Universidade Federal de Pernambuco Secretaria da Mulher de Pernambuco Fundação Joaquim Nabuco Arenilda Duque da Silva Lucia Maria Custódio de Melo Lucidalva Maria do Nascimento Maria Celestina do Nascimento Ferreira VIOLÊNCIA CONTRA MULHERES COM DEFICIÊNCIA E A AÇÃO DO ESTADO: DESAFIOS E POSSIBILIDADES PARA O ENFRENTAMENTO DO PROBLEMA Recife (PE) 2015 2 Arenilda Duque da Silva Lucia Maria Custódio de Melo Lucidalva Maria do Nascimento Maria Celestina do Nascimento Ferreira VIOLÊNCIA CONTRA MULHERES COM DEFICIÊNCIA E A AÇÃO DO ESTADO: DESAFIOS E POSSIBILIDADES PARA O ENFRENTAMENTO DO PROBLEMA Trabalho de conclusão do Curso de Especialização em Gênero, Desenvolvimento e Políticas Públicas, da Universidade Federal de Pernambuco, Secretaria da Mulher de Pernambuco e Fundação Joaquim Nabuco, como requisito parcial para obtenção do título de Especialista em Gênero, Desenvolvimento e Políticas Públicas. Orientadora: Ana Paula Portella Recife (PE) 2015 3 Arenilda Duque da Silva Lucia Maria Custódio de Melo Lucidalva Maria do Nascimento Maria Celestina do Nascimento Ferreira VIOLÊNCIA CONTRA MULHERES COM DEFICIÊNCIA E A AÇÃO DO ESTADO: DESAFIOS E POSSIBILIDADES PARA O ENFRENTAMENTO DO PROBLEMA Trabalho de conclusão de curso apresentado Curso de Especialização em Gênero, Desenvolvimento e Políticas Públicas, da Universidade Federal de Pernambuco, Secretaria da Mulher de Pernambuco e Fundação Joaquim Nabuco, como requisito parcial para obtenção do título de Especialista em Gênero, Desenvolvimento e Políticas Públicas. Apresentado em: ___________________ Banca Examinadora _______________________________________ _______________________________________ _______________________________________ Recife (PE) 2015 4 SUMÁRIO RESUMO 06 INTRODUÇÃO 07 Capítulo I - MULHERES COM DEFICIÊNCIA: CONCEITOS BÁSICOS E PROTAGONISMO ENQUANTO SUJEITO DE DIREITOS 11 1.1 A luta das pessoas e das mulheres com eficiência para reconhecerem seus Direitos: conceitos e histórico 11 1.2 Situação das pessoas com deficiência no Brasil e em Pernambuco 17 1.3 O protagonismo das mulheres com deficiência 20 ]Capítulo II - REFERENCIAL E FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA 25 2.1 Apresentando o Problema 2.2 Gênero, uma categoria útil para tratar da discriminação contra as mulheres 2.3 Violência contra as mulheres: conceitos chaves, do fenômeno da violência até a violência doméstica. 2.4 Mulheres com deficiência e a violência doméstica 2.5 Mulheres com deficiência e violência baseada no gênero 25 26 Capítulo III - PROCESSO METODOLÓGICO 44 28 35 40 Capítulo IV - O SISTEMA JUDICIÁRIO NA DISSOLUÇÃO DOS CONFLITOS DE VIOLÊNCIA CONTRA AS MULHERES COM DEFICIÊNCIA 47 4.1 A Proteção Internacional dos Direitos das Mulheres 4.2 A Constituição Cidadã de 1988 4.3 Lei Maria da Penha: uma conquista das mulheres 4.4 A Justiça e a Aplicabilidade da Lei 11.340/2006 47 50 54 60 5 Capítulo V - O ATENDIMENTO ÀS MULHERES QUE SOFREM VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E FAMILIAR A PARTIR DA REDE DE SAÚDE, ASSISTÊNCIA E PROTEÇÃO 70 5.1 Cenário da violência doméstica contra as mulheres 5.2 A Lei Maria da Penha como instrumento de Assistência e Proteção às mulheres 5.3 Serviços de atendimento às mulheres como retaguarda de Assistência e Proteção 5.4 Política Nacional para Abrigamento às Mulheres em situação de risco de vida 5.5 Serviços de Saúde no atendimento às mulheres em situação de violência doméstica 71 72 73 75 80 Capítulo VI - O ATENDIMENTO ÀS MULHERES QUE SOFREM VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E FAMILIAR A PARTIR DAS DELEGACIAS ESPECIALIZADAS 84 6.1 Da Convenção de Belém do Pará a Lei Maria da Penha 6.2 O Movimento de Mulheres e a luta por um atendimento especializado nas DEAM‟s 6.3 As Delegacias de atendimento as mulheres no enfrentamento a violência doméstica e familiar 6.4 As Delegacias de Atendimento as Mulheres em Pernambuco 6.5 As DEAM´s e as mulheres com deficiência, vítimas da violência doméstica e Familiar 84 88 Capítulo VII - CONCLUSÕES E RECOMENDAÇÕES 102 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 108 ANEXOS 115 90 92 96 6 RESUMO Este trabalho tem o objetivo de analisar a violência doméstica contra as mulheres com deficiência em suas diversas vertentes, como os instrumentos de proteção e defesa, os aspectos jurídicos e seus entraves, o posicionamento da legislação e a sustentação jurídica. Além disso, trata da aplicabilidade e a eficácia da Lei Maria da Penha e da autuação Rede de Atendimento, dos serviços estaduais de promoção das políticas para as mulheres, analisando a Política Nacional de Enfrentamento a Violência contra a Mulher, a Política Nacional para as Pessoas com Deficiência e como o Movimento Feminista vem atuando no enfrentamento dessas políticas. Palavras chaves: Gênero. Violência contra as Mulheres. Deficiência. Políticas Públicas para as Mulheres. ABSTRACT This study has the objective of analyze domestic violence against women with disabilities in its various forms, the instruments of protection and defense, legal aspects and their obstacles, the positioning of legislation and legal support. The applicability and effectiveness of the Maria da Penha Law and researching the performance the service network for women victims of domestic violence and operation of municipal institutions for the promotion of policies for women. The National Policy to Combat Violence against Women, the National Policy for People with Disabilities and how the feminist movement has been active in addressing these policies. Key words: Gender. Violence against Women. Disabilities. Public Policies for Women. 7 INTRODUÇÃO A Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher, conhecida como “Convenção de Belém do Pará”, adotada em 09 de junho de 1994 pela Organização dos Estados Americanos (OEA), reconhece que a violência contra a mulher, no âmbito púbico ou privado, constitui grave violação dos direitos humanos e limita total ou parcialmente o exercício dos demais direitos fundamentais. A Lei Maria da Penha (2006), afirma que a violência contra a mulher é qualquer ação ou omissão baseado no gênero que lhe cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral ou patrimonial, ocorrendo com base nas relações afetivas familiares, devendo o agressor sofrer as penalidades previstas em Lei, aumentado a pena se o crime for praticado contra pessoa com deficiência. O Congresso Brasileiro (2008) ratificou a Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, aprovada pela Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas (ONU, 2006). Ao ratificar um documento internacional, o Congresso confirmou o compromisso do Estado perante a comunidade internacional de respeitar, obedecer e fazer cumprir as obrigações previstas no documento. O presente trabalho de conclusão do Curso de Especialização em Gênero, Desenvolvimento e Políticas Públicas tem como objetivo contribuir com uma reflexão crítica sobre a violência contra as mulheres, tendo como foco as mulheres com deficiência. Pretende-se demonstrar a inter-relação entre as questões relacionadas à deficiência e suas implicações para as mulheres em situação de violência doméstica e familiar. O trabalho também pretende analisar e problematizar como os serviços públicos implantados para enfrentamento a violência praticada contra as mulheres, seja no campo jurídico, policial, psicossocial e de saúde respondem a demanda desse grupo específico de mulheres. Considerando a importância do tema violência contra as mulheres com deficiência e a atuação do Estado frente a esta problemática, o estudo aprofunda todo o aparato legal e efetivo de proteção e atendimento às mulheres em situação de violência, analisando os principais programas, políticas e serviços cuja finalidade seja este público, identificando até que ponto os mesmos estão estruturados para combater o fenômeno e para prestar o atendimento adequado às vítimas. 8 Neste sentido, o trabalho inicia caracterizando a luta das pessoas e das mulheres com deficiência para terem seus direitos reconhecidos no Brasil e no mundo, fazendo, sempre que possível, um recorte para a situação social e econômica das pessoas com deficiência no Brasil e em Pernambuco, bem como resgatando todo processo histórico de protagonismo das mulheres com deficiência como sujeito de direitos. Em seguida, o trabalho traz um debate teórico sobre os principais conceitos imbricados na discussão sobre gênero, violência e mulheres com deficiência, destacando o resgate do arcabouço legal já definido pelos organismos internacionais de promoção dos Direitos Humanos, bem como sua aplicabilidade no país, a partir da legislação em vigor, colocando a Lei Maria da Penha como um dos principais mecanismos legais que se tem vigência no Brasil. O trabalho também descreve e analisa a rede de serviços públicos existentes nessa perspectiva, seja no âmbito jurídico, da saúde, assistência e proteção, procurando identificar seu papel e o funcionamento no atendimento as mulheres com deficiência que sofreram violência doméstica. Cabe um destaque na análise do Sistema de Justiça (Poder Judiciário/Juizado da Mulher; Ministério Público/Promotoria da Mulher e Defensoria Pública/Defensoria da Mulher) na dissolução dos conflitos de violência contra as mulheres com deficiência e como estes órgãos estão estruturados, com um capítulo específico para análise de casos de mulheres que sofreram violência doméstica e familiar a partir das Delegacias Especializadas de Mulheres. Esse trabalho pretende ser uma contribuição para aperfeiçoar as relações, os espaços e o atendimento às mulheres com deficiência, no sentido de rever o conceito de convivência atual, a qual necessita de mais pluralidade para obtenção de uma mudança social, cultural e 9 jurídica, e a construção de uma igualdade, mesmo que um tanto quanto tardia, porém necessária. Este trabalho não pretende esgotar o tema, mas contribuir para que os indivíduos compreendam o contexto da violência doméstica contra as mulheres com deficiência e que as autoridades, seja no âmbito Federal, Estadual ou Municipal, possam promover e estruturar políticas públicas de enfrentamento a violência contra a mulher com deficiência e os órgãos do Poder Judiciário, da Saúde, da Segurança e da Assistência para que executem a política de gênero com atendimento qualificado, recursos humanos capacitados e especializados e com habilidade para atender mulheres, concretizando assim os instrumentos nacionais e internacionais dos quais o Brasil é signatário. Aproveitamos a oportunidade para expressarmos nosso agradecimento às organizações promotoras desse curso, que são a Secretaria Estadual da Mulher, a Fundação Joaquim Nabuco, a Universidade Federal de Pernambuco e a Prefeitura do Recife, por possibilitar a formação intelectual de gestoras e profissionais da área de política públicas voltadas para igualdade e equidade de gênero e promoção dos Direitos das Mulheres, suprindo parte de uma lacuna já identificada pelos movimentos feministas e de mulheres. Agradecemos às/aos professoras/es, coordenação do curso, especialmente a nossa querida orientadora Ana Paula Portella, que contribui no processo de elaboração do trabalho de conclusão de curso de forma construtiva e crítica. Estendemos nosso agradecimento aos/às colegas de curso, pela convivência nas aulas, que representaram encontros e desencontros de ideias; elaboração de trabalhos e textos; e pelos debates “calorosos”, contribuindo assim para o nosso crescimento pessoal e profissional. 10 Por fim agradecer a compreensão dos/as familiares, amigas e amigos que especificamente nos finais de semana ficaram tolhidas/os de nossas companhias. Vamos expressar nosso carinho, respeito e compreensão a todas pessoas que nos apoiaram, através da citação da nossa poetiza Clarice Lispector, quando afirma que “o futuro já está comigo e não vai me desatualizar”. 11 Capítulo I – MULHERES COM DEFICIÊNCIA: CONCEITOS BÁSICOS E PROTAGONISMO ENQUANTO SUJEITO DE DIREITOS Desde a antiguidade até os dias atuais, as sociedades demonstram dificuldade em lidar com as diferenças e em aceitar as pessoas com deficiência. Os caminhos das pessoas e das mulheres com deficiência têm sido permeados de obstáculos e limitações, tornando assim difícil a sua sobrevivência, desenvolvimento e convivência social. Em todos os tempos e épocas, pessoas nascem com deficiência, independente de cultura, etnia e níveis socioeconômicos. Porém, é importante ressaltar que para se falar sobre a mulher com deficiência é imprescindível conceituar o termo pessoas com deficiências, bem como os tipos de deficiência. 1.1 A Luta das pessoas e das mulheres com deficiência para reconhecerem seus Direitos: conceitos e histórico Para Celestine (2003), pessoa com deficiência é aquela que apresenta em caráter permanente, perdas ou redução de sua estrutura ou função anatômica, fisiológica, psicológica ou mental que geram incapacidade para certas atividades, dentro do padrão considerado normal para o ser humano. Do ponto da autora, a deficiência é uma redução efetiva e acentuada de capacidade de integração. Há a deficiência permanente, a qual é caracterizada pela impossibilidade de recuperação, congênita, a qual a pessoa nasce portadora ou adquirida, onde se adquire ao longo da vida. A autora define os tipos de deficiência de acordo com a seguinte classificação: 1. Deficiências físicas, categorizadas da seguinte forma: Paraplegia: perda total das funções motoras dos membros inferiores; Paraparesia: perda parcial das funções motoras dos membros inferiores; Monoplegia: perda total das funções de um só membro inferior ou superior; 12 Monoparesia: perda parcial das funções de um só membro inferior ou superior; Tetraplegia: perda total das funções motoras dos membros superiores e inferiores. Triplegia: perda total das funções motoras de três membros; Triparesia: perda parcial das funções motoras de três membros; Hemiplegia: perda total das funções motoras de um hemisfério do corpo Hemiparesia: perda parcial das funções motoras de um hemisfério do corpo; e Amputação: perda total de um determinado segmento de um ou mais membros 2. Paralisia cerebral: lesão de uma ou mais áreas do sistema nervoso central 3. Deficiência mental: refere-se a padrões intelectuais reduzidos com manifestação antes dos dezoito anos. 4. Deficiência visual: acuidade visual igual ou menor que 20/200 no melhor olho. 5. Deficiência auditiva: perda total ou parcial das possibilidades auditivas sonora. Ao longo do tempo, os registros históricos comprovam a resistência para aceitação social das pessoas com deficiência e demonstram como suas vidas eram ameaçadas. Na idade média as pessoas com deficiência eram consideradas pessoas possuídas pelo demônio, sendo excluídas e afastadas do convívio social ou até mesmo sacrificadas, como bem situa Amaral (1994): “A Idade Média se estendeu por um longo período da história da humanidade, marcado por vários sentimentos com relação às pessoas com deficiência: rejeição, piedade, proteção e supervalorização. Esses sentimentos e atitudes eram radicais, marcados pela dúvida, ignorância e se caracterizavam por uma mistura de culpa, piedade e reparação”. (AMARAL, 1994.) Em cada época da história, as pessoas com deficiência eram abandonadas em locais de isolamento, ambientes de proteção hospitalar, sendo todos esses atos justificados na cultura local e no momento histórico. 13 O Renascimento, que sucedeu a idade média, trouxe mais perspectivas humanísticas. A pessoa com deficiência passou a ser vista de uma maneira mais natural, ficando reconhecida a sua condição humana menos sobrenatural. Durante este período, a deficiência passou a ser explicada como de caráter patológico com visões médicas e concepções mais racionais. Mas a concepção de deficiência ainda permaneceu marcada por preconceitos, desvalorização e por incapacidade predominante, como relembra Amaral (1994), afirmando que “é inesquecível a atitude dos nazistas que sacrificaram as pessoas com deficiência em razão da possibilidade de gerarem outros em iguais condições”. (AMARAL, 1994) Quando se busca as raízes da discriminação social que ainda persiste em nosso meio social e cultural, ela está no passado da história. O Brasil de hoje é resultado do Brasil de ontem. Como todos os países, a questão da deficiência denota uma longa história de discriminação e exclusão. Pode-se considerar que houve certa evolução na forma de ser conceber e de se considerar a deficiência nos dias atuais, como aponta Amaral (1994): “No final do século XIX emergiu um novo olhar, de pena e compaixão, levando a criação de serviços de internação, geralmente de ordem religiosa. Com o fim das duas guerras mundiais, a sociedade começou a dar uma atenção maior para a reabilitação das pessoas com deficiência”. (AMARAL, 1994). Porém, ainda se vivencia uma forma assistencialista. A pessoa com deficiência é vista como aquela que precisa de ajuda, não sendo considerados atores e/ou sujeitos principais de sua história, e sim atores/sujeitos coadjuvantes, onde os outros é quem decidem por sua vida. Aos poucos, a história das pessoas com deficiência vem evoluindo. A deficiência vem perdendo o seu caráter de bem ou mal, de luz ou de trevas, começa a ser vista como uma condição humana, como sistematiza Ribas (1998), quando diz que: “Todas as pessoas são aquilo que a sua história, sua condição social e seu eu permitem. Todas as pessoas devem ser exatamente como são, sem que ninguém possa dizer como deveriam ser. Existem circunstâncias na vida das pessoas e a 14 deficiência pode ser uma delas - que as levam a assumir atitudes perante a vida. ” (RIBAS, 1998). Após 1981, Ano Internacional das Pessoas com Deficiência1, surgem organizações e movimentos formados por pessoas com deficiência que lutam em busca do exercício da sua cidadania, com uma nova bandeira de reivindicação, para que a deficiência fosse vista com um novo olhar, iniciando mudanças estruturais importantes, através de reconhecimento oficial dos direitos dessas pessoas com deficiência. A partir daí os movimentos de direitos humanos internacionais e nacionais em prol das minorias, os discursos ideológicos e políticos e as novas legislações, todos apontam uma crescente evolução do conceito da pessoa com deficiência e de suas reais condições, como pessoas de direitos, com necessidade de sua inclusão social. Mais recentemente, os mitos começam a ser derrubados e as pessoas com deficiência passam a acreditar em si mesmas e a lutar em causa própria, mostrando desta maneira suas potencialidades, advogando para que suas diferenças possam ser aceitas e ser reconhecida a sua condição de cidadã/o. A promulgação da Constituição de 1988, resultado de um longo processo de luta pela redemocratização do Brasil, consolidou os direitos fundamentais de todas/os as cidadãs/as. Em seu artigo 23, inciso II, a constituição determina que é competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos municípios cuidar da saúde e assistência pública, da proteção e garantia das pessoas com deficiência. O Brasil também incorporou a Convenção da OEA por meio do Decreto nº 3.956/012. Em junho de 2008, o Congresso Nacional do Brasil ratificou a Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, aprovada pela Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas (ONU, 2006). Ao ratificar um documento internacional, o Congresso confirmou o compromisso do Estado perante a comunidade internacional de respeitar, obedecer e fazer cumprir as obrigações previstas no documento. Assim, após a 1 O ano de 1981 foi proclamado o Ano Internacional das Pessoas Deficientes pelas Nações Unidas. Teve como objetivo chamar as atenções para a criação de planos de ação, na tentativa de dar ênfase à igualdade de oportunidades, reabilitação e prevenção de deficiências. 2 O Decreto presidencial de 3.956, de 8.10.2013 promulga a Convenção Interamericana para a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as Pessoas Portadoras de Deficiência, também conhecida com a “Declaração da Guatemala”. 15 aprovação no Congresso e a publicação do Decreto 186/2008, o texto passou a ser incorporado à legislação brasileira com equivalência de emenda constitucional, o que significa que todas as leis que contemplam os direitos e demandas das pessoas com deficiência deverão se adequar ao seu conteúdo, sob a pena de serem invalidadas por inconstitucionalidade. Os temas são: a definição de deficiência e de pessoas com deficiência; a acessibilidade; a relação entre deficiência e pobreza; e o papel do Estado na garantia do direito à educação. A ratificação pelo Brasil, da Convenção da ONU sobre os Direitos da Pessoa com Deficiência e seu Protocolo Facultativo, em 2019, por meio do Decreto Legislativo nº 186, de 9 de julho de 2008 e do Decreto Executivo n° 6.949, de 25 de agosto de 2009, foi um marco porque no texto da Convenção, chama à atenção a definição de pessoa com deficiência. Já no primeiro artigo a definição é apresentada como: “pessoas com deficiência são aquelas que têm impedimentos de natureza física, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras, podem obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade com as demais pessoas”; e no preâmbulo da Convenção (letra t) afirma-se “que a maioria das pessoas com deficiência vive em condições de pobreza” (ONU, 2006). Em relação às mulheres com deficiência, o Artigo 6 da Convenção sobre os Direitos da Pessoa com Deficiência aponta que: a) Os Estados Partes reconhecem que as mulheres e meninas com deficiência estão sujeitas a múltiplas formas de discriminação e portanto, tomarão medidas para assegurar às mulheres e meninas com deficiência o pleno e igual exercício de todos os direitos humanos e liberdades fundamentais. b) Os Estados Partes tomarão todas as medidas apropriadas para assegurar o pleno desenvolvimento, o avanço e o empoderamento das mulheres, a fim de garantir-lhes o exercício de todos os direitos humanos e liberdades fundamentais estabelecidos na presente Convenção. Em tempos mais recentes, com adoção das políticas de promoção dos direitos das pessoas/mulheres com deficiência, cabe destacar alguns marcos de debate, reflexão e visibilidade da agenda política defendida pelas mulheres com deficiência, que apresentamos a seguir. Em 2012, a Ministra Eleonora Menicucci criou a Coordenação Geral de Diversidade, 16 visando a efetiva implementação do Plano Nacional de Políticas para Mulheres, considerando entre outros segmentos as jovens, idosas e com deficiência. Em 2013, no Plano Nacional de Políticas para Mulheres, contempla, no capítulo 10, ações para a igualdade para as mulheres jovens, idosas e mulheres com deficiência: “As mulheres com deficiência, jovens ou idosas, enfrentam desafios maiores, com preconceitos e estereótipos, histórias de exclusão e violências que limitam suas vidas, dificultando o acesso ao mercado de trabalho, à saúde e à educação. Para uma efetiva mudança dessa realidade, elas devem ser inseridas no processo democrático, na vida cotidiana, no trabalho, na educação, nos mais variados serviços e equipamentos públicos. A perspectiva de acessibilidade para as mulheres com deficiências é uma das metas perseguidas pelas políticas. Estas políticas devem garantir segurança e autonomia, para que as mulheres com deficiência sejam inseridas em todas as esferas da vida pública e privada, sem serem alijadas de seus direitos e cidadania” (BRASIL,2013) Também cabe salientar que a Secretaria de Políticas para Mulheres pactuou e lançou o Plano Nacional de Políticas para as Mulheres 2013-2015, incluindo ações para as mulheres com deficiência em todos os seus eixos. Essas ações estão alinhadas com o “Plano Viver Sem Limite”, onde foram pactuadas com os diversos ministérios responsáveis pelas políticas setoriais, a fim de assegurar sua efetiva implementação. Na 3ª Conferência Nacional dos Direitos da Pessoa com Deficiência em dezembro de 2012, foi realizado uma roda de conversa sobre políticas públicas para mulheres com deficiência. No mês de dezembro de 2013, em Brasília foi realizado o Primeiro Seminário Nacional de Políticas Públicas para Mulheres com Deficiência. Participaram desse seminário gestoras, pesquisadora, conselheiras, ativistas e mães cuidadoras de pessoas com deficiência. Esse evento foi uma parceria da Secretaria de Políticas para Mulheres e Secretaria Nacional de Direitos Humanos. Nesse encontro foi elaborada e aprovada uma carta com 41 propostas, necessárias ao fortalecimento das mulheres com deficiência e a efetividade dos direitos e políticas públicas direcionadas ao segmento. A cidade do Recife foi uma das primeiras cidades a discutir questões referentes às mulheres com deficiência. No ano de 2010, através da Secretaria Especial da Mulher do Recife foi realizado o Primeiro Encontro de Mulheres com Deficiência do Recife, com o 17 objetivo de discutir temas referente a vida das mulheres com deficiência (gênero, empoderamento, sexualidade e violência). No ano de 2013, a Secretaria da Mulher do Estado de Pernambuco realizou o Seminário Aplicabilidade da Lei Maria da Penha para Mulheres com Deficiência, cujo objetivo foi conhecer mais detalhe sobre a lei e como ela poderia ser aplicada para os agressores de mulheres com deficiência. O seminário contou com a participação de mulheres com deficiência de todo o estado de Pernambuco. Em setembro de 2014, foi realizado o IV Encontro de Mulheres com Deficiência do Recife, com o objetivo de discutir saúde da mulher, inclusão no sistema educacional e geração de trabalho e renda. O Encontro contou com a participação de mulheres com deficiência visual, auditiva e motora. No ano de 2014, foi realizado o Primeiro Encontro Estadual de Mulheres com Deficiência, uma realização da Secretariada Mulher do Estado de Pernambuco. Cento e vinte e cinco mulheres participaram do debate que teve como tema "Mulher com deficiência: empoderamento e seus entraves. Um relatório contendo as principais demandas relacionadas às mulheres com deficiência irá nortear a luta do segmento na busca da garantia de direitos e na implementação de políticas públicas a partir de 2015. O documento foi construído durante o encontro. 1.2. Situação das pessoas com deficiência no Brasil e em Pernambuco A deficiência ganha destaque como um dos temas importantes a se estudar quando se abordam as desigualdades de gênero, segundo o Fundo de População das Nações Unidas (UNFPA, 2012). Alguns estudos apontam que as pessoas mais vulneráveis, tais como mulheres idosas de baixa renda, estão em situação mais precária em caso de apesentarem alguma (ou mais de uma) deficiência, conforme observa a Organização Mundial de Saúde – OMS (WHO/WB, 2011). 18 Deficiência é um fenômeno biológico, mas também social, que sofreu modificações na sua abordagem e entendimento ao longo do tempo. Por um lado, fez parte de diversas investigações censitárias brasileiras: “Além do Censo Demográfico 2010, o tema esteve presente no primeiro levantamento censitário brasileiro, em 1872, e nos Censos Demográficos 1890,1900,1920,1940,1991 e 2000, porém, com mudança nos conceitos utilizados ou na formulação das perguntas (IBGE, 2010). Por outro lado, o entendimento da deficiência evolui de uma abordagem estritamente médica para uma abordagem social, o que está atrelado às reivindicações dos movimentos pelos direitos civis a partir dos anos 1970, como destaca Barbosa et al (2011): “O corpo com deficiência passa, então, a ser definido a partir da sua interação com um contexto social e ambiental que o limita (BARBOSA et al, 2010). Na última estimativa do IBGE, censo de 2010, quase 46 milhões de brasileiros e brasileiras, cerca de 24% da população, declarou possuir pelo menos uma das deficiências investigadas, quais sejam, mental, motora, visual ou auditiva. Na análise por sexo, observou-se que 26,5% da população feminina (25.800.682 milhões) possui, pelo menos, uma das deficiências supracitadas, ao passo que na população masculina o percentual seria de 21,2% (19,8 milhões). No estado de Pernambuco a população feminina é de 4.565.767, e desse total 1.419.571 (31,1%) declarou que possui deficiência. Em Recife, a população feminina é de 827.885, e, desse total, 263.710 (31,9%) declarou que possui pelo menos uma das deficiências investigadas. Para a abordagem territorial do fenômeno, vale considerar que a deficiência pode ser entendida como uma desvantagem social (Diniz, 2009), e fatores socioeconômicos influenciam, como acesso a tratamento, disponibilidade de estruturas adaptadas etc. A Região Nordeste se sobressai, onde 7,0% dos homens e 8,3% das mulheres foram identificados com ao menos uma das deficiências no grau severo ou com deficiência mental/intelectual. 19 Segundo o IBGE, 96,7% dos meninos e 97,1% das meninas sem nenhum dos três tipos de deficiência no grau severo nem deficiência mental/intelectual frequentavam escola em 2010, para aqueles com ao menos uma deficiência no grau severo e deficiência mental/intelectual, essas proporções foram de 86,3% e 88,4%, respectivamente. As deficiências que mais impactaram o acesso a escola foram a motora e a mental/intelectual. Somente 77,3% dos meninos e 75,9% das meninas com deficiência mental/intelectual frequentavam escola, enquanto 67,6% dos meninos e 69,7% das meninas de 6 a 14 anos de idade com deficiência motora severa (criança com grande dificuldade ou que não conseguiam de modo algum andar ou subir degraus) estavam fora da escola. Isso devido a constatação da existência de fortes desafios à acessibilidade a serem superados no trajeto entre o domicílio e a escola e no interior desta. No que se refere ao acesso ao trabalho, o Art.23 da Declaração Universal dos Direitos Humanos dispõe que toda pessoa tem direito ao trabalho, à livre escola do seu emprego, a condição equitativa e satisfatória de trabalho e à proteção contra o desemprego (Unesco, 1998). O § 31 do Art.7º da Constituição Federal do Brasil, de 1988, igualmente dispõe sobre a proibição da discriminação na remuneração e nos critérios de admissão dos trabalhadores com deficiência. Homens e mulheres tem inserções diferentes no mundo do trabalho, e as investigações das desigualdades de gênero são relevantes nesse âmbito, pois as mulheres são atingidas por segregação, concentradas em nichos de trabalho menos valorizados. E discriminação, muitas vezes com menor remuneração em funções idênticas às exercidas pelos homens (BECKER, 1957 apud FRESNEDA, 2007). Há uma preocupação em se entender se há uma “dupla desvantagem” no mercado de trabalho, com uma situação mais precária para mulheres com deficiência, segundo o Fundo de População das Nações Unidas (UNFPA,2012) Vital (2008) revela que na América Latina o desemprego atinge quase 90% das pessoas com deficiência. No Brasil, Neri (2003) afirma que “num universo de 26 milhões de trabalhadores formais ativos, 537 mil são pessoas com deficiência, representando apenas cerca de 2,05% do total”. Os resultados do Censo Demográfico 2010 mostraram que as deficiências concernem mais às mulheres que aos homens. Isso se explica por uma série de razões, entre elas, o diferencial de idade. 20 Cabe ressaltar, no entanto, que o papel de “cuidador”, que recai em geral sobre as mulheres pode ser reforçado no contexto da família que possui alguma criança com deficiência. 1.3. O protagonismo das mulheres com deficiência Atualmente, estamos vivendo um momento histórico muito importante no Brasil. Vários segmentos sociais lutam pelos seus direitos, que inclusive foram denominados “novos movimentos sociais”, por Boaventura de Sousa Santos (1999), decorrente da crise fordista do modelo de produção capitalista, que gerou, por consequência, o isolamento político das classes trabalhadoras de produção e que isso “contribui para desocultar novas formas de opressão e o isolamento político do movimento operário facilitou a emergência de novos sujeitos sociais e de novas práticas de mobilização social.”. Dentro destes segmentos estão incluídas as pessoas com deficiência que lutam pela sua inclusão e reconhecimento de seu papel na sociedade. Nesse caso, é um movimento contra a exclusão social das pessoas com deficiência entendendo que a sociedade exclui as pessoas que são consideradas diferentes, principalmente as mulheres com deficiência, discriminando-as tanto no aspecto social como afetivo e sexual. Para esse movimento, enquanto houver ignorância, injustiça e falta de generosidade humana, a cidadania destas pessoas estará ameaçada, onde o direito das pessoas com deficiências, ainda não é respeitado; e considera que preconceito e a discriminação são a base da exclusão, pois o conceito da inclusão é holístico, e somente pode existir com sucesso se for observado e trabalhado por toda a sociedade em conjunto. Esse movimento questiona o padrão social que apenas valoriza o indivíduo considerado “normal” do ponto de vista físico, ou seja, com um corpo esculturalmente bem formado. Quem foge deste padrão é colocado à margem da sociedade. É por essa razão que se procura alcançar por qualquer meio e preço este padrão. Assim, os seres humanos não têm sido verdadeiramente inclusivos, porém do contrário, discriminatório por natureza, temendo e rejeitando tudo que não conhecem ou compreendam. No caso das mulheres, também se faz necessário que a sociedade olhe para aquelas com deficiência, como pessoas dotadas de desejos e sentimentos, que apesar das suas 21 limitações são capazes de amar e construírem famílias. Que as suas deficiências não sejam consideradas empecilhos para que as mesmas não possam ter uma vida afetiva e sexual igual ou melhor, do que as mulheres ditas “normais”. A sexualidade, o prazer e a dignidade da mulher com deficiência, devem ser tratados de uma forma íntegra e individualizada, melhorando desta maneira a expectativa de uma vida prazerosa e afetiva, como expressão máxima da sexualidade e caminho para a felicidade. Faz-se necessário que a sociedade reavalie os seus conceitos sobre as pessoas com deficiência e passem a enxergá-las como pessoas capazes e íntegras na sua totalidade, não como uma pessoa deficiente no ponto de vista afetivo e sexual, mas que tenha uma atenção especial àquelas que estão em situação de maior vulnerabilidade social, como bem alerta Paula (2005), quando descreve que: “A deficiência é particularmente prejudicial para mulheres, crianças, negros, idosos, refugiados e outros grupos sujeitos à discriminação”. PAULA (2005). A percepção dessa realidade tem levado as mulheres com deficiência física a lutarem em busca do seu espaço na sociedade, no sentido de serem aceitas e valorizadas, independentemente de sua deficiência e sim por sua capacidade e potencial. Um grande desafio para a inserção social das mulheres com deficiência diz respeito ao padrão da aparência física, pois como ressalta Paula (2005): “A aparência física é o principal quesito para a atração, na fase inicial das relações interpessoais, enquanto a inteligência e a personalidade têm uma importância secundária nesse mecanismo” PAULA (2005) . A sociedade brasileira ainda é excludente e preconceituosa, desenvolvida pela cultura de massa, onde o padrão da mulher perfeita tem que ser igual ao da boneca Barbie. Nessa sociedade, onde esse padrão é valorizado as mulheres com deficiência motora e deformação no corpo enfrentam muitos obstáculos, e a todo momento precisando de muita força para lutar e enfrentar esses obstáculos que acontece no seu convívio social e nas relações afetivas, 22 lutando para ocupar o seu espaço na sociedade, sem desanimar diante das dificuldades encontradas. Diante dessa realidade as mulheres com deficiência, muitas vezes são consideradas doentes e assexuadas. A deficiência mobiliza sentimentos ambíguos de atração e repulsa dos homens ditos normais. Muitas mulheres com deficiência, nunca conseguiram se realizar sexualmente, devido o preconceito por parte dos homens, pois eles estão acostumados a terem ao seu lado mulheres com o corpo perfeito. Enquanto que a mulher com deficiência física que usa cadeira de rodas, muitas delas com deformação no corpo, por exemplo, fogem deste padrão de beleza criada pela sociedade. Esse mesmo comportamento também se aplica e até se agrava quando essas mulheres com deficiência são lésbicas, pois apesar da solidariedade que existe entre as mulheres que tem essa orientação sexual, o padrão da “mulher perfeita”, ou seja, sem deficiências é muito valorizado e dificulta relacionamentos entre mulheres lésbicas com e sem deficiência, porque a deficiência expressa no corpo das mulheres com deficiência não mobiliza sentimento de atração. Com as conquistas de liberdade que a mulher vem adquirindo, no decorrer das lutas pela igualdade de direitos entre homens e mulheres, percebe-se que a mulher com deficiência, ainda não conseguiu essa liberdade, devido ao padrão social onde persistem valores e cultura que contribuem para o preconceito em relação a esse segmento de mulheres. Além dessa questão relacionada à sexualidade, a mulher com deficiência vive outro dilema, que muito pouco se fala ou se sabe sobre ele: a vulnerabilidade em que elas vivem. Elas estão mais sujeitas a enfrentar a desigualdade de gênero e exclusão social, por não ter credibilidade ao denunciar os abusos sofridos, levando a permanência no ato de violência por longo tempo. A mulher com deficiência, de qualquer modalidade, seja visual, auditiva, física ou intelectual encontra-se em uma posição de grande vulnerabilidade em relação as que não tem deficiência, sendo frequente e marcante a assimetria das relações de poder. Considerando todos esses tópicos tratados até agora, entramos especificamente no objetivo desse trabalho, que visa contribuir para que esse tema torna-se visível para a 23 sociedade, especialmente no que diz respeito ao fato de que as mulheres com deficiências são vítimas de violência não só baseada na deficiência, mas também na condição de gênero. No que se refere às questões decorrentes da intersecção entre gênero e deficiência, as pesquisas realizadas por autores como Joseph (2005), na Índia, e Dhungana (2006), no Nepal, indicam que, ao contrário das mulheres não deficientes, as expectativas que a sociedade tem das mulheres com impedimentos corporais muitas vezes as excluem do direito ao exercício da sexualidade, do trabalho de qualquer natureza e da maternidade. Há uma significação cultural de que as mulheres com impedimentos de natureza física são incapazes de cumprir os papéis tradicionais de dona de casa, esposa, trabalhadora e mãe. Nesse sentido, as mulheres com deficiências encontram dificuldades para conviver em uma sociedade que, apesar das políticas públicas da inclusão, ainda persistem muitos entraves a serem derrubados e lutam para construir sua identidade e conquistas, sua valorização e formação como cidadã e sujeito da história. A história mostra que o grupo social das pessoas com deficiência tem sofrido constantes processos de exclusão e desempoderamento, impossibilitando-as de desfrutar de direitos humanos básicos, como o direito à sexualidade, à educação, à cultura, ao lazer (AINSCOW, 1993). Nesse contexto, a mulher com deficiência apresenta “múltiplas vulnerabilidades, as quais são constituídas por duas condições principais: a de ser mulher e de ser uma pessoa com deficiência” (FARIAS, 2011), pois a ênfase na deficiência anula as características pessoais e cognitivas, intensificando seu processo de exclusão e reforçando sua “identidade de invisibilidade (...) ou de visibilidade de sua “incapacidade” (SOARES, 2004). Assim como as mulheres, que tiveram sua pauta reconhecida pelo movimento feminista, também as mulheres com deficiência, após de muita luta e reivindicações, tiveram seu protagonismo reconhecido. As mulheres com deficiência, a partir do ano de 2010, se articularam na busca de seus direitos e espaço dentro desses movimentos que até então era um segmento esquecido e/ou invisível, sem nenhuma pauta voltada para essas mulheres. Ainda de forma limitada as mulheres com deficiências começam a participar dentro dos movimentos de mulheres, levando suas questões especificas. 24 A falta de atenção à relação entre gênero e deficiência no feminismo acadêmico também se deve em grande parte a forma de como as pessoas com deficiência eram vistas na sociedade, como pessoas sem direitos, pois o modelo médico estava acima de qualquer outra questão referente a essas pessoas. Ancoradas na tradição feminista autoras como Jenny Morris tem procurado expandir simultaneamente os campos dos estudos feministas e da deficiência, ao relevar a importância da subjetividade na experiência da deficiência. Morris (1991; 1993a) foi das primeiras a propor tal abordagem. Para ela, aplicar uma lente feminista ao estudo da deficiência implica convocar o adágio feminista «o que é pessoal é político» para reforçar a investigação e dar voz às experiências pessoais, em lugar de nos centrarmos apenas sobre as dimensões socioeconómicas e ideológicas da deficiência. Como ela explicava “we can insist that society disables us by its prejudice and its failure to meet the needs created by disability, but to deny the personal experience of disability is, in the end, to collude in our oppression” (Morris 1991, 183). Na sua perspectiva, os estudos da deficiência devem, pois, reconhecer as experiências íntimas dos corpos com incapacidades que são muitas vezes geradoras de sentimentos de “doença”, “dor” e “angústia”. Mas se estes aspectos não devem ser negados, só às pessoas com deficiência cabe o direito de definir o que é, e não é, negativo na experiência da deficiência. A tarefa é, pois, a de retomar a análise das experiências pessoais mas para desafiar interpretações médicas e profissionais da deficiência criando novas representações que afirmem que a vida com deficiência também “vale a pena ser vivida”. 25 Capítulo II - REFERENCIAL E FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA 2. 1 Apresentando o Problema Uma das formas de discriminação que mais atinge as mulheres é a violência a qual podemos identificar como física, moral, psicológica, sexual e patrimonial. Essa violência ocorre no mundo inteiro e se encontra presente em todas as classes sociais, grupos étnico/raciais, segmentos culturais, credos religiosos, geracional, grau de instrução, mulheres com deficiência ou não. A violência sofrida pelas mulheres interfere significativamente no exercício dos direitos de cidadania e na sua qualidade de vida, limitando seu pleno desenvolvimento enquanto sujeitos humanos constituintes da sociedade, afetando seu corpo e sua alma. Esta violência está centrada na cultura machista, influenciada pelas diferenças biológicas que contribuíram de forma negativa na construção das relações de gênero. (Buarque, 2011). No que diz respeito às mulheres com deficiência, a promotora de justiça, Stella Cavalcanti (2011), informa que pesquisa realizada por organizações nacionais e internacionais que direcionam seus trabalhos para temas envolvendo mulheres, apontou que, aproximadamente, 40% das mulheres com algum tipo de deficiência já tenham sofrido violência doméstica no mundo. Segundo a promotora, as mulheres com deficiência sofrem mais do que outras mulheres pelo simples fato de terem uma dificuldade ainda maior de denunciar seus agressores que estão principalmente entre familiares e seus “cuidadores”. “As mulheres deficientes, além de terem medo de denunciar, ainda sofrem com a violência institucional por não terem credibilidade, pelas pessoas acharem que estão dando uma de vítimas por serem deficientes. A situação é grave e este debate é justamente para alertar de que essas mulheres devem procurar os órgãos responsáveis e fazer a denúncia porque elas sofrem várias discriminações”, ressaltou Stella (2011) Para Cavalcanti (2011), “a violência contra mulheres é um crime e uma violação de direitos que ocorrem repetidas vezes na vida de um grande número de mulheres ao redor do mundo”. Embora os tipos de violência praticados possam diferir dependendo da cultura e situação socioeconômica, há aspectos dessa violência que são universais. A violência baseada no gênero tem raízes na falta de igualdade entre homens e mulheres, sendo que essa violência ocorre com frequência nos lares, dentro do seio familiar. A tolerância da sociedade para com a violência baseada no gênero e a privacidade do ato violento quando praticado dentro de casa fazem com que essa violência se torne invisível ou difícil de ser detectada. 26 Embora mulheres com deficiência sejam vítimas das mesmas formas de violência cometidas contra as demais mulheres, algumas formas de violência contra mulheres com deficiência não têm sido vistas como violência baseada no gênero; isto por causa da intensa discriminação baseada na deficiência. Porém, a incidência de maus tratos e abuso contra mulheres com deficiência excede de longe aquela que atinge mulheres sem deficiência. Além disso, os dados disponíveis, apesar de escassos, também mostram que o índice de violência contra mulheres com deficiência é mais alto do que contra homens com deficiência. A violência contra mulheres e meninas com deficiência não só é um subconjunto da violência baseada no gênero, como também é uma categoria intersetorial relacionada com a violência baseada no gênero e na deficiência. A confluência destes dois fatores resulta em um risco extremamente alto contra as mulheres com deficiência. 3 2.2 Gênero, uma categoria útil para tratar da discriminação contra as mulheres A palavra gênero é utilizada como uma forma de referir-se à organização social das relações entre os sexos. Joan Scott (1989) define gênero como sendo: “... um elemento constitutivo de relações sociais baseado nas diferenças percebidas entre o sexo, e o gênero é uma forma primeira de significar as relações de poder”. (SCOOT, 1989) Para Scott (1989), gênero é um elemento constitutivo das relações sociais fundadas sobre diferenças percebidas entre os sexos, sendo assim versa sua discussão, para além do binômio homem/mulher, masculino/feminino, indica que gênero está relacionado com os símbolos culturais, as normas, a organização estatal e a subjetividade estes elementos estão associados entre si. Os símbolos culturais são aqueles que se apresentam através de tradições, imagens, figuras, músicas, lendas passadas de geração a geração; e as normas são aquelas previstas através das leis, da constituição, dos códigos e das normas setoriais; a organização está ligada as estruturas do poder estatal, dos sistemas econômicos, educacionais e religiosos, através dos quais são colocadas em práticas as normas e os valores e por fim a subjetividade 3 Texto extraído do relatório: Violência contra Mulheres com Deficiência/ 05/06/2011 - Rede Internacional de Mulheres com Deficiência. 27 que é a formação das identidades e que referem-se ao que acontece com as pessoas desde o seu nascimento. Portanto, gênero está relacionado à maneira de ser dos homens e das mulheres na sociedade e às relações que estabelecem entre si em todos os campos da vida. O gênero pode ser entendido como um conceito sociopolítico útil para a análise das sociedades, para diagnosticar a realidade das mulheres e por fim é um conceito construído a partir da observação de que ser mulher e ser homem muda de cultura para cultura. Gayle Rubin em seu artigo “O tráfico de mulheres: notas sobre a Economia Política do Sexo” (1975), expôs uma conceituação sobre gênero que gerou vários estudos sobre a perspectiva de gênero. O interesse da estudiosa teve início a partir da opressão e da subordinação social das mulheres, era importante compreender a origem dessa opressão e como transformá-la. Rubin (1975), afirmou que um sistema de sexo/gênero consiste numa gramática, segundo a qual a sexualidade biológica é transformada pela atividade humana, gramática esta que torna disponíveis os mecanismos de satisfação das necessidades sexuais transformadas (certamente, teria sido mais apropriado afirmar necessidades sexuais socialmente determinadas ou condicionadas). Embora os elementos históricos recolhidos até o momento da redação do mencionado artigo indicassem a presença sistemática de hierarquia entre as categorias de sexo. Rubim (1975), admite, pelo menos teoricamente, relações de gênero igualitárias. Recomenda a manutenção da diferença entre a necessidade, de um lado, e a capacidade humana de organizar de forma opressiva, de outro, empiricamente, os mundos sexuais imaginários ou reais que cria. Segundo a autora, o patriarcado abrange os dois significados. Diferentemente o sistema sexo/gênero aponta para a não inevitabilidade da opressão e para a construção social das relações que criam este ordenamento. Descreve sistema sexo/gênero como: “(...) um conjunto de arranjos através dos quais uma sociedade transforma a sexualidade biológica em produtos da atividade humana, e na qual estas necessidades sexuais transformadas são satisfeitas. (RUBIN, 1975). Assim, de acordo com ela, o conceito de sistema de sexo/gênero é neutro, servindo a objetivos econômicos e políticos distintos daqueles aos quais originariamente atendia. Sexo e gênero formam “uma unidade uma vez que não existe uma sexualidade biológica, independente do contexto social em que é exercida”. E se pergunta quais são as relações que 28 transformam uma fêmea da espécie humana em uma mulher domesticada? Ora se sexo/fêmea está ligado a natureza e gênero/cultura, voltado para as mudanças históricas, isto implica que existe a opressão e a subordinação sobre a vida das mulheres. Para Saffioti (2004), estudiosa sobre a questão da violência contra a mulher e dessa relação entre o capitalismo e o patriarcado, entende que Rubin conceituou gênero de maneira neutra quando afirma que o “gênero pode estar a serviço da opressão, como também pode estar a serviço de relações igualitárias”. Isto não depende do conceito em si, mas como se estabelecem as relações sociais. Sobre a contribuição de Scott, considera que as “relações de gênero estão imbricadas a relações de poder”, as quais hierarquizam homens e mulheres ao longo da história. Saffioti ressalta que nos últimos milênios da história, as mulheres estiveram hierarquicamente inferiores aos homens. “Tratar esta realidade exclusivamente em termos de gênero distrai a atenção do poder do patriarca, em especial como homem/marido, „neutralizando‟ a exploração-dominação masculina. ”. (SAFFIOTI, 2004). 2.3 Violência contra as mulheres: conceitos chaves, do fenômeno da violência até a violência doméstica. Violência contra as mulheres O conceito de violência contra as mulheres presente na Convenção Interamericana para Prevenir Punir e Erradicar a violência contra a Mulher/Convenção de Belém do Pará (OEA, 1994) é definido como “qualquer ação ou conduta baseada no gênero, que cause morte, dano ou sofrimento físico, sexual ou psicológico à mulher, tanto na esfera pública como na esfera privada” (Art. 1º). A violência contra as mulheres constitui uma prática agressiva e cruel, de maneira intencional e desumana para intimidar, ameaçar e ferir fisicamente, moralmente e com prejuízos psicológicos profundos para as mulheres, chegando em alguns casos ao feminicídio4. 4 A Lei 13.104/2015 define o crime de Feminicídio como aquele que é cometido contra a mulher por razões da condição de sexo feminino e o qualifica como crime hediondo. 29 O Relatório elaborado pela Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) da Violência contra a Mulher, através do Mapa da Violência (Waiselfiz, 2012), aponta que 43,5 mil mulheres foram assassinadas entre 2000 e 2010 – aproximadamente 12 mulheres por dia. Entre os Estados brasileiros, Pernambuco ocupa a 10ª posição de casos de violência contra a mulher. Em cada 100 mil mulheres, 5,5 são assassinadas por ano no Estado. Neste cenário, o Brasil ocupa a 7ª posição mundial. A cada cinco segundos, uma mulher é vítima de algum tipo de violência no País. Para Saffioti (1987), “violência de gênero é tudo que tira os direitos humanos numa perspectiva de manutenção das desigualdades hierárquicas existentes para garantir obediência, subalternidade de um sexo outro. Trata-se da forma de dominação permanente e acontece em todas as classes sociais, raças e etnias”. Esta violência é traduzida pela violência doméstica que ocorre nas relações afetivas, em que o agressor mantém uma relação de convivência ou que tenha convivido ou de laços consanguíneos no mesmo espaço ou fora dele e está relacionada nas desigualdades de gênero e de poder, podendo ser identificada como a violência física, psicológica, moral, sexual e patrimonial. Violência Física – aquela que é cometida no corpo da mulher por meio de socos, empurrões que ofenda sua integridade ou saúde corporal. Violência Sexual – a mulher é forçada, sob coerção, ameaça ou uso da força a manter relações ou a praticar atos sexuais. Violência psicológica – é aquela que causa dano emocional e contribui para a diminuição da auto estima, prejudicando seu pleno desenvolvimento, temo poder de controlar suas ações, atitudes, comportamentos, crenças. Enfraquecendo sua capacidade de reagir diante das agressões e tomada de decisões. Violência moral – é a violência que ofende e coloca em dúvida a idoneidade e moral da mulher é identificada como a calúnia, difamação e injúria. Violência patrimonial – é aquela que tem como objetivo limitar e impedir a liberdade de ir e vir da mulher, configura-se através da subtração de bens, valores subtração, retenção ou destruição de documentos e objetos pessoais. 30 O fenômeno da violência contra a mulher Ao longo da história da humanidade a violência sempre esteve presente na vida das mulheres e sua origem no Brasil está relacionada à formação patriarcal, sexista, homofóbica, intolerante e escravista-capitalista recebida dos portugueses. E se revela através do machismo de várias formas como a divisão sexual do trabalho, a baixa participação das mulheres na esfera política, na dupla jornada de trabalho e uma das manifestações mais trágica é a violência doméstica e sexista praticada na maioria das vezes por alguém da relação afetiva da mulher, ou seja, marido, companheiro entre outros. Esse comportamento dos homens sobre as mulheres demonstra a afirmação de posse sexual sobre a mulher e a imposição destes sobre suas vidas e o seu corpo. Segundo a Organização Mundial (2010) de Saúde até 70% das mulheres sofrem violência ao longo da vida. A forma mais comum de violência sofrida pelas mulheres no mundo é a violência física imposta por um parceiro íntimo, como espancamento, relações sexuais forçadas ou outras condutas abusivas. De um total de 11 países pesquisados, o percentual de mulheres que já foi vítima de violência sexual por um parceiro íntimo varia de 6% no Japão para 59% na Etiópia. Na Austrália, Canadá, Israel, África do Sul e Estados Unidos, 40 a 70% das mulheres vítimas de assassinato foram mortas pelos seus parceiros. Mulheres com idade entre 15 e 44 anos têm maior risco de estupro e violência doméstica do que de câncer ou acidentes de carro. As mulheres que são agredidas por seus parceiros têm 48% mais chance de terem AIDS. Os gastos com a violência contra as mulheres são extremamente elevados, já que incluem os custos para levar os responsáveis à Justiça, além dos serviços para tratar e apoiar mulheres nesta situação e seus filhos (OMS, 2010). No Brasil segundo a Secretaria de Política para Mulheres/ Governo Federal (BRASIL, 2010), a cada quatro minutos uma mulher é vítima de agressão no Brasil. A cada hora e meia ocorre um femicídio, crime cometido contra mulheres. Mais de 43 mil mulheres foram assassinadas no Brasil nos últimos dez anos, boa parte pelo próprio parceiro. Desde que foi sancionada a Lei Maria da Penha, a Central de Atendimento à Mulher atendeu três milhões de denúncias (BRASIL, 2010). Mas estima-se que mais de 13 milhões e 500 mil brasileiras já sofreram algum tipo de agressão de um homem, sendo que 31% destas mulheres ainda convivem com o agressor e 14% continuam a sofrer violências. Isso significa 31 que 700 mil brasileiras são alvo de agressões cotidianamente. Do total de relatos de violência registrados no 1º semestre de 2013 pelo Ligue 180, a Central de Atendimento à Mulher, a agressão foi presenciada pelos filhos em 64% dos casos. Em quase 19% eles também sofreram agressões. O Espírito Santo é o estado brasileiro com a maior taxa de femicídios, sendo 11,24% a cada 100 mil mulheres, seguido pela Bahia (9,08) e Alagoas (8,84). A região com as piores taxas é o Nordeste. O Instituto Avon/Data Popular realizou no período de agosto a setembro de 2013 uma pesquisa de âmbito nacional intitulada “Percepções dos homens sobre a violência doméstica contra a Mulher”. Na etapa qualitativa, foram entrevistados 13 especialistas ligados a órgãos governamentais e organizações da sociedade civil que se dedicam ao enfrentamento da violência doméstica contra a mulher, além de 06 homens que cometeram agressões contra mulheres. Na etapa quantitativa, 1500 pessoas de 50 municípios responderam a um questionário. Os homens representam dois terços dos entrevistados. (Instituto Avon/Data Popular, 2013) A pesquisa aponta que aproximadamente 52 milhões de brasileiros conhecem um homem que já foi violento com a parceira. No entanto, apenas 9,4 milhões de homens admitem terem tido tal “atitude”, ou seja, violento. Mais curioso ainda é que a incidência aumenta quando são listadas as ditas “atitudes” que configuram violência doméstica, sem que sejam nomeadas dessa forma. Isso mostra que determinados comportamentos ainda não são vistos como violentos. A pesquisa também constatou que, dentre aqueles que cometeram agressão, a minoria cometeu uma dessas atitudes apenas uma vez na vida. Apenas 16% dos homens assumem ter sido violentos com a atual ou a ex-companheira e 12% admitem violência com a companheira atual. A violência é percebida e assumida quando aparece que 56% dos homens admitem ter cometido como xingar, ameaçar com palavras, empurrar, dar tapa e soco, impedir de sair de casa, arremessar algum objeto durante uma briga, humilhar em público, obrigar a fazer sexo sem vontade e ameaçar com alguma arma. O que chama a atenção é que todos esses atos foram cometidos mais de uma vez. Esses atos caracterizam a violência contra a mulher. O Estado de Pernambuco ocupa o 10º lugar em femicídios de mulheres dados do Mapa da Violência 2012. Esse mesmo mapa aponta que 40% dos femicídios, teve a casa como o local que resultou as lesões e consequentemente a morte das mulheres. O principal 32 instrumento dos femicídios foram as armas de fogo, seguidos de objetos cortantes, penetrantes, contundentes e sufocação. A violência doméstica contra as mulheres Segundo Buarque et al (2011), a violência é um ato de coerção, opressão, intimidação e tirania, que se manifesta de várias formas, causando danos físicos, letais ou não letais, morais, patrimoniais, sexuais, psicológicos e emocionais, sendo constatado que as mulheres vítimas da violência são as que mais procuram as unidades de saúde, queixando-se de dores de cabeça dores abdominais e quadro depressivo. Como já citado anteriormente, a violência contra a mulher existe em todas as classes sociais, e atingem mulheres de todo o mundo, acarretando vários problemas, inclusive comprometendo a integridade física, psicológica deixando marcas indeléveis em suas vidas e comprometendo a sua autoestima. Fundamenta-se em uma questão sócio cultural, nas diversas sociedades. Buarque et al (2011), publicaram estudo pela Secretaria Estadual da Mulher (2011), no qual, enfatiza que na cultura patriarcal, a violência sexista é aquela praticada por homens e mulheres contra as mulheres pelo simples fato de elas serem mulheres. “Ela é resultante de um longo processo histórico, baseado na ideia equivocada de que a humanidade está dividida em seres superiores e inferiores e, por essa razão as mulheres deveriam obediência aos homens.” (Secretaria da Mulher de Pernambuco, 2001) A origem dessa violência surgiu do Patriarcado, que demarca com muita força a hierarquia nas relações de gênero, onde o homem exerce o poder sobre as mulheres, de formas variadas, quais sejam: violência física, psicológica, sexual, patrimonial e moral, acarretando na vida dessas mulheres uma marca que atinge não somente a elas, como também aos seus filhos, familiares e que direta ou indiretamente compartilham do sofrimento causado pela violência sofrida, e que até há pouco tempo não era vista como violência, sendo algo “natural” 33 e “normal”, tanto por parte dos homens como das próprias mulheres. Por outro lado, deve-se essa violência, aos costumes hábitos e valores tradicionais da sociedade, o que fez com que as mulheres sejam tolhidas em alguns direitos como ao voto, ao estudo, ao trabalho remunerado, e a vida pública. A violência se manifesta gradativamente, iniciando-se com pequenos insultos, e daí vai crescendo e tomando a cada dia maior vulto, partindo para as agressões mais graves. Por outro lado, a vítima é aquela mulher que por muitas vezes depende financeiramente do seu agressor, que é o pai dos seus filhos, daí, se conclui porque ela não tem coragem de denunciar, por medo, e até mesmo por se sentir algumas vezes, envergonhada de propagar o seu sofrimento, o que a impede de tomar uma iniciativa, e denunciar o homem, pai dos seus filhos e o seu amor. A mulher, em situação de violência doméstica e familiar, sofre por longos anos, ressaltando que o seu agressor dificilmente demonstra ser agressivo num único ato de espancamento; sendo que tudo se inicia com pequenos insultos e ameaças, que passam a ser recíprocas, porém, o homem age com o intuito de repreendê-la, e a mulher, no sentido de revidar a violência sofrida. A partir de então vem a violência física, que se apresenta com empurrões, socos, pontapés, ou com a utilização de objetos. Após essa fase, vem a reconciliação, onde o agressor pede perdão, e promete mudar, chegando até mesmo a fingir que nada aconteceu, mostrando-se carinhoso, atencioso e fazendo juras de que nada daquilo irá acontecer novamente, mas depois de algum tempo, as agressões se reiniciam, mas mesmo assim, a mulher não tem coragem de denunciar o seu agressor, por ter medo que ele seja preso, para proteger os filhos, e por temer de serem assassinadas, no momento em que ele seja liberado da prisão, e quando o fazem, é exatamente no momento em que ocorreu uma agressão, cuja gravidade é tamanha, a ponto 34 dela ser obrigada a tomar a decisão que nunca teve coragem, ressaltando que por muitas vezes a denúncia é feita por familiares ou vizinhos ou até mesmo por amigos/as, que temendo um mal maior a obrigam a denunciar, e como a denuncia é feita contra a sua vontade, muitas delas voltam a Delegacia para retirar a queixa (termo usado pela vítima), sob a alegação de que tudo está bem, e com a promessa do agressor de que aquela violência sofrida, não se repetirá; ela acredita e atendendo aos apelos do agressor. Para compreender o fenômeno da violência cometida contra as mulheres, um estudo coordenado por Debert (2008) indica que a partir de 1960 as feministas criaram as diversas terminologias acerca da violencia, como: “violência contra a mulher, violência conjugal- (outra noção que especifica a violência contra a mulher no contexto das relações de conjugalidade), violência doméstica (incluindo manifestações de violência entre outros membros ou posições no núcleo doméstico- e que passou a estar em evidencia no anos de 1990), violência familiar (noção empregada atualmente no âmbito da atuação judiciária e consagrada pela recente Lei “Maria da Penha” como violência doméstica e familiar contra a mulher) ou violência de gênero(conceito mais recente empregado por feministas que não querem ser acusadas de essencialismo”. (DEBERT, 2008) O real papel representado hoje pelas mulheres na sociedade tem fomento em anos de luta por uma igualdade de gênero, luta essa que se estendeu ao longo de séculos de dominação e subversão masculina respaldada em mitologias religiões e fundamentos biológicos questionáveis. Apesar de toda a força em busca de condições igualitárias aos homens, as mulheres hoje ainda são vistas como frágeis e submissas, emotivas e descompensadas, indignas de exercer trabalhos intelectuais considerados masculinos. Diante da necessidade de sempre provarmos que somos fortes e capazes, a violência verbal e física se mantem como imposição da soberania masculina. “Vagabunda, piranha, piriguete, baranga”: praticamente todos os xingamentos são relacionados à sexualidade da mulher, a forma de vestir ou aparência. Considerados violência verbal, poucas mulheres sabem que são agredidas diariamente com insultos vindos de seu cônjuge ou ex-cônjuge. “Xingamento faz parte do cotidiano. Escutei a vida inteira e mesmo depois de separada, continuei escutando, conta a secretaria Marlene dos Santos”. 35 O psiquiatra Raphael Boechat explica que às vezes a agressão verbal traz mais consequências psicológicas do que a física. “A dor de um tapa passa. O companheiro se mostra arrependido e a mulher o perdoa. Uma humilhação, uma desmoralização são mais complexas. A mulher não esquece e interioriza aqueles dizeres. “Depressões podem ser causadas por situações como essas “, explica Raphael (Boechat, ) 2.4 Mulheres com deficiência e violência doméstica Segundo estudo da Organização das Nações Unidas (ONU) de 2006, "violência contra a mulher" é todo ato de violência praticado por motivos de gênero, dirigido contra uma mulher (Gadoni-Costa et Dell'Aglio, 2010). Alguns estudiosos concordam que esse tipo de violência sempre existiu, associada a vários fatores, principalmente às questões de desigualdade de gênero. Por outro lado, a Lei Maria da Penha define a violência doméstica e familiar contra a mulher como: “(...) qualquer ação ou omissão baseada no gênero que lhe cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral ou patrimonial: I - no âmbito da unidade doméstica (...) II - no âmbito da família (...) III - em qualquer relação íntima de afeto, na qual o agressor conviva ou tenha convivido com a ofendida, independentemente de coabitação. ” (BRASIL, 2006). De fato, mulheres com deficiência são vítimas de tipos de abuso pelos quais as mulheres sem deficiência não passam. Além disso, a natureza e os tipos de violência contra mulheres com deficiência, e particularmente contra mulheres com deficiência psicossocial e deficiência intelectual, são provavelmente ignorados em estudos sobre violência contra mulheres. Além dos tipos de violência cometidos contra mulheres em geral, os seguintes atos e atitudes podem constituir violência contra mulheres com deficiência: a) isolamento forçado, confinamento e ocultação dento da casa da própria família; b) aplicação forçada e coercitiva de drogas psicotrópicas ou colocação de drogas na comida; c) institucionalização forçada e coercitiva; d) contenção e isolamento em instituições; e) criação de situações pretextadas para fazer a mulher parecer violenta ou incompetente 36 a fim de justificar sua institucionalização e privação da capacidade legal; f) forjamento de rótulos de raiva e autodeclararão das mulheres como um comportamento de “pessoas com transtorno mental e perigosas” (especialmente se a mulher já foi internada em hospitais psiquiátricos); g) negação das necessidades e negligência intencional; h) retenção de aparelhos de mobilidade, equipamentos de comunicação ou medicação que a mulher toma voluntariamente; i) ameaças para negligenciar ou cancelar apoios ou animais assistentes; j) colocação de mulheres em desconforto físico ou em situações constrangedoras por longo período de tempo; k) ameaças de abandono cometidas por cuidadores; l) violações de privacidade; m) estupro e abuso sexual cometidos por membro da equipe ou por outro paciente internado em instituições; n) restrição, desnudamento e confinamento solitário que replica o trauma do estupro; o) aborto forçado; e p) esterilização forçada.5 Alguns tipos de violência contra mulheres com deficiência não são imediatamente percebidos como violência porque são “legais” e aceitos pela sociedade. Isto se apresenta especificamente verdadeiro nas intervenções psiquiátricas e institucionalizações forçadas. Estes atos de violência são cometidos sob autoridade legal do Estado em consequência de uma política governamental discriminatória e errada, e não há possibilidade de reparação, o que reforça a mensagem que toda violência transmitem à vítima: “as mulheres não têm poder”, como aponta o Relatório sobre Violência contra Mulheres com Deficiência (Rede Internacional de Mulheres com Deficiência, (2011). As mulheres com deficiência têm menos acesso às informações sobre como se 5 Conforme Relatório: Violência contra Mulheres com Deficiência, da Rede Internacional de Mulheres com Deficiência, 2011. 37 proteger contra a violência e o estupro, elas são, com frequência, menos capazes de se defender. Os agressores acreditam que seus atos não serão descobertos; e muitas vezes, essas mulheres, não são levadas a sério quando denunciam tais atos. As mulheres com deficiência sentem dificuldades ao denunciarem porque os profissionais de serviços não possuem habilidades ou recursos tais como interpretação em libras e matérias em braile, quando se tratam de mulheres com deficiência auditiva ou visual. A falta de acessibilidade arquitetônicas como rampas e a falta de transporte acessível são obstáculos que impede essas mulheres de usarem tais serviços e/ou de fugir do abuso que sofre. Uma das principais causas para que as mulheres com deficiência se tornem pouco visíveis na sociedade é a violência doméstica de que são vítimas. O silêncio que há em torno da violência, se junta a invisibilidade que afeta as mulheres com deficiência, de modo a tornar extremamente dificultosa qualquer investigação que tem como objeto a violência doméstica praticada contra essas mulheres. As mulheres com deficiência são mais vulneráveis a sofrerem violência pela dificuldade que tem de ter acesso a apoios, à justiça, de serem ouvidas e acreditadas nos seus testemunhos e nas reclamações que relatam. As mulheres com deficiência sentem dificuldades ao denunciarem porque os profissionais de serviços não possuem habilidades ou recursos tais como interpretação em libras e matérias em braile, quando se tratam de mulheres com deficiência auditiva ou visual. A falta de acessibilidade arquitetônicas como rampas e a falta de transporte acessível são obstáculos que impede essas mulheres de usarem tais serviços e/ou de fugir do abuso que sofre. Muitas vezes, como as mulheres com deficiência são retratadas como seres em estado vegetativo e, por conseguinte, são de uma qualidade inferior como membros da sociedade, qualquer violação e abuso que se exerça contra elas, na mente do agressor ou violador, não tem que ser considerado como se o delito tivesse sido cometido contra pessoas normais. A mulher com deficiência é considerada como uma mercadoria defeituosa, portanto sua vida não vale a pena ser vivida ou respeitada. Este raciocínio pode ser estimado por um 38 violador ou agressor sexual no momento de escolher sua vítima, como algo que diminui o grau de seu sentimento de culpabilidade. Muitas mulheres com deficiência mental e emocional são descritas como insensíveis ao sofrimento. Assim, o agressor e violador pode crer que, considerando que tais pessoas tem um entendimento menor da realidade que vivem também sentem menos. Entretanto, sabemos que as mulheres com qualquer deficiência sofrem maior trauma emocional em consequência de situações de abuso, em comparação às mulheres sem deficiência que sejam vítimas de abuso. Essas mulheres estão mais desprotegidas dos atos de violência, principalmente a violência sexual, porque tem dificuldade em reconhecer como ato de violência e distinguir entre o que é um ato consentido de um abusivo. A mulher com deficiência visual enfrenta muitas dificuldades no seu cotidiano. Sendo a visão um sentido de grande importância, pois, além da captação de informações, perpassa os diversos tipos de relações que a sociedade estabelece. As mulheres com deficiência auditiva sentem dificuldade de conviver na sociedade, devido ao comprometimento do desempenho e da habilidade de utilização dos sons de fala e do ambiente. Na adolescência e velhice, as mulheres com deficiência estão frequentemente mais expostas a maiores riscos de sofrerem violência tanto no lar quanto fora dele, inerente a toda ordem de abusos, maus tratos, exploração e descaso de tratamentos omissos e negligentes. No Brasil até o momento não se produziu dados e estatísticas específicos em relação a violência contra a mulher com deficiência. A invisibilidade da violência contra a mulher com deficiência reflete nessa falta de dados, o que impede de conhecer sua real dimensão, se a violação não é reconhecida nem denunciada, a invisibilidade se perpetua. O Estado tem a obrigação de prevenir e enfrentar a violência mais agravante contra a mulher com deficiência, em vista do estigma, e elas são menos desprotegidas. No Recife, as mulheres com deficiência que sofrem ou sofreram qualquer tipo de violência, sentem insegurança em procurar os serviços de atendimentos às vítimas de violência, porque esses serviços não estão preparados para atender e entender as mulheres 39 com deficiência. Nas delegacias os Boletins de Ocorrência (BO´s), não contém o item que identifica se a mulher tem ou não algum tipo de deficiência, o que dificulta uma estratificação do atendimento e uma melhor análise sobre os problemas enfrentados por essas mulheres nesse atendimento, para uma melhoria do mesmo a partir do enfrentamento desses problemas, Na Vara de Violência Doméstica e Familiar contra a mulher de Pernambuco, não existem dados de números de processos referente aos casos de violência contra mulher com deficiência. Essa falta de dados, faz com que as políticas públicas voltadas para as mulheres não façam esse recorte referente a violência cometida contra as mulheres com deficiência em sua especificidade. Para que o atendimento seja efetivo é necessário conhecer os limites e potencialidade de cada mulher. A realidade pernambucana acerca dos casos de violência contra a mulher com deficiência é ainda desconhecida, sem dados estatísticos, contribuindo dessa maneira para exclusão social dessas mulheres que são vítimas da violência doméstica. O Centro de Referência Clarice Lispector do Recife (PE), que realiza atendimento as mulheres vítimas de violência doméstica, a partir de 2014 foi quem começou a computar os dados referentes aos atendimentos que são realizados as mulheres com deficiência vítimas de violência conforme a quadro abaixo, quando se constata que os casos de violência contra a mulher com deficiência, são em números maiores no que são registrados e denunciados. Essas lacunas identificadas nos serviços de atendimento das mulheres com deficiências, em situação de violência, representa um grande desafio para o aprimoramento da Lei Maria da Penha (Lei nº11. 340/2006), pois se verifica que os equipamentos e serviços disponíveis ainda estão muito aquém das necessidades identificadas pelas mulheres que necessitam recorrer a esse sistema de prevenção, proteção e punição prevista em Lei. Inclusive, quando se analisa a própria Lei, quase ao final do seu texto, percebe-se que mesma contempla uma ação afirmativa em relação às mulheres com deficiência, quando a mesma, no artigo 49 modifica o Código Penal, aumentando em um terço a pena ao agressor, caso o crime seja cometido a pessoa com deficiência: “Art. 44. O art. 129 do Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 (Código Penal), passa a vigorar com as seguintes alterações: “Art. 129. (...). § 11. Na hipótese do § 9o deste artigo, a pena será aumentada de um terço se o crime for cometido contra pessoa portadora de deficiência. ” 40 Quadro 1 Registros de Atendimento do Centro de Referência Clarice Lispector no ano de 2014. Tipo de Deficiência Auditiva Física Mental Múltipla Visual Total de Pessoas com Deficiência Total de Pessoas sem o Deficientes Total Geral Quantidade 3 4 2 1 3 13 380 393 % 23,1 30,7 15,4 7,7 23,1 100,0 % de grupo 3,3 96,7 100,0 Fonte: Centro de Referência Clarice Lispector / Secretaria da Mulher do Recife, 2014. Porém, a grande questão que se apresenta para as mulheres com deficiências, bem como para aplicabilidade da Lei, que há um profundo desconhecimento das prerrogativas desse artigo, bem como o mesmo não é visibilizado e até esquecido nas campanhas de promoção da Lei Maria da Penha. 2. 5 Mulheres com deficiência e a violência baseada no gênero O Relatório “Violência contra Mulheres com Deficiência” (2011) da Rede Internacional de Mulheres com Deficiência, apresenta estudos sobre mulheres com deficiência e violência. No Canadá, o estudo pesquisou 245 mulheres com deficiência apontou que 40% relataram que foram vítimas de abuso e 12% alegaram ter sido estupradas. Menos da metade da violência foi registrada. Nos Estados Unidos, um estudo sobre abuso contra mulheres com deficiência física, revelou que de 25 a 31 mulheres com deficiência que foram entrevistadas relataram que foram vítimas de algum tipo de abuso (emocional, sexual ou físico). O Relatório mostrou que mulheres com deficiência foram vítimas de uma ampla gama de violência cometida por atendentes pessoais (abuso emocional, físico e sexual) e por provedores de cuidados de saúde (abuso emocional e sexual), assim como índices mais altos de abuso emocional cometidos por estranhos e membros da família. Uma mulher com espinha bífida, 38 anos de idade relatou que durante seis anos sofreu abuso sexual cometido pelo seu marido, reflete uma história de abuso emocional, sexual e físico contra mulheres com deficiência, cometido por alguém da própria família ou por cuidadores: 41 “Meu marido ficava furioso quando eu me recusava a fazer sexo e ele continuava a gritar comigo e me agarrava até eu desistir só para calar a boca dele. Ele me controlava não me deixando sair do quarto, jogando ou quebrando minhas bengalas canadenses. Certa vez, ele rasgou meu pijama enquanto eu dormia. Cada um de nós procurou aconselhamento individual e agora a situação entre nós está bem melhor porque compreendemos a origem destes problemas”. A violência contra mulheres com deficiência é parte da questão maior que envolve a violência contra pessoas com deficiência em geral e inclui a violência cometida com força física, compulsão legal, coerção econômica, intimidação, manipulação psicológica, fraude, e desinformação, e na qual a falta de consentimento livre e informado é um indispensável componente analítico. A violência pode incluir omissões, tais como negligência deliberada ou falta de respeito, assim como excessos que machucam a integridade do corpo e/ou da mente de uma pessoa. Em complemento aos excessos de violência baseada no gênero descritos aqui, existem atos mais sutis que têm origem na discriminação atitudinal contra pessoas com deficiência. De fato, mulheres com deficiência são vítimas de tipos de abuso pelos quais as mulheres sem deficiência não passam. Além disso, a natureza e os tipos de violência contra mulheres com deficiência, e particularmente contra mulheres com deficiência psicossocial e deficiência intelectual, são provavelmente ignorados em estudos sobre violência contra mulheres. Além das violências como abuso sexual, estupro, maus tratos, o relatório aponta atos e atitudes que podem constituir violência contra mulheres com deficiência, conforme já descrito no Capítulo I. Comparadas aos homens com deficiência, as mulheres com deficiência têm, em geral, menos acesso a cuidados médicos qualificados e à reabilitação; recebem medicamentos, ajudas técnicas e outros tratamentos que sejam menos dispendiosos; e têm menos acesso a apoios sociais, educação superior e oportunidades de emprego. Uma consequência desta desigualdade é que as mulheres com deficiência são destituídas de seus direitos à inclusão social e são, com frequência, forçadas a viver em pobreza. A falta de sensibilidade, de treinamento adequado dos profissionais de saúde ou de adaptações razoáveis nos cuidados de saúde das mulheres pode produzir resultados graves e fatais, como foi demonstrado pelo relato de uma mulher, de 30 anos de idade, que não podia comunicar-se eficientemente com as enfermeiras durante o trabalho de parto. Ela não estava sabendo que iria dar à luz gêmeos e, por isso, parou de fazer força após a saída do primeiro bebê. Ela contou [em sinais]: “ (A enfermeira) foi muito rude comigo e ela não conhecia a 42 língua de sinais. Ela não conseguiu me dizer para eu continuar fazendo força. Ela não me orientou. Meu segundo bebê morreu”6. Mulheres com deficiência também relatam ter sido vítimas de abuso por muito tempo e ter sentido como se elas tivessem menos alternativas para fugir do abuso ou para acabar com ele. Além de as mulheres com deficiência enfrentarem as mesmas barreiras que qualquer outra mulher enfrenta para fugir da violência ou acabar com ela (tais como: dependência emocional e financeira em relação ao abusador, repugnância à possibilidade de serem estigmatizadas, preocupação por serem mães que criam filho sozinhas, receio de perderem contato com filhos, preocupação quanto a não serem acreditadas ou ajudadas se elas denunciarem abuso, relutância em tomar alguma atitude que possa aumentar a violência), ainda se defrontam com barreiras adicionais. Esses aspectos já foram abordados na última parte do Capítulo I, mas sempre se faz necessário reforçar essas dificuldades enfrentadas pelas mulheres com deficiência, como por exemplo, a falta de comunicação em formatos acessíveis torna mais difícil para as mulheres com deficiência a obtenção de informações sobre os serviços disponíveis e mais difícil é a comunicação com abrigos e outros serviços que possam estar disponíveis para intervir no interesse delas. Além do mais, profissionais de serviços não possuem habilidades ou recursos – tais como, interpretação em língua de sinais e materiais em braile – para se comunicar com mulheres que tenham deficiência auditiva ou visual. E a inacessibilidade dos transportes é um obstáculo que impede estas mulheres de usar tais serviços e/ou de fugir do abuso. No que diz respeito às mulheres com deficiência, a promotora de justiça, Stella Cavalcanti (2011), informa que pesquisa realizada por organizações nacionais e internacionais que direcionam seus trabalhos para temas envolvendo mulheres, apontou que, aproximadamente, 40% das mulheres com algum tipo de deficiência já tenham sofrido violência doméstica no mundo. Segundo a promotora, as mulheres com deficiência sofrem mais do que outras mulheres pelo simples fato de terem uma dificuldade ainda maior de denunciar seus agressores que estão principalmente entre familiares e seus “cuidadores”. “As mulheres deficientes, além de terem medo de denunciar, ainda sofrem com a violência institucional por não terem credibilidade, pelas pessoas acharem que estão dando uma de 6 Depoimento que faz parte do Relatório: Violência contra Mulheres com Deficiência, da Rede Internacional de Mulheres com Deficiência, 2011. 43 vítimas por serem deficientes. A situação é grave e este debate é justamente para alertar de que essas mulheres devem procurar os órgãos responsáveis e fazer a denúncia porque elas sofrem várias discriminações”, ressaltou Stella (2011) Para Cavalcanti (2011), “a violência contra mulheres é um crime e uma violação de direitos que ocorrem repetidas vezes na vida de um grande número de mulheres ao redor do mundo”. Embora os tipos de violência praticados possam diferir dependendo da cultura e situação socioeconômica, há aspectos dessa violência que são universais. A violência baseada no gênero tem raízes na falta de igualdade entre homens e mulheres, sendo que essa violência ocorre com frequência nos lares, dentro do seio familiar. A tolerância da sociedade para com a violência baseada no gênero e a privacidade do ato violento quando praticado dentro de casa fazem com que essa violência se torne invisível ou difícil de ser detectada. Embora mulheres com deficiência sejam vítimas das mesmas formas de violência cometidas contra as demais mulheres, algumas formas de violência contra mulheres com deficiência não têm sido vistas como violência baseada no gênero; isto por causa da intensa discriminação baseada na deficiência. Porém, a incidência de maus tratos e abuso contra mulheres com deficiência excede de longe aquela que atinge mulheres sem deficiência. Além disso, os dados disponíveis, apesar de escassos, também mostram que o índice de violência contra mulheres com deficiência é mais alto do que contra homens com deficiência. A violência contra mulheres e meninas com deficiência não só é um subconjunto da violência baseada no gênero, como também é uma categoria intersetorial relacionada com a violência baseada no gênero e na deficiência. A confluência destes dois fatores resulta em um risco extremamente alto contra as mulheres com deficiência. 7 7 Texto extraído do relatório: Violência contra Mulheres com Deficiência/ 05/06/2011 - Rede Internacional de Mulheres com Deficiência. 44 Capítulo III - PROCESSO METODOLÓGICO A Lei nº 11.340, de 7 de Agosto de 2006, conhecida popularmente como Lei Maria da Penha, institui a criação de Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher e que no limite de suas competências a União, o Distrito Federal, os Estados e os Municípios poderão criar e implementar serviços especializados no atendimento à mulher em situação de violência doméstica e familiar como: centros de atendimento integral e multidisciplinar para mulheres e respectivos dependentes; casas-abrigos para mulheres e seus dependentes menores; delegacias, núcleos de defensoria pública, serviços de saúde, centros de perícia médico-legal e ações como campanhas de enfrentamento da violência doméstica e familiar e centros de educação e de reabilitação para os agressores. Nas causas cíveis e criminais decorrentes da violência doméstica e familiar contra a mulher cabe ao Ministério Público intervir e em todos os atos processuais cíveis e criminais deverá estar sempre acompanhada de advogado e, ainda, é garantido a mulher o acesso aos serviços da Defensoria Pública ou da Assistência Judiciária Gratuita, em sede policial e judicial, mediante atendimento específico e humanizado. Os serviços deverão contar com uma equipe de atendimento multidisciplinar com profissionais das áreas psicossocial, jurídica e de saúde. A equipe de atendimento multidisciplinar além de fornecer subsídios por escrito ao juiz, ao Ministério Público e à Defensoria Pública, mediante laudos ou verbalmente em audiência, deverão desenvolver trabalhos de orientação, encaminhamento, prevenção e outras medidas, voltados para a ofendida, o agressor e os familiares, com especial atenção às crianças e aos adolescentes. A partir destas considerações esse estudo visa analisar os entraves que as mulheres enfrentam ao acessar os serviços criados e implantados através da Lei Maria da Penha. Considerando duas vertentes: a) a cultura das instituições formais e a legislação que compõe o ordenamento jurídico brasileiro que legitima a violência sofrida pelas mulheres; e b) a execução dos serviços criados a partir de 2006, com a promulgação da Lei Maria da Penha. Para tanto foi necessário analisar a documentação relacionada ao tema, como: teses, artigos, conferências, buscando identificar quem estudou o tema, quais os resultados, quais os entraves e possibilidades de enfrentar o problema, elaborando assim um referencial teórico para tal. 45 Também foram elaborados instrumentais para o levantamento das entrevistas: seguido de fazer contato e realização de visitas e entrevistas nos órgãos estaduais; realizando entrevistas gestores/as e profissionais do: Poder Judiciário, Ministério Público, e da DEPEDDIM/ Defensoria Pública Especializada na Defesa da Mulher em Situação de Violência e os Serviços de Saúde. Os/as operadores/as do direito e os profissionais das áreas psicossocial, jurídica e de saúde, também aparecem como elementos importantes neste estudo, pois estes/estas operadores/as e os/as profissionais lidam diretamente e cotidianamente com as mulheres vítimas da violência doméstica e familiar, suas considerações irão indicar os obstáculos encontrados pelas mulheres para acessar direitos e consequentemente como vem sendo a execução da Lei Maria da Penha e como poderão ser superados. No Poder Judiciário foram selecionados os seguintes órgãos: 1ª e 2ª da Vara da Violência Doméstica e Familiar da Capital; Ministério Público: 1ª Promotoria da Mulher da Capital; Defensoria Pública Especializada na Defesa da Mulher em Situação de Violência/DEPEDDIM. Nos casos dos Serviços de Saúde: Serviço de Apoio a Mulher Vilma Lessa/Recife e o Centro Integrado de Saúde Amauri de Medeiros/CISAM/Recife. Esses serviços estão no âmbito do Estado e localizados na cidade do Recife. O foco da análise foi identificar os fatores que contribuem ou impedem o acesso a justiça das mulheres vítima de violência doméstica e familiar e com deficiência que procuram os serviços; identificar e analisar por meio de entrevistas quais são os obstáculos encontrados pelos operadores de direitos e profissionais no atendimento as mulheres vítimas de violência e com deficiência e como poderão ser superados e por fim analisar os dados resultado das entrevistas para a execução do trabalho. O referencial metodológico aplicado foi a pesquisa qualitativa, a partir dos conceitos de Malhotra (2006); Dantas e Calvacante (2006); Chizzotii (2003); e Neves (1996). Segundo esses/as autores/as, pesquisa qualitativa pode ser vista como uma metodologia de pesquisa não estruturada e exploratória baseada em pequenas amostras que proporcionam percepções e compreensão do contexto do problema (MALHOTRA, 2006). Nesse tipo de pesquisa os/as entrevistados/as constituem ideias livres a respeito e um determinado tema (Dantas e Cavalcante, 2006). Como as amostras podem ser pequenas, as 46 ideias são livres sobre um determinado tem. Isso dota a pesquisa qualitativa de uma seriedade necessária quanto à construção dos argumentos. Este tipo de pesquisa busca, simultaneamente, explicar vários tipos de fenômenos com base na interpretação do fenômeno observado (Chizzotii, 2003). Em outras palavras, o/a pesquisador/a busca entender a importância dos fenômenos estudados, segundo a perspectiva dos participantes da situação estudada, em seguida é feita a interpretação dos fenômenos estudados (NEVES, 1996). 47 Capítulo IV – O PAPEL DO SISTEMA JUDICIÁRIO NA DISSOLUÇÃO DOS CONFLITOS DE VIOLÊNCIA CONTRA AS MULHERES COM DEFICIÊNCIA 4.1 A Proteção Internacional dos Direitos das Mulheres Segundo Piovesan (2012), a proteção internacional dos direitos humanos das mulheres apresenta ao longo do seu desenvolvimento cinco vertentes no movimento feminista, sendo: a) o direito à igualdade formal; b) a liberdade sexual e reprodutiva; c) o fomento da igualdade econômica; d) a redefinição de papéis sociais; e e) o direito à diversidade sob as perspectivas de raça, etnia, dentre outras, cada qual a seu tempo foi incorporada pelos tratados internacionais de proteção dos direitos humanos. Os direitos humanos das mulheres refletem o esforço das feministas e do movimento de mulheres mediante o processo de luta pela dignidade humana. Todas as vezes que um direito é violado, desrespeitado, quando existem situações de ausência de direitos, discriminação, violência, falta de liberdade, impunidade, a não participação política de um grupo, emerge a luta pelos direitos humanos. No caso das mulheres, a luta também foi por igualdade. Ela destaca que a chamada concepção contemporânea de direitos humanos, veio a partir da Declaração Universal de 1948 e foi reiterada pela Declaração de Direitos Humanos de Viana de 1993. Atualizando tal discussão o texto cita a internacionalização dos direitos humanos, que surge pós-guerra, como resultado da reação às atrocidades e aos horrores cometidos durante o nazismo. É neste contexto que a ordem internacional vai reconstruir os direitos humanos como paradigma e referencial ético. A Declaração Universal dos Direitos Humanos das Nações Unidas, de 1948 determina a chamada concepção contemporânea de direitos humanos, marcada pela universalidade e indivisibilidade dos direitos. A universalidade é a extensão universal dos direitos humanos, sendo que a condição de pessoa é o requisito único para a titularidade de direitos, dotado de unicidade existencial e de dignidade. A indivisibilidade é a garantia dos direitos civis e políticos e é a condição para a observância dos direitos sociais, econômicos e culturais. Sendo assim, os direitos humanos compõem uma unidade indivisível, interdependente e inter-relacionada, conjugando assim os direitos civis e políticos, sociais, econômicos e culturais. 48 Principal marco no desenvolvimento internacional dos direitos humanos, a Declaração de 1948, passa a adotar inúmeros instrumentos internacionais de proteção, formando assim o Sistema Internacional de Proteção aos Direitos Humanos. Este sistema celebra o consenso da ética dos direitos humanos, sendo que a ética vê no outro um ser merecedor de igual consideração e respeito em busca da dignidade da pessoa, e a negação da dignidade humana confere a mais grave das violações aos direitos humanos. Piovesan (2012) ressalta que as mais graves violações de direitos humanos tiveram como fundamento ao longo da história a dicotomia do “eu versus o outro”, em que a diversidade era captada como elemento para aniquilar o direito do outro” este como ser menor em dignidade e direitos. Neste sentido merecem destaque as violações da escravidão, do nazismo, do sexismo, do racismo, da homofobia, da xenofobia e de outras práticas de intolerância. A Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Contra a Mulher, (CEDAW,1979), adotada pela Assembleia Geral das Nações Unidas, em 1979 e ratificada pelo Brasil em 1984 – é o principal instrumento internacional de proteção aos direitos humanos das mulheres, resulta da reivindicação do movimento de mulheres, a partir da primeira Conferência Mundial sobre a Mulher, no México, em 1975. A CEDAW define a discriminação contra as mulheres, e está assentada sob dois princípios: o da igualdade e o da não discriminação; e contempla duas linhas: uma preventiva e outra punitiva. O artigo 4º, da CEDAW estabelece que “a adoção de medidas afirmativas de caráter temporário para acelerar a promoção da igualdade entre homens e mulheres”. Por não ter explicitado a questão da violência contra a mulher na Convenção, o Comitê da Organização das Nações Unidas, (ONU) sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Contra a Mulher (Comitê CEDAW), adotou Recomendação Geral sobre a matéria, por reconhecer que: “a violência doméstica é uma das mais insidiosas formas de violência contra a mulher”, prevalecendo em todas as sociedades. Essa violência ocorre no âmbito das relações familiares, independentemente de idade, credo religioso, grau de instrução, as mulheres são vítimas de todas as formas, incluindo a agressão física, violência sexual, violência moral, violência psicológica, que se perpetuam. Estas formas de violência submetem as mulheres a riscos com a saúde física e mental, impedindo a sua participação no espaço privado e no espaço público. A CEDAW, bem como a Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher, conhecida como “Convenção de Belém do Pará”, adotada em 09 49 de junho de 1994 pela Organização dos Estados Americanos, (OEA), reconhecem que a violência contra a mulher, no âmbito púbico ou privado, constitui grave violação dos direitos humanos e limita total ou parcialmente o exercício dos demais direitos fundamentais. Piovesan (2012) aponta que a Convenção de Belém do Pará, elenca vários direitos a serem assegurados às mulheres, para que tenha uma à vida livre de violência, tanto na esfera pública, como na esfera privada. Consagrando, também, deveres aos Estados parte, para que adotem políticas destinadas a prevenir, punir e erradicar a violência contra a mulher vem a se constituir como um recurso-chave na aprovação da Lei Maria da Penha (detalharemos a seguir), que coíbe a violência doméstica e familiar contra as mulheres. Porém, o mero reconhecimento legal de que todos são iguais perante a lei, com direitos e obrigações, não significa que as relações entre homens e mulheres, e no interior da família tenham se modificando totalmente, isto se mantém por decorrência do modelo que foi construído com base na discriminação, desvalorização das mulheres, seja no espaço doméstico ou no espaço público, e, ainda sendo alvo de todo tipo de violência, seja física, psicológica, sexual e moral, deixando marcas profundas na sua vida e nos seu corpo, tornando-a vulnerável e temerosa. Este cenário impede a participação das mulheres que se encontram em situação de violência doméstica e sexista, colocando-as no isolamento social e doméstico, o favorece serem excluídas dos espaços de decisão. Esta violência cruel e criminosa, praticada pelos homens, pelos poderes públicos competentes, ancorada por uma legislação discriminatória, apoiada na impunidade dos agressores, na falta de proteção e segurança, na morosidade da justiça e aceita socialmente como algo natural e intrínseco nas relações entre homens e mulheres é apontada pela pesquisa feita pela Human Rights Watch (1992), que em cada 100 mulheres assassinadas no Brasil, 70 desses femicídios ocorreram no âmbito das relações familiares. No caso de Maria da Penha Fernandes8, prevaleceu a impunidade, apesar do agressor ter sido condenado pela justiça brasileira este permaneceu em liberdade se valendo de sucessivos recursos processuais. 8 Maria da Penha é uma biofarmacêutica brasileira que lutou para que seu agressor viesse a ser condenado. Em 7 de agosto de 2006, foi sancionada pelo então presidente do Brasil Luiz Inácio Lula da Silva a Lei Maria da Penha1 , na qual há aumento no rigor das punições às agressões contra a mulher, quando ocorridas no ambiente doméstico ou familiar. 50 Nesse período, as organizações de mulheres buscavam pressionar o governo brasileiro sobre a problemática da violência contra a mulher. Neste sentido, o Comitê LatinoAmericano de Defesa dos Direitos da Mulher (CLADEM)9, o Centro pela Justiça e o Direito Internacional (CEJIL) e a vítima Maria da Penha, (1998), peticionaram junto à Comissão Interamericana de Direitos Humanos, (CIDH)10, órgão que integra o Sistema Interamericano de Proteção dos Direitos Humanos, junto a Corte Interamericana de Direitos Humanos, com sede em Washington, Estados Unidos da América, que tem como membros representantes eleitos por mérito e títulos pessoais dos países membros da Organização dos Estados Americanos, (OEA), para julgamento do caso em tela. Após três anos (2001), o Estado Brasileiro foi condenado por negligência e omissão em relação a violência doméstica. A OEA, ao condenar o Brasil pela violação aos direitos humanos das mulheres, fundamentou sua decisão com base na ratificação que o Brasil havia assumindo através da Convenção de Belém do Pará, e da Convenção Americana de Direitos Humanos, chamada de Pacto de San José da Costa Rica, em 18 de julho de 1978. 4.2 A Constituição Cidadã de 1988 Um fato marcante na luta das mulheres foi o contexto sociopolítico na década de 1970 e 1980, quando da redemocratização do Brasil, o país passava da transição da política do governo militar para um governo civil. O Movimento Feminista e o Movimento de Mulheres participaram da luta pela redemocratização do país. Este momento contribui para colocar na agenda política do Estado o enfrentamento a violência contra a mulher. As mulheres lutaram por igualdade, pelas diretas já, a favor da reforma agrária, contra a carestia; as trabalhadoras rurais começavam a ocupar seus espaços dentro da luta sindical; o movimento negro despontava; e para as crianças e adolescentes iniciava uma discussão sobre direitos da infância e juventude, um novo olhar sob esta parcela da sociedade que vivia sob castigo e sem nenhum direito. 9 Comitê Latino-Americano e do Caribe para a Defesa dos Direitos da Mulher (CLADEM) é uma rede feminista que trabalha para contribuir à plena vigência dos direitos das mulheres na América Latina e Caribe, utilizando o direito como um instrumento de mudança. Conta com status consultivo na Categoria II perante as Nações Unidas desde 1995 e goza de reconhecimento para participar nas atividades da OEA desde 2002. 10 Centro pela Justiça e o Direito Internacional (CEJIL), é uma organização não governamental, criada em 1991 cujo principal objetivo é alcançar a plena implementação das normas internacionais de direitos humanos no direito interno dos estados membros da Organização dos Estados Americanos (OEA). 51 As mulheres através dos seus grupos foram se constituindo num movimento autônomo dos outros movimentos sociais e dos partidos políticos, pois agregavam interesses e demandas específicas das mulheres. Neste momento mobilizaram-se para conter a impunidade da violência contra as mulheres. Como resultado dessa mobilização houve a criação de grupos e associações de mulheres e clubes de mães em todo o país. A luta das mulheres ganha força quando a Organização das Nações Unidas (ONU) institui o Ano Internacional da Mulher, em 1975. O tema da violência doméstica contra as mulheres tornou-se uma das principais bandeiras de luta do movimento de mulheres e feminista. Para os movimentos, o problema da violência contra a mulher, era híbrido e envolvia vários aspectos de ordem social, cultura, racial, psicológica, de saúde e, sobretudo de gênero, não era uma questão privada e exigiu-se do Estado uma intervenção para que os agressores de mulheres fossem punidos. No Brasil, a violência praticada contra as mulheres sempre foi vista como uma ação banal pela sociedade era considerada assunto privado e que em “briga de marido e mulher não se mete a colher”, e o Estado legitimava a violência sob o argumento que tal ocorrência se dava no ambiente privado, portanto não dizia respeito ao mundo público e os agravos físicos, psicológicos, moral e sexual ocorria sem qualquer intervenção do Estado e muitas e muitas vez culminava com o homicídio das mulheres. Quando este crime era cometido, os algozes das mulheres, ficavam livres sob a sustentação da legitima defesa da honra. Como resposta a luta das mulheres para o enfrentamento a violência contra as mulheres, foi à criação da 1ª Delegacia Especializada de Atendimento à Mulher (DEMA‟s) no Brasil em 1985, no Estado de São Paulo, seguido de Pernambuco em 1986, atendendo apenas na esfera criminal. Acontece que as DEMA‟s não conseguiram responder a contento as demandas das mulheres em situação de violência, sendo assim os movimentos exigiram a criação de outros serviços como assistência, psicologia, proteção, entre outros que viesse atender de forma integrada esta demanda. Neste período foi criado e implantando o Conselho Nacional dos Direito da Mulher (1985). A Constituição Federal do Brasil é o símbolo jurídico-político e social da transformação democrática e da institucionalização dos Direitos Humanos no país. No dia 15 52 de novembro de 1986, foi realizada uma eleição para instituir a Assembleia Nacional Constituinte, tendo sido instalada em 1º de fevereiro de 1986, que após vinte meses, promulgou a Constituição de 1988. A Assembleia foi composta por 559 parlamentares, sendo 487 deputados/as e 72 senadores/as. A participação das mulheres em representação foi significativa, com uma bancada feminina composta de 26 integrantes. A mobilização das mulheres nos estados, através dos seus grupos proporcionou uma atuação de destaque das mesmas no parlamento. Constituição Cidadã contemplou em 75% as demandas da sociedade, incorporando as reivindicações das mulheres. Garantiu os direitos sociais e políticos consagrando que deveria existir igualdade entre os sexos; e introduziu dispositivos na legislação civil, no que se refere às relações entre homens e mulheres, particularmente nas áreas do direito de família, garantindo a plena igualdade entre os filhos, não importando o vínculo do casal seja instituído civil ou naturalmente, através do casamento ou união estável. Garante que os direitos e deveres referentes à sociedade conjugal serão exercidos igualmente pelo homem e pela mulher, e a mulher passa a ser considerada chefe da família. Assegura as presidiárias o direito de permanecer com seus filhos durante o período de amamentação no sistema prisional; e determina a prisão civil por dívida, pelo inadimplemento voluntário da obrigação alimentícia. Torna a prática do crime de racismo inafiançável e imprescritível, sujeito à pena de reclusão. Estabelece que a lei puna severamente o abuso, a violência e a exploração sexual da criança e do adolescente. Concede a mulher rural à titularidade de terra qualquer que seja seu estado civil; define que as comunidades remanescentes de quilombos poderão iniciar o processo de reconhecimento de suas terras; admite a violência no âmbito da família; fica instituído que criança e adolescentes ficará a salvo de qualquer negligência ou violência; e pela primeira vez, o Estado brasileiro admite a existência da violência no âmbito da família. Art. 5º I – homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações, nos termos desta Constituição. Art. 226 § 8º - O Estado assegurará a assistência à família na pessoa de cada um dos que a integram, criando mecanismos para coibir a violência no âmbito de suas relações. A proteção de todas as pessoas é constitucionalmente garantida, pois nossa constituição determina que a segurança pública é dever do Estado, direito e responsabilidade 53 de todos e será exercida para a preservação da ordem pública e para que todas as pessoas possam viver livre do perigo e estejam são e salvo. Após o advento da Constituição Federal do Brasil, nossa legislação em relação aos atos cometidos contra as mulheres, passou a ter uma maior punição. O crime de estupro passou a ser considerado crime hediondo através da Lei 8.930 de 1994; homicídio praticado a uma a mulher grávida não havia aumento de pena, a Lei 9.318 de 1996, altera o artigo 61 do Código Penal, acrescenta a alínea h com a expressão “mulher grávida”. A violência psicológica não era considerada crime, e com a Lei 9.455 de 1997, é tipificado como crime de tortura. O assédio sexual passou a ser crime a partir da Lei 10.224 de 2001. A violência doméstica era considerada briga de casal, com a Lei 10.886 de 2004, reconheceu como crime esta violência. O acusado de praticar estupro poderia se casar com a vítima e para o crime de rapto, reportava-se a expressão mulher honesta. Para o legislador, “mulher honesta” seria aquela que não usasse batom vermelho, saia justa ou saísse sozinha a noite. Estes elementos provocaria a ação do agressor, justificando o ato violento, entretanto a Lei 11.106 de 2005 revogou estes artigos do Código Penal Brasileiro (1940), da seguinte forma, extinguiu a punibilidade do estuprador e retirou a expressão “mulher honesta”. Apesar dessa garantia de direitos, ainda não havia uma legislação que viesse a responder sobre a violência doméstica e familiar de maneira rigorosa, como proteger as mulheres e punir o agressor. Era preciso urgentemente atender a essa reivindicação das mulheres, fazer cumprir a Constituição Federal e garantir o que categoricamente afirma a Declaração de Direitos Humanos de Viena (1993), que em seu artigo 18, afirma categoricamente: (...) Os Direitos Humanos das mulheres e das crianças do sexo feminino constituem uma parte inalienável, integral e indivisível dos Direitos Humanos universais. 54 Concebendo-se que violência contra a mulher é uma violação dos direitos humanos e como tal, deveria ter uma legislação especifica garantindo assim as mulheres viverem uma vida sem violência. 4.3 Lei Maria da Penha: uma conquista das mulheres O caso da farmacêutica Maria da Penha Maia Fernandes, aconteceu em 29 de maio de 1983, na cidade de Fortaleza/CE, quando ela foi atingida por um tiro de arma de fogo nas costas, configurando o crime de tentativa de homicídio, o algoz, seu marido o professor universitário Antônio Heredia Viveiros. Ainda em estado de recuperação duas semanas após o atentado, ao voltar para casa, a vítima foi alvo novamente da violência, do mesmo agressor, este tentou eletrocutá-lo, no banho. Maria da Penha ficou paraplégica e lutou na justiça ao longo de vinte anos, até que ele fosse preso, em 1996, permanecendo na prisão apenas por dois anos em regime fechado, depois ficou livre. Para suportar toda a jornada policial e jurídica, Maria da Penha, resolveu escrever sobre a violência sofrida e a sua luta pela condenação do agressor. O livro foi intitulado “Sobrevivi... Posso Contar” (2012). A dor e a humilhação que sofri ao longo de quase vinte anos, tendo que tolerar a máfé e a torpeza de muitos, tendo que bater de porta em porta para mendigar justiça é a mesma dor que me castrou o direito de acompanhar, mais de perto o desenvolvimento de minhas filhas... (PENHA, 2012). A violência vivida por Maria da Penha, não era uma situação isolada, mas um caso típico do modelo de violação de direitos, da impunidade e da omissão do Brasil, evidenciando a violência doméstica e familiar, a morosidade dos órgãos da justiça e segurança e a omissão no cumprimento de medidas que o Brasil adotou. Sendo o Brasil signatário da Convenção Americana de Direitos Humanos (1948), instrumento internacional de Direitos; da Declaração Americana dos Direitos e Deveres do Homem (1948); e da Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher - Convenção de Belém do Pará (1995) ao não adotar medidas necessárias para punir o agressor de Maria da Penha, o Estado Brasileiro feriu frontalmente estes documentos. 55 Artigos 1º, inciso 1, 8º, 24º, 25º da Convenção Americana: Artigo 1º - Obrigação de respeitar os direitos 1. Os Estados-Partes nesta Convenção comprometem-se a respeitar os direitos e liberdades nela reconhecidos e a garantir seu livre e pleno exercício a toda pessoa que esteja sujeita à sua jurisdição, sem discriminação alguma, por motivo de raça, cor, sexo, idioma, religião, opiniões políticas ou de qualquer outra natureza, origem nacional ou social, posição econômica, nascimento ou qualquer outra condição social. Artigo 8º - Garantias judiciais 1. Toda pessoa terá o direito de ser ouvida, com as devidas garantias e dentro de um prazo razoável, por um juiz ou Tribunal competente, independente e imparcial, estabelecido anteriormente por lei, na apuração de qualquer acusação penal formulada contra ela, ou na determinação de seus direitos e obrigações de caráter civil, trabalhista, fiscal ou de qualquer outra natureza. Artigo 24 - Igualdade perante a lei Todas as pessoas são iguais perante a lei. Por conseguinte, têm direito, sem discriminação alguma, à igual proteção da lei. Artigo 25 - Proteção judicial 1. Toda pessoa tem direito a um recurso simples e rápido ou a qualquer outro recurso efetivo, perante os juízes ou tribunais competentes, que a proteja contra atos que violem seus direitos fundamentais reconhecidos pela Constituição, pela lei ou pela presente Convenção, mesmo quando tal violação seja cometida por pessoas que estejam atuando no exercício de suas funções oficiais. A Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher - Convenção de Belém do Pará constitui-se em importante ferramenta de promoção da emancipação das mulheres. Adotada pela Assembleia Geral da Organização dos Estados Americanos (OEA) no dia 09/06/1994. Ratificada pelo Brasil em 27/11/1995. Os artigos 3º, 4º a, b, c, d, f, g, 5º e 7º da Convenção de Belém do Pará, trata da responsabilidade do Estado sobre a proteção a vida das mulheres, afirma que as mulheres têm direito a viver uma vida digna e afirma que a violência é um dos obstáculos aos Direitos Humanos das mulheres. Artigo 3º - Toda mulher tem direito a uma vida livre de violência, tanto na esfera pública como na esfera privada. 56 Artigo 4º - Toda mulher tem direito ao reconhecimento, desfrute, exercício e proteção de todos os direitos humanos e liberdades consagrados em todos os instrumentos regionais e internacionais relativos aos direitos humanos. Artigo 5º - Toda mulher poderá exercer livre e plenamente seus direitos civis, políticos, econômicos, sociais e culturais, e contará com a total proteção desses direitos consagrados nos instrumentos regionais e internacionais sobre direitos humanos. Os Estados-Partes reconhecem que a violência contra a mulher impede e anula o exercício desses direitos. Artigo 7º - Os Estados-Partes condenam todas as formas de violência contra a mulher e convêm em adotar, por todos os meios apropriados e sem demora, políticas destinadas a prevenir, punir e erradicar tal violência. Diante da omissão e negligência do Estado Brasileiro e com base nos instrumentos internacionais que o Brasil havia descumprindo, o caso foi encaminhado à Comissão Interamericana de Direitos Humanos (1998), cujo processo recebeu o nº 12.051. Os peticionários foram, vítima Maria da Penha, o Centro pela Justiça e pelo Direito Internacional (CEJIL) e o Comitê Latino-Americano de Defesa dos Direitos da Mulher (CLADEM) e o Estado Brasileiro figurou como violador de direitos. A denúncia resultou na condenação internacional do Brasil (2001), sendo responsabilizado por sua omissão, negligência pelas violações sofridas por Maria da Penha e tolerância aos casos de violência contra a mulher estabelecendo medidas de caráter individual e de promoção de políticas públicas. Quanto às medidas dirigidas ao caso em questão, estabeleceu ao Estado Brasileiro: Concluir com celeridade o processo penal do responsável pela agressão; Realizar uma investigação séria, imparcial e exaustiva para apurar as irregularidades e atrasos injustificados que não permitiram o processamento rápido e efetivo do responsável; bem como tomar as medidas administrativas, Adotar, sem prejuízo das ações que possam ser instauradas contra o agressor, medidas necessárias para que o Brasil assegure à vítima uma reparação simbólica e material pelas violações. Quanto às medidas destinadas a promoção das políticas públicas, determinou: 57 Garantir a capacitação e a sensibilização dos funcionários judiciais e policiais especializados, para que compreendam a importância de não tolerar a violência doméstica; Simplificar os procedimentos judiciais penais; Estabelecer formas alternativas às judiciais - rápidas e efetivas – para assegurar a solução de conflitos intrafamiliares; Multiplicar o número de delegacias policiais especiais para a defesa dos direitos da mulher e dotá-las dos recursos especiais necessários, bem como prestar apoio ao MP na preparação de seus informes judiciais; Incluir em seus planos pedagógicos unidades curriculares destinadas à compreensão da importância do respeito à mulher e a seus direitos reconhecidos na Convenção de Belém do Pará. Em 2004, o Governo Federal apresenta ao Congresso Nacional uma proposta para criação de uma legislação que viesse dar enfrentamento violência doméstica e familiar. Em 2006, o Congresso Nacional aprova o Projeto de Lei e em 07 de agosto do mesmo ano, o Presidente Luiz Inácio Lula da Silva sanciona a Lei, que ficou conhecida popularmente como a Lei Maria da Penha. Ao ver referendada a Lei, o movimento feminista mais uma vez demarca seu espaço político. A Lei Maria da Penha cria mecanismos para coibir e prevenir a violência doméstica e familiar contra a mulher. Sendo assim, o Brasil cumpre a recomendação da Comissão Interamericana de Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos/OEA. A Emenda Constitucional nº 45, acrescentou o § 3º ao art. 5º da Constituição Federal, atribuído status constitucional aos tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos, do qual o Brasil é signatário. Portanto, no preâmbulo da Lei Maria da Penha, faz menção a Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher e a Convenção de Belém do Pará e a Constituição Federal do Brasil. Quando a Lei 11.340/2006 foi sancionada, o ordenamento jurídico brasileiro passou a ter competência para julgar os casos de violência doméstica e familiar. As mulheres que se encontrar em situação de violência, deverão acessar a legislação e cabe ao Estado, através dos órgãos, restabelecer seus direitos que foram violados, protegê-las e dar assistência. 58 Diferentemente do nosso código penal, que pune com reclusão ou detenção, quem comete atos ilícitos a Lei Maria da Penha apresenta elementos estruturantes para sua execução: a prevenção, a proteção e a punição. A prevenção propõe executar ações que contribuem na desconstrução das desigualdades, combatem as discriminações de gênero, intervindo nos padrões sexistas/machistas e possibilitando que sejam incorporados valores e comportamentos como respeito a si próprio e aos outros, valorização pela vida, dignidade, caráter, diferentes daqueles estabelecidos na sociedade como superioridades e preconceito. A proteção as mulheres vítimas da violência doméstica e familiar ocorre através da concessão das medidas protetivas, que são encaminhadas pela autoridade policial, pelo Ministério Público e pela própria vítima ao Poder Judiciário, as quais serão conferidas no prazo de até 48 horas, podendo ainda ser concedida em qualquer uma das fases processuais desde que a vítima comunica na justiça qualquer fato novo. Para proteger e dar segurança as mulheres em iminente risco de vida, a legislação propõe a criação de casas-abrigos para mulheres e respectivos dependentes menores em situação de violência doméstica e familiar. E, por fim é da competência do Poder Judiciário, aplicar as medidas punitivas que se rege pela decretação da prisão do agressor, através da prisão em flagrante ou requerida pela autoridade policial, pelo promotor ou promotora de justiça ou pelo juiz ou juíza de direito. Nos casos da violência doméstica, a pena de detenção é de seis meses a um ano, se a violência resultar em lesão corporal a pena é três meses a três anos. Este tipo de crime teve sua pena aumentada com a finalidade de coibir e prevenir a violência doméstica e familiar. Se a vítima estiver acometida de deficiência física a pena é aumentada em 1/3. Além do cumprimento da pena restritiva de liberdade, cabe ao juiz determinar a obrigação do agressor de participar de programas de reeducação e/ou reabilitação. E, traz avanços significativos, ao tipificar a violência doméstica e familiar contra a mulher como sendo “qualquer ação ou omissão baseada no gênero que lhe cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral ou patrimonial”, amplia o conceito de violência doméstica e familiar, antes baseado apenas na convivência e com a lei se estende as relações afetivas. Ao definir as formas de violência como física, psicológica, moral, sexual e patrimonial, assegura à mulher o direito à sua integridade física, psíquica, moral e sexual, além de preservar os bens adquiridos durante a convivência. 59 A nova legislação promove uma mudança social, cultural e no âmbito da justiça. Incorporando novos valores e comportamento na sociedade, a partir da concepção de que a violência contra a mulher é uma violação dos direitos humanos e que a Lei punirá severamente o agressor. Aos operadores de direitos exige um conhecimento desde os instrumentos internacionais de proteção a mulher, como os tratados, pactos e convenções, quanto a legislação pátria, ou seja, para a execução eficaz da Lei Maria da Penha o profissional deverá utilizar todo o arcabouço jurídico brasileiro (Direito Civil, Penal, Administrativo, Estatuto da Criança e do Adolescente, Estatuto do Idoso), configurando-se assim como um novo modelo de atuação. Essa mudança é estendida também ao Legislativo cabendo, elaborar projetos que versam sobre o enfrentamento da violência contra a mulher; ao Executivo destinar recursos para implementação das políticas para as mulheres; e ao Poder Judiciário, punindo o agressor. Somente através de ações integradas e articuladas entre o Executivo (União, Estados e Municípios); Legislativo (Senado Federal, Câmara dos Deputados, Assembleias Estaduais e Câmaras Municipais); Poder Judiciário (Varas da Violência Doméstica e Familiar, Varas Comuns, Ministério Público e Defensoria Pública); e os organismos da sociedade civil, será possível fazer valer os direitos das mulheres e a plena execução da Lei 11.340/2006. Antes do advento da Lei 11.340/2006, os casos de violência cometidos contra as mulheres, foram julgados em todo o Brasil através da Lei 9.099/1995, cujo processo é norteado pelos critérios da oralidade, simplicidade, informalidade, economia processual e celeridade, buscando como via de regra a conciliação ou a transação. Aos juizados especiais cabe o julgamento e execução de causas cíveis de menor complexidade e infrações penais de menor potencial ofensivo (CF, art. 98, I). A Lei 9.099/95, art. 88, elegeu a lesão corporal leve11 e a lesão culposa12 (art. 129, § 6°) como de pequeno potencial ofensivo, nos crimes em que a pena mínima cominada for igual ou inferior a um ano. O art. 41 da Lei 11.34/2006 foi taxativo ao afirmar aos crimes praticados com violência doméstica e familiar contra a mulher. Independentemente da pena prevista, não se aplica a Lei no 9.099, de 26 de setembro de 1995. Entretanto, lei vindoura (Lei 11.340/2006), e da mesma categoria, eliminou deste rol violência doméstica. Quando a violência for 11 Lesão corporal – CP art. 129 – Ofender a integridade corporal ou a saúde de outrem. Pena – detenção, de três meses a um ano. 12 Lesão corporal culposa CP – art. 129 § 6º , Pena - detenção, de dois meses a um ano. 60 cometida contra mulher e o crime ocorrer no âmbito das relações afetivas, as lesões não podem ser acatadas como de natureza leve, pois esquiva da Lei dos Juizados Especiais. O agressor irá responder pelo crime cometido na forma que preceitua a Lei Penal. Para salvaguardar os direitos já conquistados, a Secretaria Nacional de Políticas para as Mulheres/PR, acionou a Advogacia Geral da União, que em 19.12.2007, ingressou junto ao Superior Tribunal de Justiça, (STJ) com a Ação Declaratória de Constitucionalidade/ADC nº 19, em favor da legalidade da Lei Maria da Penha (Lei 11.340/2006). Por unanimidade, em 09.02/2012, o Plenário do Supremo Tribunal Federal, representados pelos ministros, declarou pela procedência do pedido a fim de declarar a constitucionalidade dos artigos 1º, 33 e 41 da Lei, determinando definitivamente a não aplicabilidade do artigo 89 da Lei 9.099/1995, nos crimes praticados contra as mulheres. 4.4 A Justiça e a Aplicabilidade da Lei 11.340/2006 Nesta parte do trabalho serão apresentados dados do funcionamento e atuação dos serviços da Justiça na aplicação da Lei 11.340/2006. Para a realização desse estudo, mapeamos os serviços realizados pela Vara da Violência Doméstica e Familiar no âmbito do Poder Judiciário, o Ministério Público - Promotoria da Mulher e a Defensoria Pública Especializada na Defesa da Mulher DEPEDDIM - todos os serviços com sede na Capital; e entrevistamos gestoras e profissionais. A pesquisa foi iniciada a partir de um levantamento nos sites do Tribunal de Justiça de Pernambuco, Ministério Público, Defensoria Pública, Secretaria Estadual da Mulher e em materiais informativos como panfletos, folders, mosquitinhos. Ao manter contatos telefônicos com esses órgãos citados, foram identificadas as seguintes as dificuldade: a) números não funcionavam e as ligações se perdiam no percurso; b) muitas tentativas foram realizadas junto a 1ª e 2ª Varas, com entrevista agendada e não realizada; c) atendimento em horário limitado, já que a 1ª Vara o expediente encerra as 13h; d) na Promotoria da Mulher, existe apenas um Promotor assumindo a 1ª e 2ª Promotoria da Mulher da Capital e o mesmo encontrava-se de “férias no período da pesquisa (janeiro de 2015) 61 Somente em março/2015, foram concluídas as entrevistas na 1ª, 2ª Vara da Violência Doméstica e Familiar e na Promotoria da Mulher. Porém, mesmo tendo realizado as entrevistas, as mesmas não atingiram todo o objetivo do estudo. Na 1ª Vara foram realizadas 3 (três) entrevistas: chefe da secretaria, assessora e assistente social e na 2ª Vara 2 (duas) sendo: juíza e assistente social, junto a Promotoria da justiça a entrevista foi com a Promotora. no total foram realizadas 6 (seis) entrevistas. Na Defensoria da Mulher, a Defensora informou que não dá entrevista e indica que a Defensoria Geral. No prédio da Defensoria Geral, ao procurar o Defensor Geral, foi informado que o mesmo se encontrava fazendo júri no interior e “como tem poucos defensores” este somente retornaria para a sede no final do mês de maio, sendo indicado os defensores da DEPEDDIM. Esse órgão solicitou o agendamento via e-mail, mas ao enviar tal mensagem, esta voltou e assim não foi possível realizar as entrevistas. Na recepção do Juizado da Mulher e da Defensoria o atendimento foi péssimo. O Ministério Público não tem recepção, atende na sala da juíza. a) Os Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher Os Juizados são órgãos especializados, criados através dos Tribunais de Justiça do Distrito Federal, dos Territórios e dos Estados, no âmbito do Poder Judiciário, para atuar nas causas procedentes da violência doméstica e familiar, estando referendado pelos artigos 1° e 14 da Lei 11.340/2006. Art. 1o “... dispõe sobre a criação dos juizados de violência doméstica e familiar contra a mulher; e estabelece medidas de assistência e proteção às mulheres em situação de violência doméstica e familiar”. Art. 14. Os Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher, órgãos da Justiça Ordinária com competência cível e criminal, poderão ser criados pela União, no Distrito Federal e nos Territórios, e pelos Estados, para o processo, o julgamento e a execução das causas decorrentes da prática de violência doméstica e familiar contra a mulher. O Estado de Pernambuco conta com 6 (seis) Juizados da Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher, com competência para apurar os crimes dolosos contra a vida praticados contra a mulher e processar as ações de competência do Tribunal do Júri. O 1º Juizado foi criado através da Lei 13.169/22.12.2006 para atuar na Capital e a Lei Complementar 143/18.06.2009, garantiu a criação do 2º Juizado (2010) na capital, no 62 município de Jaboatão dos Guararapes (2012), no Cabo de Santo Agostinho (2012) e em Camaragibe (2013). Segundo dados do Relatório Final da Comissão Parlamentar Mista de Inquérito/CPMI (2013/Brasília), no período de 2007 a 2011 a 1ª e 2ª Varas da Violência Doméstica e Familiar da Capital, contabilizaram 104.963 denúncias, 50.129 medidas protetivas de urgências e 19.228 processos foram julgados. b) Estrutura Judicial e Recursos Humanos disponíveis na Capital Recife A estrutura funcional dos Juizados da Capital é composta pelo Juiz 13 de Direito (Titular e Substituto), equipe multidisciplinar, (psicólogo/as, assistentes sociais e pedagoga), assessores, secretarias, recepcionistas, segurança, serviços gerais e motoristas. A 1ª Vara possui 30 profissionais e a 2ª Vara 27, entre servidores públicos e terceirizados. Tramitam na 1ª Vara da Violência Doméstica e Familiar da Capital, 9.000 (nove mil) processos e na 2ª Vara, 14.000 (quatorze mil) processos. Analisando o Manual de Rotinas e Estruturação dos Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher do Conselho Nacional de Justiça (CNJ/2010), indica que, em unidades com até 5.000 (cinco mil) a 10.000 (dez mil) processos atuem 29 servidores. A 2ª Vara atendeu no período de 2013 a 2014, casos de deficiência física (dificuldade de mobilidade); visual (perda progressiva da visão); deficiência auditiva e retardo e casos de transtorno mental, que não é tido como deficiência e que aparece de forma elevada (depressão e síndrome de pânico). A 1ª e 2ª Vara de Violência Doméstica e Familiar Contra a Mulher funcionam no mesmo prédio na Rua: Dom Manoel Pereira, 170 – Bairro Santo Amaro/Recife/PE, pela manhã e a tarde respectivamente. Na entrada do prédio, existe uma rampa de acesso para pessoas com deficiência. No térreo, tem recepção, sala de espera, sala da secretaria, sala da juíza. No 1º andar, encontra-se a sala do atendimento da equipe multidisciplinar, sala de reunião. 13 Toda nomenclatura do TJPE, considera o gênero masculino. 63 A estrutura adequada nos Juizados da Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher proposta pelo CNJ deverá conter: “(...) gabinete para o magistrado, bem como sala de audiências, espaço para a Secretaria (Cartório), salas de atendimento para a equipe multidisciplinar, brinquedoteca, entre outros. A Secretaria deve ser instalada em espaço com dimensão apta a comportar o número mínimo de funcionários e ao seu bom funcionamento, contemplando local para acomodação de todos os processos sob competência jurisdicional e correcional atribuídos ao Juízo, além daqueles destinados a arquivamento. Os servidores devem dispor de computadores com acesso aos sistemas de informação, bancos de dados e processos eletrônicos; e a Secretaria, nos moldes das varas criminais e de execução, necessita de linha telefônica e respectivo endereço eletrônico, um aparelho de fac-símile, um scanner e um cofre. Devem os JVDFMs, ainda, contar com carceragem que abrigue separadamente indiciados e réus presos, de ambos os sexos, bem como espaço físico que permita a comunicação privativa com seu advogado. ” (CNJ, 2010) Observamos que as duas Varas da Capital se aproximam do estabelecido pelo CNJ, no que diz respeito à equipe. Entretanto, o mesmo Conselho que determina as regras não aponta no rol dos servidores indicados, profissional especializado com habilidade para lidar com pessoa com deficiência e a estrutura judicial não atende ao que é proposto. As Varas não contam com o Setor de Distribuição de Processos, responsável por receber petições iniciais, pedido das medidas protetivas e os inquéritos policiais, nem com a Central de Mandados/CEMANDO, cujo setor compete receber os mandados expedidos pelo juiz, inclusive as medidas protetivas para cumprimento. Por não ter os serviços mencionados, o requerimento das Medidas Protetivas14 e os Inquéritos Policiais originários das Delegacias são distribuídas no Fórum Rodolfo Aureliano, localizado na Av. Des. Guerra Barreto, s/n. Ilha do Leite/Recife/PE. O procedimento referente as medidas protetivas, demandam um prazo maior daquele estabelecido na Lei para serem recebidos, despachado e cumpridos, contribuindo para a morosidade processual. Não existe profissional especializado para atender as mulheres com deficiência. Os profissionais entrevistados alegam que “dentro do possível atendem sem problema alguma” e afirmam que “... se for uma mulher cadeirante não será necessário um profissional especializado; sendo a mulher surda seu acompanhante ajudará no momento de repassar as informações favorecendo assim o atendimento...” (entrevista in loco, 2015). 14 Cabe a autoridade policial remeter, no prazo de 48 horas, expediente apartado ao Juiz com o pedido das medidas protetivas. 64 Entretanto responderam que se a deficiência for física, ou visual a equipe multidisciplinar, a juíza e a promotora atendem com tranquilidade. Sendo outra deficiência como surdez, a Promotoria solicita o profissional da Sede/Ministério Público Estadual. Foram apontados alguns fatores que pode impedir o acesso a justiça das mulheres com deficiência. Tanto a juíza quanto a Promotora indagaram que não há impedimento, seja qual for a deficiência, pois as mulheres vêm para o serviço acompanhadas e são auxiliadas por familiares e amigos: a) dificuldade de ter alguém para acompanhá-las até o serviço e como chegar ao serviço; b) falta de acesso a informação; c) falta de acessibilidade na cidade e nos serviços desde o transporte, aos atendimentos especializados as mulheres como delegacias e nas Varas; d) elementos como o preconceito e a discriminação contra as mulheres com deficiência; e e) existência dos processos em virtude da morosidade. Os obstáculos encontrados pelos/as gestores/as e profissionais no atendimento as mulheres vítimas de violência com deficiência são: a) estrutura física do imóvel; b) atender a mulher com deficiência auditiva; e c) as salas dos atendimentos no 1º andar. E para superar estes obstáculos é necessário ter um imóvel mais adequado, estruturar o serviço pensando no público inclusive nas mulheres com deficiência. c) Atuação do Ministério Público A Lei Maria da Penha estabelece a criação de Promotorias Especializadas da Mulher e ampliou a competência do Ministério Público, cabendo atuar nas causas cíveis (das medidas protetivas) e criminais, podendo fiscalizar todo e qualquer serviço público e privado de atendimento à mulher em situação de violência doméstica e familiar e requisitar a implantação de serviços públicos de saúde, educação, assistência social e segurança. Cadastrar os casos de violência doméstica e familiar contra a mulher e manter é também responsabilidade do Ministério Público. Na pesquisa identificamos que no ano de 2006, foi criada a Promotoria em Defesa da Mulher, denominada de 44ª Promotoria de Justiça Criminal da Capital. A Promotoria atua no mesmo prédio do Juizado da Violência Doméstica e Familiar, coincidindo com os mesmos horários. Possui apenas 1(hum) Promotor (designação padronizado do Tribunal de Justiça de 65 Pernambuco/TJPE) e 1(um) Analista. Na estrutura do Ministério Público foi instituído o Núcleo de Apoio à Mulher/NAM. O NAM foi criado por força do convênio n°11/2008, celebrado entre o MPPE e o Ministério da Justiça, por meio do Programa Nacional de Segurança Pública com Cidadania (PRONASCI), para a criação e estruturação de núcleos que apoiem o combate à violência doméstica e familiar contra a mulher. A criação foi formalizada pela portaria POR-PGJ nº 321/2010, publicada no Diário Oficial do Estado de Pernambuco em 6 de março de 2010. Entre as atribuições do NAM, destacam-se a formulação e implementação de políticas públicas de promoção da igualdade de gênero e medidas necessárias à conscientização sobre os efeitos pessoais e sociais negativos da violência contra a mulher; bem como a divulgação da Lei Maria da Penha, por meio de publicações, capacitações, orientações e pesquisa. O Núcleo funciona como articulador junto aos órgãos e instituições para facilitar as ações das Promotorias de Justiça com atuação no combate à violência doméstica e familiar contra a mulher, fortalecendo, assim, a rede de apoio à mulher, além de dar suporte ao adequado desempenho das atribuições específicas de cada um dos envolvidos. (Site/MPPE/06.03.2015). d) Defensoria Pública Especializada na Defesa das Mulheres A Defensoria Pública Especializada na Defesa das Mulheres/DEPPEDIM foi criada através do Decreto 30.535/2006, para prestar serviços de assistência judiciária às mulheres vítimas de violência doméstica, com competência para atender as mulheres residentes na Capital. O atendimento é de segunda a quinta-feira no horário da manhã e tarde no mesmo prédio e horário da Vara, e para cada um dos horários, possui uma Defensora. Os Juizados, a Promotoria e a Defensoria deverão atuar de forma integrada e articulada com toda a Rede de Atendimento para superação do isolamento ou desarticulação entre os profissionais e os serviços. Conforme a Política Nacional de Enfrentamento à Violência contra as Mulheres, a Secretaria Nacional de Políticas para Mulheres/PR, (BRASIL, 2011) conceitua Rede como sendo: “... à atuação articulada entre as instituições/serviços governamentais, não governamentais e a comunidade, visando à ampliação e melhoria da qualidade de vida do atendimento, à identificação e encaminhamento adequado das mulheres em situação de violência, e ao desenvolvimento de estratégias efetivas de prevenção. A constituição de atendimento busca dar conta da complexidade da violência contra as mulheres e do caráter multidimensional do problema, que perpassa diversas áreas tais como: a saúde, a educação, a segurança pública, a assistência social, a cultura, entre outras”. (BRASIL, 2011) 66 Em estudo comparativo sobre a aplicação da Lei Maria da Penha, realizado pela CEPIA (Cidadania, Estudo, Pesquisa, Informação e Ação) em cinco capitais brasileiras, (CEPIA, 2013), indica a importância da integração do serviço da justiça em consonância com a Rede de Atendimento: “É também fundamental que varas e juizados especializados sejam integrados à rede de atendimento especializado, facilitando os encaminhamentos intersetoriais requeridos pela abordagem integral para o enfrentamento da violência doméstica e familiar contra a mulher. A ampliação da rede de serviços tem sido acompanhada por investimentos técnicos e financeiros para a melhoria dos atendimentos oferecidos. Além do incentivo para capacitação de profissionais das diferentes áreas e setores envolvidos com a aplicação da Lei Maria da Penha, as iniciativas também compreendem a edição de normas técnicas, manuais, resoluções e enunciados voltados a aprimorar o atendimento e melhorar o acesso à justiça para as mulheres em situação de violência doméstica e familiar. No entanto, a realidade dos atendimentos prestados permanece muito aquém do esperado em termos de especialização requerida na perspectiva de gênero e respeito aos direitos das mulheres”. (CEPIA,2013) A aplicabilidade da Lei 11.340/2006, ocorre em diversos setores, na proteção, na assistência, na prevenção e com a punição do agressor, sendo necessária a criação e implementação de serviços e a integração e articulação entre eles. Guedes (2008) alerta que em uma sociedade que se pretende civilizada não pode permitir que vingasse um sistema em que a violência contra uma parcela considerável da população, objeto de vitimização histórica continue triunfando. Neste sentido, aponta alguns aspectos consideráveis para a aplicabilidade da Lei 11.340/2006, como: “(...) a igualdade de tratamento, prevista na Constituição e que independe de gênero, deve ser interpretada não de forma simplista e literal, mas sim de acordo com as necessidades da sociedade em que vivemos”. E conclui (...) a eficácia da Lei Nº 11.340/2006 depende, segundo penso, de realizar uma interpretação consequente de seus termos, de forma que os delitos graves que caiam sob a sua incidência possam ser convenientemente processados e concluídos com a efetiva punição dos responsáveis”. (GUEDES, 2008) e) A proteção às pessoas com deficiência Entendendo que a violência contra a mulher é uma violação dos Direitos Humanos, a Lei 11.340/2006 elevou a pena para quem praticar crime contra a pessoa com deficiência no 67 âmbito das relações afetivas. Para Millett (2011), essa violação se torna grandiosa, maquiavélica e excessiva, como bem explica: Na palestra intitulada “Livres da Tortura ou do Tratamento/Punição Cruel, Desumano e Degradante”, que ministrou na Organização das Nações Unidas, Kate Millett (autora dos livros “Sexual Politics” e “The Politics of Cruelty”) declarou: “para pessoas com deficiência, isto significa „Livres do tratamento e do confinamento forçados‟. Livres do constrangimento e da coerção. O poder opressivo e gigantesco. O poder de uma civilização inteira arremessado contra uma pessoa sozinha. Cada telefone, cadeado, guarda, droga, (...) tudo conspira para deixar você completamente sozinha e apavorada... manipulável. Estas são as condições da tortura. Você não sabe o que vem em seguida. Você não sabe quanto tempo isso vai durar. „Ninguém saberá nunca‟ – uma voz entoa. Ninguém acreditará em você nunca”. (MILLET,2011) O texto “Direitos e Legislação” (SPM/2014) discorre sobre o decreto Legislativo nº 186/2000, que aprova texto da Convenção Sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência e do seu Protocolo Facultativo em Nova Iorque, em 30 de março de 2007. No que alude à atenção a mulher com deficiência, os Estados Partes da referida Convenção, reconhecem que as mulheres e meninas com deficiência estão frequentemente expostas a maiores riscos, tanto no lar como fora dele, de sofrer violência, lesões ou abuso, descaso ou tratamento negligente, maus-tratos ou exploração. Nesse sentido, os Estados Partes: Tomarão medidas para assegurar às mulheres e meninas com deficiência o pleno e igual exercício de todos os direitos humanos e liberdades fundamentais; Adotarão leis e políticas efetivas, inclusive legislação e políticas voltadas para as mulheres e crianças, a fim de assegurar que os casos de exploração, violência e abuso contra pessoas com deficiência sejam identificados, investigados e, caso necessário, julgados. Tomarão todas as medidas apropriadas para assegurar o pleno desenvolvimento, o avanço e o empoderamento das mulheres, a fim de garantir-lhes o exercício e o gozo dos direitos humanos e liberdades fundamentais estabelecidos na presente Convenção. Ainda, por reconhecem o direito das pessoas com deficiência à proteção social e ao exercício desse direito sem discriminação baseada na deficiência, os Estados Partes 68 tomarão medidas apropriadas para salvaguardar e promover a realização desse direito, tais como: Assegurar o acesso de pessoas com deficiência, particularmente mulheres, crianças e idosos com deficiência, a programas de proteção social e de redução da pobreza. A Lei nº. 7.853 de 24 de outubro de 1989 trata sobre o apoio às pessoas com deficiência, sua integração social, sobre a Coordenadoria Nacional para Integração da Pessoa com deficiência – CORDE institui a tutela jurisdicional de interesses coletivos ou difusos dessas pessoas, disciplina a atuação do Ministério Público, define crimes. No que se refere especificamente à mulher com deficiência temos: Art. 2º. Ao Poder Público e seus órgãos cabe assegurar às pessoas portadoras de deficiência o pleno exercício de seus direitos básicos, inclusive dos direitos à educação, à saúde, ao trabalho, ao lazer, à previdência social, ao amparo à infância e à maternidade, e de outros que, decorrentes da Constituição e das leis, propiciem seu bem-estar pessoal, social e econômico. II - na área da saúde: Promoção de ações preventivas, como as referentes ao planejamento familiar, ao aconselhamento genético, ao acompanhamento da gravidez, do parto e do puerpério, à nutrição da mulher e da criança, à identificação e ao controle da gestante e do feto de alto risco, à imunização, às doenças do metabolismo e seu diagnóstico e ao encaminhamento precoce de outras doenças causadoras de deficiência. Art. 226, § 8º, CF. A família, base de toda sociedade, tem especial proteção do Estado. (...) § 8º. O Estado assegurará a assistência à família na pessoa de cada um dos que a integram, criando mecanismos para coibir a violência no âmbito de suas relações. Considerando este vasto arcabouço internacional de direitos garantindo que as mulheres com deficiência possam viver plenamente sem violência temos ainda a adoção da Lei Maria da Penha no nosso ordenamento jurídico brasileiro, que passa a ser o instrumento na proteção das mulheres contra a violência, inclusive para as mulheres com deficiência. Neste documento insere em seu texto o artigo do Código Penal Brasileiro, que altera as regras no caso de lesão corporal praticada contra pessoa com deficiência assim constituindo, que passa a vigorar com a seguinte redação: Art. 44. O art. 129 do Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 (Código Penal), passa a vigorar com as seguintes alterações: 69 “Art. 129. (....) § 9o Se a lesão for praticada contra ascendente, descendente, irmão, cônjuge ou companheiro, ou com quem conviva ou tenha convivido, ou, ainda, prevalecendo-se o agente das relações domésticas, de coabitação ou de hospitalidade: Pena - detenção, de 3 (três) meses a 3 (três) anos. (...). § 11. Na hipótese do § 9o deste artigo, a pena será aumentada de um terço se o crime for cometido contra pessoa portadora de deficiência. ” (BRASIL, 2006) 70 Capítulo V - O ATENDIMENTO ÀS MULHERES QUE SOFREM VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E FAMILIAR A PARTIR DA REDE DE SAÚDE, ASSISTÊNCIA E PROTEÇÃO 5.1 Cenário da violência doméstica contra as mulheres A partir da última década, a violência contra mulher passou a ser reconhecida como um problema de saúde pública por acarretar inúmeros agravos à saúde das mulheres, incluindo mortes por homicídios, suicídios ou a grande presença de ações suicidas, além de doenças sexualmente transmissíveis, doenças cardiovasculares e dores crônicas. Citando Krug et AL (2002), a Organização Mundial de Saúde, considera violência como: “uso intencional da força física ou do poder, real ou em ameaça, contra si próprio, contra outra pessoa, ou contra um grupo ou uma comunidade, que resulte ou tenha possibilidade de resultar em lesão, morte, dano psicológico, deficiência de desenvolvimento ou privação” (KRUG et al., 2002). Também cabe salientar, como já detalhado no capítulo anterior, que a violência contra a mulher, além de constituir violação dos direitos humanos e das liberdades fundamentais, atinge mulheres de diferentes raças, etnias, religiões, escolaridade, idade, gerações e classes sociais. Segundo Debert (2006) a violência doméstica contra a mulher ao longo da história perpassa por escalas diferentes em decorrência da evolução da sociedade. A fragilidade feminina, justificada pelo aspecto biológico influenciou e ainda influencia a situação social e jurídica da mulher, que até pouco tempo atrás era educada para servir o homem, sua “profissão” não podia ser outra que esposa e, o homem, de outra forma, era educado para ser independente e atuar no mercado de trabalho. Alguns marcos históricos foram determinantes para a gradativa inserção da mulher no mercado de trabalho, tal como a Revolução Industrial, período no qual o homem era o responsável pela família, passando a maior parte do tempo fora de casa para prover o sustento familiar e, a mulher, por sua vez, era responsável pelo lar, pelas atribuições domésticas, pela criação dos filhos. 71 Conforme já apresentado no Capitulo IV, no caso do Brasil, com a promulgação da Constituição da República de 1988, a mulher foi igualada ao homem no exercício de direitos e deveres. Dessa forma, o papel da mulher na sociedade aos poucos foi modificando, seja a partir da revolução sexual, e com a gradativa inserção da mulher no mercado de trabalho, promovendo a igualdade de condições entre homens e mulheres, sendo consolidada, definitivamente, com o advento da Constituição da República em 1988. Ocorre que, tal igualdade, ainda que juridicamente estabelecida e socialmente em construção encontra, ainda nos dias atuais, alguns percalços, em decorrência desse passado culturalmente machista, como bem alerta Debert (2006) quando afirma que: “... a cidadania no Brasil sofre intricado paradoxo: nossa Carta Constitucional é uma das mais avançadas do mundo - integrando temas, segmentos sociais e direitos segundo concepção inegavelmente progressista -, um conjunto de instituições governamentais, organismos da sociedade civil e movimentos sociais atuantes e, no entanto, vivemos em meio a uma persistente desigualdade social no acesso a justiça. Segundo definições correntes, o Estado não é puramente o aparelho de estado (setor e burocracias públicas), mas também e, sobretudo, um conjunto de relações sociais que apresenta uma ordem sobre um determinado território. "Tal ordem não é igualitária ou socialmente imparcial; tanto no capitalismo como no socialismo burocrático ela sustenta, e ajuda a reproduzir, relações de poder sistematicamente assimétricas" (O'Donnell, 1993, p. 125). O sistema legal é uma dimensão que constitui tal ordem e garante que as relações sociais, mesmo implicadas em tramas assimétricas, sigam um curso de aquiescência e compromissos mútuos. Não há efetividade e garantias no sentido estrito e formal do conteúdo da lei e de sua aplicação. (Debert , 2006) Nesse contexto, tem-se a elaboração da Lei nº 11.340, popularmente conhecida como Lei Maria da Penha, sancionada no dia 07 de agosto de 2006, com o objetivo de criar mecanismos para coibir e prevenir a violência doméstica, especificamente contra a mulher, na tentativa de eliminar esse tipo de violência no Brasil. Como já detalhado no Capítulo IV, cabe lembrar que a violência doméstica contra a mulher já encontrava proibição legal no Código Penal, não de forma tão peculiar e específica, como agora ocorre com a Lei Maria da Penha, mas, mesmo com tal proibição a violência doméstica era recorrente. A Lei Maria da Penha veio como resposta para punir os agressores das mulheres em situação de violência doméstica e familiar, além de prevenir a violência, proteger as mulheres e dar-lhes assistência. No que se referente a luta do movimento feminista por uma política de enfrentamento violência contra as mulheres, atendeu a essa reivindicação e impulsionou que o Estado (União, Estados, Distrito Federal e Municípios) através de seus órgãos (justiça, segurança, assistência social e saúde), viesse a criar e implantar os serviços e programas. 72 Outrossim, a Lei permite, entre outras coisas, que o agressor seja preso em flagrante ou tenha sua prisão preventiva decretada, acabando com a substituição da pena, que possibilitava que o ofensor fosse condenado a pagar cestas básicas ou ao pagamento isolado de multas. Nesse sentido, determina que nas ações penais públicas condicionadas à representação da ofendida, só será admitida a renúncia à representação perante o juiz, em audiência especialmente designada com tal finalidade, antes do recebimento da denúncia e ouvido o Ministério Público, de forma a tentar coibir o agressor de constranger ou ameaçar a vítima a renunciar da queixa. 5.2 A Lei Maria da Penha como instrumento de Assistência e Proteção às Mulheres A Lei Maria da Penha foi criada para salvaguardar a vida das mulheres em situação de violência doméstica e familiar. Estabelece para o Estado a adoção de políticas públicas de prevenção, assistência e repressão à violência, capazes de promover mudanças para a superação da desigualdade entre homens e mulheres. Estabelece ainda, que União, Distrito Federal, estados e municípios podem criar e promover serviços especializados, no limite de sua competência, nas áreas de segurança, justiça e saúde, para atender as mulheres vítimas de violência15. E esses serviços são: I - centro de atendimento integral e multidisciplinar para mulheres e respectivos dependentes em situação de violência doméstica e familiar; II - casas-abrigos para mulheres e respectivos dependentes menores em situação doméstica e familiar; III- delegacias, núcleos de defensoria pública, serviço de saúde e centros de perícia médico-legal especializados no atendimento à mulher em situação de violência doméstica e familiar; IV - programas e campanhas de enfrentamento da violência doméstica e familiar; V- centro de educação e de reabilitação para os agressores. 15 Segundo art. 8º da lei 11.340/2006 73 A efetivação e integração entre esses diversos serviços nos reporta a analisar o conceito e a estratégia de atuação em “rede”. O conceito de rede difundido socialmente remete a ideia de um conjunto de “nós”, interconectados, estabelecendo-se determinado grau de informação e fluxo de informação entre os pontos de conexão, os quais podem se expandir infinitamente (Castells, 2000). Redes “são sistemas organizacionais capazes de reunir indivíduos e instituições, de forma democrática e participativa, em torno de objetivos e/ou temáticas comuns” (Olivieri, 2002; RITS, 2008). Para atuar em rede, portanto é necessária a articulação política entre diferentes atores, que reconheçam a importância uns dos outros; conhecem o que o outro faz; colaboram uns com os outros; e compartilham saberes, poderes, objetivos e projetos, ampliando assim a capacidade de ação. No tocante ao enfrentamento do problema da violência, “uma rede de proteção ou de prevenção configura-se por “nós” que são as instituições sociais, governamentais ou não, interconectadas, e com finalidades compartilhadas de proteger e prevenir pessoas em situação de violência ou risco” (Gomes, 2010). Essa rede é composta por serviços de saúde, justiça polícia, assistência jurídica, assistência social e outros. 5.3 Serviços de atendimento às mulheres como retaguarda de Assistência e Proteção No Capítulo anterior, vimos que o Estado brasileiro é signatário da CEDAW e da Convenção de Belém do Pará e assim assumiu o compromisso perante o sistema global de proteção dos direitos humanos e o sistema regional, respectivamente, de coibir todas as formas de violência contra a mulher e adotar políticas destinadas a prevenir, punir e erradicar a violência de gênero. Em decorrência desses compromissos assumidos, criada em 2003, por meio da lei n° 10.683/2003, a Secretaria de Políticas para as Mulheres (SPM) vinculada ao Governo Federal, desenvolveu em parceria com o movimento feminista, de mulheres e demais movimentos sociais, o Plano Nacional de Políticas para Mulheres, que promove e apoia ações de prevenção contra a violência doméstica e familiar. 74 Em 2006, estabelece a Norma Técnica de Uniformização dos Centros de Referência de Atendimento à Mulher em Situação de Violência – CRAMS, a Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres estabelece os princípios norteadores da citada Norma Técnica, dividindo em dois blocos: a Parte 1, diz respeito aos Centros de Referência de Atendimento à Mulher em Situação de Violência e da Política Nacional de Enfrentamento à Violência contra a Mulher; e a Parte 2, sobre a Norma Técnica de Uniformização dos Centros de Referência e de Atendimento à Mulher em Situação de Violência. A Norma Técnica dos Centros de Referência estabelece que a equipe será composta de 1(um) coordenador; 2(dois) secretários(as); 2 (dois) assistentes sociais; 2 (dois) psicólogos(as); · 1(um) advogado(a); 2 (dois) educadores(as); 1(um) ajudante geral e 1(um) segurança. Estabelece ainda, que a divulgação do serviço e articulação da rede do Centro de Referência deve desenvolver: a) estratégias de comunicação diferenciadas que divulguem o equipamento para: comunidade em geral, público-alvo específico do Centro de Referência, gestores públicos e profissionais de serviços, Poder Judiciário, Ministério Público, conselhos de direitos, organizações não governamentais, igrejas e quaisquer outros serviços e entidades que possam contribuir na difusão do Centro de Referência, ressaltando a importância de assegurar a acessibilidade de linguagem (Braile e Libras) nos diversos materiais institucionais do Centro de Referência; e b) protocolo de atendimento e encaminhamento que contemple os casos de urgência e fora do horário regular de trabalho. A Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, promulgada em 25 de agosto de 2009 através do Decreto nº 6.949, estabelece: Artigo 16 - Os Estados Partes tomarão todas as medidas apropriada de natureza legislativa, administrativa, social, educacional e outras para proteger as pessoas com deficiência, tanto dentro como fora do lar, contra todas as formas de exploração, violência e abuso, incluindo aspectos relacionados a gênero. (ONU, 2009) A Norma Técnica de Uniformização dos Centros de Atendimento à Mulher em Situação de Violência, embora pautada nos dispositivos legais de garantia aos direitos das pessoas com deficiência, na prática , o que vimos nos Centros de Referência e nos Serviços de Assistência e Proteção é ausência de interpretes de Libras e Braile, como também se desconhece convênios com outras instituições que garantam o acompanhamento de 75 intérpretes no atendimento violência doméstica. a mulher com deficiência auditiva e ou visual, vítima de 5.4 Política Nacional para Abrigamento às Mulheres em situação de Risco de Vida Além de estar previsto na Política Nacional, a rede de atendimento constitui um dos eixos prioritários do Pacto Nacional de Enfrentamento à Violência contra as Mulheres, lançado em 2007 na II Conferência Nacional de Políticas para as Mulheres. O Pacto – que está dividido em quatro eixos estruturantes - constitui uma estratégia de integração entre governo federal, estadual e municipal no tocante às ações de enfrentamento à violência contra as mulheres e de descentralização das políticas públicas referentes à temática, por meio de um acordo federativo, que tem por base a transversalidade de gênero, a intersetorialidade e a capilaridade das ações referentes à temática. Vale ressaltar que tanto a Política quanto o Pacto Nacional de Enfrentamento à Violência têm como questões fundamentais - no âmbito da assistência – a garantia do acesso das mulheres aos serviços especializados e a capilaridade do atendimento no âmbito da rede de serviços. Nesse sentido, a discussão referente à redefinição das alternativas de abrigamento consiste num tema de extrema relevância para garantir o acesso ampliado das mulheres em situação de violência a locais seguros e protegidos, assim como a medidas eficazes de proteção para as diversas formas de violência contra as mulheres. O conceito de abrigamento - proposto no âmbito desta Política - diz respeito à gama de possibilidades (serviços, programas e benefícios) de acolhimento provisório destinado a mulheres em situação de violência (violência doméstica e familiar contra a mulher) que se encontrem sob ameaça e que necessitem de proteção em ambiente acolhedor e seguro. A Política Nacional de Abrigamento, portanto, refere-se ao conjunto de diretrizes que norteiam o abrigamento de mulheres em situação de violência e o fluxo de atendimento na rede de serviços, incluindo as diversas formas de violência contra a mulher e novas alternativas de abrigamento (tais como, abrigamento temporário de curta duração/ “casa de passagem”, albergues, benefícios eventuais e consórcios de abrigamento.) A Política Nacional de Abrigamento orienta-se pelos princípios propostos no Plano Nacional de Políticas para as Mulheres (2004/2008) e na Política Nacional de Enfrentamento 76 à Violência contra as Mulheres, a saber: igualdade e respeito à diversidade – mulheres e homens são iguais em seus direitos. A promoção da igualdade implica no respeito à diversidade cultural, étnica, racial, inserção social, situação econômica e regional, assim como os diferentes momentos da vida das mulheres; a autonomia das mulheres significa que o poder de decisão sobre suas vidas e corpos deve ser assegurado às mulheres, assim como as condições de influenciar os acontecimentos em sua comunidade e seu país; a laicidade do Estado aponta que as políticas públicas voltadas para as mulheres devem ser formuladas e implementadas independentemente de princípios religiosos, de forma a assegurar os direitos consagrados na Constituição Federal e nos instrumentos e acordos internacionais assinados pelo Brasil; a universalidade das políticas orienta que as políticas públicas devem garantir, em sua implementação, o acesso aos direitos sociais, políticos, econômicos, culturais e ambientais para todas as mulheres; a justiça social defende que a redistribuição dos recursos e riquezas produzidas pela sociedade e a busca de superação da desigualdade social, que atinge de maneira significativa às mulheres, devem ser assegurados; a participação e controle social regulamenta que o debate e a participação das mulheres na formulação, implementação, avaliação e controle social das políticas públicas devem ser garantidos e ratificados pelo Estado brasileiro, como medida de proteção aos direitos humanos das mulheres e meninas. No tocante à diretrizes, a Política Nacional de Abrigamento prevê; a) garantir o cumprimento dos tratados, acordos e convenções internacionais firmados e ratificados pelo Estado Brasileiro relativos ao enfrentamento da violência contra as mulheres; b) Reconhecer a violência de gênero, raça e etnia como violência estrutural e histórica que expressa a opressão das mulheres e que precisa ser tratada como questão da segurança, justiça, educação, assistência social e saúde pública; c) implementar políticas de abrigamento, que se articulem de maneira integrada com as áreas de saúde, educação, assistência, habitação, trabalho, direitos humanos e justiça; d) incentivar a formação e a capacitação de profissionais para a assistência qualificada e humanizada à mulher em situação de violência, em especial no que tange ao abrigamento; e) garantir a articulação permanente dos serviços de abrigamento com a segurança pública, no sentido de assegurar a proteção, a segurança e o bem estar físico, psicológico e social da mulher em situação de violência; e g) reconhecer as diversidades de raça, etnia, orientação sexual, de deficiência e de inserção social, econômica e regional existentes entre as mulheres na implementação de ações voltadas para a assistência, em especial no tocante às políticas de abrigamento. 77 As Casas Abrigo como espaço de proteção para as mulheres em situação de violência com risco de vida As casas-abrigo integraram um dos primeiros serviços oferecidos pelas feministas no enfrentamento à violência contra as mulheres, na década de 70. Num contexto em que praticamente inexistiam serviços/programas de atendimento à mulher em situação de violência e leis especializadas para os casos de violência contra a mulher e no qual a violência doméstica era vista unicamente como um problema de ordem particular, não cabendo interferência do Estado. Os abrigos surgiram como uma importante resposta para mulheres ameaçadas de morte por seus (ex)-companheiros, (ex)-maridos ou (ex)-namorados. Segundo Rocha (2007), o surgimento das primeiras casas-abrigo evidencia alguns traços comuns surgidos de uma conjuntura marcada pelo forte ativismo, denúncias e reivindicações dos movimentos feministas e de mulheres, na década de 70, visando romper as barreiras da invisibilidade das questões de gênero e a ausência das políticas, programas e serviços visando criar e garantir direitos das mulheres. Deste modo, as casas-abrigo5 foram fundadas como recursos comunitários, alternativos, que só passaram a contar com recursos públicos posteriormente. Os primeiros abrigos para mulheres em situação de violência surgiram na Inglaterra5 (refuges) e nos Estados Unidos (shelters), sob a iniciativa de feministas. Eram mulheres se solidarizando com outras mulheres, realizando uma intervenção voltada ao atendimento de seus problemas e necessidades diante da situação de violência, na perspectiva de sua libertação. (Rocha, 2007). As casas-abrigo, em geral se caracterizavam como serviços não governamentais, eram vistas como espaços democráticos, não hierárquicos, voltados para o empoderamento e “conscientização” das mulheres e tinham por base o conceito feminista da violência contra as mulheres como expressão do machismo e das desigualdades de gênero. As atividades e o próprio gerenciamento dos abrigos eram realizados por ex-residentes ou militantes do movimento feminista - e não necessariamente profissionais (Rodriguez, 1988). A partir da década de 1980, nota-se uma “profissionalização” dos abrigos, na medida em que o Estado passa a incorporar as casas-abrigo como políticas públicas. Se por um lado a definição da casa-abrigo como uma política pública significou ganhos (tais como, uma maior visibilidade da violência contra as mulheres e a participação 78 efetiva do Estado no enfrentamento do problema), algumas autoras apontam críticas, a saber: a) perda dos ideais feministas de emancipação e empoderamento; b)predomínio de uma visão assistencialista dos serviços; c) estrutura burocratizada e hierarquizada dos abrigos e d) não participação das mulheres nos processos decisórios referentes aos serviços. Na década de 90, surgem questionamentos acerca do caráter sigiloso das casas-abrigo (Haaken e Yragui, 2003). Nesse sentido, alguns grupos de mulheres negras e latinas nos Estados Unidos criticaram a obrigatoriedade do sigilo, já que este aumenta o sentimento de isolamento, contribui para a invisibilidade do problema e desconsidera o potencial da comunidade como agente de segurança. Começam a surgir abrigos de caráter não sigiloso (especialmente, nos Estados Unidos). Segundo Haaken e Yragui, das 1558 casas-abrigo existentes nos EUA em 2003, 1295 eram sigilosas, 135 não sigilosas. No Brasil, a primeira casa-abrigo foi implantada em São Paulo, em 1986 denominada Centro de Convivência para Mulheres Vítimas de Violência Doméstica (Convida) (Silveira, 2006). Em 2003, segundo dados da Secretaria de Políticas para as Mulheres (SPM, 2009), havia um total de 42 casas-abrigo no país. Atualmente, existem 70 casas-abrigo no território brasileiro. A maior concentração de casas-abrigo encontra-se no Sudeste do país (25 equipamentos) e no Sul (12 equipamentos). Quinze por cento das unidades da federação (11 UFs) possuem apenas 1 casa-abrigo. A maioria dos equipamentos encontra-se vinculada à gestão da Assistência Social, com algumas exceções em que as casas-abrigo estão ligadas à Segurança Pública, à Justiça ou a Saúde. Em sua maioria, os serviços são governamentais (constituem serviços municipais e/ou estaduais) e sigilosos. A Rede de Abrimento de Pernambuco O Estado de Pernambuco através da Secretaria Estadual da Mulher, institui através da Lei nº 13.977, de 16 de dezembro de 2009, o serviço de abrigamento, atendimento e proteção às mulheres em situação de violência doméstica e familiar sob risco de morte, com o objetivo de garantir a integridade física e psicológica da mulher, de seus filhos ou dependentes menores de 18 anos, conforme estabelece o artigo 1º da referida lei, mediante ações de criação de Rede de Abrigamento e apoio à transferência domiciliar. 79 A Lei 13.977 de 16.12.2009 considera violência doméstica e familiar contra mulher: qualquer ação ou omissão baseada no gênero que lhe cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico, bem como dano moral ou patrimonial. Entendendo como usuária a mulher vítima de violência doméstica e familiar sob risco de morte, que tenha sido beneficiada por ação de abrigamento e/ou transferência domiciliar, estabelece ainda, que a Rede de Abrigamento seja composta de casas-abrigo que garantam não só a integridade física e psicológica da mulher e seus dependentes menores de 18 anos, como também, que preste assistência psicossocial ás usuárias e aos seus dependentes no Estado de Pernambuco. Matéria publicada no Jornal Diário de Pernambuco, edição do dia 15 de abril de 2015, informa existir no Estado 04 casas-abrigo, espaços que funcionam desde 2009, sob a responsabilidade da Secretaria Estadual da Mulher. Nesses espaços são oferecidos às mulheres vítimas de violência doméstica com risco de morte, equipe multidisciplinar, com serviços de atendimento à saúde e assistência jurídica. O tempo de abrigamento é de até 120 dias, podendo ser estendido caso haja necessidade da usuária do serviço. A mulher vítima de violência sempre fica abrigada em cidades distantes dos seus domicílios, em casas de endereços sigilosos com um conjunto de normas de segurança e de funcionamento, aprovado pela Secretaria Especial da Mulher do Estado de Pernambuco, que deverá ser cumprida pela equipe técnica e pela usuária. O monitoramento e segurança das mulheres que utilizam o serviço de abrigamento são de responsabilidade da Secretaria Especial da Mulher, conforme estabelece o artigo 6º da supracitada lei: “Art. 6º Caberá à Secretaria Especial da Mulher, no âmbito de sua competência, implementar, prestar assistência e monitorar as ações de atendimento e proteção à vida das mulheres usuárias do serviço de abrigamento, atendimento e proteção instituído pela presente Lei. Parágrafo único. Poderão ser celebrados convênios com órgãos ou entidades públicos ou privados para o atingimento dos objetivos do serviço instituído pela presente Lei”. (PERNAMBUCO, 2009) 5.5 Serviços de Saúde no Atendimento às Mulheres em Situação de Violência 80 Como já citamos anteriormente, a Organização Mundial de Saúde (OMS) reconhece a violência contra as mulheres como um problema de saúde pública, pois afeta a integridade física e a saúde mental das vítimas. Assim, o enfrentamento da violência contra mulher não deve ficar restrito as ações de ordem jurídica ou policial, pois a violência causa profundas consequencias para a saúde das mulheres levando a intenso sofrimento e adoecimento. Cabem, portanto, aos serviços de saúde garantir a todas as mulheres acesso e cuidados de qualidade em todos os níveis de assistência. De forma mais específica, os serviços de saúde especializados no atendimento das mulheres em situação de violência doméstica, familiar e sexista são atribuições do Poder Executivo nos níveis estaduais e municipais e devem ser apoiados financeiramente pela União. Os serviços de saúde, unidades de saúde e hospitais de referência devem unir esforços na prevenção da violência e, dentro de suas competências, realizarem o diagnóstico e tratamento adequado, contribuindo para a diminuição deste. São estabelecidas competências dos serviços de saúde, o público-alvo, os aspectos éticos, as medidas legais, os contatos importantes e o fluxograma para a continuidade da assistência. Considerando as consequências que a violência causa a saúde das mulheres, as profissionais e os profissionais de saúde devem estar aptos para identificar, acolher e prestar assistência às mulheres que sofrem violência doméstica, sexual e/ou outras violências. O Serviço Único de Saúde (SUS), conforme consta em seu Relatório de 2014 aponta que: “A Rede de atendimento à Mulher em Situação de Violência está dividida em quatro principais setores/áreas saúde, justiça, segurança pública e assistência social e é composta por duas principais categorias de serviços: a) serviços não especializados de atendimento à mulher - que, em geral, constituem a porta de entrada da mulher na rede (a saber, hospitais gerais, serviços de atenção básica, programa saúde da família, delegacias comuns, polícia militar, polícia federal, Centros de Referência de Assistência Social/CRAS, Ministério Público, defensorias públicas, posto avançado de atendimento à migrante) b) Serviços especializados de atendimento à mulher - aqueles que atendem exclusivamente as mulheres em situação de violência. São eles: Centros de Atendimento à Mulher em situação de violência (Centros de Referência de Atendimento à Mulher, Núcleos de Atendimento à Mulher em situação de Violência Doméstica (SUS, 2014). A violência doméstica e familiar é um assunto que perpassa por todos os seguimentos da sociedade, complexo e amplo, envolve profissionais de diferentes campos de atuação e 81 mobiliza diversos setores da sociedade civil e do Governo, atingindo, de forma continuada, especialmente mulheres, crianças, adolescentes, idosos e portadores de deficiência. Segundo o Ministério da Saúde “ a violência intrafamiliar atinge parcela importante da população e repercute de forma significativa sobre a saúde das pessoas a ela submetidas. Configura-se um problema de saúde pública relevante e um desafio para os gestores do Sistema Único de Saúde (SUS) ”. Orientações para a prática em serviço, no Caderno de Atenção Básica Nº 8 Série A – Normas e Manuais Técnicos; nº 131, (Brasil, 2001) diz que: “As meninas e mulheres portadoras de deficiência são ainda mais vulneráveis á violência intrafamiliar e sexual. Sabe-se que meninas portadoras de deficiência mental podem ser submetidas á prostituição porque, em geral, têm pouca capacidade de raciocínio lógico, boa afetividade, e não são capazes de defender-se. Em algumas regiões, acredita-se que a pessoa com deficiência mental tem sua sexualidade exacerbada. Geralmente, o que ocorre, é a dificuldade da família ou da comunidade em aceitar o exercício da sexualidade por parte dos portadores deste tipo de deficiência. Por outro lado, a dificuldade desta pessoa encontrar parceiros e poder estabelecer um relacionamento amoroso gera insatisfação, o que pode ser claramente exposto por ela, causando conflitos entre as pessoas com as quais convive ou tem contato. É preciso lembrar que há graus muito variados de deficiência mental e que o exercício da sexualidade é um direito da pessoa humana” (BRASIL, 2001) Fortalecer espaços de atenção ás vítimas de violência, com equipes multidisciplinares que prestem atendimento clínico ás lesões físicas, assistência psicológica individual e familiar, e também assistência social e legal é o grande desafio para a saúde. a) Serviço de Apoio à Mulher Wilma Lessa Vinculada à Secretaria Executiva de Atenção à Saúde, a Gerência de Atenção à Saúde da Mulher Vilma Lessa tem como missão desenvolver, promover, coordenar, avaliar e definir as diretrizes do Programa de Atenção Integral à Saúde da Mulher no Estado de Pernambuco, desenvolvendo programas voltados para o enfrentamento de agravos que atingem a população feminina, incluindo as questões de gênero e direitos reprodutivos, violência contra a mulher, prevenção do câncer de colo do útero e controle do câncer de mama. Com o objetivo de reduzir as repercussões físicas, psicológicas e sociais, o programa atua ainda, na descentralização da assistência e na articulação e integração de uma rede estadual de enfrentamento à violência, com o objetivo de aumentar a eficiência da rede de 82 atenção às vítimas, reduzindo a desigualdade de acesso da mulher em situação de violência à rede de saúde. As mulheres pernambucanas vítimas de violência dispõem, desde 2001, de um dispositivo de saúde especializado em pronto-atendimento: o Serviço de Apoio à Mulher Wilma Lessa, que funciona 24 horas por dia, no Hospital Agamenon Magalhães (HAM), na cidade do Recife, entre as emergências clínica e cardiológica, daquele hospital. Por mês, é realizada uma média de 140 atendimentos, entre primeiros cadastros, retornos e reincidências. O atendimento é dispensado a mulher de qualquer idade, que tenham sofrido violência física, psicológica ou sexual. A equipe multiprofissional é formada por médicos, assistentes sociais, psicólogos e enfermeiras, que garantem o sigilo da paciente. O local, cujo nome homenageia a jornalista pernambucana que lutou pela defesa das mulheres e pela implantação de delegacias especializadas, dispõe de salas de recepção, serviço social, psicologia, sala de atendimento médico e de exames, quarto de repouso e copa. A mulher ao chegar ao serviço é recebida por uma assistente social, responsável pelo acolhimento da paciente. Depois, ela é encaminhada à equipe médica e ainda à psicóloga de plantão. Na consulta, verificam-se os protocolos necessários ao caso da paciente: uso de contraceptivo de emergência, do coquetel para DST/ HIV e do aborto previsto em lei, tipos de serviço que são rigorosamente analisados pelos médicos. As pacientes, além de receberem orientação sobre seus direitos, tratamento médico e psicológico, ainda são encaminhadas aos serviços especializados da rede e para prestar queixa nas delegacias especializadas. b) Programa de Atendimento a Mulher Vítima de Violência - CISAM 16 O atendimento a Mulher vítima de violência é realizado por uma equipe composta de médicos, enfermeiros, psicólogos e assistentes sociais. No caso de violência sexual, o atendimento inicia-se pela equipe médica, que fazem os primeiros cuidados e a profilaxia do coquetel DST/ HIV. Para a realização do aborto previsto em lei depende do caso e das condições da mulher. 16 Centro de Integração de Saúde Amaury de Medeiros 83 As informações apresentadas do Centro Integrado de Saúde Amaury de Medeiros CISAM, sobre atendimentos e procedimentos à mulher vítima de violência, foram obtidas através da Internet no Guia da Cidadania, da Rede de Defesa dos Direitos das Meninas e das Mulheres de São Paulo, devido a não permissão de concessão de entrevistas por aquele Centro sem a devida autorização do Comitê de Ética, que por sua vez faz exigência de um projeto de pesquisa. Ressalta-se que o atendimento realizado pelo pessoal administrativo daquela unidade de saúde não foi cordial, não dando oportunidade para ser questionado por nenhuma situação de atendimento dispensado à mulher vítima de violência sexual. 84 Capítulo VI - O ATENDIMENTO ÀS MULHERES QUE SOFREM VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E FAMILIAR A PARTIR DAS DELEGACIAS ESPECIALIZADAS Esse capítulo pretende realizar uma análise crítica do atendimento realizado pelas Delegacias Especializadas de Atendimento à Mulher (DEAM´s), retomando o conceito de violência doméstica e familiar, que se consolida em marco regulatório a partir da Convenção de Belém (PA) e posteriormente com a promulgação da Lei Maria da Penha. O capitulo também versa sobre o movimento de mulheres e a luta por atendimento especializado, que rebate historicamente na criação das DEAM´s, bem como seu funcionamento no enfrentamento da violência doméstica e familiar, destacando Pernambuco como estudo de caso, inclusive como as mesmas se inserem no programa estadual de segurança pública. Por fim, são abordados casos de mulheres com deficiência que sofreram violência e prestaram queixa, identificando limites e avanços no atendimento desse segmento. 6.1 Da Convenção de Belém do Pará a Lei Maria da Penha Durante a década de 90, as feministas, mais e mais, insistiam na luta pelo aprimoramento de leis específicas sobre a violência contra a mulher, e ainda nessa década muitos encontros foram promovidos ao nível nacional e internacional, com a finalidade de reconhecer a violência contra a mulher como uma violação dos direitos humanos, assim como um grave problema de saúde pública, sendo um do marco dessa mobilização, a Convenção para Eliminação, Prevenção, Punição e Erradicação da Violência contra a Mulher, também conhecida como Convenção de Belém do Pará, que foi aprovada pela Assembleia Geral da ONU, em 1994 e ratificada no Brasil em 1995. Outro marco importante aconteceu em 2001, quando a Comissão Interamericana de Direitos Humanos, condenou o Estado brasileiro por violar os direitos e deveres da Convenção de Belém do Pará, no caso de Maria da Penha Maia Fernandes (veja detalhes no Capítulo IV). 85 Daí se inicia o processo de evolução que tem como resultado a criação da Lei nº 11.340/2006, chamada de Lei Maria da Penha e sancionada em 7 de agosto do mesmo ano, que passou a entrar em vigor no dia 22 de setembro de 2006, sendo naquela oportunidade, retirado dos juizados a competência para julgar os casos de violência contra a mulher, sendo alterado mais uma vez os procedimentos para encaminhamento das denúncias pelas DEAM´s, que tornou a instaurar inquéritos, investigar e apurar as denúncias, e encaminhar os pedido às Varas Criminais. A referida Lei foi motivo de inúmeros debates com relação a sua constitucionalidade, haja vista que para algumas pessoas, ela fere o Princípio da Isonomia, no momento em que se exclui os homens que sofrem violência doméstica, e assim em 2007, o Presidente Luiz Inácio Lula da Silva ajuizou uma ação, e em fevereiro de 2012, o Superior Tribunal Federal, referendou por unanimidade a validade da Lei, e assim, os casos em que as vítimas sejam homens, serão amparados pela Lei nº 9.099/1995, e encaminhados aos Juizados Criminais. A Lei Maria da Penha foi um marco importante dos movimentos que enfrentavam a violência contra a mulher, ao dispor de medidas de proteção e assistência a mulher, bem como “punição e possibilidade de reeducação dos agressores” (Ministério da Justiça, 2010), a necessidade de uma Lei específica de combate a violência doméstica e familiar, já se encontrava estabelecida conforme art.º 5º, inciso I da Constituição Federal, que assim dispõe: “homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações.” (BRASIL, 1988) Dispondo também no art.º 226,§ 8º da referida Carta Magna, que impõe ao Estado que: “a assistência a família, na pessoa de cada um dos que a integram, criando mecanismos para coibir a violência, no âmbito de suas relações”. (BRASIL, 1988) Com já detalhado no Capítulo IV, a Lei 11.340/2006 cria mecanismos para coibir e prevenir a violência doméstica e familiar contra a mulher, dispõe sobre a criação dos juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher, e, estabelece medidas de assistência e proteção as mulheres em situação de violência doméstica e familiar. 86 Para uma melhor compreensão da mesma, faz-se necessário atentar ao que dispões o artº 5º, que para os efeitos desta Lei, configura violência doméstica e familiar (grifo nosso) contra a mulher, qualquer ação ou omissão baseada no gênero que lhe cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral ou patrimonial: • no âmbito da unidade doméstica, compreendida como o espaço de convívio permanente de pessoas com ou sem vínculo familiar, inclusive ou esporadicamente agregadas; • no âmbito da família, compreendida como a comunidade formada por indivíduos que são ou se consideram aparentadas, unidas por laços naturais, por afinidade ou por vontade expressa; • em qualquer relação íntima de afeto, na qual o agressor conviva ou tenha convivido com a ofendida, independentemente de coabitação. No parágrafo único desse artigo, a Lei dispõe que as relações pessoais enunciadas independem de orientação sexual. A Lei Maria da Penha também define quais as formas de violência doméstica e familiar sofridas, em seu artigo 7º. Estes conceitos já foram apresentados no Capítulo II, mas eles são retomados aqui textualmente como estão definidos na Lei. I- a violência física, entendida como qualquer conduta que ofenda sua integridade ou saúde corporal; II- a violência psicológica, entendida como qualquer conduta que lhe cause dano emocional e diminuição da autoestima ou que lhe prejudique e perturbe o pleno desenvolvimento ou que vise degradar ou controlar suas ações, comportamentos, crenças e decisões, mediante ameaça, constrangimento, humilhações, manipulação, isolamento, vigilância constante, perseguição contumaz, insulto, chantagem, ridicularizarão, exploração do direito de ir e vir ou qualquer outro meio que lhe cause prejuízo a saúde, psicológica e a autodeterminação: III- a violência sexual, entendida como qualquer conduta que a constranja, a presenciar, a manter, ou a participar de relação sexual, não desejada, mediante intimidação, ameaça, coação ou uso da força, que a induza a comercializar ou a utilizar de qualquer modo, a sua sexualidade, que a impeça de usar qualquer método contraceptivo ou que a force ao matrimonio, a gravidez, ao aborto e a 87 prostituição, mediante coação, chantagem suborno ou manipulação; ou que limite ou anule o exercício de seus direitos sexuais e reprodutivos; IV- a violência patrimonial, entendida como qualquer conduta, que configure retenção, subtração, destruição parcial ou total de seus objetos, instrumentos de trabalho, documentos pessoais, bens, valores e direitos ou recursos econômicos, incluindo os destinados a satisfazer suas necessidades; V- a violência moral, entendida como qualquer conduta que configure calúnia, difamação ou injúria; Com a institucionalização da Lei Maria da Penha, protege-se a mulher vítima, e pune-se o seu agressor, acabando com a ideia de que a violência contra ela é menos criminosa, em vista de ocorrer nos espaços privados, praticadas por homens ou mulheres, com quem a vítima teve ou tem uma relação afetiva, conferindo à condição de crime a violência praticada, e, punindo quem bater numa mulher, e com rigor, deixando de ser um crime pequeno, o qual era sanado com o pagamento de cestas básicas, ou multas, tornando-se assim uma grande conquista das mulheres e da sociedade como um todo, no enfrentamento da violência de gênero. Essa Lei e os desafios por ela propostos, é motivo de decisões esdrúxulas, alheias a situação da mulher e aos fatos que a cercam, que produzem enorme perplexidade na medida em que vão de encontro ao próprio objetivo da lei, interpretando-a, exatamente, em desfavor daquela que merece maior proteção do legislador. É o que se viu de uma decisão oriunda da Comarca de Sete Lagoas, no qual o Magistrado definiu a Lei Maria da Penha (a quem qualifica como monstrengo tinhoso), como “um conjunto de regras diabólicas”. Dentre outros argumentos apresentados por ele, concluiu que “ a desgraça humana começou no Éden: por causa da mulher, todos nós sabemos, mas em virtude da ingenuidade, da tolice e da fragilidade emocional do homem (...) O mundo é masculino! A ideia que temos de Deus é masculina! Jesus foi homem!. E arremata: “mulher moderna, dita independente, que nem pai para seus filhos precisa mais, a não ser dos espermatozoides”. A mencionada decisão deu origem a um processo administrativo junto ao Conselho Nacional de Justiça. 88 6.2 O Movimento de Mulheres e a luta por um atendimento especializado nas DEAM´s As Delegacias Especializadas de Atendimento a Mulher (DEAM´s), foi uma das primeiras experiências de políticas públicas, no combate a violência contra a mulher implantada no Brasil. Desde a implantação da primeira DEAM em São Paulo, em 1985 até os dias de hoje, essas delegacias permanecem, e a cada dia renovam o compromisso, no combate a violência contra a mulher. Após a criação dessa Delegacia, outras seis também foram instaladas, nas seguintes capitais: Belo Horizonte (MG), Cuiabá (MT), Curitiba (PR), Florianópolis (SC), Recife (PE) e Vitória (ES). A criação das DEAM´s teve o apelo e a luta das feministas, e de mulheres, para que uma ação mais rigorosa por parte do Estado fosse implantada. Assim a importância das DEAM´s, reside em que é lá onde as mulheres são acolhidas, onde ela faz as suas queixas, onde tem início as primeiras investigações, como sendo um lugar privilegiado e diferenciado, de atendimento a mulher, vítima da violência doméstica e familiar, ressalvando que para esse atendimento, se faz necessário que tenhamos profissionais preparados e qualificados, para lidar com um assunto tão delicado para a mulher vítima da violência. Em 2006, a Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres (SPM), a Secretaria Nacional de Segurança Pública (SENASP), o Ministério da Justiça, as Secretarias de Segurança Pública, as Policias Civis e as Unidades Federadas, assim como especialistas na temática da violência de gênero e de diferentes organizações não governamentais, se reuniram para elaborar, a Norma Técnica de Padronização das Delegacias Especializadas de Atendimento a Mulher, tendo como parceiros a SENASP e a SPM, que teve como objetivo implementar políticas públicas de enfrentamento a violência doméstica e de gênero, na segurança pública. Logo após a elaboração da Norma Técnica, foi promulgada a Lei Maria da Penha, a qual gerou diversos debates sobre sua constitucionalidade, uma vez que, para alguns, ao enfocar os direitos das mulheres, ele feriria o princípio da isonomia, excluindo homens que também sofrem com a violência doméstica, praticadas por parceiras ou familiares. Desde a sua criação, as DEAM´s, exercem um papel de destaque no enfrentamento a violência contra a mulher, e a sua importância tem se ratificado por mais políticas públicas, como no II Plano Nacional de Políticas para as Mulheres, em 2008, no Pacto Nacional pelo Enfrentamento a Violência contra as Mulheres 2007, via SPM, e no PRONASCI - Programa 89 Nacional de Segurança Pública com Cidadania – também de 2007, que incluiu a implementação da Lei Maria da Penha, entre os seus objetivos. Assim, em sua longa trajetória, as DEAM´s, tem contribuído muito para uma maior visibilidade por parte da sociedade dos problemas da violência contra a mulher, e mesmo com muita luta, ainda vivenciamos no dia a dia, o problema da violência, baseada nas desigualdades de gênero. Do ponto de vista do movimento feminista, Pitanguy (2001), afirma que os anos de 1975 a 1979 foram anos de formação de uma agenda política e de estratégia de igualdade dos direitos das mulheres, com ênfase na luta contra a violência contra a mulher. Naquela época havia ocorrido uma série de assassinatos de mulheres cometidos por seus maridos, que eram justificados como legítima defesa da honra, argumento usado pela defesa dos réus para sensibilizar os jurados e inocentá-los, demonstrando a falência do judiciário, considerada outra violência contra a mulher. Naquele momento, mais uma importante bandeira de luta se iniciava, com algumas mulheres que levaram para os espaços públicos, como a OAB – Ordem de Advogados do Brasil, sindicatos, clubes e associações, e expunham as questões ligadas aos direitos da mulher, levando o debate também para as Universidades, adquirindo esse movimento grande visibilidade e acarretando um complicador para a política, diante de outras lutas, como a de raça e etnia, e toda essa articulação se apoiava no slogan de que “o povo unido jamais será vencido” e o povo não tinha raça, o povo não tinha orientação sexual e, quando muito tinha, era “classe social”, e assim o surgimento desses novos atores políticos, foi de grande importância para o cenário político do país trazendo novas dimensões de poder para o debate público. Sendo esse momento de constituição do feminismo como também um momento de transição democrática, a presença da mulher no cenário público era nova. Lá estava ela questionando a descriminação da mulher que era considerada, na vida e na lei, como uma cidadã de segunda categoria. Porém, em 1982, com a vitória de alguns governadores, mudando o cenário político do país, o qual foi denominado de feminismo de Estado ou de políticas públicas de gênero, ou o momento pré Constituinte, ressaltando que a década de 80 foi um período de grandes transformações, ano em que as mulheres deram um grande passo para dentro do Estado com a criação das Delegacias Especializadas de Atendimento a Mulher, vítimas da Violência, sendo uma grande conquista, levando-se em consideração que, em um 90 Estado ditatorial, em que as pessoas passavam bem distantes de qualquer órgão opressivo, as mulheres deram um grande passo, e entraram no aparelho repressivo, tomando como base a existência de delegacias especializadas de homicídio e entorpecentes, então por que não uma delegacia especializada de combate a violência contra a mulher. Assim, foi a partir da organização administrativa que já existia na polícia que surgiu a primeira DEAM, em São Paulo, isso em 1985, uma Delegacia para atender a mulher vítima de violência, porque a polícia em geral não considerava a violência doméstica como um crime e a criação dessa delegacia e de alguns conselhos, constituiu um passo importante do Estado, sendo criado também o Programa de Atenção Integral a Saúde da Mulher (PAISM), considerado um conceito totalmente novo de saúde integral, que mesmo sendo posto em prática com dificuldade, foi também de grande importância, em termos de políticas pública de saúde para a mulher. Em 1985, com início da campanha pelas Diretas Já, algumas mulheres em visita ao então governador eleito de Minas Gerais Tancredo Neves, solicitaram que fosse apresentado ao Congresso Nacional uma proposta de criação de um órgão ao nível federal, objetivando orientar a Presidência da República, e os demais Ministérios em políticas públicas para mulheres, no sentido de desenvolver políticas e projetos, advindo daí o Conselho Nacional dos Direitos da Mulher (CNDM), que efetivamente foi criado em 1985, com a Lei nº 7375, já no Governo do Presidente Jose Sarney. O Conselho Nacional dos Direitos da Mulher tinha como finalidade, promover em âmbito nacional, políticas para eliminar a discriminação contra a mulher, dando-lhe condições de liberdade, igualdade e de direitos, assim como sua plena participação nas atividades políticas, econômicas e culturais do país, contribuindo assim para fortalecer a implantação e funcionamento das DEAM´s como estratégia para o enfrentamento da violência contra as mulheres. 6.3 As Delegacias de atendimento as mulheres no enfrentamento a violência doméstica e familiar Neste mapeamento examinaremos, com base nos dados existentes o contexto político da criação das primeiras delegacias da mulher; a sua relação com os movimentos feministas e 91 de mulheres; a sua especificidade e modelo de funcionamento; o seu marco normativo e institucional, bem como as suas mudanças; os recursos de que dispões; as suas relações com outros serviços públicos, o perfil das usuárias; e os possíveis impactos destas delegacias no acesso a justiça para as mulheres em situação de violência doméstica. As delegacias da mulher surgem em resposta às demandas feministas, embora a primeira delegacia da mulher não tenha sido uma ideia dos movimentos feministas e de mulheres, senão do próprio governo que a criou, em1985 (Santos, 2005). Na época havia divergências sobre a participação das mulheres nas instituições do Estado (Ardaillon, 1989; Alvarez, 1990). Os grupos feministas e de mulheres discordavam sobre a melhor forma de enfrentar o problema da violência e, inclusive, se “deveriam estar envolvidos organicamente na formulação de política públicas” (Gregori, 2006). Apesar das divergências políticas e das desconfianças em relação a polícia, na época não houve uma reação contrária a criação da primeira delegacia da mulher (Santos 2005). Posteriormente, muitos grupos de mulheres em outros estados passaram inclusive a reivindicar a criação de delegacias da mulher. Os governos estaduais, no entanto, nem sempre atenderam as demandas dos movimentos relativos a criação de novas delegacias da mulher, a alocação de recursos materiais e a institucionalização da capacitação das policiais a partir de uma perspectiva de gênero. Ainda assim, o Estado fez deste serviço policial a principal política pública de atendimento a mulheres em situação de violência. Ao longo dos últimos vinte anos, os contextos jurídico- políticos locais e nacionais, e por vezes internacionais, foram moldando, direta ou indiretamente, os marcos legais e institucionais, assim como os modelos de funcionamento das delegacias da mulher. A partir dos anos 2000, surgiu uma política nacional de enfrentamento a violência contra mulheres, estabelecendo as diretrizes para a ampliação de uma rede de serviços que não se centra nas delegacias da mulher. Recentemente, surgiu também um novo marco normativo nacional que é referência para o tratamento da questão da violência doméstica e familiar contra mulheres, incluindo o funcionamento das delegacias da mulher. Tais mudanças poderão aprimorar estas delegacias e talvez ampliar o acesso à justiça das mulheres. 92 6.4 As Delegacias de Atendimento as Mulheres em Pernambuco A luta por Delegacias Especializadas de Atendimento a Mulher, vem de longas datas e o movimento feminista a partir dos anos 80 evidencia a implantação dessa política, com profissionais capacitados, atendimento humanizado e que o serviço seja eficiente. Visando atender esta demanda, o Estado de Pernambuco através do Decreto 10.917, 01/11/1985, cria a 1ª Delegacia da Mulher de Santo Amaro, com funcionamento na Capital, iniciando-se assim as diretrizes para o enfrentamento a violência contra a mulher, sendo a 2ª Delegacia Especializada, criada no Brasil. Em seguida, a Portaria nº 0475/90/GAB, 26/03/1990, implanta a 2ª Delegacia da Mulher de Jaboatão dos Guararapes, e o Decreto nº 14,870, 08/03 1991 cria a Casa de Apoio a Mulher. Em 25/06/1991, o Decreto nº 23.367, implantou a Delegacia da Mulher de Petrolina e de Arcoverde e em 07/03/2002, tem a criação da Delegacia da Mulher de Caruaru, a partir do Decreto nº 24.092. No período de 1985 a 2002, o Estado de Pernambuco criou e implantou Delegacias Especializadas da Mulher, entretanto as mesmas não condiziam com a mobilização do movimento feminista, nem tampouco atendia a contento as mulheres e os problemas que surgiram. Segundo levantamento realizado pela Secretaria da Mulher de Pernambuco (PERNAMBUCO, 2007), as Delegacias Especializadas da Mulher constituem o primeiro passo no campo das políticas públicas para enfrentamento da violência contra as mulheres, e aponta os principais problemas de funcionamento das delegacias: Capacidade instalada: localização em lugares pouco visíveis a população, em número insuficiente, com equipamento, viaturas e mobiliários inadequados ao atendimento às vítimas e prédios, na sua maioria apresentando inadequações quanto às repartições, patologias e estado de conservação. Horário de funcionamento: com exceção da delegacia do Recife, as demais não funcionam em horário integral. Os registros da Secretaria de Defesa Social e de veículos da imprensa indicam, entretanto, que há concentração dos casos de violência contra a mulher durante a madrugada, nos finais de semana e nos feriados, justamente quando esses serviços não estão disponíveis. 93 Quadro técnico: os recursos humanos, além de reduzidos, mal remunerados, apresentam defasagem na qualificação profissional em relação ao conhecimento da legislação específica e a humanização no atendimento. Orientações e protocolo: os protocolos pouco específicos, inadequados para orientação dos procedimentos de atendimento, além da ausência de um sistema integrado para sistematização de informações sobre a violência de gênero. De acordo com a Lei 11.340/2006, é de competência das DEAM´s: a) garantir proteção policial; b) comunicar de imediato ao Ministério Público e ao Judiciário a ocorrência; c) encaminhar a vítima ao hospital, ao posto de saúde e ao IML (Instituto de Medicina Legal); d) fornecer transporte a mulher e seus dependentes para abrigo e loca seguro, quando houver riso de morte e quando necessário acompanhar a mulher para assegurar a retirada de seus pertences do local da ocorrência ou do domicílio familiar; e e) informar a mulher os direitos a ela conferidos na Lei Maria da Penha e os serviços disponíveis, assim estabelecido no Art.º 1017. O Art.º 12 trata dos procedimentos a serem adotados pela autoridade policial para todos os casos de violência doméstica e familiar contra a mulher, feitos a partir do registro da ocorrência, que são, sem prejuízo daqueles previstos no Código de Processo Penal: Ouvir a ofendida, lavrar o boletim de ocorrência e tomar a representação a termo, se apresentada; Colher todas as provas que servirem para o esclarecimento do fato e de suas circunstancias; Remeter, no prazo de 48 (quarenta e oito) horas, expediente apartado ao juiz com o pedido da ofendida para a concessão de medidas protetivas de urgência; Determinar que se proceda ao exame de corpo de delito da ofendida e requisitar outros exames periciais necessários; 17 Ouvir o agressor e as testemunhas; Na hipótese de iminência ou da prática de violência doméstica ou familiar contra a mulher, a autoridade policial que tomar conhecimento da ocorrência adotará, de imediato, as providencias legais cabíveis. 94 Ordenar a identificação do agressor e fazer juntar aos autos sua folha de antecedentes criminais, indicando a existência demandado de prisão ou registro de outras ocorrências policiais contra ele; e Remeter no prazo legal, os autos do inquérito policial ao juiz e ao Ministério Público. 1. O Programa Pacto pela Vida e as DEAM´s No ano de 2006, Pernambuco liderava em números de homicídios de mulheres. Em 2007, o Governo de Pernambuco instituiu o Programa “Pacto pela Vida” buscando incentivar a cultura da paz, acompanhando e avaliando as ações realizadas, com o monitoramento constante de resultados a partir de análises estatísticas, tendo como pretensão em pró do enfrentamento a violência doméstica e familiar, a repressão qualificada, o aperfeiçoamento institucional, o aumento no número de policiais e a criação de novas DEAM‟s. O Pacto pela Vida tem como princípios: • Articulação entre segurança pública e direitos humanos, em que a garantia do direito à vida é a principal meta; • Compatibilização da qualificação da dimensão repressiva e coercitiva - baseada na incorporação de inteligência, informação, tecnologia e gestão - com uma forte ênfase sobre os aspectos de prevenção social e específica da criminalidade violenta; • Transversalidade e integralidade das ações de segurança pública, a serem executadas por todas as secretarias de estado de forma não fragmentada; • Incorporação, em todos os níveis de execução das políticas públicas de segurança, de mecanismos de gestão, monitoramento e avaliação; • Participação e controle social desde a formulação das estratégias até a execução das ações de segurança pública; e • Transversalidade e integralidade das ações de segurança pública, a serem executadas por todas as secretarias de Estado de forma não fragmentada. Nesse sentido, o Plano Estadual para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra as Mulheres, passa a fazer parte da Política de Segurança do Estado - o Pacto Pela Vida, instituindo a criação e implementação através de uma reestruturação na política de enfrentamento a violência contra a mulher. 95 Com a superveniência das alterações trazidas pelo Decreto nº 32.366, 19/09/200818, renovou-se a possibilidade de atender as mulheres vítimas de violência doméstica em várias regiões do Estado, sempre de forma humanizada e especializada, através das DEAM´s. O Estado de Pernambuco possui na estrutura da Policia Civil, o Departamento de Polícia da Mulher (DPMUL), com função precípua de coordenar e gerenciar as Delegacias Especializadas da Mulher, sendo o único na Federação. Está regulamentado pela Lei nº 13.457 de 03/06/2008 e possui em sua estrutura, 14 Delegacias Especializadas da Mulher19. As Delegacias Especializadas de Atendimento a Mulher em situação da violência doméstica e familiar, são subordinadas ao DPMUL, sendo compostas por uma equipe formada por um/a Delegado/a de Polícia, escrivães e agentes, ressalvando que algumas delas trabalham com equipes de plantão que funcionam por 24 (vinte e quatro) horas. O DPMUL, ao diagnosticar e padronizar o atendimento a mulher vítima de violência doméstica e familiar, adota um protocolo padrão de atendimento, veiculado através da Portaria Interna 003/2009, que visa efetivar as propostas da Lei Maria da Penha. O DPMUL preza para que as DEAM´s tenham um atendimento de qualidade para o atendimento as mulheres vítimas da violência doméstica e familiar, que sob a orientação do Departamento da Mulher, atende as expectativas, realizando um atendimento humanizado, buscando meios de uniformizar as estruturas e procedimentos, se aproximando o mais possível das Normas Técnicas das Delegacias Especializadas de Atendimento a Mulher, sugeridas pela Secretaria Nacional de Políticas para as Mulheres. Nas DEAM‟s, a mulher em situação de violência que procura os serviços da Delegacia, primeiramente é cientificada dos direitos conferidos pela Lei Maria da Penha, por meio da Nota de Ciência, podendo também obter a segurança policial no momento da retirada de seus pertences, caso haja a necessidade, requerer as medidas protetivas de urgência, será encaminhada ao Instituto de Medicina Legal, nos casos em que ela é vítima de lesão corporal; 18 O Decreto Nº. 32.366, de 19 de setembro 2008 estrutura e organiza a Polícia Civil do Estado de Pernambuco, da Secretaria de Defesa Social, nos termos das Leis nº 13.457 e 13.458, inclusive no que diz respeito às atribuições do Departamento de Polícia da Mulher – DPMUL. 19 A Lei nº 13.457, de 03 de junho de 2008 altera a estrutura organizacional da Polícia Civil de Pernambuco, da Secretaria de Defesa Social e prevê a denominação e distribuição de 13 DEAM´s, sendo que por diversos motivos, pelo 3 DEAM´s não foram implantadas ou foram implantadas em outras localidades diferentes do que estava previsto na Lei. A Lei 13.964, de 15/12/2009, cria a 14ª Delegacia Especializada da Mulher do Cabo de Santo Agostinho. 96 estando ela em iminente perigo de vida, e não tendo para onde ir, poderá ser encaminhada a Rede de Abrigamento, onde ficará protegida, assim como os seus filhos e ou dependentes. 6.5 AS DEAM´s e as mulheres com deficiência, vítimas da violência doméstica e familiar Dentre as vítimas da violência doméstica e familiar, destacamos aquelas mulheres com deficiências, que de acordo com a Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência e seu Protocolo Facultativo, assinado em 2007 pela Assembleia Geral das Nações Unidas (ONU) e promulgado no Brasil por meio do Decreto nº 6949/2009 de 25 de agosto de 2009, as pessoas com deficiência são aquelas que tem impedimentos de natureza física intelectual ou sensorial (vê detalhes no Capitulo I). Por essa razão, sofrem por duas vezes, sendo elas mais expostas, haja vista que a chance de serem socorridas é bem menor, e porque são alvo de preconceito por parte das pessoas, no momento em que não são vistas em condições de igualdade com as demais, por não terem credibilidade, sendo passivas de agressão por parte de seus cuidadores e familiares e vítimas em potencial de maus tratos e abuso sexual. Os motivos da violência são muitos, como a impunidade, o medo de denunciar, a ideia de que se é “inferior” e a própria desvalorização, para tanto, se faz necessário que mais ações devem ser implantadas como mecanismo de prevenção e combate a violência sofrida pelas mulheres, com ressalva para as aquelas que tem deficiência. Embora mulheres com deficiência sejam vítimas das mesmas formas de violência cometidas contra as demais mulheres, algumas formas de violência contra mulheres com deficiência não são vistas como violência baseada no gênero. Dados internacionais da OMS, com relação a violência em relação as pessoas com deficiência, informam que um quarto da população sofre violência, e com relação as mulheres com deficiência, em países do primeiro mundo, os casos de maior incidência são por maus tratos e abuso, assim como casos de violência passiva por negligencia, ou a recusa de dar 97 alimentação e medicamentos, na falta de cuidados pessoais e higiene, não seguimento das prescrições médicas e cuidados inapropriados. Resgatando o marco regulatório já apresentado no Capitulo IV, A Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência dispõe em seu artº 16, que todos os países devem adotar medidas para proteger as pessoas com deficiência contra todas as formas de violência, abuso e exploração, destacando que no Brasil há inúmeras normas de proteção para as pessoas com deficiência que muitas vezes são ineficazes, a exemplo da Lei 7853/89, que define alguns crimes contra pessoas com deficiência, de forma restrita. Com relação a aplicação da Lei Maria da Penha, aos casos de mulheres com deficiência faz-se necessário frisar que por muitas vezes essas mulheres não têm acesso real a maiorias dos serviços de atendimento e proteção, destacando que não há o cumprimento, nem o respeito aos requisitos da acessibilidade universal e as especificidades dos tipos de deficiência, já garantidos no Decreto federal 5296/04. A Convenção estabelece que haja a necessidade de que todos os serviços de assistência, apoio, atendimento, prevenção e proteção, sejam ambientes acessíveis para pessoas com deficiência, mas também de gênero e idade. Os problemas e dificuldades enfrentados pelas mulheres com deficiência já foram detalhados no primeiro capítulo, mas cabe reforçar que uma mulher com deficiência pode sentir baixa autoestima quando ela não é vista como uma mulher; é vista apenas como uma pessoa com deficiência. A falta de oportunidade para desempenhar o papel tradicional geralmente disponível para mulheres (tais como a maternidade) pode também contribuir para a mulher com deficiência sentir-se desvalorizada pela sociedade. Existe uma ameaça adicional a sua credibilidade quando profissionais não reconhecem que mulheres com deficiência têm relacionamento sexual e íntimo ou quando eles não compreendem ou não identificam uma situação como sendo um tipo de abuso - em vez disso, eles desviam o foco para a deficiência da mulher, e, com isso, camuflam ou até ignoram o fato de que a mulher sofreu abuso. A falta de respeito pela pessoa vítima de violência e a descriminação contra pessoas com base na deficiência são atos de violência em si mesmos e causam intensa frustração nas pessoas que forem alvo dessa descriminação. Por outro lado, constata-se um problema de acessibilidade às DEAM´s, pois ainda não estamos preparados para prestar a devida assistência às vítimas da violência doméstica e familiar com deficiência; a exemplo da Delegacia da Mulher de Santo Amaro, que para o 98 atendimento a pessoa com deficiência física, tem apenas um acesso na parte inferior da referida Delegacia, ficando a vítima impedida de acessar a parte superior, cujo acesso é através de escadaria; ressaltando que a bem da verdade essas mulheres terão ainda um longo caminho, até serem tratadas com igualdade, às demais mulheres. Em relação a números, também podemos citar que a Promotora de Justiça, Stella Valéria Cavalcanti, aponta que aproximadamente 40% das mulheres com algum tipo de deficiência já tenha sofrido violência doméstica no mundo, sendo os referidos dados, passados durante o seminário, “Uma reflexão sobre a violência contra a mulher e a mulher com deficiência”. b) Casos emblemáticos de violência às mulheres com deficiência e o atendimento nas DEAM´s Foram feitos contatos com 4 (quatro) mulheres com deficiência, sendo duas com deficiência visual; uma com deficiênci física; e uma com deficiência mental, sendo que duas foram ouvidas na Delegacia da Mulher, uma outra por telefone e a última na comunidade onde ela reside. Pelo fato de ser um lugar não acessível, a mesma veio ao encontro da entrevistadora, e com muito boa vontade, relatou toda a sua estória de vida. Foram registradas dificuldades para a realização das entrevistas, por diversas razões: uma delas deve-se ao fato de que apesar de existirem as vítimas com deficiência, tem mais dificuldade em se deslocar até uma Delegacia; outro problema está relacionado com os números estatísticos, que ainda são muitos restritos, haja vista que , há bem pouco tempo é que foi inserido no Boletim de Ocorrência das Delegacias, o quesito que diz respeito a ter ou não a mulher, vítima da violência doméstica e familiar, uma deficiência. 1.Katiane Salvino da Silva, é uma jovem que tem apenas 24 anos de idade, é dona de casa, e possui dois filhos pequenos, um menino e uma menina, que são frutos da união com seu atual companheiro, de nome Marcilio Carneiro da Silva, o qual por diversas vezes a agrediu, e ela nunca teve coragem de solicitar a polícia, apenas pelo fato de não acreditar que ele cometa uma agressão mais grave contra ela, mesmo porque, ele não faz porque não quer. Ela nos informa que o motivo das várias agressões sofridas, sempre tem como motivo o ciúme, salientando que ele já foi preso outra vezes, por violência doméstica. Que no momento ele está preso no Cotel - Centro de Triagem Everardo Luna, por tentar matá-la, desta vez usando um porrete, que chegou a atingi-la, lesionando-a, e que ao mesmo tempo ordenava que ele tirasse a roupa, para manter relação sexual com ele. Se fosse por ela, não 99 chamaria a polícia, os vizinhos é que chamam, que a bem da verdade nunca chamou, e que o seu desejo é que ele seja liberado e volte para casa, pois precisa muito dele; que ele é que cuida dela. Ela está numa cadeira de rodas, porque aos 18 anos, levou alguns tiros de seu ex companheiro, quando ela residia na cidade de Bayeux, no Estado da Paraíba. Informou que tudo ocorreu também por ciúmes, no momento em que ela resolveu terminar a relação, tendo ele sido preso à época. Que todas as vezes em que sofreu violência, nunca denunciou, e que pelo fato de ser cadeirante, depende dele para tudo, ressalvando que a sua higiene pessoal e demais cuidados, são realizadas por ele; que não tem quem a ajude, pois qualquer ajuda que lhe seja dada, tem que pagar, e não tem condições, e sobrevivendo, com um salário mínimo, razão pela qual deseja muito a volta do companheiro, e que ele seja liberado o mais depressa possível .No final da entrevista, Katiane nos informou que tem quase certeza que está grávida mais uma vez, e que com toda certeza, terá o seu filho. 2. Nilma Gonçalves da Silva, é deficiente visual, tem um filho, e trabalha com crianças em atendimento especializado, nas cidades de Paulista (PE) e Abreu e Lima (PE). Denunciou o seu companheiro na primeira vez que sofreu uma violência por parte dele; ou seja, quando foi por ele ameaçada; pois acha que no primeiro momento em que uma mulher é vítima de uma violência por parte de alguém, não há mais condições de convivência, ou seja, de uma volta. Declara que ele nunca foi preso, e que a Medida Protetiva de Urgência solicitada, surtiu efeito, pois ele não mais voltou a procurá-la, e que também não voltou a conviver com ele. Que solicitou o serviço 190 da Polícia Militar, e achou o serviço razoável, haja vista que no momento em que tentou acioná-los, não teve condições de responder a algumas informações que lhe foram pedidas, como a cor da roupa do agressor, pelo fato de ser deficiente visual, e, portanto, não foi atendida. Recorreu ao Centro de Referência Clarice Lispector, para obter ajuda e teve toda a assistência possível, o que ensejou, por parte da entrevistada, elogios e agradecimento. 3. Renata Ramos Moreira, que tem por companheiro o seu agressor de nome Wendel de Freitas Pereira. Ela reside no Recife (PE) mais precisamente no Bairro da Bomba do Hemetério; é deficiente mental, não tem para onde ir, pois não tem família e sua genitora também é deficiente mental e encontra-se internada, motivo pelo qual ela relata que fica sob o mesmo teto com o seu agressor, que já tem uma outra companheira, porém, tem a 100 entrevistada como uma empregada e que sempre que ele volta para casa, está embriagado, e lhe maltrata, com agressões verbais, além de ameaçá-la, que ele é o pai de sua filha menor,de nome Lavínia. Ressalta que o motivo pelo qual sempre volta para casa, deve-se ao fato de não ter família, nem para aonde ir. Ele já foi conduzido a Delegacia por várias vezes, e que vários Boletins de Ocorrência foram registrados. Ela nos informa que trabalha vendendo sorvete, na Praça 13 de Maio, e que é usuária de medicações controladas. 4. Maria de Fatima Alves Barbosa de Lima reside no bairro de Santo Amaro, Recife (PE), mais precisamente na av. Agamenon Magalhães, numa casa de herdeiros, que é o motivo ensejador da desavença entre a vítima e seus irmãos. É casada, do lar, deficiente visual, mora com uma filha e um neto pequeno. Ela reside numa casa, em sua parte inferior, e na parte superior. Reside com um dos seus irmãos, que em companhia dos demais, ou seja, de outros quatro, tentam tirá-la de sua residência, alegando que irão colocar o pai destes, o qual não é genitor da vítima. Ela nos diz que pelo fato de ser pessoa com deficiência, teme pela sua vida. Registou um Boletim de Ocorrência, em desfavor de seus irmãos, junto a Delegacia da Mulher, pelo crime de ameaça em desfavor de seus cinco irmãos, junto a Delegacia da Mulher, para que medidas cabíveis sejam providenciadas, pois teme pela sua vida, e que possa lhe acontecer um problema mais sério, pelo fato de estarem eles muito próximos dela, e por ser deficiente visual, e não ter como se defender. Em todas as entrevistas, foram encontrados um ponto em comum, podendo de por si, falar sobre cada uma delas, começando por Katiane, que é aquela com deficiência física motora, cadeirante, pela forma como ela convive com a sua condição, ressaltando que a mesma é uma vítima duplamente, e de maneira muito violenta, ressaltando que a condição de cadeirante, deve-se ao fato de que, no dia em que decidiu livrar-se, dizendo que não mais queria viver com seu primeiro companheiro, o mesmo inconformado, lhe agrediu e de uma forma que ela jamais esquecerá. A segunda vítima, é uma mulher decidida, que no primeiro momento, denunciou o seu agressor, que não teve mais nenhuma chance de retomar a relação, graças a sua decisão. A condição de Renata é muito preocupante, pois ela não tem família, e a cada violência sofrida por parte de seu ex-marido, ela sai de casa e fica a mercê da própria sorte, 101 em companhia apenas de sua filha menor; por não ter o amparo do Estado, em vista de ter deficiência mental. Maria de Fátima tem deficiência visual, e vive uma violência praticada por seus irmãos, e a mesma confessa temer uma violência maior, pelo fato de não enxergar, e morar bem perto de um deles. Em síntese, pode-se concluir que cada uma dessas mulheres, todas tem um ponto em comum, que é a deficiência, com os mesmos problemas, em níveis diversos, umas mais decididas e sabedoras e conscientes de que se faz necessário denunciar sempre; a exemplo de Nilma, a segunda vítima , que viu quão importante é denunciar, desde o primeiro momento, ou seja, na primeira agressão sofrida; da fragilidade e dependência de Katiane, que mesmo vivendo em uma cadeira de rodas, e passiva constantemente da violência de seu atual companheiro, ela deseja a sua volta para casa, declarando que precisa dele, e não acredita que ele possa lhe fazer um mal maior, assim como nunca chamou a polícia. 102 Capítulo VII - CONCLUSÕES E RECOMENDAÇÕES Ao final desse trabalho, podemos afirmar que o Estado Brasileiro, em toda sua complexidade federativa vem fazendo um esforço para implementar leis, políticas, programas e serviços para coibir a violência doméstica e familiar praticada contra as mulheres, procurando atender os requisitos estabelecidos nos acordos e convenções internacionais do qual o país é signatário. Cabe salientar que os avanços conquistados no campo legal e na promoção efetiva de serviços públicos voltados para a prevenção e atendimento das mulheres vítimas de violência é um legado dos movimentos de mulheres, movimento feminista e outros movimentos sociais de direitos humanos, que souberam realizar incidência política em momentos históricos recentes, como no caso do processo de elaboração da atual Constituição, promulgada em 1988. Em relação ao objeto de estudo desse trabalho, há um reconhecimento de uma grande conquista das mulheres e sociedade brasileira, que foi a sanção da Lei Maria da Penha, que foi resultado direito de uma ação movimento por organismos internacionais frente a Corte Interamericana de Direitos Humanos, que obrigou o Brasil a estabelecer mecanismos para coibir a violência doméstica, tendo o caso de impunidade do agressor de Maria de Penha servido como motivo de mobilização das mulheres para a criação de uma Lei que fortalecesse os mecanismos já existentes de enfrentamento à violência conta as mulheres e criasse outros ainda não previstos em lei. A pesquisa realizada nesse trabalho aponta os avanços decorrentes da aplicação dessa importante Lei, mas também identifica que a mesma e todos outros procedimentos legais ainda não foram suficientemente aplicados para que o fenômeno da violência contra as mulheres pudesse atingir os níveis considerados satisfatórios. Essa avaliação torna-se mais crítica quando se avalia como os mecanismos previstos em lei chegam, em forma de serviços de proteção e atendimento, às mulheres com deficiência, objeto específico de estudo desse trabalho, pois apesar de todo processo histórico de luta das pessoas e mulheres com deficiência para o reconhecimento dos seus direitos, constata-se que, na prática, as mulheres com deficiência ainda enfrentam muitas dificuldades e barreiras para acessar as políticas e serviços públicos existentes, bem como, por suas condições física e mental, serem mais vulneráveis a violência praticada no âmbito doméstico e familiar. 103 Da mesma forma, percebe-se que a opressão de gênero a que estão sujeitas todas as mulheres, especialmente as negras e as que vivem em condição de pobreza, ela é multiplicada para as mulheres com deficiência, que historicamente e culturalmente sofrem discriminação por sua condição de deficiência. Em todo trabalho, mas especificamente nos capítulos IV, V e VI pode-se constatar todas essas dificuldades e barreiras enfrentadas pelas mulheres com deficiência, seja para acionar o Sistema Judiciário, a Rede de Atendimento de Assistência Social, os Serviços de Saúde e os Serviços de Segurança Pública, como as Delegacias Especializadas para as Mulheres. Nesse sentido, o trabalho aponta a necessidade de melhoria de todo o aparato público já existente para a proteção das mulheres e para o atendimento daquelas vítimas de violência doméstica, sendo necessário um recorte especifico para as mulheres com deficiência, que demandam profissionais capacitados, estruturas acessíveis e procedimentos e equipamentos adequados para o atendimento das mulheres com todos tipos de deficiência relacionados no Capítulo I. O estudo também identificou que existem vários casos de mulheres com deficiência que foram vítimas de violência doméstica, entretanto os dados sobre essa realidade são precários. A não consolidação sistemática dos dados impede a formulação de políticas de enfrentamento a violência doméstica e familiar das mulheres com deficiência. Cabe ao Ministério Público cadastrar os casos de violência contra a mulher. Considerando a importância do tema violência contra as mulheres com deficiência e a atuação do Estado frente a esta problemática, é necessário que os órgãos de atendimento as mulheres em situação de violência, programem e desenvolvam políticas de gênero visando atender a este público, combater o fenômeno, estruturar os serviços existentes promovendo atendimento adequado às vítimas. Também se faz necessário que a sociedade enxergue as mulheres com deficiência, como pessoas dotadas de desejos e sentimentos, que apesar das suas limitações são capazes de amar e construírem famílias. Que as suas deficiências não sejam consideradas empecilhos para que as mesmas não possam ter uma vida afetiva e sexual no mesmo patamar que as mulheres sem deficiência. Nesse sentido, as campanhas de prevenção da violência doméstica devem considerar as especificidades das mulheres com deficiência. 104 A violência na qual vivem as mulheres com deficiência tem efeito devastador em suas vidas: o medo, o silêncio, a perda de esperança, de valor próprio, de autonomia. Por isto, é necessário que, as políticas públicas para as mulheres comecem a desvelar este problema que existe em nossa sociedade e a nos tornarmos conscientes que é nosso papel atuar para superar este preconceito. Esse trabalho aponta que as mulheres com deficiência necessitam alcançar uma melhor qualidade de vida. Para isso, é preciso que sejam estimuladas a reconhecerem seus talentos, competência e suas potencialidades, tendo oportunidades para conquistar o seu espaço, favorecendo a sua efetiva participação na sociedade e que possam ser protagonistas de sua história, para tomar decisões a respeito de suas vidas, e assim, ficarem menos vulneráveis e mais protegidas contra a violência e os diversos tipos de abusos, bem como mais empoderadas para realizarem denúncias contra seus agressores e enfrentarem o desgastante processo criminal. No âmbito mais geral, o Brasil deve adotar políticas públicas e uma legislação que garanta que os casos de violência contra a mulher com deficiência sejam identificados, investigadas e processados. Para pôr fim à impunidade e prevenir a violência contra a mulher com deficiência, o Estado e os Municípios devem: 1. Assegurar que todas as pesquisas, ações e defensorias, relativas à violência contra mulheres com deficiência, incorporem os tipos de violência (por exemplo, violência psiquiátrica) identificados por mulheres com deficiência psicossocial; e investiguem plenamente as experiências delas; 2. Assegurar que as mulheres com deficiência possam preservar sua capacidade legal e sua liberdade; 3. Em parceria com organizações de pessoa com deficiência e outras entidades baseadas na comunidade, eduquem pais, parceiros(as), enfermeiros(as), cuidadores(as) e outros provedores(as) de serviço de saúde, para que eles tratem respeitosamente as mulheres com deficiência e lhes ofereçam atendimento de qualidade quando seus serviços forem solicitados; 4. Treinem comunidades sobre como incluir, e comunicar-se com pessoas que tenham os mais diversos tipos de deficiência a fim de evitarem o isolamento das mulheres e meninas com deficiência; 5. Levantamento de dados sobre o número de mulheres com deficiência que buscam 105 serviços e programas de prevenção da violência contra mulheres e de atendimento às vítimas de tal violência e utilizem esses dados para desenvolver iniciativas mais inclusivas; 6. Palestras e outras formas de sensibilização com mulheres e meninas com deficiência sobre seus direitos humanos; e 7. Proporcionem às mulheres e meninas com deficiência informações e aconselhamento sobre questões de saúde sexual e reprodutiva. No tocante à Saúde, partimos do entendimento que as políticas públicas destinadas a prevenir e erradicar a violência e a promover a igualdade na perspectiva de gênero requerem mudanças sociais não apenas no modo como as mulheres trabalham e cuidam de si e de suas famílias, mas também como as instituições se envolvem nesses processos. Nesse sentido, os/as profissionais de saúde, que são agentes que atuam no âmbito domiciliar, familiar e comunitário, podem propiciar oportunidades de reformulação de hábitos e costumes, contribuindo para eliminação e prevenção da violência. Para que o serviço de atenção à saúde seja de qualidade para as mulheres com deficiência, os/as profissionais e as profissionais devem ter discernimento para reconhecer que existem barreiras que dificultam e muitas vezes impedem as mulheres buscarem a assistência. Considerando o contexto e as repercussões que a violência causa em termos psicológicos, físicos e comportamentais, as mulheres sentem-se humilhadas, inseguras, com medo, às vezes culpadas, condições que interferem na procura por auxilio a assistência. O desafio desse serviço desse serviço é possibilitar que as mulheres com deficiência tenham direito a proteção integral, garantindo vida digna, de qualidade e participativa, além de promover o desenvolvimento da autonomia, independência e emancipação pessoal e social da mulher. Para que o serviço de atenção à saúde seja de qualidade para as mulheres com deficiência, os/as profissionais devem ter discernimento para reconhecer que existem barreiras que dificultam e muitas vezes impedem as mulheres buscarem assistência. Considerando o contexto e as repercussões que a violência causa em termos psicológicos, físicos e comportamentais, as mulheres sentem-se humilhadas, inseguras, com medo, às vezes culpadas, condições que interferem na procura por auxílio a assistência. 106 Assim, os serviços de saúde devem promover a escuta qualificada das mulheres, compreender os determinantes do problema, os riscos associados e as alterações de suporte, atendendo-as nas áreas psicológica e física, com sigilo e confiabilidade das informações. O/a profissional de saúde deve estar apto a ouvir, ver e acolher o sofrimento das vítimas, olhando além dos sintomas alegados pela paciente. Também é importante promover a atenção integral, compreendendo a criação de um processo de monitoramento que avalie regularmente o acesso e a qualidade do cuidado prestado nas instituições de saúde, visando identificar e prevenir a violência institucional, do próprio sistema de saúde e seus/suas profissionais, assim como detectar o desenvolvimento rotineiro de cursos de capacitação dos profissionais de saúde para o atendimento das mulheres que sofrem violência, promovendo assim uma ação afirmativa em saúde. No que se refere ao acesso à Justiça, a instalação dos Juizados de Violência Doméstica e Familiar, a criação da Promotoria da Mulher e da Defensoria da Mulher deverão ser marcos importante no enfrentamento à violência contra a mulher. Entretanto, a maior dificuldade incide sobre recursos humanos que não atendem o volume de processos que necessitam ser administrados. Os/as profissionais não foram capacitados sobre os temas específicos de violência e gênero dificultando assim o desenvolvimento das atividades e o acesso à justiça das mulheres, sendo que os/as profissionais que foram abordados nesse estudo alegaram pouco ou nenhum conhecimento sobre a política Nacional da Pessoa com Deficiência. Como ainda persiste na justiça o distanciamento com o público atendido, a falta de capacitação especifica contribui para a não da compreensão sobre os conflitos de gênero mantendo-se assim um grande obstáculo no acesso das mulheres a justiça, principalmente aquelas com deficiência. E, para aplicação da Lei, é determinante mudança na organização judiciaria, desde o conceito de violência contra a mulher que passa por incorporar novos valores e comportamentos sociais até garantir para a dupla competência que possuem as varas no campo civil e criminal (art. 14/11.340/2006); quadro de profissionais a que venha atender a demanda dos casos, estrutura física, capacitação para todos os profissionais do serviço. Nesse âmbito, como foram identificados os seguintes obstáculos pelos/as gestores/as e profissionais no atendimento as mulheres vítimas de violência com deficiência: a) estrutura 107 física do imóvel; b) atendimento da mulher com deficiência auditiva; e c) as salas dos atendimentos no 1º andar. E para superar estes obstáculos é necessário ter um imóvel mais adequado, estruturar o serviço pensando no público que não seja empecilhos para as mulheres com deficiência. Por fim, podemos afirmar que quando uma discriminação é cometida com base no gênero, a extensão de discriminação e da violência perpetrada contra mulheres com deficiência é inaceitável e intolerável, tornando incumbência de uma sociedade progressista fazer o que estiver em seu poder para acabar com a violência contra mulheres com deficiência. 108 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS AINSCOW, M. Special needs I the classroom. London: Jessica Kinsley/Unesco, 1993. AMARAL. L. A, Pensar a diferença/ deficiência, Brasília: CORDE, 1994. ASSUNPÇÃO. F. B, & APROVIERI, M. H, Sexualidade e deficiência. São Paulo, Brasiliense, 1998. BARBOSA, L. et at. Deficiência e igualdade. Brasília: Letras Livres/EdUNB, 2010. BLAY, Eva A. Violência contra a mulher e políticas públicas. Estudos Avançados. São Paulo, v. 17, n. 49, dez. 2003. BRASIL. Ministério da Educação. Mapa do analfabetismo no Brasil. Brasília: INEP, 2003. (Disponível em: http://www.inep.gov.br/estatisticas/analfabetismo). _____ . 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Indique qual ou quais. __________________________________________________________________________________ __________________________________________________________________________________ 6. Quantos casos de violência contra a mulher com deficiência foram recebidos nos seguintes anos: 2007________2008 _______2009_________2010_______ 2011________2012 _______2013_________2014_______ 7. Indique 03 fatores que para você contribui ou impede o acesso a justiça das mulheres com deficiência. __________________________________________________________________________________ __________________________________________________________________________________ 8. Aponte 03 obstáculos encontrados pelos gestores e profissionais no atendimento as mulheres vítimas de violência com deficiência e como poderá ser superado? __________________________________________________________________________________ __________________________________________________________________________________ 9. Você conhece a Política Nacional da Pessoa com Deficiência? ( ) Sim ( )Não. Se Sim. Indique na sua opinião o que pode ser acrescentado nesta política. __________________________________________________________________________________ __________________________________________________________________________________ 10.Observação: __________________________________________________________________________________ __________________________________________________________________________________ 116 Universidade Federal de Pernambuco Curso de Especialização em Gênero e Políticas Públicas Instrumento da Entrevista – Maria Celestina do Nascimento Ferreira Entrevista: ________ Data: _____/_____/______ 1. Nome da Instituição: _______________________________________________________ 2. Nome do Profissional: ______________________________________________________ 3. Cargo/Função que ocupa: ___ _____________________Profissão: ___________________ 4. Tempo de Serviço____/____/____ _______/______/____ Tempo de serviço no atendimento: 5. Participou de alguma formação na área de atendimento a mulher vítima de violência? ( )Sim ( )Não. Se sim. Indique qual ou quais: ___________________________________________________________________________ 6. Como é realizado o atendimento a mulher vítima da violência doméstica e familiar com deficiência? 7. O serviço oferece intérprete da Linguagem do Sinais e de braile? ( )Sim ( ____________________ )Não Se Sim. Quantas profissionais o serviço possui? E como é realizado o atendimento? ______________________________________________ Se Não. Como ocorre o atendimento? ____________________________________________ 7. Como é realizado o atendimento a mulher vítima de violência doméstica? ___________________________________________________________________________ ___________________________________________________________________________ 8. Quantas mulheres com deficiência o serviço atendeu nos anos de 2010____________ 2011______2012________ 2013_____________. 9. Qual o tipo de violência com maior incidência no caso das mulheres com deficiência? ___________________________________________________________________________ 10. Você conhece a Política Nacional da Pessoa com Deficiência? Sim ( ) Não( ) Se Sim. Indique na sua opinião o que pode ser acrescentado nesta política. ___________________________________________________________________________ Observação: ___________________________________________________________________________ 117 Universidade Federal de Pernambuco Curso de Especialização em Gênero e Políticas Públicas Instrumental da Entrevista – Lúcia Custódio Entrevista: ________ Data: _____/_____/______ 1. Nome: __________________________________________________________________________ 2. Estado Civil: _____________________ Idade:____________ Profissão:_____________________ 3. Trabalho? Sim ( ) Não( 4. Possui filho/as? Sim ( ) ) Função? __________ Renda Familiar_____________________ Não( ) Quantos? ___________ F( ) M( ) 5. Endereço:________________________________________________________________________ 6. Que deficiência a senhora possui? ( múltipla )física ( )auditiva ( ) visual ( )intelectual ( ) Outra:__________________________________________ Há quanto tempo?____________________ 7. Já procurou a Delegacia da Mulher? Sim( ) Não ( ) Se Não. Porque? _____________________________________________ _______________________ Se Sim. Como foi o atendimento na Delegacia____________________________________________ 9.Foi atendida por profissional especializado? ( )Não ( )Sim Se Sim. como foi o atendimento________________________________________________________________________ 9. Qual sua relação com o agressor?_____________________________________________________ 10. Quantas vezes sofreu violência e denunciou?___________________________________________ 11. Quantas vezes sofreu violência e não denunciou? _______________________________________ 12 A senhora já pediu ajuda no 190? Sim( ) Não ( ). Como foi o atendimento? _______________ __________________________________________________________________________________ 13. Quais as dificuldades encontradas para denunciar o agressor? ____________________________ 14. O agressor já foi preso? Sim( vezes?___________________________ ) 15. A senhora voltou a conviver com o agressor? Sim( ) Não( ). Se Sim. Quantas Não( ). Porque ? ___________________ Observação: _______________________________________________________________________