DEFINIÇÃO E USOS DA DIALÉTICA EM ARISTÓTELES

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DEFINIÇÃO E USOS DA DIALÉTICA EM ARISTÓTELES – ALGUMAS NOTAS
CENCI, Márcio Paulo
Prof. Dndo. da Unifra,
[email protected]
Colaborador
PIBID/UNIFRA/CAPES/Subprojeto
Filosofia.
Contato:
OLIVEIRA, Iuri
Acadêmico do curso de Filosofia da Unifra; Bolsista PIBID/UNIFRA/CAPES/Subprojeto Filosofia. Contato:
[email protected]
CÔVOLO, Lizandra
Acadêmica do curso de Filosofia da Unifra; Bolsista PIBID/UNIFRA/CAPES/Subprojeto Filosofia. Contato:
[email protected]
RESUMO
Objetiva-se apresentar algumas notas referentes à dialética em Aristóteles (384-322 a.C.). Para tanto, faz-se uma
retomada da definição da mesma, através dos textos do autor, desenvolvendo seus distintos usos dela
mencionados, de acordo com o filósofo. Tomou-se como guia na investigação algumas afirmações de Berti
(1998). Considerando a fase em que se encontra a pesquisa, trechos pontuais foram selecionados, levando em
conta não apenas as indicações do comentador acerca do texto no qual é tratado sua dialética, mas outros, os
quais permitem ao trabalho um modo mais objetivo de explicitar pontos da dialética.
Palavras-Chave: Dialética; Aristóteles; Usos da dialética.
I. Introdução
O presente texto aborda questões relativas à “dialética” em Aristóteles (384-322 a.C.). O objetivo é
apresentar algumas elucidações em torno da mesma, com a pretensão de desenvolver ulteriormente
suas implicações no ensino, tendo como referência a seguinte pergunta: há algo na dialética, tal como
Aristóteles a entende, que contribua para o ensino de Filosofia? Para tanto, procede-se através de
consulta bibliográfica. Inicialmente, é apresentada a) uma definição geral de dialética; a seguir, b) são
reconstruídos alguns elementos contidos nos Tópicos, texto em que é exposta a “dialética” aristotélica,
dentre eles seus três usos. Considerando que a pesquisa encontra-se em fase inicial, e a consulta ao
texto do filósofo foi limitada a trechos precisos, tal ponto é levantado e apresentado segundo Berti
(1998). Além disso, são tratados c) pontos bem específicos do “Quadrado de Oposições”, o qual,
embora integre os Primeiros e Segundos Analíticos (cujo conteúdo se refere à lógica, propriamente
dita), permite o esclarecimento acerca de qual relação de oposição proposicional é precípua à dialética.
II. Desenvolvimento
A) Conceituação da dialética
Quando há referência à dialética cabe mencionar que o termo se presta a certos equívocos. Em
primeiro lugar, por sua etimologia, dialektiké significa, em sentido geral, “discussão ou conversa por
meio de perguntas e respostas, habilidade para discutir ou argumentar por meio de perguntas e
respostas; por extensão: método ou arte de argumentação que opera com opiniões contrárias”
(CHAUÍ, 2002. p. 497-8). Em autores como Platão e Aristóteles é que ela ganha significação mais
específica. No primeiro, é o meio pelo qual se chega à essência das coisas, é o percurso segundo o qual
o conhecimento ocorre. Já no segundo parece haver uma concepção díspar a respeito, na medida em
que há distinção entre os usos da dialética.
Outro esclarecimento é que a dialética não se identifica com a lógica aristotélica1, em sentido
estrito, porque a última é uma forma de racionalidade extremamente forte, designada por Aristóteles
de “analítica”, uma vez que parte dos princípios comuns às ciências e dos princípios relativos a uma
ciência, o que configura uma exposição acabada, pronta, sem lacunas, na qual todos os silogismos
possuem seu termo médio claramente definido e que se caracteriza pelo rigor formal e demonstrativo.
Já a primeira é uma forma de racionalidade especulativa, de exploração das possíveis soluções a uma
questão, ao processo de descoberta dos princípios próprios das ciências.
B) A dialética de Aristóteles segundo Berti
Aristóteles define dialética no início dos Tópicos, quando delimita o escopo da pesquisa, cujo
“propósito é encontrar um método a partir do qual possamos raciocinar sobre todos os problemas que
se no proponha, a partir de coisas plausíveis2 [opiniões geralmente aceitas (éndoxa)], e graças ao qual,
se nós mesmos sustentamos um enunciado, não digamos nada que lhe seja contrário” (Tóp. I 1, 100 a
18-21). Observe-se que fica muito claro tratar-se a dialética de um método segundo o qual se possa
investigar algo partindo de opiniões geralmente aceitas; tais opiniões, contudo, devem ser de domínio
comum de quem as aceita ao iniciar uma investigação, são as opiniões dos mais famosos, eminentes,
reconhecidos, ou dos sábios, a respeito de algo que se pretenda explorar.
A seguir Aristóteles distingue três usos possíveis da dialética. Um referente ao exercício
pessoal, isto é, do indivíduo consigo mesmo que busca se preparar educando e treinando sua mente
através de raciocínios. Outro que se refere ao debate em público, em virtude de discussões de ordem
política, onde há defesa de um determinado posicionamento, tendo outrem como adversário e
possivelmente um público como árbitro, cuja finalidade pode ser judiciária e/ou política. Por fim, há
um uso relativo à ciência, a qual para Aristóteles é sinônimo de filosofia, contudo, aqui segue Berti
que o denomina uso relativo às “ciências filosóficas”.
A importância desse terceiro uso está no desenvolvimento das aporias (literalmente, beco sem
saída) em ambas as direções, ou seja, distinguindo o verdadeiro do falso (Tóp. I 1, 101 a 34-36). Tal
1
Ambas estão agrupadas além de algumas outras obras sob o título amplo de Órganon, pois os textos
aristotélicos referentes a questões de linguagem foram entendidos, desde Andrônico de Rodes (seu primeiro
classificador), como constituintes de um conjunto que parte dos elementos mais simples (Categorias), passa à
análise da proposição em seus diferentes tipos (Sobre a interpretação), a seguir viriam os silogismos em geral
(Analíticos Primeiros) e os especificamente científicos (Analíticos Segundos). Além desses textos, como um
anexo, pertenciam ao conjunto considerações acerca de um tipo alternativo de discurso, mas secundário quanto à
sua relevância científica (Tópicos e as Refutações Sofísticas).
2
Ou “opiniões geralmente aceitas (éndoxa)”, tal como sugere Berti (1998, p. 23)
uso, em primeiro lugar, está situado no interior de uma ciência filosófica, e tem como objetivo o
conhecer, relaciona-se também com as aporias, quando argumentos opostos reivindicam forças
similares, e tem referência ainda com o desenvolvimento das aporias “em ambas as direções”, ou seja,
com o objetivo de verificar todas as conclusões possíveis a que se pode chegar e pesar seu valor. Isso
se justifica, segundo Berti (1998, p. 36), em outro trecho, no qual Aristóteles afirma que “o poder ver e
haver visto globalmente as consequências que se desprendem de uma ou outra hipótese não é um
instrumento [órganon] de pouca monta para o conhecimento e o bom sentido filosófico, pois só resta
eleger corretamente cada uma das duas coisas” (Tóp. VIII 14, 163 b 9-12).
Há, nesse ponto, um uso cognitivo da dialética, o qual permite conhecer o verdadeiro e o falso
e daí ser a dialética um bom instrumento ou método da própria filosofia, ainda que permaneçam
diferenças inegáveis entre ambas.
Para Berti, aliás, há uma diferença entre a dialética praticada por Sócrates e uma forma mais
forte, praticada por Aristóteles, a qual é apresentada explicitamente em uma passagem da Metafísica
(XIII 4, 1078 b 23-27), onde o estagirita afirma que no tempo de Sócrates a dialética não havia
alcançado um nível que a permitisse investigar se não fosse a essência, alegando, por outro lado, que
em seu tempo é permitido à dialética fazê-lo, isto é, investigar não as aporias relativas exclusivamente
à essência, mas independentemente desta. Por outras palavras,
Investigar os opostos significa, com efeito, estabelecer o valor, de verdade ou
falsidade, das duas soluções opostas a uma mesma aporia, o que Platão faz
deduzindo as consequências que derivam de ambas, para ver quais levam a
conclusões impossíveis e quais, ao contrário, não. Tudo isso pode se feito
„independentemente da essência‟, isto é, sem pressupor o conhecimento dos
princípios, porque não se trata de uma racionalidade apodíctica, mas de uma
racionalidade dialética, mesmo em seu uso cognitivo. (BERTI, 1998, p. 37).
Ademais, há outro ponto no referido trecho da Metafísica (XIII 4, 1078 b 23-27), segundo o
qual cabe “investigar se a mesma ciência se ocupa da essência e dos contrários”. Ora, no que se refere
à academia platônica isso é um tanto evidente, uma vez que nela se fazia uso da dialética como forma
de conhecimento, sendo idênticas “dialética” e “ciência dos contrários”; mas, nesse trecho, há também
alusão “a uma investigação capaz de estabelecer em quais condições a ciência dos opostos é a mesma
e em quais não” (BERTI, p. 37). Nesse caso há menção ao tipo de oposição existente entre opiniões
distintas. Se a questão se refere ao tipo de oposição entre proposições não há por que recusar a apoio
de uma estrutura utilizada e descrita pelo próprio Aristóteles, e desenvolvida ao extremo pelos
medievais: o Quadrado de Oposição.
C) O Quadrado de Oposição e as relações proposicionais da dialética
Segundo esse quadro existem quatro aspectos entre as proposições passíveis de consideração
científica. Eles são: qualidade, quantidade, modalidade e relação. No primeiro deles, as proposições
são divididas em afirmativas e negativas; no segundo, podem ser universais e particulares, ou seja,
referir-se a “todos” ou a “algum(ns)”. Há aqui possível entrecruzamento entre os dois aspectos
referidos, podendo-se formar proposições tanto universais afirmativas e negativas, quanto particulares
afirmativas e negativas. O terceiro aspecto refere-se à modalidade, onde as proposições podem ser
necessárias (o predicado pertence à essência do sujeito), não-necessárias ou possíveis (o predicado
pode pertencer ou não ao sujeito) e impossíveis (em que sob hipótese alguma o predicado pertence ao
sujeito). Por fim, há a relação – e este ponto é o que mais interessa quanto ao presente propósito.
Uma vez que entre as proposições é possível estabelecer relações, estas são tanto de
dependência quanto de oposição. Assim, uma oposição referente à relação entre duas proposições
universais, sendo uma delas afirmativa e a outra negativa, chama-se de Contrariedade 3; outra entre
proposições, uma particular afirmativa e outra universal negativa, ou entre uma particular negativa e
uma universal afirmativa, chama-se Contraditoriedade; entre proposições particulares, uma afirmativa
e a outra negativa há a oposição de Subcontrariedade; e entre uma universal negativa e sua
correspondente particular, ou entre uma universal afirmativa e sua correspondente particular, há a
relação de Subalternidade.
Segundo Aristóteles, o uso da dialética que permite distinguir o verdadeiro e o falso, ao qual
acima fez-se referência, ocorre na oposição de Contraditoriedade, pois segundo as regras do Quadrado
de Oposição, se se sabe da verdade de uma proposição, nesse tipo de oposição, infere-se,
necessariamente, a falsidade da outra, e, por outro lado, se se sabe a falsidade de uma conclui-se a
verdade da outra. Isso porque quando se considera a oposição de Contrariedade e se sabe a falsidade
de uma (A ou E), as regras do Quadrado não permitem inferir qualquer juízo acerca da outra
proposição, ela é uma incógnita. Contudo, se se sabe da verdade de A, pode-se seguramente inferir a
falsidade de E, do mesmo modo, se se sabe da verdade de E, conclui-se a falsidade de A. Ou ainda, se
é conhecida a verdade de uma proposição na oposição de Contrariedade, pode-se inferir a falsidade da
outra, mas a recíproca é inválida quando se sabe apenas da falsidade de uma das proposições, porque
nesse caso apenas é lícito afirmar que a outra não permite que seja dita algo acerca de sua verdade ou
falsidade. Assim, “a dialética é verdadeiramente „forte‟, porque permite „distinguir mais facilmente em
cada uma [das duas opiniões] o verdadeiro e o falso‟” (BERTI, p. 38), notando-se que apenas quando
se trata de proposições cuja relação opositiva é de Contraditoriedade, e nos dois casos mencionados
de Contrariedade.
Além disso, o terceiro uso da dialética, mencionado pelo filósofo, é válido para as ciências
filosóficas, porque através dele se chega aos princípios de cada ciência. Como se sabe, os princípios de
uma determinada ciência são indemonstráveis, pois do contrário, cair-se-ia numa busca ad infinitum e
nunca alguém chegaria a estabelecer um único princípio. Assim, os princípios são primeiros por si
mesmos, e a eles resta apenas a aplicação de um procedimento: o que se serve dos éndoxa, isto é, da
dialética. Devido ao fato de ela ser “interrogativa (exetastiké), examinativa, investigativa (exétasis,
3
Segundo Cirne-Lima (2002), é somente quando há esse tipo específico de relação proposicional que ocorre a
possibilidade da Dialética em seu sentido próprio, isto é, na medida em que tese (falsa) e antítese (também falsa)
encontram uma expressão mais perfeita, a síntese.
como sabemos sinônimo de péira), possui o caminho que conduz aos princípios de todas as
disciplinas, ou seja, serve para chegar ao conhecimento destes” (BERTI, p. 39). Talvez haja aqui
menção implícita ao noûs, ou seja, à inteligência, ou ciência an-apodíctica. Se for assim, a dialética é o
caminho, o percurso que leva ao noûs, ao conhecimento dos princípios.
III. CONSIDERAÇÕES FINAIS
A dialética, para Aristóteles, portanto, não somente serve às ciências filosóficas na distinção
entre verdadeiro e falso „independentemente da essência‟, onde não há princípios, e onde, por
consequência, não podem ser feitas demonstrações stricto sensu. Mas, ademais, a dialética serve para
se chegar à descoberta dos princípios, para instituir aquela forma de conhecimento superior à própria
ciência por ser sua própria condição de existência: a inteligência. E sua força é efetiva quando se
mostra diante da oposição não apenas dos casos de Contraditoriedade, mas também em alguns de
Contrariedade.
Até então, pois, foi possível explorar tais aspectos da dialética aristotélica, e mesmo
parcialmente é possível observar que, enquanto os dois primeiros usos fazem menção à prática, seja do
estudo pessoal, seja da discussão pública, o terceiro se insere na categoria de investigação, ou de um
uso cognitivo, cujo objetivo é o conhecimento e não apenas o exercício retórico, por exemplo.
Sobretudo esse terceiro uso parece ser válido para se pensar o ensino de filosofia. Sem dúvida, tal
afirmação carece de aprofundamento, mas é uma hipótese, a princípio, plausível.
IV. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ARISTÓTELES. Tratados de lógica I (Órganon): Categorías; Tópicos; Sobre las Refutaciones
Sofísticas. Introducción, traducción y notas de Miguel Candel Sanmartín. Madrid: Editorial Gredos,
2000. 390 p. (Biblioteca Clásica Gredos: 51).
BERTI, Enrico. As razões de Aristóteles. Trad. de Dion Davi Macedo. São Paulo: Edições Loyola,
1998. 191 p. (Coleção Leituras Filosóficas, n° 4).
CHAUÍ, Marilena. Introdução à História da Filosofia: dos pré-socráticos a Aristóteles, vol.1. 2.ed.,
rev. e ampl. São Paulo: Companhia das Letras, 2002. 539 p.
CIRNE-LIMA, Carlos Roberto V. Dialética para principiantes. 3.ed. São Leopoldo: Editora
Unisinos. 2002. 247 p. (Coleção Idéias, n° 5).
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