Imunologia dos transplantes Transplante ou enxerto é o processo de se tirar células, tecidos ou órgãos de um local para outro. O indivíduo que fornece o enxerto é denominado doador e o que recebe é denominado receptor. Caso o enxerto seja colocado em sua localização anatômica normal, o procedimento será denominado transplante ortotópico e caso seja colocado num local difrente, o procedimento será chamado transplante heterotópico. São vários os tipos de transplantes, sendo que são classificados de acordo com a origem do tecido transplantado, sendo eles: o auto-enxerto, no qual um tecido é transferido de um local do corpo para outro no mesmo indivíduo, normalmente este tipo de transplante não é rejeitado; o isoenxerto, que ocorre entre dois indivíduos geneticamente idênticos da mesma espécie; o aloenxerto, que acontece quando há a transferência de tecidos ou órgãos entre indivíduos da mesma espécie geneticamente diferentes, nos seres humanos a maioria dos transplantes é desse tipo, e por fim temos o xenoenxerto, em que os transplantes de tecidos são transferidos entre espécies diferentes. Obviamente estes casos exibem uma elevada disparidade genética provocando uma vigorosa rejeição. No entanto, tendo em conta a falta significativa de órgãos doados este tipo de transplante poderá ser uma alternativa no futuro. A intensidade da resposta imune é uma forma de imunidade específica, caracterizada por uma reação inflamatória e denominada rejeição. Tal resposta poderá variar de acordo com o tipo de transplante. O sucesso de qualquer transplante está na capacidade de controlar a resposta imune, permitindo a adaptação do transplante e evitando a sua rejeição. Os principais genes responsáveis pelo reconhecimento de antígenos externos, é o Complexo de Histocompatibilidade Principal (MHC), que estão localizados no braço curto do cromossoma 6. Nos seres humanos, estes genes codificam várias proteínas da superfície da membrana celular e são conhecidos como HLA – Human leukocyte antigens, e o seu elevado polimorfismo permite ao sistema imunológico reconhecer antígenos próprios e não próprios. As diferenças genéticas em qualquer locus no HLA contribui para a rejeição imnune do enxerto. Assim, quanto menor as quantidade de loci incompatíveis, maior a chance de que um exerto seja aceito. O complexo MHC pode ser dividido em três classes: Classe I, classe II e classe III. Os antígenos de classe I e II são proteínas expressas nas células e tecidos, enquanto os produtos dos genes de classe III são proteínas encontradas no soro ou outros fluidos do corpo. Os antígenos de classe III não participam da rejeição de transplantes. Os linfócitos TCD4+ ativados liberam as citocinas do tipo 1 que contribuem para os processos inflamátorios inespecíficos (p. ex. INFy/TNF) e IL2, esta última é um fator de crescimento para células T que expressam receptores para IL2. A IL2 também é necessária para a diferenciação das células TCD8 virgens em TCD8+ maduros, que possibilita a ação citotóxica direta contra as células do enxerto. Na via direta, a ativação das células T se dá através das células apresentadoras de antígenos presentes no órgão do doador. Entre essas células incluem-se as células dendríticas, macrófagos e células B. Inicialmente, há o reconhecimento das células dendríticas pelas células T dentro do órgão enxertado ou após a migração dessas células para os linfonodos de drenagem. A ativação direta é o estimulo mais potente na rejeição. O reconhecimento dos antígenos da Classe II do HLA pelas células Th induz a proliferação e diferenciação em populações de células T (Th1 e Th2) com produção de citocinas, num período entre 6 a 24 horas após o transplante. Essas citocinas atuam como fatores de crescimento e de diferenciação para outras células envolvidas na reação de rejeição. Ao mesmo tempo as células T CD8 precursoras reconhecem os antígenos da Classe I do HLA e se diferenciam em células TCD8+ maduras. Dentre as várias citocinas destacam-se nesse processo a IL-2, necessária para a ativação das células T, e o INFγ, que aumenta a expressão dos antígenos de histocompatibilidade, recruta e ativa macrófagos além de ativar as células endoteliais. As células T proliferadas e ativadas iniciam a destruição do tecido enxertado. Essa destruição pode ocorrer de dois modos, pela secreção de grânulos citolíticos (via perforina-granzima) ou pela indução de apoptose nas células alvo. As citocinas do mesmo modo que na reação de hipersensibilidade retardada, têm função vasoativa produzindo aumento da permeabilidade vascular, bem como quimiotáticas, permitindo a adesão e a exsudação celular e acúmulo local de células mononucleadas (linfócitos e macrófagos). Esse acúmulo local de células, associado a lesão vascular provocada pela hipersensibilidade retardada, produzem isquemia tecidual que contribui para a destruição do enxerto. Na via indireta ocorre a estimulação das células T do receptor por antígenos do doador que teriam sido processados e apresentados pelas células apresentadoras de antígenos profissionais do receptor. A via indireta é semelhante ao processamento fisiológico e à apresentação de outros antígenos estranhos (por ex. bactérias, vírus), pois pode ser importante na manutenção e amplificação da rejeição, especialmente na rejeição crônica. Após o transplante, pode ocorrer uma rejeição hiperaguda em alguns minutos ou dias. Isso acontece devido à reação dos anticorpos IgG contra a classe I HLA no órgão transplantado. A preexistência desses anticorpos indica que o receptor já tinha sido imunizado aos antígenos dos tecidos doados. A função do órgão perde-se como resultado da deposição de anticorpos, ativação do complemento, ativação da cascata de coagulação, trombose e falência imediata. Nos primeiros 6 meses após a transplante é comum que ocorra uma rejeição aguda. Este tipo de rejeição é mediado por linfócitos T, que sofrem expansão clonal e causam destruição de tecidos. As drogas imunossupressoras são muito eficazes na prevenção deste tipo de rejeição. A rejeição crônica ocorre ao longo da evolução do transplante, levando à perda funcional lenta e progressiva do órgão transplantado. Essa rejeição assume a forma de reação fibrosante, sem qualquer indício claro de começo ou fim, e estudos sugerem que a rejeição crônica talvez seja um resulttado inevitável da rejeição aguda. Contudo outros estudos indicam que pode ocorrer a rejeição crônica sem evidência da rejeição aguda. Tipos de rejeição Hiperaguda Intervalo de tempo Minutos a horas Mediadores Anticorpos préformados Tratamentos Remover o órgão Hiperaguda tardia 1os dias após o transplante Ativadores das células endoteliais Em estudo Aguda Dias a semanas Imunidade celular Crônica Meses a anos Varios, provavelmente mediadores inespecificos semelhantes a fatores de crescimento Aprofundar a imunossupressão Fazer outro transpante desse órgão. Tipagens de aloenxertos e receptores É feito para testar a reatividade imunológica do receptor contra um enxerto ou através de tipagem tecidual dos receptores e doadores, afim de determinar as especificidades de MHC que cada indivíduo expressa. Na tipagem tecidual são utilizados: Teste sorológico Reação mista de leucócitos unidirecional (MLR) Imunossupressão É a supressão artificial da resposta imunológica, geralmente com a utilização de drogas para que o corpo não rejeite um transplante. O objetivo da terapia imunossupressora após o transplante é prevenir o reconhecimento do orgão transplantado como não-próprio e a subsequente destruição dos tecidos. Doses altas desses imunossupressores geralmente causam efeitos colaterais significativos, como suscetibilidade às doenças infecciosas, desenvolvimento de neoplasias malignas da pele ou do sistema linfóide e toxicidade dos próprios fármacos. Atualmente, são usados quatro grandes grupos de terapias imunossupressoras gerais: corticosteróides, agentes antimitóticos, xenobióticos e radiação X. Os corticosteróides, como a prednisona, atuam como agentes inflamatórios. São hormõnios lipofílicos que penetram nas células e ligam-se a receptores no citosol formando complexos corticosteróides-receptor que entram no núcleo, ligam-se a sequências específicas de DNA e regula a trascrição de muitos genes. Eles reduzem o número de linfócitos na circulação, a capacidade fagocítica e citotóxica dos macrófagos e regulam de modo negativo e expressão do MHC, bem como a produção de citocinas. Em doses mais altas, os corticosteróides possuem vários efeitos colaterais físicos e psicológicos, como a obesidade, fraqueza muscular, hipertensão e depressão. Agentes antimitóticos como azatioprina, inibem a síntese de ácidos nucléicos, com consequente inibição da divisão das células imunológicas. Os efeitos colaterais consistem em toxicidade para outros tecidos que sofrem divisão, como o epitélio do intestino e a medula óssea. Os xenobióticos são moleculas quimicamente sintetizadas ou drogas derivadas de microrganismos. Um exemplo é a ciclosporina, um metabólico fúngico, que atua ao formar complexos com membros de uma classe de proteínas citoplasmáticas denominadas imunofilinas. Esses complexos de farmaco-imunofilina interferem na transdução de sinais necessários para a ativação das celulas T. Após terem se ligado, estes agentes tornam o complexo calcineurina inativo, prevenindo a transcrição subsequente do gene de IL-2. A ciclosporina revolucionou a transplantação com a sua potente atividade imunossupressora que se traduziu numa maior sobrevivência dos transplantes de praticamente todos os órgãos. Devido à elevada sensibilidade dos linfócitos aos raios-x, a irradiação com estes raios poderá ser utilizada para eliminá-los. Desta forma, antes do transplante, são irradiados os nódulos linfáticos, o timo e o baço, resultando na eliminação dos linfócitos do receptor. Devido a este processo, o paciente encontra-se num estado imunossuprimido, não rejeitando com tanta facilidade o novo tecido ou órgão. Visto que a medula óssea não é exposta à radiação inicialmente, as células estaminais da linha linfóide proliferam e renovam a população de linfócitos. Estes linfócitos aparentam ser mais tolerantes aos antígenos do transplante. Naturalmente, a situação de imunossupressão geral bloqueia a resposta imune na totalidade, colocando o paciente numa situação fragilizada. Transfusões sanguíneas não induzem uma forte resposta anti-HLA no receptor, assim este se tornaria mais tolerante aos antígenos do doador por ocasião do transplante, devido ao desenvolvimento de anticorpos intensificadores que revestem as células passageiras do enxerto, resultando em sua eliminação ou ao desenvolvimento de células T supressoras ao enxerto. O pré-tratamento do enxerto é feito com anticorpos antilinfócito ou anticorpos anti-HLA, afim de eliminar células passageiras que expressam moléculas de MHC de classe II. O sucesso do transplante dos órgãos / tecidos tornou-se um fato rotineiro. Os transplantes de córnea são realizados em locais imunologicamente priviligiados e sobretudo sem a necessidade de usar drogas imunossupressoras, pois os antígenos estranhos expressos pelo enxerto não são percebidos pelas células do hospedeiro. Em transplantes de coração, 88% dos pacientes sobrevivem por pelo menos um ano após um transplante, devido à alta incidência de doença aterosclerótica nos pacientes transplantados (incluindo-se no órgão transplantado) que se desenvolve alguns anos depois do transplante bem-sucedido. Isso se deve ao efeito das drogas usadas para evitar a rejeição e / ou aos efeitos imunes prolongados. Em um trabalho de médicos do Hospital das Clínicas de Barcelona e do Politécnico de Milão, um transplante de traquéia extraída de um cadáver teve suas células removidas através de um processo químico sendo-as restauradas com tecido do próprio paciente, o que conseguiu fazer com que o sistema imunológico aceitasse o órgão sem necessidade de recorrer à medicação imunossupressora. Equipe: Dayane Almeida, Graziella França, Márcio Guedes, Antonielle. Referências Bibliográficas SHARON, J. Imunologia básica. Editora Guanabara, p. 180-189, 2000. ROITT, I. M. Imunologia. Editora Atheneu, p. 221-254, 1999. GORCZYNSKI, R. & STANLEY, J. Imunologia Clínica. Editora Reichmann & Affonso, p. 323-343, 2001.