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Uma visão geral da Malária: ocorrência, manifestação, prevenção e
principais tratamentos
Mariana Ratti Doro, bolsista PIBID, IQ-UNICAMP
A malária é uma doença infecciosa potencialmente grave causada por
protozoários do gênero Plasmodium, que é transmitida de uma pessoa a outra
pela picada da fêmea do mosquito do gênero Anopheles.1
Este mosquito tem como criadouro grandes porções de água (doce, para
o Anopheles darlingi, e salobra, para o Anopheles aquasalis), por isso, no
Brasil, a maior incidência da doença ocorre na região amazônica. Eles também
têm maior atividade durante a noite, geralmente picando no interior das
habitações. 1
Cerca de 40% da população mundial vive em áreas de risco de
transmissão da malária, resultando em não menos de 300 milhões de pessoas
infectadas no mundo a cada ano, sendo que destes, 90% são de países
africanos, com um número total de mortes entre 1 e 1,5 milhões, constituindose a doença infecciosa que mais mata no mundo. 1
• História
No Brasil, há registros da doença de forma esporádica desde 1587. A
partir de 1870, com o início da exploração da borracha na região amazônica,
esta doença se torna um grande problema da Saúde Pública. Na mesma
época, a doença crescia no Vale do Paraíba e na Baixada Fluminense, pois os
trabalhos de combate à malária, que eram realizados pelos escravos,
cessaram em ocasião da abolição da escravatura. 1
Deste modo, a doença foi se alastrando até que no início do século XX a
malária ocorria praticamente em todo o território nacional. Foi somente a partir
de 1947 que se pode ter uma diminuição do número de infectados devido ao
emprego extensivo de DDT (dicloro-difenil-tricloroetano). Porém, a partir da
década de 70 o número de casos voltou a aumentar devido aos movimentos
migratórios internos para garimpos e mineração, construção de rodovias e
hidrelétricas, entre outros. 1
Atualmente, a transmissão da malária está restrita à região amazônica,
sendo raros os casos em outras regiões do país, sendo que em 2006 foram
540.047 casos na região amazônica e 135 no restante do país.2
• Prevenção
Não há vacina contra a malária. A prevenção se dá pelo uso de medidas
de proteção contra infecção transmitida por insetos, usando calças e camisas
de mangas compridas e repelentes nas áreas do corpo expostas quando
estiver em região de risco, também pelo uso de telas em portas e janelas,
mosquiteiros e inseticidas. Para pessoas que viajam para áreas de risco sem
acesso ao Sistema de Saúde, geralmente se emprega medicamentos
profiláticos, como a cloroquina e a mefloquina. 1
Cloroquina
Figura 1. Estrutura química da cloroquina e da mefloquina
A malária é causada pelo protozoário do gênero Plasmodium, que pode
ser
de
quatro
espécies:
Plasmodium
falciparum,
Plasmodium
vivax,
Plasmodium malariae e Plasmodium ovale. O P. ovale ocorre apenas na África,
e o P. falciparum é responsável pela malária mais grave, podendo ser fatal. No
Brasil, prevalecem as infecções por P. vivax e P. falciparum. 1
• Ciclo de vida do parasita3
Tudo começa com a picada do mosquito fêmea (o macho não vive
tempo suficiente para que se complete o ciclo). Este, antes de sugar o sangue,
injeta a sua saliva que contém a forma infectante que se chama esporozoíto.
Estes esporozoítos desaparecem rapidamente da corrente sanguínea (cerca de
1h) e vão para os hepatócitos (células do fígado) onde ocorre o ciclo de
reprodução.
Os esporozoítos dividem-se e formam uma célula gigante multinucleada
que se divide em várias células – merozoítos – e acaba por romper e lesar o
hepatócito. Depois estes merozoítos voltam a entrar em novos hepatócitos e o
processo se repete.
Isto corresponde a uma fase de incubação (2 a 4 semanas em média)
em que o doente não apresenta sintomas e que varia de espécie para espécie:
7 a 10 dias para o P. falciparum e 10 a 17 dias para o P. ovale e P. vivax.
Alguns destes merozoítos, em vez de entrarem para os hepatócitos, vão
para a corrente sanguínea e parasitam os eritrócitos. Passamos a ter
trofozoítos em forma de anel de sinete. Este trofozoíto inicial vai amadurecer e
vai sofrer processo de reprodução semelhante ao que ocorreu nos hepatócitos.
Passamos a ter então uma célula gigante multinucleada que se divide nos tais
merozoítos e que acabam por romper e lesar os eritrócitos. Estes merozoítos
vão entrar em novos eritrócitos e o ciclo se repete.
Alguns dos trofozoítos não entram para os eritrócitos e sofrem
diferenciação em gametócitos. O mosquito quando pica alguém infectado com
malária aspira sangue contendo gametócitos. Ao nível do seu intestino vai se
realizar a fusão entre o macro-gâmeta (masculino) e o micro-gâmeta (feminino)
e vai-se iniciar o ciclo sexuado do parasita no interior do mosquito, ou seja, o
mosquito é o hospedeiro definitivo e o humano é apenas um hospedeiro
intermediário.
Figura 2. Ciclo de vida do protozoário do gênero Plasmodium.
É da lise dos eritrócitos que provem a maioria dos sintomas da malária e
que corresponde às fases de crise desta: febre, arrepios, tremores, mialgias
intensas, mal-estar geral que dura entre 15 minutos a 1 hora.
• Tratamento
O tratamento tradicional da malária visa atingir o parasita em pontos
chave de seu ciclo evolutivo, os quais podem ser resumidos em:
a) interrupção ruptura dos eritrócitos, responsável pela doença e manifestações
clínicas da infecção;
b) destruição de formas latentes do parasita das espécies P .vivax e P. ovale,
os quais ficam em estado de latência nos hepatócitos, evitando assim as
recaídas tardias;
c) interrupção da transmissão do parasito, pelo uso de drogas que impedem o
desenvolvimento de formas sexuadas dos parasitas (gametócitos).
Para atingir esses objetivos, diversas drogas são utilizadas, cada uma
delas agindo de forma específica, tentando impedir o desenvolvimento do
parasita no hospedeiro.
A droga utilizada depende da espécie do parasita, da gravidade da
doença e da pessoa infectada. As mais utilizadas no tratamento convencional
são cloroquina e mefloquina, sendo que se sabe que o Plasmodium falciparum
já desenvolveu resistência a ambos os medicamentos.
A cloroquina age nas formas eritrocísticas do parasita, ou seja, este
fármaco age na fase do parasita que está dentro dos eritrócitos. Embora este
mecanismo de ação ainda não esteja claramente estabelecido, considera-se
que a cloroquina interage com o DNA do parasita e também inibe a ação
enzimática no hospedeiro.4
Devido à resistência do parasita desenvolvida em relação às drogas
tradicionais, e a partir de um programa de desenvolvimento de novos fármacos
aplicado na China e iniciado em 1956, tem-se estudado uma nova droga, a
artemisinina. Esta droga, que contém um grupo peróxido altamente reativo, em
contato com o ferro presente nas hemoglobinas, produz radicais livres que
destroem eficazmente os parasitas, que se reproduzem no interior destas
mesmas células.5
Figura 3. Estrutura química da artemisinina.
Os estudos mais recentes aplicam a nanotecnologia farmacêutica no
tratamento da malária. O objetivo é desenvolver microcápsulas, nanocápsulas
e lipossomas nos quais o fármaco, princípio ativo contra a malária, seja
encapsulado a fim de servirem como veículo para o mesmo. Outras vantagens
da utilização destes sistemas são: proteção do fármaco contra instabilidades do
organismo, liberação progressiva e continuada do mesmo através do
condicionamento de estímulos do meio (pH e temperatura), promovendo a
manutenção de uma concentração constante no sangue, diminuição da
toxicidade do fármaco pela redução dos picos de concentração máxima, a
possibilidade de incorporação tanto de substâncias hidrofílicas quanto
lipofílicas nos dispositivos e a possibilidade de direcionamento a alvos
específicos.6
• Lipossomas: são vesículas formadas por bicamadas concêntricas de
fosfolipídios, com o interior aquoso. Podem transportar compostos
hidrossolúveis em seu interior, e também lipossolúveis no meio de sua
camada lipídica. Sua vantagem é a liberação controlada de fármacos
devido à sua flexibilidade estrutural (fluidez da bicamada lipídica) e
possibilidade de direcionamento do fármaco para sítios específicos
(através de ligantes de direcionamento na superfície da bicamada). 6
Figura 4. Esquema estrutural de um lipossoma.
O tratamento conhecido utiliza como fármaco sintético denominado
artemeter, derivado da artemisina, que é efetivo contra o P. falciparum, o
qual se tornou resistente a cloroquina e mefloquina. A bicamada lipídica da
lipossoma
é
formada
por
dipalmitoilfosfatidilcolina
(DPPC),
diberenoilfosfatidilcolina (DBPC) e colesterol, sendo este último o
“direcionador”, de forma que o fármaco, devido a seu caráter lipofílico, fica
localizado na bicamada lipídica. 6
Figura 5. Estruturas químicas do artemeter, da DPPC e do colesterol.
• Nanocápsulas: são
sistemas coloidais
vesiculares de tamanho
nanométrico, em que o fármaco está confinado em uma cavidade oca ou
oleosa, estabilizada por membrana polimérica. 6
Nos estudos realizados de nanocápsulas utilizadas no tratamento da
malária causada pelo vetor P. berghei, o princípio ativo utilizado foi a
halofantrina, dissolvida no interior lipofílico da nanocápula formada por
polímero de ácido lático, com a superfície modificada por polietilenoglicol, a fim
de reduzir a captura pelo sistema fagocitário e proporcionar o aumento do
tempo na circulação sanguínea. 6
Halofantrina
Polietilenoglico
Ácido lático
Figura 6. Estrutura química da halofantrina, do ácido lático e da unidade
estrutural do polietilenoglicol.
Observa-se que há modificação do perfil farmacocinético da halofantrina no
sangue, mantendo as concentrações plasmáticas do fármaco por mais de 70 h.
• Micropartículas:
são
partículas
poliméricas
esféricas
matriciais
(microesferas) ou reservatórios que promovem a liberação controlada de
fármacos hidrofílicos ou hidrofóbicos. 6
Figura 7. Esquema estrutural de microesfera e microcápsula.
No tratamento da malária, desenvolveram-se microesferas formadas de copolímero de ácido lático e glicólico (PLGA), contendo como princípio ativo a
desferrioxamina (DFO), um agente quelante de ferro com atividade antimalárica
in vitro e in vivo, desprovendo o parasita de ferro, o qual é essencial para seu
desenvolvimento. 6
Ácido
glicólico
Desferrioxamina
Figura 8. Estruturas químicas da unidade estrutural do PLGA e da DFO.
Como resumo, na tabela abaixo se compara as propriedades das
lipossomas, nanocápsulas e micropartículas.
Tabela
1.
Propriedades
relativas
de
lipossomas,
nanocápsulas
e
micropartículas.
Formação da
Estrutura
camada
Interior
protetora
Lipossoma
Nanocápsula
Micropartícula
Bicamada de
fosfolipídios
Camada
polimérica
Camada
polimérica
Tamanho
relativo
Aquoso
Pequeno
Oleoso
Pequeno
Aquoso/ Oleoso
Grande
Conclusão
Comparando-se os métodos de tratamento para a malária, a doença
infecciosa que acomete mais pessoas no mundo todo, vê-se que o tratamento
clássico já não funciona tão bem, considerando-se que o protozoário causador
da doença desenvolveu resistência aos fármacos tradicionais. A solução para
este problema é a
procura de novos
fármacos, com
propriedades
farmacocinéticas e mecanismos de ação diferentes dos tradicionais, e também
o desenvolvimento de novos métodos de entrega e liberação destes fármacos.
Este último pode ser resolvido através da utilização de nanocápsulas,
micropartículas e lipossomas, as quais mostraram tornar muito mais eficazes a
ação dos medicamentos à medida que direcionam os mesmos a seus sítios de
atuação, controlando também sua liberação, demonstrando que seu uso pode
ser estendido para outros fármacos, potencializando o tratamento de muitas
outras doenças.
Bibliografia
1. http://www.cives.ufrj.br/informacao/malaria/mal-iv.html,
acessado
em
03/08/2010.
2. http://portal.saude.gov.br/portal/saude/, Ministério da Saúde – Secretaria
de Vigilância em Saúde, 2007; acessado em 03/08/2010.
3. http://cc04-0.med.up.pt/Microdesgravadas/29_Plasmodium_Babesia.pdf,
Faculdade
de
Medicina
da
Universidade
do
Porto
(Portugal),
Microbiologia 2006/2007; acessado em 04/08/2010.
4. http://www.deg.com.br/pdf/literatura_pdf.php?cod=139, informações do
laboratório “Deg” o qual sintetiza a cloroquina no Brasil; acessado em
04/08/2010.
5. http://www.uefs.br/sitientibus/pdf/34/estudos_sobre_o_mecanismo_de_a
cao_da_artemisinina.pdf, “Estudo sobre o mecanismo de ação da
artemisina e dos endoperóxidos, a mais nova classe de agentes
antimaláricos – Parte I”, Universidade Estadual de Feira de Santana,
2006; acessado em 05/08/2010.
6. http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S151693322007000400003&script=sci_arttext&tlng=e,
“Nanotecnologia
farmacêutica aplicada ao tratamento de malária”, Revista Brasileira de
Ciências Farmacêuticas, Vol. 43, Nº 4, 2007, acessado em 09/08/2010.
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