BURKE, Peter. A Escola dos Annales - histedbr

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Resenha
Resenha do livro:
BURKE, Peter. A Escola dos Annales (1929-1989): a Revolução Francesa da
Historiografia. São Paulo: Fundação Editora da UNESP, 1997, 153 páginas. Tradução Nilo
Odalia.
Resenha por Edileusa Santos Oliveira1 e Ana Palmira Bittencourt Santos Casimiro2
Os Annales por Peter Burke - Uma visão larga e profunda
Para as abordagens teóricas e metodológicas nos estudos de História e História da
Educação, que tomam como pressupostos a História Cultural, é indispensável a leitura de
dois livros que registram historicamente a origem de conceitos tais como: mentalidades,
representações, nova história e história cultural. O primeiro é o Livro de François Dossé, A
História em Migalhas: dos Annnales à Nova História, cuja primeira edição foi de 1987
(São Paulo, Campinas: Ed. da Unicamp, 1992).
O Segundo, aqui resenhado, é o livro A Escola dos Annales (1929-1989): a
Revolução Francesa da Historiografia (Fundação Editora da UNESP, Tradução Nilo
Odalia, 1997, 153 páginas) do historiador Peter Burke. O livro traz um estudo do
movimento dos Annales, tenta compreender o mundo francês, explicar desde a década de
20, até às gerações posteriores, a teoria e a prática do historiador para outros cientistas
sociais. De acordo com a obra de Burke, os Annales foi um movimento dividido em três
fases: a primeira apresenta a guerra radical contra a história tradicional, a história política e
a história dos eventos; na segunda, o movimento aproxima-se verdadeiramente de uma
“escola”, com conceitos (estrutura e conjuntura) e novos métodos (história serial das
mudanças na longa duração) dominada, prevalentemente, pela presença de Fernand
Braudel (46-69); a terceira, traz uma fase marcada pela fragmentação e por exercer grande
influência sobre a historiografia e sobre o público leitor, em abordagens que comumente
chamamos de Nova História ou História Cultural. Nos cinco capítulos que integram a obra,
o autor proporciona uma viagem através da “história da história”, seus principais
escritores, métodos e finalidades de sua escrita, partindo da contribuição antiga até chegar
ao século XX. Trata-se da História da Historiografia na sua longa duração.
Considera o autor que, a partir da “Revolução Copernicana” na história, com
Leopold Von Ranke, a história sociocultural foi re-marginalizada. Foi dada ênfase nas
fontes dos arquivos, numa época em que os historiadores buscavam se profissionalizar e a
história não política foi excluída. O século XIX ouviu vozes discordantes entre
historiadores, a exemplo de Michelet e Burckhardt que propõem uma visão mais ampla da
história. Outros exemplos podem ser citados, como Fustel de Coulanges e Marx que
ofereciam um paradigma histórico alternativo ao de Ranke. Historiadores econômicos
foram os opositores mais bem organizados da história política. Os fundadores da
Sociologia - Comte, Spencer e Durkheim - expressavam pontos de vista semelhantes.
No início do novo século, um movimento lançado por James Harvey Robinson sob
a bandeira da “Nova História” defende que a história inclui qualquer traço ou vestígio das
coisas que o homem fez ou pensou, desde o seu surgimento sobre a terra. Na França, a
natureza da história tornou-se objeto de intenso debate e alguns historiadores políticos
tinham concepções históricas mais abrangentes, a exemplo de Ernest Lavisse, portanto, é
inexato pensar que os historiadores profissionais desse período estivessem exclusivamente
envolvidos com a narrativa dos acontecimentos políticos, como, por exemplo, François
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Simiand, um economista seguidor de Durkheim, que promove um ataque a Charles
Seignobos, símbolo de tudo a que os reformadores se opunham. Tratava-se, na verdade, de
um ataque aos três ídolos da tribo dos historiadores: político, individual e cronológico. Ao
mesmo tempo Henri Berr, um grande empreendedor intelectual, lança o ideal de uma
psicologia construída com a cooperação interdisciplinar, o que teve ressonância em Febvre
e Bloch.
De acordo com Burke, no final da Primeira Guerra, Febvre idealizou uma revista
internacional dedicada à história econômica, mas o projeto foi abandonado. Em 1928,
Bloch tomou a iniciativa de ressuscitar os planos da revista, agora francesa, com sucesso.
Originalmente chamada Annales d´histoire économique et sociali, pretendia ser a difusora
de uma abordagem nova e interdisciplinar da história, exercer uma liderança intelectual
nos campos da história social e econômica, e preocupava-se com o problema do método no
campo das ciências sociais. Os Annales começou como uma revista de seita herética,
depois da guerra, se tornou oficial. Aos poucos se converteu no centro de uma escola
histórica que foi transmitida para escolas e universidades.
A segunda geração dos Annales foi protagonizada por Fernand Braudel que
sucedeu Febvre como diretor efetivo da revista. Para Braudel, a contribuição especial do
historiador às ciências sociais é a consciência de que todas as “estruturas” estão sujeitas a
mudanças, mesmo que lentas. Ele desejava ver as coisas em sua inteireza, por isso era
impaciente com fronteiras, separassem elas regiões ou ciências. Quando prisioneiro,
durante a Segunda Guerra, Braudel teve a oportunidade de escrever sua tese. Seus
rascunhos eram remetidos para Febvre, de quem recebeu forte influência que o
direcionaram para a geo-história. A obra com o título “o Mediterrâneo e Felipe II”, de
grande dimensão, era dividida em três partes, cada uma exemplificando uma diferente
forma de abordagem do passado: primeiro, uma história “quase sem tempo” da relação
entre o “homem” e o ambiente; segundo, a história mutante da estrutura econômica, social
e política e, terceiro, a trepidante história dos acontecimentos (a parte mais tradicional),
corresponderia à idéia original de uma tese sobre a política exterior de Felipe II. O Mar é o
herói do épico braudeliano. Ele divide o tempo histórico em: geográfico, social e
individual, realçando a longa duração.
Nesse período a história das mentalidades foi marginalizada, tanto por Braudel não
ter interesse por ela, quanto porque um número de historiadores franceses acreditava que a
história social e econômica era mais importante do que outros aspectos do passado,
também porque a nova abordagem quantitativa não encontrava no estudo das mentalidades
a mesma sustentação oferecida pela estrutura socioeconômica.
Ainda conforme o texto de Burke, a terceira geração dos Annales foi marcada por
mudanças intelectuais. O policentrismo (o centro do pensamento histórico estava em vários
locais) permitiu a abertura para idéias vindas do exterior e a inclusão de novas temáticas. A
ausência de um domínio temático fez com que alguns comentadores falassem numa
fragmentação. Burke abordará três temas maiores: a redescoberta da história das
mentalidades, a tentativa de empregar métodos quantitativos na história cultural e a reação
contrária a tais métodos (quer tomem a forma de uma antropologia histórica, um retorno à
política ou o ressurgimento da narrativa). A mudança de interesses dos intelectuais dos
Annales, da base econômica para a “superestrutura” cultural – reação contra Braudel e
contra qualquer determinismo - foi intitulada por Burke como um movimento “do porão ao
sótão”.
No interior do grupo dos Annales alguns historiadores sempre estiveram envolvidos
com os fenômenos culturais e com a mentalidade. A nova abordagem quantitativa (ou
serial) não encontrava no estudo das mentalidades a mesma sustentação oferecida pela
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estrutura socioeconômica. Um artigo de Lucien Febvre (1941) mostra a importância do
estudo das séries de documentos na longa duração, a fim de mapear mudanças. Também
Gabriel Le Bras, Vovelle, Le Bras, interessaram-se por mensurar processos históricos.
Nos anos 70 surge uma reação contrária à abordagem quantitativa, ao domínio da
história estrutural e social, defendida pelos Annales, o que resulta na mudança
antropológica, no retorno à política e no ressurgimento da narrativa. A conhecida crítica
aos Annales é a sua pressuposta negligência ao tema política, mas ela não procede em
relação a todos os componentes do grupo. A volta à política está também ligada ao
ressurgimento do interesse pela narrativa dos eventos: história dos eventos e narrativa
histórica.
Sobre os Annales muito são os trabalhos escritos, pelos críticos que defendem e
aqueles que refutam sua proposta metodológica e seu objeto, de maneira que o tema pode
parecer bastante explorado, porém, o livro de Peter Burke tem o mérito de apresentar
sinteticamente e de maneira satisfatória a imensurável elaboração e contribuição das
gerações dos Annales, numa só obra, servindo de partida indispensável para historiadores e
historiadores da educação, que se ampararam em teorias advindas da História Cultural. A
leitura desses dois livros, especialmente o de Burke, que narram a evolução da história e da
historiografia francesa no século XX, evita a utilização errônea de alguns conceitos, hoje
utilizados, o achatamento da história do século XX e da historiografia daí advinda, e o
falso conflito entre a história cultural e a história marxista.
1
Historiadora, Especialista em Educação, Cultura e Memória; participante do Grupo de Pesquisa em
Fundamentos da Educação do Museu Pedagógico da UESB ([email protected]).
2
Coordenadora do Grupo Fundamentos da Educação do Museu Pedagógico da UESB
([email protected]).
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