A economia nada é sem um projeto de vida - Corecon

Propaganda
A Economia e a Vida
Marcus Eduardo de Oliveira (*)
Talvez o maior erro do sistema capitalista seja o fato de ter baseado a
vida econômica na acumulação de capital, identificando isso como sinônimo de
progresso.
Nesse sentido, acumular significa, grosso modo, enfatizar o “ter”, em
detrimento do “ser”. Essa é a característica emblemática de um sistema que se
assenta sobre todo e qualquer modo para se atingir essa finalidade; razão pela
qual a exploração, em toda sua plenitude, é largamente observada na maneira e
nos modos como esse sistema opera.
Pois bem. Ao ler o ensaísta equatoriano Eduardo Mora-Anda (A História
dos Ideais), que faz consistente crítica sobre a maneira de proceder desse
sistema, verificamos que “o capitalismo supõe que o dinheiro é fértil e deve
produzir lucros, o que é mentira, porque o dinheiro, de per si, sem trabalho, não
produz nada”.
No entanto, a ciência econômica, à lá mercantilização capitalista da vida,
insiste em inverter essa situação e apregoar dentro dos mecanismos que
comandam o mercado, que dinheiro gera dinheiro, que dinheiro trás felicidade.
Conquanto, quando a economia pelas mãos de Adam Smith, nas duas
últimas décadas do século XVIII, se fez ciência, nasceu com o propósito de
explicar o “progresso das nações”. Isso pode ser considerado um avanço à
época, pois superava largamente a idéia mercantilista - que se consolidou a
partir do período histórico da Revolução Comercial (séculos XVI – XVIII) - de que
o acúmulo de metais preciosos era a finalidade ímpar, e a condição sine qua
non, para se tornar forte e dinâmico; tudo isso, é claro, movido por algo
“nobre”: a ação individual das pessoas. Era o individualismo correndo na busca
pelo dinheiro; portanto, pelo “progresso”.
Desse modo, com Smith e os demais clássicos ingleses, o individualismo
ganhou referência ímpar em termos de análise econômica. Isso serviu de base
ao liberalismo econômico clássico; afinal, “os homens são por naturezas
egoístas, motivados apenas por interesses próprios” dizia Dudley North.
Pois bem. Tomando por base essas primeiras lições econômicas, três
idéias puderam ser afloradas: 1. É necessário acumular; 2. É preciso ser
individualista; 3. Que se dane o resto.
Ora, tais pressupostos, decorridos mais de 230 anos, infelizmente se
petrificaram a ponto de se converter em paradigma. No entanto, é preciso
mudar essa história. Deus nos criou para amarmos as pessoas e utilizarmos as
coisas. Todavia, por conta desses pressupostos, estamos também invertendo
isso e amando as coisas e utilizando as pessoas.
Mas, algo precisa ser feito. Sugestão: a ciência econômica, “manipulada”
pelos homens de bem, precisa encontrar alternativas nas políticas públicas para
promover melhorias na vida das pessoas que participam da atividade
econômica, ora produzindo, ora consumindo, trocando mercadorias, gastando
seus recursos ou mesmo poupando-os. Isso é economia! Em outras palavras, a
economia precisa funcionar para o bem maior, ainda que seja necessário
algumas vezes remar contra a maré. Só faz sentido se pensar em Economia
(enquanto ciência/conhecimento/atividade) quando “acoplamos” nas diversas
variáveis econômicas a figura primordial do indivíduo, até mesmo porque toda a
atividade produtiva gira em torno de quem? Gira em torno desse indivíduo que
responde à economia com seus desejos e necessidades, indispensáveis à sua
sobrevivência.
Na verdade, não importa saber se a economia (enquanto atividade) vai
bem ou vai mal; o que realmente importa saber é quem (eu, você, nós) vai bem
e quem (ele, ela, todos nós) vai mal na economia. Esse quem se refere às
pessoas; somos todos nós, participantes da economia, ainda que, pela regulação
econômica atual, cujo predomínio é dado pelas grandes corporações detentoras
de capital, em que prevalecem apenas as exorbitantes taxas de lucros, nós, os
participantes da vida econômica, sejamos colocados como meros coadjuvantes,
e não como as personagens principais desse enredo.
Há problemas diversos a serem superados? Há dificuldades por vezes que
se apresentam intransponíveis? Há limites impostos pelas leis da natureza? Há
escassez a serem dribladas, principalmente quando essas são “criadas”
adredemente para que os preços subam? Para cada uma dessas indagações, a
resposta é SIM.
Conquanto, há ainda algo muito mais importante a ser feito: é a
necessidade de se consolidar em cada um de nós o sentimento plausível da
construção de outra economia. Que outra economia? Essa outra economia é
possível e alcançável? Sim. Essa outra economia que aqui faço alusão é humana,
é social, é equilibrada ecologicamente. Essa outra economia é justa e
participativa, é solidária e fraternal, é coletiva, e não individual, apesar dos
manuais acadêmicos recomendarem a prática sistemática do individualismo
como dissemos anteriormente.
Essa outra economia passa pela solidariedade e aponta dedo em riste
para o lado social como porta de entrada para um mundo melhor, sempre
esperando que os novos modelos econômicos de crescimento englobem o
indivíduo como ponto focal em suas análises.
A economia não é somente o mercado e as mercadorias. A economia não
são somente as taxas, os índices, os indicadores, os lucros, os grandes
conglomerados, as finanças, os números e os gráficos que compõem o universo
de análise técnico-acadêmica. A economia é o indivíduo que trabalha, que
produz, que negocia, que vive, que carece de ajuda, que sonha com um amanhã
melhor.
A outra economia que, creio, todos queremos, é a economia do
crescimento com qualidade, com equilíbrio, com justiça social. É a economia
que soma e inclui; não aquela que divide e exclui e, por isso, se torna desigual,
acumulando injustiças sociais, indo muito mal. A economia que queremos não é
aquela que torna a “sociedade malvada” nas sábias palavras do professor Paulo
Freire (1921-97). A economia que todos queremos é dinâmica e expansiva e, por
isso (e também para isso), capaz de “construir um mundo onde todos ganhem”,
nas palavras da economista Hazel Henderson.
A economia que queremos deve se pôr à serviço das pessoas, e não
esperar que as pessoas se coloquem à serviço dessa economia. A economia que
ansiamos reconhece o papel das pessoas e respeita os limites da biosfera ao não
propor, por exemplo, um crescimento a qualquer preço, sem regras
estabelecidas. A economia que queremos ver praticada em nossa sociedade
propõe trocar o atual modelo de crescimento (expresso em quantidade) por um
modelo de desenvolvimento (expresso em qualidade), até mesmo porque, em
momento algum, quantidade significou qualidade. Quantidade satisfaz apenas a
ganância e a mesquinhez consumista; enquanto qualidade satisfaz o espírito e
enobrece as relações humanas.
A outra economia que esperamos ver em breve nos próximos tempos se
preocupa com a felicidade das pessoas, busca o bem estar comum. A outra
economia que sonhamos, por fim, sabe de seus limites e se reconhece como
apenas um meio, pois compreende firmemente que se há um final, esse
certamente é a vida de cada um. E que essa vida seja economicamente melhor
para todos – e por todos - com bem-estar e com capacidade de sempre se
renovar para continuar sua evolução, com limites, com respeito, com
organização democrática, com a participação coletiva.
A ciência econômica nasceu para isso. Disso não tenhamos dúvida. A
Economia – ciência - nasceu para apontar alternativas na construção de um
mundo melhor, para propor caminhos que levam cada um de nós a escolher as
melhores decisões, maximizando nossos desejos e esperando que o coletivo se
fortaleça, pois não há progresso verdadeiro quando o próximo passa fome.
A economia se fez ciência definitivamente para junto às outras ciências
definir soluções responsáveis em matéria de boa governança na aplicação do
dinheiro público, visto que a “alimentação” dos cofres públicos sai do bolso do
contribuinte.
A ciência econômica nasceu, sobretudo, para promover a democracia
econômica e, a partir do resgate da valorização das ações coletivas promover
algo mais: a libertação de cada um de nós e do todo.
Para tanto, é necessário que estejamos adaptados e preparados para
essas mudanças. Quanto a isso, não tenhamos dúvidas que a economia muda,
em geral, mais rapidamente do que a nossa capacidade de organizá-la. Por isso,
entender a economia e seus meandros (macro e microeconômicos) são
fundamentais para a realização dessa mudança.
Definitivamente, a ciência econômica precisa se firmar adotando uma
postura em favor da natureza (crescer sem destruir) e da vida (eliminar a
exclusão e priorizar o indivíduo). Para tanto, é imprescindível condenar o
individualismo que reina às soltas nas noções iniciais de economia e incorporar,
em seu lugar, os princípios da economia solidária pautadas na cooperação. Por
fim, as técnicas econômicas precisam ser redesenhadas pondo os meandros da
macroeconomia à serviço de um bem maior: a vida; afinal, cabe reiterar, o fim é
a vida, e, o meio, pode ser a ciência econômica.
(*) Professor de economia da FAC-FITO e do UNIFEIO (São Paulo)
Autor dos livros “Conversando sobre Economia”, “Pensando como um
Economista” e “Provocações Econômicas” (no prelo).
Os artigos desse autor em torno de questões econômicas têm sido
amplamente publicados no Brasil e no exterior, com destaque em Portugal, Cabo
Verde e Angola, além do jornal PRAVDA (Rússia).
Contato: [email protected]
Download