a etiologia e o tratamento da depressão infantil: uma revisão da

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A ETIOLOGIA E O TRATAMENTO DA DEPRESSÃO INFANTIL:
UMA REVISÃO DA LITERATURA
Andréia Mara Fernandes 1
Rute Grossi Milani 2
RESUMO: Através da presente revisão, objetiva-se identificar na literatura
indexada artigos e livros científicos que abordem a etiologia e o tratamento da
depressão infantil. Procedeu-se a seleção dos artigos junto às bases de dados:
LILACS e Scielo, e de livros através de bibliotecas, no período de 1993 a 2008.
Na análise dos estudos percebeu-se que a depressão interfere no processo de
desenvolvimento da criança, sendo que os fatores predisponentes podem ser
tanto de origem genética ou biológica, como ambiental, provenientes de
problemas sociais e familiares. Crianças com pais deprimidos têm risco alto de se
tornaram deprimidas. Dentre os fatores ambientais, podem ser destacadas
famílias problemáticas, onde a criança não se sinta amada e protegida, e também
as diversas formas de abusos e as perdas que a criança pode vir a sofrer em fase
tenra da vida. Quanto ao tratamento, existem poucos tratamentos eficazes
conhecidos, mas a depressão infantil deve ser alvo de preocupação e precisa ser
tratada, devendo o diagnóstico ser feito o mais precoce possível e o tratamento,
adequado ao nível de depressão e de comprometimento que ela acarreta. Se a
depressão sofrida pela criança for leve é possível trabalhar em psicoterapia,
através da qual a criança pode ter um suporte para que tenha alívio e seu humor
melhore, mas, se a depressão for mais aguda, é necessário também o uso de
medicamentos.
PALAVRAS – CHAVE
a) Depressão Infantil
b) Etiologia
c) Tratamento
d) Epidemiologia
INTRODUÇÃO
A depressão em fase tenra da vida pode ter um efeito devastador. Há
alguns anos atrás a depressão infantil não era reconhecida pelos profissionais de
saúde, seus sintomas eram ignorados, também eram escassos o conhecimento e
as pesquisas sobre o assunto, como conseqüência, muitas crianças sofreram e
não tiveram a oportunidade de serem ajudadas. Recentemente, observa -se um
interesse crescente pela depressão infantil como transtorno real no mundo
científico e, hoje, muitos avanços já foram alcançados para a compreensão e
tratamento deste problema (MILLER, 2003).
A depressão pode ser diagnosticada na infância, pois, segundo Calderaro
e Carvalho (2005), as crianças também se angustiam frente às dificuldades da
vida e podem apresentar sofrimento existencial, porém, estão menos preparadas
1 Discente de Psicologia do CESUMAR – Centro Universitário de Maringá (Maringá – Pr),
([email protected])
2 Docente de Psicologia do CESUMAR – Centro Universitário de Maringá (Maringá – Pr), Doutora
pela USP.
do que os adultos para suportar as pressões e as frustrações da vida. Grunspun
(1999) afirma que as crianças podem enfrentar os mesmos problemas que os
adultos e têm acesso às mesmas informações que eles, ou seja, elas também
podem vivenciar intensos conflitos em decorrência de perdas, de separações, de
frustrações, o que pode vir a desencadear a depressão infantil.
É preciso muito cuidado para que a depressão não passe despercebida
por parte dos profissionais que lidam com a criança, pois quanto mais cedo a
depressão for diagnosticada, melhor é para ela: “O diagnóstico precoce revela-se,
assim, imprescindível para que os comportamentos relacionados com a
depressão possam ser mais facilmente tratados e/ou modificados” (ANDRIOLA;
CAVALCANTE, 1999, p.4). É nítida a importância do discernimento sobre a
situação da criança depressiva, mas, de igual importância é estar alerta sobre o
fato de que, após o diagnóstico e tratamento, e a consequente melhora do quadro
depressivo na criança, ela precisa de acompanhamento e suporte, pois, muitos
estudos, de acordo com Lafer, Almeida, Fráguas e Miguel (2000), mostram que
esta criança pode apresentar auto-estima mais pobre, que é um fator indicativo de
recorrência de depressão no futuro.
Tendo em vista a necessidade de um maior conhecimento sobre a
depressão infantil, sendo ela um transtorno que pode influenciar negativamente e
até incapacitar em várias áreas do desenvolvimento da criança, este trabalho visa
identificar na literatura informações sobre a etiologia desta patologia, além de
investigar opções de tratamento para que a criança tenha o suporte mais
adequado ao seu caso e tenha o menor prejuízo possível em decorrência deste
transtorno. Para a realização deste estudo foi utilizada uma pesquisa
bibliográfica, procurando extrair as contribuições mais significativas ao estudo do
tema dentre o material teórico ao qual tivemos acesso. As fontes de consulta
foram: bases de dados eletrônicas, tais como: LILACS e Scielo, e bibliotecas, no
período de 1993 a 2008.
ETIOLOGIA DA DEPRESSÃO INFANTIL
Entre os fatores biológicos da etiologia da depressão infantil podemos
entrar na área da genética da depressão, pois, segundo Miller (2003), a maioria
dos estudiosos sobre a depressão afirma que ela tem um componente genético e
como há vários tipos de depressão, possivelmente não apenas um, mas vários
genes podem estar envolvidos em sua ocorrência, e, apesar das muitas
pesquisas, estes genes ainda não foram classificados de forma conclusiva. É
importante frisar que a depressão, dessa forma, é transmitida geneticamente na
família. Lafer, Almeida, Fráguas e Miguel (2000) destacam que crianças com pais
deprimidos têm um risco três vezes maior do que o de filhos de pais não
deprimidos, sendo que este risco se agrava mais se ambos os pais forem
deprimidos. Pais depressivos podem promover depressão nos filhos tanto através
da imitação que estes filhos fazem dos comportamentos depressivos dos pais
como pela já comentada possibilidade de herança genética (ANDRIOLA;
CAVALCANTE, 1999).
Outro fator biológico que pode provocar a depressão infantil é a falta de
neurotransmissores no espaço entre dois neurônios que estão estabelecendo
comunicação. Os neurotransmissores, que são substâncias químicas básicas
para a transmissão de informações entre os neurônios, estão envolvidos na
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depressão, entre eles, os que estão mais diretamente ligados são a norepinefrina
e a serotonina. Na dinâmica do funcionamento da comunicação entre as células
podem faltar neurotransmissores na fenda sináptica, a falta destes
neurotransmissores da classe das monoaminas pode desencadear a depressão
(MILLER, 2003).
Os fatores biológicos têm bastante relevâ ncia, mas, de acordo com
Ferriolli, Marturano e Puntel (2006), a depressão pode não ter só base genética,
mas pode ser de base ambiental, ou mesmo as duas, em interação. Neste
sentido, Calderaro e Carvalho (2005) argumentam que a hereditariedade é um
fator de grande peso, mas não é só ele que determina a patologia, pois a
predisposição genética pode juntar-se aos fatores ambientais, e às condições
adversas da realidade externa.
Feitas estas considerações, é interessante que nos detenhamos em
analisar os fatores ambientais para a ocorrência da depressão infantil. Sabe-se
que, de acordo com Calderaro e Carvalho (2005), um ambiente familiar
problemático, que seja instável e inseguro causa prejuízos para o
desenvolvimento de uma criança, sendo possível que esta criança desenvolva
transtornos emocionais. Os fatores que podem compor um ambiente com estas
características são: discórdia entre os cônjuges, problemas econômicos, família
muito numerosa, estresse materno, pais com problemas de conduta ou
portadores de distúrbios mentais, ruptura da família e também práticas
disciplinares que sejam muito duras e invasivas.
O abuso tanto físico como sexual sofrido pela criança pode ser uma
agressão muito traumática provinda de uma família desequilibrada. Lima (2004)
esclarece que crianças que são agredidas fisicamente são levadas por seus pais
a um aprendizado de desesperança, facilmente se isolam, evitam contato no meio
social, apresentam auto-estima reduzida e não conseguem ter prazer em
atividades que normalmente lhes causariam prazer, enquanto que crianças que
sofrem agressão sexual geralmente se sentem culpadas, envergonhadas,
demonstram ansiedade e têm uma propensão a se tornarem agressivas; estes
sintomas ocorrem em concomitância com sintomas depressivos. Entre os fatores
ambientais como desencadeadores da depressão estão os eventos estressores
relacionados a perdas que a criança pode vir a sofrer em fase tenra da vida
(LAFER; ALMEIDA; FRÁGUAS; MIGUEL, 2000).
TRATAMENTO DA DEPRESSÃO INFANTIL
Para que o tratamento seja adequado, Lima (2004) deixa evidente que é
preciso uma avaliação criteriosa da sintomatologia apresentada e se ela está
associada a maus tratos na família, se a educação recebida tem sido falha, qual é
o prejuízo no funcionamento psicossocial que esta criança está tendo e se a
depressão está acontecendo em co-morbidade com algum outro transtorno
psiquiátrico. Para a escolha do tratamento correto, Maj e Sartorius (2005)
destacam que além dos fatores como gravidade, cronicidade, idade, questões
contextuais, a serem analisados, é de muita importância a ênfase na realização
do exame do estado mental da criança e a coleta de informações necessárias
com a família, como a duração do transtorno e o grau de comprometimento
psicossocial, pois estes fatores ajudam o clínico na elaboração do tratamento
correto.
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É importante que nos detenhamos em compreender como funcionam
cada uma das duas facetas do tratamento: a psicoterápica e a farmacológica,
primeiro vejamos o tratamento baseado em psicoterapias; segundo Maj e
Sartorius (2005), se a depressão for leve, apenas este tipo de tratamento pode
ser eficiente, pois uma abordagem com encontros regulares, através de sessões
de psicoterapia com a criança e sessões de orientação aos pais, para dar apoio e
encorajamento pode ter bons efeitos neste nível de comprometimento, mas, se
este for maior, a psicoterapia fará parte de um programa de tratamento. Alsop e
McCaffrey (1999), quando falam sobre terapias para o tratamento da depressão
infantil, colocam que a psicoterapia individual, seja através da ludoterapia,
psicodrama ou mesmo do treinamento das habilidades sociais, tem a função de
apoiar a criança em suas dificuldades.
Além das formas de tratamento com base em psicoterapias, como já
abordamos, é de bastante significância o tratamento baseado na farmacologia,
mas é importante destacar que “o tratamento farmacológico seria alternativa
posterior à abordagem psicoterápica, reservado a casos mais graves e
persistentes (...) sendo administrado por cuidadosa monitoração, por tempo
limitado e combinação com psicoterapia” (WANNMACHER, 2004, p.4). Toda esta
precaução quanto ao uso da medicação se dá ao fato de que não existem
estudos sobre as conseqüências em longo prazo em crianças em virtude da
utilização de fármacos, então o uso deste tipo de tratamento deve ser restrito a
casos em que há real necessidade, quando a doença está trazendo sérios
comprometimentos ao desenvolvimento da criança (COSTA; CASTRO e COSTA,
2002). Alsop e McCaffrey (1999), quando falam da medicação antidepressiva
comentam também sobre os vários efeitos colaterais provocados por estes
medicamentos, o que pode ser prejudicial ao infante .
Antes de iniciar o tratamento deve-se fazer a escolha do medicamento de
uma forma criteriosa e esta escolha deve ser individuali zada, “pois a opção por
um agente terapêutico deve estar baseada no perfil dos sintomas, no diagnóstico,
e nas co-morbidades associadas; outros fatores que também podem influenciar
são a idade, as condições de saúde geral da criança e o uso concomitante de
outros medicamentos” (CURATOLO; BRASIL , 2005, p.172), uma escolha
acertada fará com que a criança colha mais benefícios da terapia medicamentosa
e sofra o mínimo possível de efeitos colaterais. Mesmo que a farmacologia tenha
avançado através de vários estudos e tenha tido um progresso relevante na
abordagem do problema da depressão infantil, ela não deve substituir a
psicoterapia, pelo contrário, deve ser encarada como uma complementação a ela,
o que pode promover um melhor prognóstico do caso, um melhor avanço em
termos gerais (COSTA; CASTRO e COSTA, 2002).
CONCLUSÃO
Através da presente pesquisa, foi possível perceber que a etiologia da
depressão infantil é multifatorial, isto é, são vários os fatores que podem ser
predisponentes desta patologia, sendo que existem os fatores biológicos, que
envolvem tanto a questão da genética, como a falta de neurotransmissores
específicos entre as células do sistema nervoso, mas também os fatores
ambientais, como problemas no relacionamento com os pais, nos quais a criança
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não seja devidamente cuidada, e também a vitimização por abuso físico ou sexual
ou a vivência de perdas significativas.
Foi possível compreender, também, que o diagnóstico deve ser realizado o
mais precocemente possível, para que se possam reduzir possíveis danos, pois a
depressão infantil tem o poder de prejudicar várias áreas do desenvolvimento de
uma criança, com base no diagnóstico, que deve ter como premissa básica uma
profunda avaliação da sintomatologia, torna-se possível o tratamento. Para que o
tratamento tenha seus objetivos alcançados, é necessário que seja planejado com
vistas ao melhor benefício da criança, mas é interessante destacar que a
depressão infantil é um assunto ainda pouco explorado pelas pesquisas
empíricas, o que faz com que existam poucos tratamentos eficazes conhecidos.
Percebeu-se, também, através deste trabalho, a necessidade de mais
pesquisas sobre o assunto de uma forma geral, mas, especialmente focados na
etiologia e tratamento da depressão infantil, o que poderá contribuir para uma
melhor compreensão do problema e, consequentemente, para o desenvolvimento
de medidas terapêuticas.
REFERÊNCIAS
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Paulo: Summus, 1999.
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v. 12, n. 2, 1999.
CALDERARO, Rosana Simão dos Santos; CARVALHO, Cristina Vilela de.
Depressão na infância: um estudo exploratório. Psicol. estud., Maringá, v. 10,
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COSTA, Delcir da; CASTRO e COSTA, Julia R. Depressão Infantil: Um fenômeno
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CURATOLO, Eliana; BRASIL, Heloísa. Depressão na infância: peculiaridades no
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GRUNSPUN, Haim. Crianças e Adolescentes com transtornos psicológicos e
do desenvolvimento. São Paulo: Editora Atheneu, 1999.
LAFER, Beny. et al. Depressão no ciclo da vida. Porto alegre: Artes Médicas
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LIMA, Dênio. Depressão e doença bipolar na infância e adolescência. Jornal de
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MAJ, Mario; SARTORIUS, Norman. Transtornos Depressivos. Porto Alegre:
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MILLER, Jeffrey A. O Livro de Referência para a Depressão Infantil. São
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GRILLO, Eugênio; SILVA, Ronaldo J. M. da. Manifestações precoces dos
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WANNMACHER, Lenita. Depressão maior: da descoberta
Organização Pan-Americana de Saúde. v.1, n.5, 2004.
à
solução?
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