Boletim Técnico ano 1 | número 5 | novembro de 2014 Malária Introdução: Doença infecciosa, não contagiosa, que acomete milhões de pessoas em zonas tropicais e subtropicais do globo (América do Sul e Central, África, Índia, Sudeste da Ásia e Oceania). Infecção comum em pacientes que viajam para os trópicos, provenientes de zonas não endêmicas. Estende-se por mais de 100 países, e mais da metade da população encontra-se exposta ao risco de aquisição da infecção. Causada por parasitas do gênero Plasmodium, ao qual pertencem quatro espécies; P. vivax, P. falciparum, P. malariae, P. ovale. Uma nova espécie já foi identificada como causa de malária em humanos no sudeste asiático; o Plasmodium knowlesi. Transmissão ocorre através da picada do mosquito fêmea Anopheles. É a mais importante doença parasitária, responsável por milhões de mortes no mundo, por ano. Na África a maioria das mortes ocorrem em crianças, devido à baixa imunidade. O objetivo desse boletim técnico é informar sobre a doença e o aparecimento recente de casos autóctones em Goiás. Epidemiologia: No Brasil a região Amazônica é responsável por 97% dos casos no Brasil. A posição geográfica de Goiás favoreceu o aparecimento de surtos da doença no estado. O grande fluxo de pessoas oriundas da região endêmica, a procura de trabalho, muitas vezes assintomáticas, foi fator determinante em áreas com espécies primárias, como o Anopheles darlingi. Entre 1999 a 2006, foram notificados 1018 casos importados e 23 autóctones, sendo que 78,3% dos casos foram de P. vivax e 21,7% de P. falciparum no estado de Goiás. Em função das atividades humanas, na busca de melhores condições de vida ou de sobrevivência, o homem modifica o meio ambiente criando as situações antrópicas, que na maioria das vezes, significam degradação da natureza pela ocupação desordenada. Essas modificações alteram o comportamento populacional, tanto de vetores quanto dos parasitas. O Plasmodium falciparum é responsável por quase todas as doenças graves. Endêmico na maioria das regiões, exceto na África. O P. vivax, dificilmente causa doença grave. O P. ovale e o P. malariae são menos comuns e geralmente não causam doença severa. Durante a picada do vetor, o mosquito injeta, através da saliva, esporozoítas, que migram para o fígado, infectando hepatócitos. Merozoítas são liberados do fígado, infectam hemácias, e iniciam o ciclo assexual eritrocítico, com produção de novos merozoítas e nova infecção de hemácias, levando a uma resposta imune do hospedeiro e consequentemente a manifestação clínica da doença. Alguns eritrócitos parasitados desenvolvem gametócitos sexuais, os quais são infecciosos aos mosquitos, completando o ciclo da doença. Transmissão vertical, por transfusão e turistas que viajam para áreas endêmicas, são formas descritas. P. vivax e P. ovale possuem formas latentes de hipnozoítas hepáticos, que não sofrem ação por drogas, sendo propensa à recidiva, mesmo depois da eliminação da parasitemia nos eritrócitos. Em regiões com alta endemia da doença, a população adulta e crianças mais velhas, que já apresentaram infecções repetidas vezes, adquirem imunidade ao Plasmodium que acaba por prevenir doença grave. Gestantes, crianças jovens e viajantes de área endêmica apresentam risco maior de desenvolver malária grave, justamente pela baixa imunidade ou primo-infecção ao Plasmodium. Apresentação clínica: Inicia com cefaléia, fadiga, mal estar e febre. Seguido de calafrios, febre alta (acima de 40ºC), sudorese. Pacientes mantêm-se assintomáticos entre os episódios de febre, que apresenta um padrão irregular, geralmente precedendo a doença, com posterior evolução para febres regulares, a cada 48h (P. Vivax e P.ovale) ou a cada 72h (P. malariae), especialmente para a doença não falciparum. Outros sintomas como mal estar, mialgia, artralgia, tosse, dor torácica e abdominal, anorexia, náuseas, vômitos, diarréia, convulsões, neste último caso quando há envolvimento do SNC. Ao exame físico, o paciente apresenta anemia, icterícia e hepatoesplenomegalia. Rash e linfadenomegalia são incomuns e quando presentes, sugerem outro diagnóstico. Deve-se suspeitar de todo paciente com febre, com história de viagem a zonas endêmicas. A febre pode variar de dois meses (P. Falciparum) há um ano. Malária grave é caracterizada por sinais de disfunção orgânica ou alta carga de parasitemia (parasitemia periférica > 5% ou > 200.parasitas/mcL em sangue periférico). Causada principalmente pelo Plasmodium falciparum, porque é a espécie que infecta hemácia(s) em todos os estágios, além de ser mediada pelo sequestro de eritrócitos infectados em pequenos vasos e no baço. Paciente evolui com rebaixamento do sensório, convulsão e coma. Anemia grave, hipotensão, choque, edema pulmonar não cardiogênico, síndrome respiratória aguda, IRA (necrose tubular renal ou hemólise intensa), hipoglicemia, acidose, icterícia por hemólise, insuficiência hepática, distúrbios de coagulação, hemorragias, CIVD, infecção bacteriana secundária como pneumonia e Salmonella são bastante comuns. Diagnóstico: O diagnóstico padrão ouro permanece a gota espessa, com coloração por Giemsa. Se a doença é fortemente suspeita, deve-se repetir o procedimento com intervalo entre 8 a 24horas. Testes rápidos, utilizando imunocromatografia, em formato “dipstick”, ainda não são padronizados, mas devem ser analisados de forma isolada, de acordo com o caso, clínica do paciente, protocolo e local onde ocorre a doença. No geral apresentam alta sensibilidade e especificidade, mas não devem ser utilizados isoladamente para diagnóstico. Sorologias como IFI, imunoensaio, não devem ser utilizados para diagnóstico, pois eles indicam história de contato com o Plasmodium e não a causa da doença ativa. Técnicas envolvendo RT- PCR apresentam uma alta sensibilidade e especificidade, mas não devem ser utilizados (as) na rotina, pois detectam infecções subclínicas que na prática não receberiam tratamento. Outros achados clínicos laboratoriais inespecíficos mais comuns incluem anemia, leucocitose ou leucopenia, trombocitopenia, alteração de enzimas e função hepática, aumento de uréia, creatinina. Diagnóstico diferencial se faz com Leptospirose, Dengue, Febre Maculosa, Febre Tifóide, Sepse bacteriana, Meningococcemia, Chikungunya e outras febres hemorrágicas. Parque Flamboyant, Jardim Goiás, Goiânia. Discussão: Sete casos confirmados de malária autóctones em Goiânia, nos últimos 11 dias, um bebê de 8 meses, 3 homens e 3 mulheres, com idades entres (entre) 15 a 53 anos, que moram ou frequentam o Parque Flamboyant, situado no Jardim Goiás. Somente a situação do bebê é que ainda está sendo investigada. A Secretária (Secretaria) Municipal de Saúde e o Ministério da Saúde estão realizando em conjunto, uma ação de investigação epidemiológica, identificação de casos antigos e procura de casos novos, além de tentativa de controle do surto local de casos, através da educação da população (incentivando o uso de repelentes), do controle do vetor, o mosquito Anopheles, utilizando os populares “veículos fumacês” para borrifação de inseticidas, pesquisa do parasita no sangue de casos novos e de contactantes de pessoas doentes, do mesmo local, mesmo que sejam assintomáticos, para medidas de controle e prevenção, além de captura do inseto para análise da presença do Plasmodium. Casos de malária, leishmaniose, febre amarela e outras doenças infecciosas, sempre ocorrem em lugares onde o ciclo destas doenças já existe entre mamíferos e outras espécies e o homem acaba sendo um hospedeiro acidental, ao desmatar florestas para urbanização, criação de gado, garimpo e outras atividades econômicas. No caso acima, a se confirmar, parece ter ocorrido uma introdução de um hospedeiro assintomático ou oligossintomático, proveniente de área endêmica como África, Amazônia (,) associado a presença do vetor, que se adapta bem ao ambiente do parque com árvores e lago, para manter seus hábitos noturnos e reprodução em água parada. Semelhante à introdução do Chikungunya no Brasil; presença de Aedes aegypti e de população susceptível. A educação da população, diagnóstico precoce, notificação, treinamento dos médicos e erradicação do vetor são essenciais para o controle da malária nessa região. Objetivo da vigilância epidemiológica agora é controlar os vetores, eliminando os focos, no intuito de diminuir o risco de um novo caso. Abaixo, uma tabela com o tratamento das espécies de malária, retirada do Centers of Disease Control and Prevetion. Fonte: www.cdc.com · Referências: 1. Harrison´s Principles of Internal Medicine: Malaria, 17th edition, 2008. P 1280-1293, 4. Veronesi-Focaccia et al: Tratado de Infectologia, Malária, 2009. P 1737-1792. 2. Papadakis MA, Mcphee SJ: Malaria. Current Medical Diagnosis and Treatment, 2014. P 1442-1450. 5. Manoel ER, Espécies de Anopheles em municípios de risco e com autoctonia da malária no estado de Goiás no período de 1999 a 2006. Universidade de Goías, Instituto de Patologia Tropical e Saúde Pública. Programa de Pós-graduação em Medicina Tropical, Goiânia, 2007. 3. Centers for Diesease Control an Preventions: Treatment of Malaria(guideline for clinicians). Atlanta, Departmente of Health and Huamn Services. www.cdc.gov CAMPOS, João Paulo Ramos Médico especialista em infectologia e clínica médica, coordenador e preceptor da residência de clínica médica do hospital da Baleia em Belo Horizonte, plantonista de terapia intensiva do hospital Eduardo de Menezes da FHEMIG. Responsável pela assessoria científica na área de infectologia no Hermes Pardini. Laboratório Padrão Rua 83, n° 444, Setor Sul - Goiânia-GO Acesse www.padrao.com.br para baixar este e os demais Boletins Técnicos.