Como criar um ambiente alimentar saudável. Sandra Lourenço

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Como criar um ambiente
alimentar saudável
Doenças Crónicas não Comunicáveis
As Doenças crónicas não comunicáveis (DCNC) doenças cardiovasculares, cancros, doenças respiratórias
crónicas e diabetes - representam as principais causas de
morte e incapacidade na Europa, Estados Unidos da
América e nos países em vias de desenvolvimento. Mas,
surpreendentemente, são negligenciadas da agenda
global de saúde.
Não são suficientemente valorizadas como doenças,
nem o seu controlo é considerado com factor de
desenvolvimento económico e social. Esta atitude tem
tido profundos efeitos ao nível do sofrimento humano,
mortes prematuras e agravamento da pobreza e
desigualdade social.
A saúde é o determinante chave do desenvolvimento
global e precursor de desenvolvimento económico.
Em 2002, as DCNC representaram a causa de 60% de
todas as mortes e 47% de todas as doenças, em todo o
mundo. Estima-se que em 2020 representem 73% e 60%
respectivamente. De realçar que nos países em
desenvolvimento, já representam 66% de todas as mortes
e afectam particularmente a população jovem no pico das
suas vidas produtivas.
Se fossem implementadas medidas efectivas de
controlo e prevenção destas doenças, poder-se-iam evitar
36 milhões de mortes em todo o mundo, já em 2015.
Sandra Lourenço
Nutricionista. Assessora de Nutrição no ACES do Cávado IBraga (Unidade de Saúde de Maximinos)
Aluna do Mestrado em Nutrição Clínica pela Faculdade de
Ciências da Nutrição e Alimentação da Universidade do
Porto.
Membro do grupo de trabalho para a Ética e Deontologia
profissional, da Associação Portuguesa dos Nutricionistas
Resumo do artigo
Apresenta-se o conceito de doenças crónicas não
comunicáveis e discute-se os factores de risco para o seu
desenvolvimento. Expõem-se algumas soluções para o
combate das doenças crónicas não comunicáveis e os
principais entraves ao seu controle. Neste âmbito,
defende-se a necessidade de criar um ambiente
alimentar saudável, que passa pelo envolvimento das
autoridades de saúde e das populações.
Factores de risco para o desenvolvimento de DCNC
• HTA, associada ao consumo excessivo de sal adicionado aos alimentos
• Hipercolesterolemia
• Consumo insuficiente de frutos, legumes e hortaliças.
Estima-se que este factor isoladamente, contribua
para a morte de 2,7 milhões de indivíduos em todo
o Mundo
• Excesso de peso e obesidade
• Inactividade física
• Tabagismo
Os factores alimentares são os que mais contribuem
para o risco de DCNC, nomeadamente:
• Consumo excessivo de alimentos de elevada densidade energética
• Consumo excessivo de alimentos pobres nutricionalmente e com elevado teor de gordura, sal e açúcar
• Consumo insuficiente de frutos, legumes e hortaliças
As causas das DCNC são diversas e como tal as
soluções não são simples.
No entanto:
• Dispomos de um vasto conhecimento científico relativo a estas doenças.
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Recebido para publicação: Maio de 2009
Aceite para publicação: Julho de 2009
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• São doenças com um elevado potencial de saúde
pública uma vez que estão directamente relacionadas com o estilo de vida.
• Reconhecemos a interdependência entre nações, comunidades e indivíduos.
• Conhecemos o papel central dos governos, em cooperação com outros parceiros, na criação de um
ambiente social que encoraje os indivíduos, famílias
e a comunidade, a procederem a mudanças e tomadas de decisão, relativas a alimentação saudável
e actividade física.
• Sabemos que os programas de controlo das DCNC são
clinicamente relevantes, com potencial benefício
para a saúde, não requerem grande investimento
económico e são altamente vantajosos em termos
de retorno socioeconómico (exemplo Finlandês).
facilitar e definir estratégias multissectoriais e
multidisciplinares com vista a:
• Reduzir e controlar os factores de risco associados às
DCNC, através de acções de promoção e prevenção
da doença e sustentabilidade social e ambiental.
• Formar e os profissionais de saúde na formação pré
e pós-graduada.
• Mobilizar a comunidade, envolvendo grupos públicos
e privado, a sociedade civil, associações profissionais
e cientificas, associações industriais e de consumidores, assim como organizações não governamentais, de forma a encorajar a responsabilidade
individual na adopção de estilos de vida saudáveis.
• Encorajar a responsabilidade individual na gestão da
saúde ou doença, caso esta já exista.
• Aumentar o grau de preocupação e compreensão da
influência da alimentação e actividade física na
saúde, assim como aumentar o conhecimento em
relação ao impacto positivo das intervenções
preventivas na saúde individual e colectiva.
• Incrementar a investigação científica em saúde
comunitária.
• Reduzir desigualdade social, apoiando os grupos
economicamente desfavorecidos e mais expostos a
alimentarem-se de forma desadequada.
• Proteger os indivíduos mais vulneráveis,
designadamente grávidas, crianças, adolescentes e
idosos.
• Definir objectivos nacionais de política alimentar em
tempos de execução realistas.
“…genericamente as pessoas
apresentam um viés optimista
relativamente à sua saúde.
Individualmente, cada um
considera que tem um estilo de
vida saudável.”
Problemas gerais que impedem o controlo das DCNC
Politicas nacionais de saúde – muitas vezes
desconcertadas de outros sectores económicos,
determinantes para disponibilização de alimentos
saudáveis, designadamente ao nível da produção agrícola
ou industrial, comércio e educação.
Investigação científica em saúde pública – pouco
experimental.
Prática clínica – mais orientada para o tratamento do
que para a prevenção da doença. Pouco orientada para a
mudança de estilos de vida, particularmente ao nível dos
cuidados de saúde primários.
Consumidores – genericamente as pessoas
apresentam um viés optimista relativamente à sua saúde.
Individualmente, cada um considera que tem um estilo de
vida saudável. No caso da alimentação, mais de 70% dos
cidadãos europeus e americanos consideram que têm
uma alimentação saudável.
O problema é suficientemente grave, mas tem sido
insuficientemente compreendido por muitos dos parceiros sociais. O segredo do sucesso na diminuição da
prevalência destas doenças, estará na conjugação de
esforços e envolvimento de todos os intervenientes
neste problema, a fim e ao cabo no envolvimento de
todos nós.
Os hábitos de vida saudável, nos quais se inclui a
alimentação, atravessam todos os sectores da sociedade.
Diz respeito a todos, simultaneamente, diariamente, e
durante toda a vida.
2. Nos países onde existe um organismo
governamental, independente, criado com o
objectivo específico de proteger a saúde pública e os
interesses dos consumidores/cidadãos, exclusivamente dedicado a assuntos relacionados com a
alimentação/nutrição, que estabelece a ponte
técnico científica e mediação entre o governo e a sociedade, as políticas alimentares são mais efectivas e
eficazes.
Como criar um ambiente alimentar saudável
1. A responsabilidade é essencialmente das “autoridades” de saúde. Estas devem liderar, coordenar,
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Como criar um ambiente alimentar saudável
• Limitação da ingestão de açucares, particularmente
por crianças.
• Limitação do tamanho das porções alimentares,
particularmente pelas empresas de restauração e
alimentação colectiva.
• Incentivo à criação e desenvolvimento de novos
alimentos, saudáveis, por incremento da investigação científica.
“O objectivo seria encorajar o
consumo de alimentos mais
saudáveis, designadamente
frutos, legumes, hortícolas,
cereais integrais e lacticínios em
detrimento de outros
reconhecidamente pouco
saudáveis e com preços para o
consumidor muito baixos.”
4. Estratégias políticas e planos de acção
As estratégias políticas nacionais e os respectivos
planos de acção, devem estar integrados em todos
os ministérios do governo, uma vez que a
alimentação atravessa toda a sociedade. A política
de saúde em particular, a redução dos riscos
associados á doença, a promoção do desenvolvimento economicamente sustentável, a redução da
desigualdades social, a priorização e focagem nos
maiores riscos e a protecção dos cidadãos, para que
as pessoas tenham a oportunidade de viver o maior
número de anos e socialmente activos. Estas
políticas têm que ser apoiadas por suporte
legislativo e regulação fiscal, assim como por infraestruturas adequadas, utilização adequada dos
recursos humanos disponíveis, monitorização,
fiscalização e permanente. A pesquisa científica
continuada funciona como “motor” de inovação e
orientador do desenho de novas políticas.
Ao nível da:
• Agricultura
A produção alimentar deve ser consistente
com os objectivos de saúde. Deve garantir a
satisfação das necessidades nutricionais em
termos quantitativos e qualitativos das populações, deve considerar a biodiversidade e
sustentabilidade ecológica e económica.
• Economia e finanças
O preço é o segundo mais importante
determinante de escolha alimentar, pela
maioria das pessoas. As políticas dos governos
podem influenciar os preços dos alimentos
através da aplicação de taxas, subsídios, ou
directamente o preço. O objectivo seria encorajar o consumo de alimentos mais saudáveis, designadamente frutos, legumes, hortícolas, cereais integrais e lacticínios em detrimento de outros reconhecidamente pouco
saudáveis e com preços para o consumidor muito baixos.
Em alguns países, os fundos resultantes da
cobrança de impostos sobre alimentos desadequados é utilizado para a compra de equipamentos recreativos e de lazer para as zonas
Este será, provavelmente um requisito básico para a
criação de um ambiente alimentar saudável.
3. Recomendações alimentares nacionais
O primeiro passo para a criação de um ambiente
alimentar saudável deve ser a elaboração de recomendações alimentares nacionais. Estas devem estar
adaptadas ao país e representar um compromisso do
governo com as populações e resultar do consenso global.
Estas devem considerar como requisitos fundamentais, a
acessibilidade, disponibilidade, capacidade de compra
e/ou utilização dos alimentos saudáveis e seguros,
preservando os hábitos alimentares tradicionais saudáveis
que existam.
Os cidadãos devem compreender a relação entre
alimentação e saúde e entre alimentação e doença e
entre saúde e escolha alimentar. As mensagens devem
ser simples, coerentes, consistentes, claras e frequentes.
O conhecimento do público deve ser tal que toda a
população conheça a associação entre alimentação
saudável/saúde, bem como o contrário. Afinal como o que
sucedeu em relação ao tabaco, na opinião pública geral fumar faz mal à saúde.
De acordo com a Organização Mundial de Saúde, as
recomendações alimentares devem ter com linhas
orientadoras bàsicas:
• Garantia que toda a população tem acesso a uma
alimentação energeticamente adequada.
• Redução geral do consumo de gorduras saturadas e
redução da utilização de ácidos gordos trans por
parte da indústria alimentar.
• Aumento do consumo de frutos, legumes e
hortícolas, leguminosas e cereais integrais.
• Redução do consumo de sal, particularmente o sal
adicionado aos alimentos processados pela indústria
alimentar, incluindo a indústria de bebidas.
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habitacionais onde vivem as comunidades mais
desfavorecidas.
• Solidariedade social
Programas para o fornecimento de alimentos/refeições a grupos populacionais económica ou socialmente desfavorecidos, designadamente o fornecimento da refeição do
pequeno-almoço na escola, o fornecimento de
subsídios com utilização exclusiva para a
compra de determinados alimentos e programas para ensinar estas famílias a comprar
alimentos adequados para o agregado familiar.
Particular importância e atenção deve ser
dada a grávidas e aleitantes, às crianças
pequenas, doentes e idosos, em particular os
que vivem sozinhos. Estes alimentos subsidiados devem assegurar a satisfação das necessidades nutricionais de todos os elementos do
agregado familiar, assim como garantir uma
alimentação saudável no seu todo.
benefícios para a saúde nos rótulos dos alimentos. Estas
mensagens não devem confundir, nem enganar o
consumidor a respeito do risco/ benefícios de determinado alimento ou aditivo alimentar.
Industria alimentar e farmacêutica, retalho alimentar,
empresas de alimentação e de restauração e meios de
comunicação social
“A indústria deve ser
incentivada a desenvolver
alimentos de valor nutricional
melhorado, fornecer a
composição nutricional dos
alimentos, apresentar rótulos
simples, com mensagens claras
e consistentes com objectivos de
saúde…
Comércio, indústria, transportes e comunicações
Publicidade e rotulagem
A publicidade alimentar não deve ”explorar” a inexperiência e credibilidade das pessoas, as crianças em
particular. As mensagens que encorajam escolhas alimentares não saudáveis devem ser desencorajadas. A
publicidade e rotulagem alimentar deve ser devidamente
regulamentada, tendo em vista a protecção da saúde das
populações.
A rotulagem deve ser uniformizada e devidamente
compreendida pelos consumidores. À medida que o
interesse e conhecimento dos consumidores aumentam,
mais os produtores e fabricantes utilizam mensagens de
Estas empresas são parceiros preferenciais dos
governos na implementação de políticas para o bem
comum, como sejam a disponibilização de alimentos e/ou
suplementos saudáveis. Uma vez que grande parte destas
empresas é multinacional, o seu papel e responsabilidade
na saúde pública é cada vez mais relevante. Este, deve ser
encorajado e realçado. A indústria deve ser incentivada a
desenvolver alimentos de valor nutricional melhorado,
fornecer a composição nutricional dos alimentos,
apresentar rótulos simples, com mensagens claras e
consistentes com objectivos de saúde, de modo a ajudar o
consumidor a fazer as escolhas mais adequadas,
permitindo também a viabilidade económico-social destas
empresas.
“A publicidade alimentar não
deve”explorar” a inexperiência
e credibilidade das pessoas, as
crianças em particular.
As mensagens que encorajam
escolhas alimentares não
saudáveis devem ser
desencorajadas.”
Administração pública local e central, instituições com
apoio do estado, instituições religiosas, outras entidades
de interesse público
Os profissionais de saúde em formação pré e pós
graduada são agentes fundamentais para a criação de um
ambiente alimentar saudável. Estes profissionais devem
ser suficientemente treinados e motivados relativamente
à importância da alimentação humana na saúde e
consciencializados da sua importância como fonte de
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Como criar um ambiente alimentar saudável
credibilidade científica relativamente a comportamentos
de saúde ou risco de doença.
Em todas as cantinas, bares, máquinas de vendas ou
outros locais de consumo de alimentos, de toda
administração pública (escolas de todos os níveis de
ensino, centros de saúde, hospitais, lares, forças militares,
autarquias, museus, etc.), instituições de solidariedade
social ou outras que beneficiem de qualquer tipo de apoio
estatal, deveriam ter à disposição dos consumidores
internos (funcionários) ou externos (utentes ou clientes)
alimentos saudáveis. Particularmente o sector público ou
com apoio/participação estatal deveria dar o exemplo de
boas práticas em saúde. Tal com aconteceu com a
proibição de fumar.
Bibliografia Consultada
Raimo Lappalainen, John Kearne, Michael Gibney. A Pan
European Survey of Consumer Attitudes to Food, Nutrition and
health: An overview. Food Quality and Preference 1998; 9:467478.
Report of a WHO/FAO Expert Consultant. Diet, Nutrition and the
Prevention of Chronic Diseases. Genebra 2003.
WHO Regional Publications. Food and health in Europe: a new
basis for action 2004; NO96.
British Nutrition Foundation. A critical review of the psychosocial
basis of food choice and identification of tools to effect positive
food choice: a summary 2004;NO9017.
• Ciência e tecnologia
Beaglehole R, Ebrahim S. Voûte j. Chronic Disease Action Group:
prevention of chronic diseases: a call to action. Lancet 2007;
370(9605):2152-7.
A investigação científica em particular na criação de
novos alimentos mais ricos nutricionalmente, com custos
de produção, transporte e comercialização igualmente
vantajosos aos alimentos nutricionalmente pobres.
Incrementar a investigação na área das ciências da
saúde. Desenvolver novos modelos económicos que
garantam a saúde das pessoas e a sustentabilidade
ambiental Investigação na área publicitária e difusão de
mensagens. Desenvolvimento de novos modelos de
produção agrícola e industrial económica e ambientalmente sustentáveis.
The Chronic disease Alliance of Cananda. Poverty and chronic
disease: reducing chronic disease in Canada: recommendations
for action 2008.
Conclusões
De uma forma simplista, para criar um ambienta
alimentar saudável é fundamental que seja fácil fazer
opções alimentares saudáveis, em qualquer lugar ou
circunstância em que nos encontremos.
Esse ambiente deve ser-nos facultado, mas somos
todos nós, individualmente, que o criamos. No ambiente
de nossas casas, nos locais de trabalho, nos alimentos que
compramos ou cultivamos, assim como nas refeições que
fazemos fora de casa.
A alimentação atravessa todos os sectores da
sociedade, diz respeito a todos, diariamente, a todos
simultaneamente e durante toda a vida. Perante o
desafio, temos que reunir a energia, os recursos e a
inteligência de todos.
Sandra Lourenço
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