluxo e o ELISA. Rejeição aguda A rejeição aguda é a forma mais comumente encontrada nos transplantes clínicos, podendo ocorrer semanas ou messe após o transplante. Caracteriza-se pela presença de macrófagos e linfócitos (especialmente T) no interstício do enxerto, enquanto as células PMN são raramente encontradas, a não ser que haja infecção concorrente. De acordo com a classificação de Banff, os achados mais característicos dessa forma de rejeição são a tubulite (infiltração do epitélio tubular por leucócitos) e a arterite intimal ( espessamento da camada íntima, com diferentes graus de inflamação subendotelial). Evidências indicam que leucócitos passageiros presentes na peça cirúrgica são capazes de promover o estímulo primário do sistema imune do receptor. Estes leucócitos passageiros correspondem à linfócitos T e B, alguns monócitos e macrófagos, além de células dendríticas, fortemente ligadas ao tecido transplantado. Todas estas células, principalmente as células dendríticas, apresentando antígenos de histocompatibilidade em sua superfície, funcionam como células apresentadoras de antígenos. É importante lembrar que para que uma resposta imune seja desencadeada de maneira eficiente, é necessária que haja internalização, processamento e reapresentação do antígeno, em associação com determinantes de histocompatibilidade. Esta função é fisiologicamente exercida pelos macrófagos, linfócitos B e células dendríticas (APCs). No caso da estimulação alogênica não parece ser importante que haja fagocitose, processamento e reapresentação. Os próprios leucócitos passageiros, funcionam tanto como Ag quanto como APCs, estimulando diretamente o sistema imune do receptor. Aparentemente, os antígenos de histocompatibilidade classe I e classe II do doador são vistos pelo sistema imune do receptor como o "própriomodificado". Estas células, apresentando antígenos de classe II estranhos, interagem com linfócitos T auxiliares e fornecem-lhes um segundo sinal, representado pelo antígeno B-7 e pela produção de IL-1. A IL-1, não esta envolvida apenas na estimulação de linfócitos Ta mas, provavelmente, é importante também para a ativação de linfócitos T citotóxicos e B virgens. À luz dos novos conceitos, o linfócito T auxiliar ativado na resposta alogênica pertence preferencialmente à subpopulação TH1, que desenvolve uma resposta imune essencialmente celular, do tipo DTH. Uma vez ativado pelo duplo sinal, o linfócito T auxiliar assume o controle central da resposta produzindo e secretando ativamente a IL-2, um cofator essencial para a ativação tanto de linfócitos Tc quanto de B. Como conseqüência da exposição ao aloantígeno mais as interleucinas, há uma expansão clonal e maturação das células aloreativas. Este fenômeno leva ao desenvolvimento de células T efetoras que migram do tecido linfóide para o sangue, atingindo todos os tecidos, inclusive o enxerto, onde irão mediar a destruição dos sítios que expressam o antígeno. Linfócitos B estimulados passam a produzir anticorpos 2 específicos, liberados localmente ou no sangue, interagindo também com os antígenos apropriados. As células efetoras capazes de destruir o enxerto se desenvolvem a partir das subpopulações CD4+ e CD8+. Linfócitos CD4+ reconhecem antígenos de classe II expressos no enxerto, enquanto os CD8+, reconhecem apenas os antígenos de classe I do doador. É interessante notar que no caso do desafio alogênico, células CD4+ podem Ter atividade citotóxica, tornando possível a destruição de células com antígenos de classe II de superfície. Células do enxerto normalmente não expressam antígenos de classe II, mas se células TH1 forem ativadas pelos leucócitos passageiros do doador, poderá haver produção de INF gama. O INF gama, entre outros efeitos, promove o aumento da expressão de antígenos de histocompatibilidade e induz a expressão dos antígenos de classe II no endotélio humano. Assim, as células endoteliais com os antígenos de classe II neoexpressos, passariam a servir de alvo para as células T CD4+ citotóxicas. Por outro lado, para que uma resposta contra os antígenos de classe I seja gerada, é necessário que células Th sejam também estimuladas. Na ausência de diferenças entre os antígenos de classe II, esta ativação fica prejudicada. Entretanto, células Tc, anti-classe I, podem ser estimuladas caso haja citocinas pro-inflamatórias em quantidade suficiente para tanto. Assim no caso de uma infecção concorrente, a IL-2 e outras citocinas produzidas poderão estar atuando na ativação de células aloreativas. Este mecanismo explica o fato de que a rejeição aguda é muito mais freqüente quando há diferença entre os antígenos de classe II do que diferenças exclusivamente entre os antígenos de classe I. Outra conseqüência importante da ativação de linfócitos T e também de macrófagos, é a liberação de várias linfocinas, especialmente do interferon gama. O interferon gama, ou interferon imune, é capaz de induzir o aumento da expressão de antígenos de histocompatibilidade, tornando-os mais vulneráveis aos mecanismos efetores. Induz também a expressão de antígenos de classe II, sobre tecidos que em condições normais podem não expressá-los (células endoteliais e do parênquima), amplificando tanto a fase de ativação quanto a efetora da resposta. Além disso, o interferon é um sinal muito potente para estimular os monócitos a exercerem uma função efetora sobre o enxerto. A IL-2 e o interferon atuam ainda na ativação de células NK aumentando seu potencial lítico, enquanto a IL-2 promove a ativação de células LAK (lymphokine activated killer cells). Embora seu envolvimento nos processos iniciais de rejeição não esteja muito bem esclarecidos, é possível que as células NK e também as LAK participem no período mais tardio da reação. Quanto aos anticorpos produzidos, parecem ter uma importância secundária no processo de rejeição aguda, atuando talvez de uma maneira complementar à resposta celular. Seu envolvimento na destruição pode ser mediado através da ativação do sistema complemento pela via clássica, ou através do fenômeno de ADCC (citotoxicidade celular mediada por anticorpo). Pelo mecanismo de ADCC, o processo de destruição seria potencializado devido a possibilidade de interação dos anticorpos com uma série de elementos celulares não específicos, como é o caso de monócitos, células killer e células natural killer. Rejeição crônica A rejeição crônica, que ocorre meses ou anos após o transplante, é caracterizada por uma diminuição progressiva do lúmen vascular arterial, devido ao crescimento das células endoteliais. O mecanismo pelo qual este fenômeno se processa não é completamente conhecido mas acreditase que seja decorrente de sinais de injúria imunológica, liberação de IL-1 pelos monócitos e liberação de fatores de crescimento pelas plaquetas. A injúria imunlógica pode ser decorrente tanto de uma reatividade humoral quanto celular a antígenos menores de histocompatibilidade, que provovam lesões leves no tecido endotelial, seguidas de reparo. O reparo tecidual resulta em fibrose intersticial, espessamento fibroso da íntima arterial e redução da luz e, nos tranpsltes renais, atrofia tubular e aumento da matriz mesangial. Em uma fase inicial, a proliferação das células endoteliais é reversível, porém quando começam a ocorrer mudanças fibróticas no interior do próprio vaso, o processo evolui para isquemia, fibrose extensiva e perda da função do órgão. Desde que não existe ainda uma terapia para esta forma de rejeição, a solução esta na escolha do doador. Infelizmente, este tipo de reação pode ocorrer mesmo quando a compatibilidade HLA é satisfatória, ocorrendo uma rejeição devido a antígenos menores de histocompatibilidade, como é o caso do sistema endotelial-monocitário. Supressão da resposta imune e efeitos colaterais. Os transplantes clínicos requerem alguma forma de supressão da resposta imune para permitir a sobrevida do enxerto. Os tratamentos imunossupressores são, em sua maioria, não-específicos determinando maior risco de infecções e tumores ao hospedeiro. Supressão quimioterápica O método convencional de supressão do sistema imune no transplante clínico consiste na administração de drogas como a azatioprina (AZA), corticosteróides (principalmente a predinizona) e a ciclosporina A (CyA). A azatioprina é um potente inibidor de mitoses, administrado antes e logo depois do transplante, para diminuir a proliferação de linfócitos T em resposta aos aloantígenos. É um análogo de purina que se integra no DNA e promove a morte da célula quando esta entra em mitose, podendo também inibir a síntese de proteínas. Como uma resposta imune se inicia com proliferação celular e induz produção de imunoglobulinas, a AZA atua nas etapas inicias de resposta. Dois outros antimitóticos são comumente utilizados em associação com outros agentes imunossupressores, a ciclofosfamida e o metotrexato. Entretanto, o efeito desta droga sobre o metabolismo celular é inespecífico, atuando sobre a geração de outros tipos celulares, não necessariamente envolvidos com a resposta alogênica. Assim seu uso pode resultar em efeitos sobre a medula óssea que incluem leucopenia, trombocitopenia e anemia, além de uma imunossupressão generalizada que predispõe o paciente ao desenvolvimento de inúmeras doenças infecciosas. Os esteróides prednisone, prednisolone e metilprednisolone são administrados como profiláticos ou em episódios de rejeição devido à sua ação antiinflamatória. A natureza lipofílica destes hormônios permite que atravessem a membrana citoplasmática, ligando-se a receptores no citosol, que os transportam para o núcleo, onde se ligam a seqüências reguladoras específicas do DNA, interferindo em sua transcrição. Sua administração resulta na depressão da síntese de proteínas, DNA e RNA, morte de pequenos linfócitos no sangue e órgãos linfóides, imunidade celular debilitada, inibição de migração de T ao sítio de reação, inibição da síntese de linfocinas, redução de monócitos e bloqueio da interação celular entre as células imunocompetentes. Como efeitos colaterais importantes, têm sido descritos casos de diabetes por esteróides, interferência no crescimento de crianças, ulceração péptica, hipertensão, desenvolvimento de catarata, distúrbios psiquiátricos, osteoporose e necrose avascular da cabeça do fêmur. Na clínica, inibidores de mitose e esteróides são usualmente administrados em associação, promovendo uma sobrevida superior a 1 ano em 50-60% dos casos de transplante de rim de cadáver. A ciclosporina A é obtida de um fungo e observou-se que é capaz de promover forte imunossupressão no homem e uma variedade de outras espécies animais. No homem, inibe a resposta proliferativa de linfócitos a Con A, PHA e PWM 'in vitro', bem como inibe completamente a reação mista de linfócitos. Tem sido sugerido que a CyA atua predominantemente sobre linfócitos T, inibindo a produção de IL-2 ou inibindo a resposta a ela. Através deste mecanismo haveria uma supressão na geração de linfócitos Tc, responsáveis pela fase efetora da rejeição. Alguns experimentos tem demonstrado que a utilização desta droga pode levar a geração de células T supressoras específicas, o que resultaria em efeito menos severo sobre a reatividade geral do sistema imune. Alguns efeitos colaterais, entretanto, também têm sido descritos, como a ocorrência de nefro e hepatotoxicidade, hipertensão, tremores, fraqueza muscular, entre outros. O micofenolato mofetil, transforma-se no organismo em ácido micofenólico, uma droga antiproliferativa que atua na biossíntese das purinas. Essa droga é mais potente que a AZA e pode ser empregada também em substituição aos corticóides e à ciclosporina nos casos de resistência a essas drogas ou ocorrência de efeitos colaterais importantes. O tacrolimus e o sirolimus são drogas mais recentes sendo, como a ciclosporina A metabólitos obtidos de fungos. Embora sejam quimicamente não-relacionados sua ação é similar à da ciclosporina A. O Tacrolimus (FK506) é um macrolídeo isolado do fungo Streptomyces tsukubaiensis que tem com principal efeito a inibição da geração de 3 linfócitos T citotóxicos. Além de ser empregado como tratametmno imunossupressor inicial, em associação com AZA ou micofenolato mofetil, pode também ser usado em substituição à ciclosporina A nos casos de efeitos colaterais ou persistência de episódios de rejeição. O emprego de tacrolimus possibilita a suspensão de corticoide, principalmente quando associado a micofenolato mofetil, Os efeitos colaterais mais importantes dessa droga são os neurológicos, nefrotoxicidade e aumento de incidência de diabete mellitus. O sirolimus (rapamicina) é outro macrolídeo imunossupressor usado em associação com ciclosporina e corticóides, que representa uma alternativa nova para o controle da rejeição. Anticorpos antilinfocitários A supressão do sistema imune pode ser obtida através de destruição das células imunocompetentes, utilizando-se anticorpos dirigidos contra eles. Estes anticorpos podem ser policlonais ou monoclonais. Os anticorpos policlonais usualmente empregados são o ATG (anti-thymocyte globulin) e o ALS (anti-lymphocyte serum), produzidos em coelhos, cavalos ou cabras. Estes anticorpos heterólogos são potentes agentes imunossupressores que eliminam seletivamente os linfócitos T circulantes. Uma das desvantagens desta terapia é a variabilidade de potência e pureza dos reagentes empregados. ATG e ALS têm sido empregados profilaticamente e para tratamento durante os episódios de rejeição aguda, em conjunto com a terapia supressora convencional. As complicações devido ao uso de ATG ou ALS podem estar relacionadas com a reatividade do pacientes às imunoglobulinas, por se tratarem de proteína heteróloga, ou ao estado de imunossupressão geral do paciente. Tem sido descritos quadros de febre, reação anafilática, trombocitopenia, artralgia, e doença do soro. Casos mais sérios podem apresentar linfomas, especialmente nos casos de supressão mais drástica. Alternativamente, tem sido utilizados anticorpos monoclonais, em substituição aos policlonais. Teoricamente, a utilização dos monoclonais tende a ser mais específica do que um soro policlonal, mesmo que altamente purificado. Além disso, os monoclonais tem a vantagem de melhor controle de qualidade quanto a concentração e potência das amostras, aumentando assim a efetividade do tratamento. Embora inúmeros anticorpos contra diferentes subpopulações celulares tenham sido estudadas em modelos experimentais, na prática clínica tem sido utilizado o anticorpos OKT3 dirigido contra os linfócitos T CD3+ (panT). A avaliação das subpopulações celulares após 1 hora de administração do anticorpo elimina quase que totalmente os linfócitos T circulantes, confirmando a alta capacidade supressora do agente. Dois a cinco dias após esta dramática eliminação das células, células CD4+ e CD8+ começam a ser novamente detectados na circulação, porém na ausência de células CD3+. O uso de OKT3 tem forte impacto imunossupressor porém com baixa toxicidade, não induz tolerância e seus efeitos colaterais parem estar restritos à reatividade contra a porção isotípica da imunoglobulina ou a formação de anticorpos anti-idiotípicos, provocando quadros de febre, náusea e vômito, à semelhança do uso de policlonais, porém em menor intensidade e freqüência. Inibidores dos receptores de IL-2 Dois anticorpos monoclonais desenvolvidos contra os receptores de IL-2 têm sido empregados com sucesso nos transplantes de órgãos. O basiliximab é um Ac monoclonal quimérico que bloqueia os receptores de IL-2 e diminui significativamente os episódios de rejeição no primeiro ano pós-transplante, quando associadoa AZA e ciclosporina, com efeitos colaterais inexistentes. O daclizumab é um Ac monoclonal humanizado, que bloqueia a cadaeia alfa do receptor de IL-2 (CD25), e é usado como profilático, em associação cam a ciclosporina, AZA e corticóides, diminuindo a incidência de episódios de rejeição aguda. Infecções pós-transplante O aumento na suscetibilidade a infecções continuam a ser a complicação mais frequente nos pacientes transplantados/imunossuprimidos e a principal causa de óbito dos pacientes em nosso meio. A incidência de infecções é maior nos receptores de órgãos de doador cadáver, submetidos a um regime imunossupressor mais intenso do que os receptores de órgão de doadores vivos, e nos primeiros meses pós-transplante, quando a dose das drogas supressoras é maior. Embora a literatura mundial se refira aos vírus como os principais agentes infeciosos envolvidos nos pacientes transplantados/ imunossuprimidos, no Brasil as bacterias são as principais causas de infecção e óbito desse grupo de pacientes. Um estudo retrospectivo dos pacientes submetidos a transplante renal entre 1983 e 1990 no Hospital das Clínicas de São Paulo, revela que 48,6% dos óbitos foram decorrentes de infecções, dos quais 82,4% causadas por bactérias. Bactérias Gram negativas são as mais freqüentes e o pulmão o órgão mais afetado. A tuberculose pós-transplante também representa um problema importante no Brasil, com prevalência de 5,6%, contra 0,5% na população normal. Micobacterioses atípicas, causadas por agentes como M. avium intracelulare, M. cheloney, M. ulcerans, M. bovis e as infecções por M. leprae, também constituem problema importante entre os pacientes transplantados. Entre os causadores de infecções virais, os mais importantes são o citomegalovírus, vírus da hepatite B e C e varicella-zoster. Infecções por herpes simplex, Epstein-Barr, adenovírus e papilomavírus são agentes mais raramene encontrados nos pacientes transplantados. O CMV é o mais freqüente patógeno diagnosticado em pacientes imunossuprimidos submetidos a transplante de órgãos, podendo atingir até 50% dos casos, dependendo do esquema imunossupressor adotado. A infecção pode ser primária ou reativação de um estado de infecção latente do receptor. No caso da infecção primária, via de regra o órgão transplantado é a fonte de infecção, resultando em infecção mais grave e com evolução de maior risco. As infecções por HBV e HCV ocorrem geralmente durante as sessões de diálise a que os pacientes são submetidos no período prétransplante e, no Brasil, a positividade nos pacientes transplantados atinge 20 e 35% respectivamente. TRANSPLANTES CLÍNICOS Os transplantes renais são os mais conhecidos sob o ponto de vista clínico e biológico, respondendo pelo número mais elevado de transplantes clínicos realizados em todo o mundo. Na realidade, a maior parte dos conhecimentos adquiridos sobre a imunobiologia dos transplantes e muitos dos conhecimentos atuais sobre a imunologia em geral, devem-se aos estudos envolvendo esse tipo de cirurgia. Assim, podemos considerar que as informações apresentadas até o momento aplicam-se plenamente aos transplantes renais humanos. Além do rim, outros órgãos são correntemente transplantados como prática médica, enquanto outros ainda não atingiram um grau de desenvolvimento suficiente para garantir resultados clinicamente satisfatórios. Entre os órgãos mais comumente transplantados como forma de terapia contra doenças diversas, estão o coração, fígado, pâncreas e medula óssea, todos com resultados cada vez mais promissores. Transplante de coração. O primeiro transplante cardíaco humano foi realizado em 1964, tendo-se um chipanzé como doador. O transplante foi rejeitado em pouco tempo, bem como as demasi tentativas da época. Apenas na década de 90 a técnica cirúrgica, a forma de preservação do órgão e os métodos imunossupressores disponíveis permitiram a realização de transplantres cardíacos mais seguros e com maior probabilidade de sucesso. Atualmente, o transplante cardíaco, realizado em pacientes com cardiopatias graves sem outra alternativa de tratamento, confere sobrevida de 1 ano à cerca de 80% dos transplantados. A compatibilidade HLA entre doador e receptor é desejável, porém devido à escassez de doadores desse órgão, limita tal exigência. Assim, a rejeição do enxerto é evitada com uma terapia imunossupressora mais intensa, visto que os doadores são cadáveres com morte cerebral e batimento cardíaco, apresentando boa função cardíaca, sem história ou fatores de risco associados a cardiopatia. Os principais obstáculos para o sucesso do transplante cardíaco são a falência primária do órgão e rejeição. Entre as causas de morte não associadas ao órgão transplantados estão a infecção e as neoplasias. Durante o primeiro ano pós-transplante, a falência primária, a rejeição aguda e as infecções são responsáveis por mais de 90% das mortes. Após esse período, quando diminui gradativamente o risco de rejeição aguda, 4 aumenta significativamene o risco de rejeição crônica, com vasculopatia da coronária. Aparentemente a rejeição crônica decorre de uma resposta humoral do paciente, pois se observa forte associação de sua ocorrência com a produção de anticorpos anti-HLA no período pós-transplante. Infecções virais, bacterianas e fúngicas, bem como neoplasias diversas, são observadas nesses pacientes com maior freqüência do que entre aqueles que recebem outro tipo de transplante. Dada a maior intensidade da terapia imunossupressora empregada nesses pacientes, não chega a ser surpreendente que sejam mais suscetíveis a essas complicações. Transplante de fígado Embora em algumas espécies de animais o enxerto hepático constitua sítio imunologicamente privilegiado e, portanto, facilmente aceito pelo receptor, no homem é comum a rejeição do transplante desse órgão. Em alguns pacientes existem evidências de que ocorra tolerância espontânea ou induzida ao tecido enxertado e hipotetiza-se que células linfóides do enxerto migrem para a periferia (do receptor), estabelçecendo um estado de quimerismo, com desenvolvimento de tolerância aos aloantígenos. Essa possibilidade talvez explique o fato de que em alguns casos o paciente mantém a ceitação do enxerto, mesmo após interrupção do tratamento imunossupressor. Of fígado mostra resistente à rejeição hiperaguda, mesmo que haja incompatibilidade ABO e, contraditoriamente, em alguns casos observa-se reação do enxerto versus hospedeiro, mesmo que doador e receptor tenham o mesmo tipo sanguíneo. A taxa de sobrevida de um ano entre os pacientes que recebem o transplante hepático varia de 80 a 90%, de acordo com o tipo de terapiaq supressora instituída. Graças ao desenvolvimento da técnica cirúrgica aplicada a esse tipo de transplante, o órgão de um doador pode ser dividido em duas porções, favorecendo dois pacientes (geralmente com uma porção menor destinada a uma criança). Transplante de pâncreas Ao contrário do transplante de fígado, que quase sempre salva a vida do paciente, o transplante de pâncreas apenas melhora a qualidade de vida do paciente com diabete mellitus, prevenindo ou minimizando as seqüelas secundárias ao diabete mellitus (nefropatia, neuropatia, retiinopatia), através da recosntituição de sua capacidade de produzir insulina. O transplante clínico envolve o órgão inteiro, mas avanços têm sido obtidos nas técnicas de transplantes de ilhotas de Langerhans isoladas. O caráter autoimune do diabete é evidenciado pelo infiltrado mononuclear que circunda as ilhotas e pela presença de autoanticorpos circulantes dirigidos contra Ags das células beta das ilhotas. De modo geral a sobrevida do transplante de pâncreas é inferior à observada nos outros tipos de transplante como rim, fígado e coração e os estudos têm indicado que a eliminação de células dendríticas (MHC classe II +) da suspensão de células beta, por exemplo, pode aumentar a sobrevida do órgão, provavelmente por reduzir a apresentação de antígenos alogênicos ao sistema imune do hospedeiro. provavelmente decorre do fato de que a difernça HLA desencadeia uma moderada reação do enxerto contra o hospedeiro (GVH), capaz de eliminar eventuais células malignas resistentes ao tratamento quimio/radioterápico utilizado para eliminação da medula óssea original, evitando sua expansão. No caso de células de medula idênctica ou autoenxerto, haveria maior probabilidade das células leucêmicas passarem despercebidas pelo novo sistema imune. Outro passo importante na prática dos transplantes de medula óssea foi a descoberta de que a transferência de sangue periférico do doador, acompanhada de condicionamento do receptor para estímulo à hematopoiese, pode substituir a transferência de células obtidas da medula de ossos com atividade hematopoética. Além de obvia vantagem prática de obtenção das células, a prática reduz o desconforto e o risco de complicações para o doador e torna desnecessárias as medidas para evitar a inoculação de fragmentos de tecido ósseo no receptor. O sucesso do transplante é indicado pela elevação no número de leucócitos no sangue periférico e aparecimento de neutrófilos maduros 24 semanas após o enxerto e essas avaliações são seguidas por pelo menos 100 dias. Em geral todo o tecido sanguíneo do receptor é substituído pelas células do doador, embora haja raros exemplos de quimerismo, mais freqüentemente nos casos em que o transplante é feito nos pacientes com imunodeficiência congênita. No caso do transplante de medula óssea é praticamente inexistente o risco de rejeição do enxerto, pois os pacientes lsão previamente submetidos a um tratamento para ablação de sua prória medula e, conseqüentemente, de seu sistema imune. Assim, o maior risco para os pacientes que recebem medula incompatível é a de ocorrência de uma reação do enxerto contra o hospedeiro (GVH). De fato, entre as complicações pós-transplantes a doença do GVH e as infecções respondem por 10-30% da morbidade e mortalidade nos primeiros 100 dias. A doença do enxerto versus hospedeiro manifesta-se devido a diferenças nos antígenos de histocompatibilidade entre doador e receptor e manifesta-se clinicamente pelo aparecimento de exantema, diarréia intensa e icterícia. Pode-se detectar a presença de células T CD8+ em amostras de biópsias de órgãos ricos em antígenos DR (classe II) de superfície como pele, intestino e fígado. Ramon Kaneno Depto Microbiologia e Imunologia IBB - UNESP Medula óssea O transplante de medula é o tratamento de escolha para muitas doenças hematológicas como leucemias, linfomas e anemia aplástica, recuperação após radioterapia e quimioterapia, desordens genéticas como a imunodeficiência severa combinada e deficiências genéticas. Até pouco tempo, a maioria dos doadores de medula óssea era constituída de gêmeos idênticos ou parentes com fenótipo HLA idêntico. Entretanto, dada o grande polimorfismo do sistema HLA, estima-se em no máximo 30% a probabilidade de que um iindivíduo encontre um doador com 100% de compatibilidade. Assim, o uso de doadores aparentados com HLA parcialmente compatível (haploidêntico) ou doadores não-relacionados com HLA idêntico tem sido cada vez mais comum nos transplantes de medula óssea. Nos Estados Unidos, o Programa Nacional de Doadores de Medula mantém o registro de mais de 4 milhões de doadores voluntários de modo que mais de 70 % dos pacientes com leucemia crônica já podem encontrar um doador cadastrado. Na realidade, os dados da literatura mostram que o transplante de medula haploidêntica tem vantagens sobre a medula de doador HLA-idêntico e, principalmente, sobre a medula autóloga pois observa-se menor freqüência de recidivas da leucemia. O fenômeno 5