É preciso rejeitar o diversionismo Página 1 de 2 Imprimir () 04/10/2016 - 05:00 É preciso rejeitar o diversionismo Por Antonio Delfim Netto O nível "ótimo" das reservas internacionais de um país é mais um daqueles conceitos abstratos de difícil estimação empírica, porque depende de um grande número de variáveis, algumas subjetivas. Pelo menos: 1) do nível e da importância das importações para sustentar a atividade econômica interna e da probabilidade de suspensão dos fluxos normais de comércio e financiamento (a famosa "parada súbita"); 2) da qualidade da sua política econômica interna (fiscal, monetária e cambial); 3) da situação da economia mundial e das políticas econômicas (fiscal, monetária e cambial) dos grandes parceiros internacionais (EUA, União Europeia, Japão e China) que exercem influência assimétrica sobre as políticas econômicas internas dos países que estão sob sua influência, particularmente os emergentes; 4) da magnitude da dívida externa, da distribuição de sua amortização e da qualidade do seu financiamento; 5) do custo, com relação ao PIB, de carregá-la; e 6) da qualidade e confiabilidade das hipóteses com as quais se "inventa" o futuro para calculá-la. São, praticamente, os mesmos fatores que as agências de risco tentam revelar nas suas avaliações, das quais conhecemos as incertezas... As discussões sobre o nível de nossas reservas foram muito vigorosas no primeiro semestre de 2008 (um pouco antes da "surpresa" criada pela crise do Lehman Brothers) e novamente em 2011-2012. Em 2013, entretanto, um número significativo de analistas, que até então achavam que elas eram excessivas, reconheceu que, sem elas, as consequências da evolução interna e externa entre 2013-2015 poderiam ter sido muito mais graves. Quem tiver interesse pode consultar o artigo da economista Patricia Stefani, no Boletim Mensal da Ideias (julho de 2012). O problema não é excesso de dólares. É a escassez de reais! Hoje, nossas reservas são da ordem de US$ 380 bilhões, nível confortável, provavelmente acima do nível "ótimo", se as condições de pressão e temperatura da economia no Brasil e dos seus parceiros externos fossem normais, o que, obviamente, está longe, muito longe, de ser verdade. Pelo contrário, a confusão produzida pelas políticas monetárias do Fed, do BCE, do BCJ e "tutti quanti" sugere que eles navegam num mar desconhecido e perigoso, sem bússola e com um céu encoberto. Tudo indica que a economia mundial vai continuar patinando nos próximos dois ou três anos, se não enfrentar algum icebergue ainda não suspeitado... http://www.valor.com.br/imprimir/noticia/4733681/brasil/4733681/e-preciso-rejeitar-... 14/10/2016 É preciso rejeitar o diversionismo Página 2 de 2 Os derivativos, um dos instrumentos com os quais fazemos as intervenções no mercado cambial, e que já andaram próximos de US$ 120 bilhões, estão hoje perto de US$ 40 bilhões. O custo anual para carregar a reserva é igual à diferença entre a taxa de juros da dívida interna, que a financia, e a taxa de juros em dólares, que a remunera, multiplicado pelo seu nível médio no ano, somado aos resultados (positivos e negativos) das operações de "swaps" liquidados no período. Ele é mesmo muito elevado (talvez qualquer coisa como 2,5% do PIB) não apenas porque o nível da reserva parece exagerado, mas, também, porque a diferença entre a taxa de juros interna de seu financiamento (uma das maiores do mundo) e a taxa externa que a remunera (que hoje namora o espectro negativo) é extremamente exagerada. O efeito de uma redução de 20% no nível da dívida com relação ao seu custo é o mesmo de uma redução de 20% entre as taxas de juros, que estará ao alcance de nossa mão se o Congresso aprovar a PEC 241. A discussão sobre o nível ótimo de reservas é, hoje, tão diversionista quanto todas as outras sugestões para a miríade de reformas infraconstitucionais que deveremos fazer depois que tivermos criado a condição necessária (mas não suficiente) para controlar os gastos públicos e a expectativa que a relação dívida bruta/PIB convergirá para a estabilidade num horizonte razoável. No momento, a redução das reservas não parece ser nem necessária, nem a melhor solução: implicará reduzir o "seguro", quando a probabilidade da "catástrofe" é ainda assustadora. O problema do Tesouro Nacional não é excesso de dólares. É a escassez de reais! A venda de dólares físicos no mercado de câmbio introduzirá mais incerteza sobre o nível adequado da taxa cambial, aumentará a necessidade de intervenção com os "swaps" e reduzirá ainda mais as expectativas de crescimento do PIB. Isso imporia um custo ainda maior para a realização do ajuste fiscal, preliminar para a redução de nossos problemas. É preciso insistir: sem a aprovação de alguma coisa parecida com a filosofia da PEC 241 (que pode ser aperfeiçoada, mas não afrouxada no Congresso), a instabilidade fiscal não será corrigida e continuará a pressionar a taxa de juros. Ao contrário, a sua aprovação, combinada com as expectativas de redução da taxa de inflação (em torno de 5% para 2017 e seu retorno à meta em 2018), induzirá, naturalmente, uma redução sustentável da taxa de juros real que terá para o Tesouro o mesmo efeito que a "venda" física de parte das reservas e estimulará, ainda, a sustentação de uma taxa de câmbio adequada. Somar-se-ão dois efeitos fundamentais para a recuperação da produção industrial, sem a qual o crescimento saudável não voltará: 1) a queda da taxa de juros real; e 2) a manutenção de uma taxa de câmbio real competitiva. Antonio Delfim Netto é professor emérito da FEA-USP, ex-ministro da Fazenda, Agricultura e Planejamento. Escreve às terças-feiras E-mail: [email protected] http://www.valor.com.br/imprimir/noticia/4733681/brasil/4733681/e-preciso-rejeitar-... 14/10/2016