UNIJUÍ – UNIVERSIDADE REGIONAL DO NOROESTE DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL DHE – DEPARTAMENTO DE HUMANIDADES E EDUCAÇÃO CURSO DE PSICOLOGIA A DOENÇA: ASPECTOS PSICOLÓGICOS ENVOLVIDOS NO PROCESSO DE ADOECIMENTO E O PSICÓLOGO HOSPITALAR NA ÓRBITA DA DOENÇA SHELI LEWANDOWSKI DA ROSA SANTA ROSA (RS) 2015 SHELI LEWANDOWSKI DA ROSA A DOENÇA: ASPECTOS PSICOLÓGICOS ENVOLVIDOS NO PROCESSO DE ADOECIMENTO E O PSICÓLOGO HOSPITALAR NA ÓRBITA DA DOENÇA Monografia apresentada ao curso de Psicologia da Universidade Regional do Noroeste do Rio Grande do Sul – UNIJUÍ, como requisito parcial à obtenção do título de psicólogo. ORIENTADORA: Silvia Cristina Segatti Colombo SANTA ROSA (RS) 2015 “Que eu não perca o equilíbrio, mesmo sabendo que inúmeras forças querem que eu caia.” Chico Xavier A DOENÇA: ASPECTOS PSICOLÓGICOS ENVOLVIDOS NO PROCESSO DE ADOECIMENTO E O PSICÓLOGO HOSPITALAR NA ÓRBITA DA DOENÇA Sheli Lewandowski da Rosa Orientadora: Silvia Cristina Segatti Colombo RESUMO A doença é um fenômeno social. Todas as pessoas em algum momento da vida poderão adoecer ou já adoeceram. Dependendo do diagnóstico, uma hospitalização se torna necessária. O ambiente hospitalar provoca no sujeito vários sentimentos e um profissional habilitado para lidar com essa situação se torna imprescindível neste processo. Este trabalho de conclusão de curso abordará no primeiro capítulo alguns conceitos sobre doença, doença como algo singular, e a órbita da doença. Já no segundo capítulo serão abordados os seguintes temas: os aspectos psicológicos que estão envolvidos no processo de adoecimento como o sofrimento psíquico diante do processo de hospitalização e o trabalho do psicólogo hospitalar com o paciente no leito. A doença mostra como é frágil a nossa condição existencial. A subjetividade do sujeito está diretamente ligada ao seu adoecimento. Cada sujeito é singular e mesmo portadores da mesma doença, passarão por este processo de maneira diferente. A órbita da doença está organizada para se observar a reação do sujeito diante de situações difíceis que podem surgir em sua vida. O psicólogo hospitalar sempre vai tratar o sujeito de forma singular. Ele trabalha com a subjetividade que é algo fundamental para o sujeito hospitalizado, mas que muitas vezes é deixada de lado. Palavras-chaves: adoecimento – aspectos psicológicos – psicologia hospitalar. SUMÁRIO INTRODUÇÃO.........................................................................4 1 A DOENÇA...........................................................................6 1.1 A doença e o sentir-se doente........................................8 1.2 A órbita da doença.........................................................11 2 A DESPERSONALIZAÇÃO NA HOSPITALIZAÇÃO......15 2.1 O sofrimento psíquico..................................................17 2.2 O trabalho da psicologia hospitalar............................21 2.2.1 O psicólogo hospitalar na órbita da doença.........26 CONSIDERAÇÕES FINAIS................................................30 REFERÊNCIAS...................................................................32 INTRODUÇÃO Esta monografia tem como tema a doença, os aspectos psicológicos envolvidos no processo de hospitalização e a psicologia hospitalar. Esse tema foi escolhido devido ao meu interesse na área de psicologia hospitalar. Acredito que um psicólogo hospitalar pode fazer a diferença no tratamento do sujeito adoentado que estará em um hospital para tratar seu corpo, deixando de lado o psicológico. Para a formação acadêmica, acredito que esse trabalho acrescentará um conhecimento maior ao já adquirido. O curso apresentou uma disciplina de psicologia hospitalar que despertou ainda mais meu interesse nesse campo. A doença é um aspecto que faz parte da vida do ser humano. Todas as pessoas em algum momento da vida poderão adoecer ou já adoeceram. Ela é entendida como algo que se manifesta no corpo biológico do sujeito. Este é o entendimento mais comum na sociedade. Apesar de ser um aspecto biológico, também pode ser entendida como social pois implicará nas relações que este sujeito possui. A doença sempre se apresenta de forma negativa na vida do sujeito. Ela se faz da perda da saúde impedindo o sujeito de dar uma sequencia normal as suas atividades. O sujeito psíquico munido de sua subjetividade enfrentará o adoecimento de forma singular. O processo de adoecimento estará relacionado com sua história de vida. A doença provoca no sujeito o encontro com o real. E estar doente pode acarretar muitas perdas ,mas uma talvez é fundamental, a perda da saúde. Ao receber uma notícia inesperada ou de grande impacto o sujeito entra em uma espécie de órbita. No processo de adoecimento o sujeito também entra em órbita e passa por quatro posições: negação, revolta, depressão e enfrentamento. Algumas de suas especificidades serão abordadas nesta monografia. Diante do processo de hospitalização o sujeito também passa por perdas e a mais significativa é a perda de sua subjetividade. O hospital e suas implicações provocam no sujeito um mal estar. Sua singularidade não é levada em conta e sua rotina é alterada. Tudo isso implica em algo grave: o sofrimento psíquico. Todas as pessoas estão sujeitas a passar em algum momento da vida por situações que podem causar algum tipo de sofrimento. Este trabalho abordará alguns aspectos sobre o sofrimento psíquico no processo de hospitalização onde o foco é a doença e o sujeito hospitalizado A psicologia hospitalar é uma especialização reconhecida pelo Conselho Federal de Psicologia. O trabalho do psicólogo hospitalar tem como foco o sujeito no processo de adoecimento. Trabalha em cima de um modelo biopsicossocial. Leva em conta o sujeito como um todo. Trabalha com a família e também com a equipe de saúde. Na órbita da doença também possui um papel muito importante. A presente monografia tem como tema os aspectos psicológicos envolvidos no processo de adoecimento e algumas considerações acerca da psicologia hospitalar com o foco no paciente que está no leito. No primeiro capítulo serão apresentados alguns conceitos sobre a doença, o sentir-se doente e a órbita da doença. No segundo capítulo será abordada a questão da despersonalização do sujeito no processo de hospitalização, o sofrimento psíquico diante desse processo e algumas considerações acerca da psicologia hospitalar com foco no paciente no leito, assim como o psicólogo hospitalar na órbita da doença. Este assunto foi escolhido devido ao meu interesse na área de psicologia hospitalar pois aborda um aspecto importante que pode fazer a diferença no tratamento do sujeito adoentado. Esse trabalho poderá auxiliar também a equipe, pois sabendo em qual situação o sujeito se encontra,a mesma poderá escolher o método mais apropriado para aquela situação. Para a formação acadêmica, acredito que esse trabalho acrescentará um conhecimento de grande importância, complementando um assunto que despertou meu interesse porém foi pouco abordado durante a graduação. 1. A DOENÇA No preâmbulo da Organização Mundial da Saúde (OMS) 1948, a saúde é definida como um estado completo de bem-estar físico, mental e social. Pensando sobre essa perspectiva, a doença se trata de uma interrupção desse estado, que pode ser em apenas um aspecto, mas que influenciará em todos, visando o sujeito como um todo. A saúde e a doença são fenômenos sociais, pois resultam de fatores múltiplos. Podemos notar que as doenças possuem tanto aspectos psicológicos quanto sociais, não sendo apenas biológico o que sugere um modelo biopsicossocial. Nesse sentido, adoecer produz um desequilíbrio na vida do sujeito podendo causar um sofrimento psíquico. Para Simonetti (2011), as doenças podem ser agudas ou crônicas. “Uma doença aguda é aquela de início súbito e com pouco tempo de evolução, e a doença crônica é a que já se arrasta a um bom tempo, geralmente mais de seis meses”. De acordo com o autor, a doença aguda pode se desenvolver rapidamente mas tem um período curto de duração. Já a doença crônica se desenvolve lentamente porém ela poderá ser contínua ou se prorrogar por longos períodos. Conhecer essa diferença se torna essencial para o trabalho do psicólogo, pois tais doenças geram aspectos psicológicos distintos e o seu tratamento implicará em longos ou breves períodos de hospitalização. Segundo Ávila (1996, p.31), “A doença se caracteriza fundamentalmente por um estado negativo, de ausência de saúde.” A doença é um mal na vida do indivíduo, pois afeta o seu bem-estar. Ter o estado de saúde alterado provoca no sujeito sentimentos diversos, algo que veremos ao longo deste trabalho. Para a medicina, estar doente é ter seu estado saudável modificado, algo que para o indivíduo é crucial. Segundo o referido autor “do ponto de vista da medicina, pode-se caracterizar o indivíduo doente abstraindo completamente as categorias que este próprio indivíduo considera como definidoras do seu bem-estar.” A pessoa com uma doença crônica convive por muito tempo com a doença. Essa perda de saúde pode lhe causar uma dor emocional. Para Camon (2001) “[...]Não é a dor que a doença traz que incomoda, é algo mais subjetivo: é a dor de saber-se doente, de perder a condição de sadio.[...]”. Quando se têm uma doença crônica, há mais vulnerabilidade de entrar em crise emocional, pois a doença estará ali por tempo indeterminado, há uma ameaça constante. Ter sua saúde afetada, significa muito mais do que apenas estar doente, significa perder algo que lhe é fundamental na vida. A doença pode surgir devido a uma alteração ou variação do ambiente em que o sujeito vive. Pode aparecer quando ocorre uma mudança repentina no seu estilo de vida. Algo que o tira de um lugar já definido, onde ele esteja adaptado. Esse fator externo o influencia diretamente tanto em seu aspecto psíquico como social, podendo então levá-lo à uma manifestação no estado físico. […] Pode-se definir saúde como um estado de adaptação do organismo ao ambiente físico, psíquico ou social em que vive, sentindo-se bem (saúde subjetiva) e sem apresentar sinais ou alterações orgânicas evidentes (saúde objetiva). Ao contrário, doença é um estado de falta de adaptação ao ambiente físico, psíquico ou social, no qual o indivíduo sente-se mal (sintomas) e apresenta alterações orgânicas evidenciáveis (sinais)[...] (FILHO, 2000, p.1) Podemos notar que o bem-estar do sujeito nos leva a crer em um estado de saúde. Os sinais da doença são observados a partir dos seus sintomas, que podem ser tanto físicos quanto psíquicos. Os sintomas são os sinais que a doença expressa. Como já evidenciado anteriormente a doença pode aparecer tanto no biológico quanto no psíquico e que um fator influencia diretamente o outro. O sujeito não pode ser separado. Seu corpo e sua mente estão diretamente ligados. Segundo Berliguer (1988, p.11), a doença possui três premissas. “A primeira é que ela faz parte da vida dos humanos porém de forma negativa”. Todos os seres humanos já passaram ou poderão passar por uma experiência de adoecimento. “A segunda é que a doença é um processo contínuo, uma vez que o organismo sempre vai estar em busca de um equilíbrio”. O sujeito vive em constante mudança, e isso de certa forma provoca um desequilíbrio, quando este já não é mais suportável o sujeito vem a adoecer. “A terceira é que a saúde deve ser pensada de maneira universal e não com um fim determinado de atingir objetivos”. Desse modo, pode-se pensar que a doença faz parte da vida de todos os seres humanos. Seguindo as ideias do autor, nota-se que quando o sujeito adoece sua rotina é modificada, a doença passa a fazer parte de sua vida influenciando de forma negativa seu cotidiano. O psicólogo nesse contexto trabalhará com o sujeito psíquico, enquanto a medicina tratará da doença orgânica. A doença é sentida pelo sujeito no corpo biológico e no psicológico. Os sintomas físicos surgem provocando também uma angústia. Para Ávila (1996), “A doença se faz preceder por um estado subjetivo que toma a forma de uma queixa, centrada em descrições somáticas, como dores ou fadigas, e psíquico como angústia.” Essa angústia surge como uma reação do sujeito frente a esse estado. ”Diagnosticar é o instante de ver, seguido pelo tempo de entender que leva ao momento de intervir, não necessariamente nessa ordem, mas necessariamente interligados.” (SIMONETTI, 2011, p.33). Com um diagnóstico é possível organizar a forma que será realizado o tratamento do paciente. Ele serve para orientar o trabalho e é realizado a partir de informações trazidas pelo paciente. Com ele é possível identificar a doença já instaurada. O diagnóstico da medicina é feito a partir dos sintomas físicos. Segundo o autor, o campo da medicina vê a doença em seu aspecto biológico, sendo a doença diagnosticada pelos seus sintomas, algo que está sendo dito pelo corpo. Para o referido autor, a psicologia diagnostica a doença pela situação existencial e subjetiva do sujeito, vendo de que maneira a pessoa está se relacionando com sua doença. Desse modo, o diagnóstico da psicologia vai além da doença, investigando os fatores que influenciam e podem ser influenciados por ela. O sujeito não é visto apenas por sua doença, mas também por sua história, e através dela muito se pode saber da doença. O diagnóstico não deve apenas apresentar os problemas de saúde, como também identificar os fatores de risco, e de proteção, que poderão servir para o sujeito reconstruir ou modificar seu modo de vida. 1.1 A Doença e o Sentir-se Doente A doença é vivida de maneiras diferente entre os sujeitos, ela é singular. Cada pessoa irá reagir a sua maneira frente a doença, pois possui aspectos psicológicos envolvidos nesse processo. Assim o adoecimento pode ser entendido como o resultado da reflexão da doença, que se apresenta tomada de significantes para cada sujeito. “Aspecto psicológico é o nome que damos para as manifestações da subjetividade humana diante da doença, tais como sentimentos, desejos, a fala, os pensamentos e comportamentos, as fantasias e lembranças, as crenças, os sonhos, os conflitos, o estilo de vida e o estilo de adoecer. Esses aspectos estão por toda a parte, como uma atmosfera a envolver a doença, transmutando-a em adoecimento, e, dependendo do caso, podem aparecer como causa da doença, como desencadeador do processo patogênico, com agravante do quadro clínico, como fator de manutenção do adoecimento, ou ainda como consequência desse adoecimento.” (SIMONETTI, 2011, p. 16). Ter o estado de saúde alterado por alguma doença, fará com que o estado psicológico do sujeito também se manifeste. Há uma reação psíquica diante dessa realidade orgânica. A mente possui uma influência sobre o corpo, podendo implicar diretamente nas causas orgânicas da doença. O fator psicológico pode ser o causador da doença, se manifestando em uma vulnerabilidade física já existente. Por outro lado, se não for o causador da doença, pode influenciar de forma negativa o processo de tratamento. A doença provoca uma situação desconcertante. No caso de uma hospitalização prolongada, a doença passa a ser o foco central. Ela passa a ter um significado na vida do sujeito que precisa aceitar esse processo. Geralmente a pessoa adoentada ficará restrita a um ambiente onde, muitas vezes, não poderá realizar suas atividades rotineiras e tudo isso poderá lhe causar um mal-estar diante dessa nova situação. “Ao adoecer fisicamente, o enfermo vivencia dores e se submete a restrições impostas pela doença e pela hospitalização. Diante de uma internação mais prolongada, é necessário que ele dê uma significação ao processo de adoecer. Ao rejeitar essa vivência, deixa de atribuir-lhe um significado em sua existência. Passa a vivenciá-lo como um processo de sofrimento trágico, intolerável, fechando-se para outras possibilidades. Isto gera ressentimentos, revolta, aflição, insatisfação consigo mesmo e com a sua existência, tornando-se indiferente às suas experiências.” (CAMON, 2001, p. 106). O processo de hospitalização causa no sujeito um sofrimento. Muitas vezes pode ser intolerável, tornando ainda mais difícil esse momento tão frágil. Ele precisa reconhecer suas limitações e passar a enfrentá-las para que os seus sentimentos negativos não tomem conta da situação. Cada indivíduo adoece de uma forma. Este processo é subjetivo. Independente da doença diagnosticada, de sua evolução, de seu prognóstico, cada um reage de uma maneira. Duas ou mais pessoas podem ter a mesma doença mas seu progresso poderá ser completamente diferente. Embora a doença seja definida como “entidade nosológica”, é preciso reconhecer que o indivíduo faz sua doença, pois “a doença é coisa pessoal”: independente do diagnóstico, da evolução conhecida da doença, do prognóstico e dos recursos terapêuticos empregados, o que se constata, diariamente, é que o indivíduo dá um curso pessoal ao seu enfermar, atribuindo significados à sua doença, ao seu médico, ao tratamento e a toda situação.(ÁVILA, 1996, p. 23). Dizer que o indivíduo faz sua doença, significa que a evolução desse percurso vai depender da maneira como ele está dando significado para ela. Toda a situação que faz parte desse processo também é importante e tratada de maneira subjetiva. O autor ainda cita que: “ O indivíduo 'faz' a sua doença, determina o sucesso ou o fracasso do tratamento que lhe é prescrito, 'escolhe' a saúde ou a doença e, dentro de certos limites, a vida ou a morte.” Isso nos mostra que o tratamento e a cura dependem não só do tratamento físico, mas também do psicológico. A forma com que cada indivíduo encara a sua doença pode auxiliar seu progresso. O profissional de psicologia passa a ter um papel muito importante nesse processo. No próximo capítulo essa é uma questão que será aprofundada. A doença pode ser definida como uma situação de perdas. Perde-se muita coisa quando se adoece, coisas físicas, psíquicas, em muitos casos até mesmo a vida. Perde autoestima, a esperança, a rotina, o trabalho, contato direto com amigos e família, a liberdade. Algumas perdas podem ser reais outras imaginárias, mas perde-se também algo muito valioso, a saúde. Uma situação de perdas, é como poderia ser definida a doença, afinal, perde-se a saúde, perde-se a autonomia, perde-se tempo e dinheiro, e muitas outras coisas, isso quando não se perde mesmo a própria vida. Tantas perdas, muitas delas reais e outras tantas imaginárias, abrem uma espécie de “caixa de Pandora” de consequências subjetivas para a pessoa adoentada. O ser humano comumente confere sentido a tudo o que ele vivencia, e com o adoecimento não é diferente. O conjunto de sentidos que o sujeito confere a sua doença constitui, como consequência, o campo dos aspectos psicológicos. (SIMONETTI, 2011, p. 18). Diante de tantas perdas abre-se um vazio no sujeito. Esse vazio logo é preenchido por várias emoções. O sujeito sempre atribui um sentido para as coisas. O adoecimento também passará a ter um sentido que será repleto de subjetividade e como consequência disso os aspectos psíquicos. A subjetividade está em todos os aspectos da vida do sujeito. Ela está relacionada com seu jeito de viver, de se relacionar e em suas escolhas. Sua vida está repleta de significações. Ignorar essas significações leva o sujeito a criar uma questão subjetiva. Questão subjetiva quer dizer que a pessoa, ainda quando não se interroga sobre a sua doença, sobre os seus sintomas, sobre sua vida e sua morte, não tem escapatória de um universo de significações no qual ela está mergulhada. Talvez uma especificidade desse sintoma seja exatamente a tentativa do indivíduo de ignorar a sua questão subjetiva. Esta se anuncia todos os aspectos de sua vida. Enuncia-se em sua fala, em seus gestos, em seus sonhos. Figura-se em suas escolhas de vida, em seus amigos, seu cônjuge, suas ocupações, nos padrões que sua vida desenha. (ÁVILA, 1996, p. 187). Quando a pessoa adoece é necessário que ela dê um significado para essa doença, para esse momento. Caso isto não ocorra, uma questão subjetiva surge e sintomas psíquicos começam a aparecer. As significações devem ser elaboradas para que haja uma reorganização psíquica. 1.2 A Órbita da Doença O sofrimento tanto físico quanto psíquico vivido pelo sujeito adoecido, em muitos casos produz uma instabilidade psíquica que se chama de órbita. Segundo Simonetti (2011) órbita significa “movimento em torno de”. Quando o sujeito adoece, ele entra em uma espécie de órbita. Os seus sentimentos em relação à doença variam de acordo com a situação vivida naquele momento. A doença passa a ser algo central na sua vida, tudo gira em torno dela. Para o autor acima citado esse circuito possui quatro posições principais pelo qual o sujeito passará: negação, revolta, depressão e enfrentamento. Habitualmente, a pessoa entra na órbita da doença pela negação, depois se revolta, algum tempo depois entra em depressão e, por último, não sem algum esforço e trabalho pessoal, alcança a possibilidade de enfrentamento real. Essa ordem não é fixa, e qualquer combinação é passível de ser encontrada na prática, de modo que depois de entrar na órbita a pessoa pode mudar de posição, vindo a ocupar qualquer uma delas. (SIMONETTI, 2011, p. 37). O sujeito pode entrar por qualquer posição, também se fixar em alguma ou regredir para a anterior. Na negação, a pessoa identifica a doença mas não o adoecimento, ela não aceita adoecer. A revolta já é uma evolução, a pessoa sente raiva por estar doente, nessa posição ela já se vê doente. A depressão aparece em forma de desânimo, um cansaço, uma exaustão. E por fim, o enfrentamento fecha o ciclo, é o momento da elaboração e da luta. Estas posições serão explicadas a seguir. Geralmente a primeira reação de uma pessoa quando descobre que está doente é um estado de choque, um momento de descrença. Quando o sujeito nega a sua doença, de certa forma não quer acreditar que ela exista. Esse encontro com o real, aparece de forma súbita, causando um desconcerto na pessoa. Não há tempo para se preparar, e negar o fato de estar doente aparece como uma saída provisória. Na posição de negação a pessoa pode agir como se a doença simplesmente não existisse, ou então minimiza sua gravidade e adia as providências e cuidados necessários. É o famoso “empurrar com a barriga”, deixando para amanha a consulta com o médico, a realização de determinado exame, o início de um tratamento, etc. (SIMONETTI, 2011, p. 40). O sujeito desacreditado faz com que a doença não existisse ou que não seja tão importante. Adia as providências como se esperasse que algo pudesse desfazer aquela situação. Deixa para segundo plano qualquer atitude que possa ser tomada em relação a sua doença. Esse é um mecanismo de defesa que aparece quando há um certo medo de confrontar a situação imposta. Na posição de revolta, a pessoa passa a enxergar a sua doença, ela cai em si. Nesse momento o sentimento de raiva é o mais dominante. A pessoa se irrita com a situação que está passando. Ela se frustra ao perder o domínio da situação, que a tira de um lugar cômodo onde possui as rédeas, para um lugar de incertezas, dor e desprazer. A revolta geralmente se inicia como frustração, e é fácil observar que uma pessoa frustrada primeiramente se irrita para depois se deprimir. Parece quase uma sequência natural: frustração-irritação-depressão. A doença é um evento com alto poder de frustração. Em primeiro lugar, frustra o princípio do prazer, pelo qual funciona nosso inconsciente, ao introduzir a dor e o desprazer. Frustra também nossa onipotência infantil, na qual a vida acontece segundo nosso desejo. Nesse sentido, a doença é mais uma força de castração a que o ser humano é submetido em sua jornada. Também no sentido prático a doença é muito frustrante. Ela frustra nossa liberdade e nossa rotina. (SIMONETTI, 2011, p. 45). O mesmo autor nos mostra que nessa posição a pessoa doente se depara com uma perda muito significativa, a perda da liberdade. A doença passa a fazer parte de sua rotina. As escolhas feitas devem levar em conta seu estado de saúde. Seu estado saudável que antes lhe dava a liberdade de fazer o que quisesse passa a ser um estado frustrante que lhe aprisionada pelo fato de ter que fazer algo em relação a doença. Na posição de depressão, a pessoa é tomada pela doença. Há um cansaço extremo. Ela se cansa de tudo, até mesmo do tratamento. Parece não existir uma saída, e um sentimento de perda passa a prevalecer. Há uma tristeza profunda que faz com que a pessoa nessa posição fique numa posição passiva, o movimento pela busca da saúde não tem mais importância. Sua vida perde a graça, nada mais parece ter sentido, nem mesmo a morte. Na depressão a pessoa se entrega passivamente a sua doença. É como uma desistência, nada espera do futuro e pode mesmo se negar a qualquer esforço quanto ao tratamento. Não costuma ser uma fase de desespero; é muito mais de desesperança, onde a pessoa não acredita que possa ser curada, ou então a cura possível não interessa em razão das perdas que acarreta, podendo chegar a um ponto em que já não há nem mesmo o medo de um desfecho fatal. Não tem medo da morte, nem vontade de viver, mas há tristeza. É um equivoco pensar que a pessoa deprimida, pela sua manifesta indiferença, não sofre: sofre sim, e bastante. (SIMONETTI, 2011, p. 53). Na depressão, há um desligamento temporário da importância das coisas. Neste período a emoção predominante é a tristeza. O pensamento de impotência faz com que a pessoa doente desista das coisas. O sofrimento é constante e parece não haver mais sentido lutar pela cura. O seu estado emocional o impede de lidar com qualquer situação. Há um desamparo quanto ao futuro e um sentimento de perda que parece irreparável. A última posição que fecha esse ciclo é o enfrentamento. Nesse momento a pessoa passa a viver o real. Há uma reorganização dos seus pensamentos que deixam de ser negativos e fantasiosos para positivos e de luta. A pessoa já é capaz de produzir uma mudança de hábitos e criar uma ação positiva para o seu progresso. [...]Quando o paciente alcança essa posição de enfrentamento ele já passou pelas outras posições, já deixou para trás suas fantasias de onipotência, e pode agora encarar sua doença de maneira mais realista. O enfrentamento é um adeus às ilusões que provoca no paciente uma mudança, nem sempre fácil de ser explicada, mas bastante evidente pelo posicionamento em relação a doença que agora passa a ser uma alternância, uma mistura, entre a luta e o luto. [...] (SIMONETTI, 2011, p. 60). Essa mudança de posicionamento coloca a pessoa doente em luta com aquilo que ela quer modificar. Ela começa a trabalhar no real, fazendo o que tem que fazer. Há um pensamento de potência e a sua solução passa a ser realista. Essa órbita não serve apenas para entendermos o que ocorre no processo de adoecimento, ela também demostra o que ocorre com uma pessoa em situação inesperada. Simmonetti (2011) afirma: “Essas posições não são específicas para a doença e constituem-se, isto sim, nas maneiras que os humanos dispõe para enfrentar crises, receber notícias ruins, lidar com mudanças, encarar a morte e, também, reagir a doenças”. Esses acontecimentos provocam uma mudança repentina na vida das pessoas, pois provocam o encontro com o real. Como é algo inesperado, uma situação angustiante se instala. O que sustenta a pessoa nessas quatro posições da órbita é a esperança. Para Simonetti (2011) “a esperança é um fator que se repete em todas as posições, pode até ter uma “cara” diferente ou vir disfarçada, mas ela está lá”. O autor ainda coloca que “Toda situação de adoecimento comporta uma possibilidade de esperança, sempre...” Ela sempre está presente e pode aparecer em algo concreto, como em uma nova droga ou soro, ou então de forma abstrata, como na fé. A esperança sustenta a pessoa nesse processo de adoecimento. Ela está presente em todos os momentos da vida do sujeito e no processo de adoecimento ela se mostra ainda mais latente. 2 A DESPERSONALIZAÇÃO NA HOSPITALIZAÇÃO Quando uma pessoa é hospitalizada ela passa por variadas situações. Uma delas é a despersonalização. Essa pessoa, muitas vezes, passa a ter “outro nome”. É chamada pela equipe pelo nome de sua doença ou pelo número de seu leito. Passa também a ser rotulado, estigmatizado de doente. O paciente ao ser hospitalizado sofre um processo de total despersonalização. Deixa de ter o seu próprio nome e passa a ser um número de leito ou então alguém portador de uma determinada patologia. O estigma de doente – paciente até mesmo no sentido de sua própria passividade frente aos novos fatos e perspectivas existenciais – irá fazer com que exista a necessidade premente de uma total reformulação até mesmo de seus valores e conceitos de homem, mundo e relação interpessoal em suas formas conhecidas. Deixa de ter significado próprio para significar a partir de diagnósticos realizados sobre sua patologia. (CAMON, 1995, p. 2). Podemos observar que, segundo o autor citado, esse paciente terá a necessidade de reformular algumas coisas de sua vida. Ele passará a agir de acordo com o seu novo lugar, o de doente. Sua singularidade, sua rotina, seus valores enfim, tudo o que ele vive e que está a sua volta poderá mudar a partir de sua patologia. O sujeito ao ser hospitalizado, passa a adquirir signos. A partir dessa aquisição, ele poderá sofrer uma transformação. As pessoas com as quais convive também passarão por uma mudança devido a esse processo. Esses signos levarão o sujeito a desenvolver uma nova performance existencial. [...] E pelo simples fato de se tornar “hospitalizado” faz com que a pessoa adquira signos que irão enquadrá-lo numa nova performance existencial e até mesmo seus vínculos interpessoais passarão a existir a partir desse novo signo. Seu espaço vital não é mais algo que dependa de seu processo de escolha. Seus hábitos anteriores terão de se transformar frente à realidade da hospitalização e da doença. (CAMON, 1995, p. 3). Esse novo lugar fará o sujeito perder sua autonomia. Ele não poderá mais fazer suas próprias escolhas, pois estas dependerão de seu estado de saúde. Seus hábitos também deverão ficar suspensos pois devido a sua hospitalização terá que manter uma rotina estabelecida conforme a doença existente. Segundo Camon (1995), as novas especializações médicas focam cada vez mais em diagnósticos específicos. Esse novo modelo deixa de lado toda a amplitude do sujeito. Leva em conta apenas aquele “pedaço” que não está saudável. Nesta perspectiva o sujeito visto em um modelo biopsicossocial passa a ser apenas um fragmento que precisa ser tratado como podemos observar a seguir: A despersonalização do paciente deriva ainda da fragmentação ocorrida a partir dos diagnósticos cada vez mais específicos que, além de abordarem a pessoa em sua amplitude existencial, fazem com que apenas um determinado sintoma exista naquela vida, ainda que circunstancialmente assistamos cada vez mais o surgimento de novas especialidades que reduzem todo o espaço vital de uma determinada pessoa a um mero determinismo das implicações de certos diagnósticos, que trazem em seu bojo, além de signos, estigmas e preconceitos, toda uma carga de abordagem e confrontos teórico-práticos que fazem da pessoa portadora de determinadas patologias alguém que, além da própria patologia, irá necessitar de cuidados complementares para livrar-se de tais estigmas e signos. (CAMON, 1995, p. 3). Toda essa situação ainda implica em uma carga de estigmas e preconceitos. Dependendo da patologia, um diagnóstico pode levar ao sujeito muito mais do que só um resultado. Ele pode levar também toda uma implicação devido ao fato de que algumas doenças ainda são estigmatizadas ou vistas com preconceito. Além do sujeito ter a necessidade de tratar a patologia, o seu psicológico também precisará de cuidados. A hospitalização pode levar o sujeito a considerar algumas práticas comuns em um ambiente hospitalar em situações invasivas. Segundo Camon (1995), o paciente poderá se incomodar quando “a enfermeira vem acordá-lo pra aplicar injeção, ou a atendente que interrompe uma determinada atividade para servir-lhe as refeições.” Isto ocorre quando o sujeito ainda não está totalmente amarrado nesse processo. A situação de hospitalização passa a ser determinante de muitas situações que irão ser consideradas invasivas e abusivas na medida em que não se respeita os limites e imposições dessa pessoa hospitalizada. E, embora esteja vivendo um total processo de despersonalização, ainda assim determinadas práticas são consideradas ainda mais agressivas pela maneira como são conduzidas dentro do âmbito hospitalar. (CAMON, 1995, p. 3). Por mais que o sujeito esteja passando por uma despersonalização, algumas situações, dependendo da maneira como são conduzidas, parecem ter um peso maior. O autor citado ainda enfatiza: “Tudo passa a ser algo abusivo diante de sua necessidade de aceitação desse processo.” Aceitar este processo é aceitar ser despido de sua subjetividade. Algo que demanda de um trabalho tanto com o paciente, tanto com a equipe que irá atendê-lo. O psicólogo no âmbito hospitalar, ao trabalhar a questão da despersonalização do paciente, estará auxiliando em um processo de humanização. Neste caso, a humanização seria um relacionamento adequado entre a equipe e o paciente. Proporcionando assim, o bem-estar do doente e também um olhar por parte da equipe para além da doença em si. Camon (1995) nos fala que: “Ao trabalhar no sentido de estancar os processos de despersonalização no âmbito hospitalar, o psicólogo estará ajudando na humanização do hospital, pois seguramente esse processo é um dos maiores aniquiladores da dignidade existencial da pessoa hospitalizada”. O psicólogo ao dar um lugar de fala para o paciente, proporciona condições para ele assumir sua condição de sujeito. Poderá também auxiliar, dando informações para a família, desfazendo as fantasias que são construídas a partir da falta de informação. 2.1 Sofrimento Psíquico O sofrimento psíquico pode ocorrer devido a vários fatores e pode ocorrer com todas as pessoas em algum momento da vida. Essa situação provoca um sentimento de esgotamento, algo difícil de suportar. Para Bock (2002) “em muitos momentos de sua vida uma pessoa pode viver situações difíceis e de sofrimento tão intenso, que pensa que algo vai arrebentar dentro de si mesma... que vai enlouquecer”. Uma internação repentina ou até mesmo esperada pode provocar este estado. Em um caso de doença os sintomas possuem um valor significativo para se pensar o diagnóstico. Para a medicina pode ser a partir destes sintomas que se chega a um diagnóstico. Para a psicologia esses sintomas no corpo podem aparecer como forma de sofrimento. Esse sintoma deve ser observado pois pode apresentar traços singulares do sujeito. Também esse real pode falar muito do psíquico pois está carregado de subjetividade. Dantas e Tobler (2003), relatam que: De modo geral, o sofrimento psíquico se manifesta e se expressa, num primeiro momento, no registro do corpo e através de um sintoma. O sintoma se faz palavra portadora de uma verdade; o sintoma como função simbólica, como metáfora, mediador entre a subjetividade e o real. Segundo Pimentel (1988), “[…] o sofrimento evidencia os processos intelectivos e afetivos comportados no corpo. Nessa perspectiva, a dor não se restringe à dor física, engloba a dor psíquica [...]”. Segundo o autor acima citado, a dor também causa sofrimento psíquico, ela vai muito além do biológico. Não é apenas o corpo que sofre, o psíquico também. O sujeito com dor está vivenciando um processo angustiante. Essa dor física pode ser aliviada por medicamentos, porém o sofrimento psíquico não, este deve ser trabalhado pois, segundo Camon (2001) “o paciente sofre por ter medo de ficar com sequelas, incapacitado, de ter perdas materiais e sociais e principalmente da morte”. Esse sofrimento também surge devido as inseguranças do sujeito em relação a seu futuro. Muitas fantasias podem ser criadas devido a sua condição atual e até mesmo por falta de esclarecimentos referentes ao seu estado de saúde. O sofrimento desencadeia no sujeito uma tensão. Ele é interno mas pode “falar” através da dor. Quando o sujeito não consegue elaborar suas questões, esse sofrimento fica em algum lugar esperando sua resolução. Para Clavreul (1983) “o sofrimento, inclui a dor, mas antes de tudo parece designar um estado de tensão interna, que deve terminar por uma resolução. O sofrimento está em suspenso, isto é, à espera”. Segundo Roudinesco (2000) o sofrimento psíquico se apresenta em forma de depressão. Este estado depressivo impede o sujeito de lidar com as situações que lhe são impostas. O sujeito “cai”. Seu dia a dia passa a não ter mais graça. Não há um prazer em fazer as coisas. As soluções tentadas parecem não ser eficazes. O sujeito não busca entender a origem dessa questão que seria o ideal. O sofrimento psíquico manifesta-se atualmente sob a forma de depressão. Atingindo no corpo e na alma por essa estranha síndrome em que se misturam tristeza e a apatia, a busca de identidade e o culto de si mesmo, o homem deprimido não acredita mais na validade de nenhuma terapia. No entanto, antes de rejeitar todos os tratamentos, ele busca desesperadamente vencer o vazio de seu desejo. Por isso passa da psicanálise para a psicofarmacologia e da psicoterapia para a homeopatia, sem se dar tempo de refletir sobre a origem de sua infelicidade. (ROUDINESCO, 2000, p.13). Parece haver uma falta no sujeito, um vazio a ser preenchido. Freud (1930) em “O Mal na Civilização” nos fala desse vazio como a perda do objeto. E que na depressão a perda é secreta. Em uma hospitalização várias coisas são perdidas porém não se deve antecipar o motivo. Ele é singular. Freud (1930), quando fala em sofrimento, aponta que este pode ser um agente ameaçador e que parte de três direções: […] O sofrimento nos ameaça a partir de três direções: de nosso próprio corpo condenado à decadência e à dissolução, e que nem mesmo pode dispensar o sofrimento e a ansiedade como sinais de advertência; do mundo externo, que pode voltar-se contra nós com forças de destruição esmagadoras e impiedosas; e finalmente, de nossos relacionamentos com os outros homens.[...] (FREUD, 1930, p.95). Podemos observar que o sofrimento pode surgir por conta de nosso próprio corpo e que este nos dá sinais de alerta. Provém também do mundo externo com todos os seus fatores negativos e pesados. E por último mas não menos importante, podemos sofrer devido a nossos relacionamentos interpessoais. A hospitalização coloca o sujeito em um ambiente físico diferente do seu habitual. A partir desse momento várias outras circunstâncias começam a fazer parte de sua nova rotina. Consequentemente ocorre o afastamento do emprego e de suas tarefas diárias. Outra pessoa terá que assumir seus compromissos fora do hospital. E como se não bastasse, dentro da instituição sua rotina também será pré-determinada a partir do seu diagnóstico. Seus horários terão que ser adaptados a sua nova rotina. Essa situação produz no sujeito uma angústia, um sofrimento. Um sentimento de medo e insegurança. O hospital remete ao sujeito a morte. Não se vai ao hospital porque está bem de saúde. Se vai para o hospital por um motivo desagradável, porque algo de ruim está acontecendo. Segundo Romano (1999) “ estar dentro de um hospital, de ambulante ou internado, saber-se portador (ou mesmo, estar buscando o diagnóstico) atualiza vivências passadas, sinaliza a realidade da morte, inicia a incapacidade do cuidar-se de si mesmo, conduz à revisão de valores de vida, isola da família e do seu habitat, dói e amedronta”. Em cada uma das posições da órbita da doença há um sofrimento. A negação da doença ocorre por falta de condições psicológicas naquele momento. É quando se torna insuportável de aceitar. Na revolta um sentimento de injustiça poderá surgir. O sujeito sofre por ter que passar por essa situação. Apesar de já ter aceito a doença se sente inconformado com sua situação. Na depressão há um sofrimento profundo. Sentimentos de tristeza, desolamento, desesperança, culpa e medo são comuns nesta fase. A sensação de impotência também pode surgir no sujeito já que esse se encontra entregue para a doença. No enfrentamento, apesar de ser uma posição de mais consciência, o sujeito também terá um sofrimento. Apesar de aceitar sua realidade também tem que passar a conviver com suas limitações. Em todas estas posições há um conflito interno operando no sujeito. A subjetividade é a síntese singular e individual que cada um de nós vai construindo conforme vamos nos desenvolvendo e vivenciando as experiências da vida social e cultural; é uma síntese que nos identifica, de um lado por ser única, e nos iguala, de outro lado, na medida em que os elementos que a constituem são experienciados no campo comum da objetividade social. Esta síntese – a subjetividade – é o mundo de ideias, significados e emoções construído internamente pelo sujeito a partir de suas relações sociais, de suas vivências e de sua constituição biológica; é, também, fonte de suas manifestações afetivas e comportamentais. (BOCK, 2002, p. 23). Diante de todos esses elementos que a autora nos traz referentes à subjetividade, observamos que não tratar o sujeito de maneira singular é deixar de lado tudo aquilo que ele construiu em sua vida. Não tratar uma pessoa como ela é provoca um sofrimento muito grande. Suas características adquiridas ao longo da vida são deixadas de lado. A forma de tratar o sujeito como uma doença ou número de leito, enfim, não tratá-lo como sujeito singular pode ter consequências além do sofrimento, até mesmo a aquisição de outra doença. Portanto a questão da subjetividade é outro aspecto importante para pensar o sofrimento psíquico no processo de hospitalização. O sujeito passa por muitas mudanças e sua singularidade não é levada em conta. Para Simonetti (2011) “[...] Sua vontade é aplacada, seus desejos coibidos, sua intimidade invadida, seu trabalho proscrito, seu mundo de relações rompido. Ele deixa de ser sujeito.” Toda essa angústia provocada no processo de hospitalização também surge como uma resposta ao medo. Ao ser hospitalizado, a imaginação do sujeito pode ser um aspecto negativo em muitos casos. Não saber o que vai acontecer nem como vai acontecer pode levar o sujeito a pensar na solução que mais lhe angustia. 2.2 O trabalho da Psicologia Hospitalar Psicologia hospitalar é uma especialização reconhecida pelo Conselho Federal de Psicologia. A sua definição encontra-se descrita na Resolução nº 13/2007 como: VII - Psicólogo especialista em Psicologia Hospitalar Atua em instituições de saúde, participando da prestação de serviços de nível secundário ou terciário da atenção a saúde. Atua também em instituições de ensino superior e/ou centros de estudo e de pesquisa, visando o aperfeiçoamento ou a especialização de profissionais em sua área de competência, ou a complementação da formação de outros profissionais de saúde de nível médio ou superior, incluindo pós graduação lato e stricto sensu. Atende a pacientes, familiares e/ou responsáveis pelo paciente; membros da comunidade dentro de sua área de atuação; membros da equipe multiprofissional e eventualmente administrativa, visando o bem estar físico e emocional do paciente; e, alunos e pesquisadores, quando estes estejam atuando em pesquisa e assistência. Oferece e desenvolve atividades em diferentes níveis de tratamento, tendo como sua principal tarefa a avaliação e acompanhamento de intercorrências psíquicas dos pacientes que estão ou serão submetidos a procedimentos médicos, visando basicamente a promoção e/ou a recuperação da saúde física e mental. Promove intervenções direcionadas à relação médico/paciente, paciente/família, e paciente/paciente e do paciente em relação ao processo do adoecer, hospitalização e repercussões emocionais que emergem neste processo. O acompanhamento pode ser dirigido a pacientes em atendimento clínico ou cirúrgico, nas diferentes especialidades médicas. Podem ser desenvolvidas diferentes modalidades de intervenção, dependendo da demanda e da formação do profissional específico; dentre elas ressaltam-se: atendimento psicoterapêutico; grupos psicoterapêuticos; grupos de psicoprofilaxia; atendimentos em ambulatório e Unidade de Terapia Intensiva; pronto atendimento; enfermarias em geral; psicomotricidade no contexto hospitalar; avaliação diagnóstica; psicodiagnóstico; consultoria e inter consultoria. No trabalho com a equipe multidisciplinar, preferencialmente interdisciplinar, participa de decisões em relação à conduta a ser adotada pela equipe, objetivando promover apoio e segurança ao paciente e família, aportando informações pertinentes à sua área de atuação, bem como na forma de grupo de reflexão, no qual o suporte e manejo estão voltados para possíveis dificuldades operacionais e/ou subjetivas dos membros da equipe. O psicólogo com especialização em Psicologia Hospitalar poderá atuar em hospitais, postos de saúde, pronto socorro, unidades de pronto atendimento e também em instituições de ensino. Trabalha com os pacientes, a família, a equipe de saúde e pode também trabalhar com os membros da comunidade de sua área de atuação. Trabalha com equipe multidisciplinar e interdisciplinar. Realiza trabalhos de grupos. Sua principal tarefa é trabalhar os processos psíquicos que repercutem a partir de doenças com o propósito de promover e/ou recuperar a saúde mental. O psicólogo hospitalar trabalha com a subjetividade, um elemento muito importante para o sujeito. Como vimos anteriormente, a doença se constitui também de aspectos psicológicos e subjetivos. Estes aspectos influenciam na relação do sujeito com sua doença. O trabalho do psicólogo neste aspecto implica também a vivência dos familiares e da equipe que estão envolvidos nesse processo de adoecimento. […] abre espaço para a subjetividade da pessoa adoentada, porque influi no curso da doença, porque modifica a vivência que o paciente, os médicos, a família têm da própria doença, e mais: este trabalho que o psicólogo realiza diante da doença lhe é específico, ou seja, além dele nenhum outro profissional da área da saúde foi treinado para isso. (SIMONETTI, 2011, p. 14). O psicólogo no âmbito hospitalar realiza um trabalho próprio e específico. Seu trabalho é diferente dos demais realizado pelos outros profissionais da área da saúde. Segundo o autor esse trabalho chama-se “tratamento psicológico” e é de grande importância para o tratamento em si. Psicologia hospitalar é o campo de entendimento e tratamento dos aspectos psicológicos em torno do adoecimento”. O sujeito é carregado de subjetividade e seu encontro com o “real” da doença produz uma série de aspectos psicológicos. Nesse ponto o psicólogo se fará presente, nesses aspectos que podem se evidenciar ao longo do processo do adoecimento. (SIMONETTI, 2011, p. 15). Muitas doenças orgânicas surgem devido a causas psicológicas. São as chamadas doenças psicossomáticas. Nem todas as doenças são psicossomáticas, mas todas elas possuem aspectos psicológicos envolvidos. Não há como separar o psíquico do corpo. O psicólogo hospitalar trabalhará com a parte psíquica que estará sempre presente neste processo. A psicologia hospitalar não trata apenas das doenças com causas psíquicas, classicamente denominadas “psicossomáticas”, mas sim dos aspectos psicológicos de toda e qualquer doença. Enfatizamos: toda doença apresenta aspectos psicológicos, toda doença encontrase repleta de subjetividade, e por isso pode se beneficiar do trabalho da psicologia hospitalar. (SIMONETTI, 2011, p. 15). A psicologia hospitalar trabalha focando os aspectos psíquicos. Eles aparecem repletos de subjetividade e é necessário dar voz a ela. A maneira como o sujeito reage a tudo isso é singular e o psicólogo oferece um espaço para se tratar disso, ele permite a restituição do lugar de sujeito. O psicólogo hospitalar trabalhará sempre enfatizando a parte psíquica do processo porém também considera a parte orgânica importante. Não faz uma separação do sujeito. A parte orgânica também pode mostrar a realidade do sujeito naquele momento. Como nos aponta Simonetti (2011, p. 16): […] A psicologia hospitalar enfatiza a parte psíquica, mas não diz que a outra parte não é importante, pelo contrário, perguntará sempre psíquica diante dessa realidade orgânica, qual a posição do sujeito diante desse “real” da doença, e disso fará seu material de trabalho. Como a doença comporta dimensões psíquicas em relação as causas orgânicas, o sentimento vivido neste estado será o material trabalhado pelo psicólogo. Com o seu orgânico doente, seu psíquico falará disso, sempre haverá uma relação entre as partes. Segundo Simonetti (2011), os aspectos psicológicos não estão presentes apenas no sujeito adoentado. Eles aparecem também nos familiares e nos cuidadores. Em todos aqueles que cercam e participam de alguma maneira na vida desse sujeito. Geralmente a família carrega uma grande angústia nesse momento. As pessoas da equipe de profissionais também, porém estas de maneira mais discreta. O foco da psicologia hospitalar é o aspecto psicológico em torno do adoecimento. Mas aspectos psicológicos não existem soltos no ar, e sim estão encarnados em pessoas; na pessoa do paciente, nas pessoas da família, e nas pessoas da equipe de profissionais. A psicologia hospitalar define como objeto de trabalho não só a dor do paciente, mas também a angústia declarada da família, a angústia disfarçada da equipe e a angústia geralmente negada dos médicos. Além de considerar essas pessoas individualmente a psicologia hospitalar também se ocupa das relações entre elas, constituindo-se em uma verdadeira psicologia de ligação, com a função de facilitar os relacionamentos entre pacientes, familiares e médicos. (SIMONETTI, 2011, p. 18). Podemos notar que a psicologia hospitalar não beneficia somente o paciente. Ela também atua na angústia dos familiares e na da equipe médica. É um trabalho com toda a rede que faz parte desse paciente. Pode ser feito também um trabalho de ligação entre estes envolvidos, facilitando assim, a comunicação de todas as partes. Para Simonetti (2011) “O psicólogo pode fazer muito pouco em relação a doença em si, este é o trabalho do médico, mas pode fazer muito no âmbito da relação do paciente com seu sintoma: esse sim é um trabalho do psicólogo. ” O sintoma pode ser físico ou psíquico, mas ele diz muito daquele momento. É com este o trabalho do psicólogo. Não trabalha com a doença propriamente dita mas sim com seus sintomas. Este trabalho auxiliará no processo de tratamento. Mesmo com a cura, a doença deixa marcas. Ela deixa angústias, traumas, consequências reais, que podem ser levadas para o resto da vida, e também consequências imaginárias, que são descritas pelo autor a seguir como “as marcas da doença”. [...]Suprimidos os sintomas e eliminadas as causas das doenças, ainda permanecem a angústia, os traumas, as desilusões, os medos, as consequências reais e imaginárias, ou seja, as marcas da doença. Mesmo no trabalho bem sucedido de cura, muitas coisas ficam, resistem, tanto no curador como no doente. A psicologia hospitalar quer cuidar dessas coisas, dessas marcas. (SIMONETTI, 2011, p. 21). Decorrido todo o tratamento, as marcas deixadas pela doença são muito importantes para o trabalho do psicólogo. O que fica de aspectos psicológicos da doença também deve ser trabalhado pelo profissional dentro do hospital. O trabalho da medicina se faz no real, no corpo biológico. Já o psicólogo hospitalar trabalha com o simbólico. Trabalha apenas com a palavra. Fala e escuta, pois o simbólico está nas palavras ditas pelo sujeito. Psicólogo e paciente conversam, e essa tal conversa é a porta de entrada para um mundo de significados e sentidos. O que interessa à psicologia hospitalar não é a doença em si, mas a relação que o doente tem com seu sintoma ou, em outras palavras, o que nos interessa primordialmente é o destino do sintoma, o que o paciente faz com sua doença, o significado que lhe confere, e a isso só chegamos pela linguagem, pela palavra. (SIMONETTI, 2011, p. 24). Dessa conversa é que irá surgir o trabalho do psicólogo. A partir da relação do paciente com seu sintoma. Essa relação é muito importante pois ela que define o seu progresso. Dá um curso aos seus sintomas. É através da palavra que a angústia pode ser sustentada e uma elaboração simbólica pode ser feita. “Para concretizar a sua estratégia de trabalhar o adoecimento no registro simbólico, a psicologia hospitalar se vale de duas técnicas: escuta analítica e manejo situacional” (Simonetti, 2011). Segundo o autor escuta analítica “reúne as intervenções básicas da psicologia clínica”, seria as funções exercidas pelo profissional de psicologia como “escuta, associação livre, interpretação, análise da transferência, etc.”. Essas intervenções não apresentam nenhum aspecto novo, o único diferencial seria o local que é um hospital. Já o manejo situacional “engloba intervenções direcionadas à situação concreta que se forma em torno do adoecimento”. Essas situações não são exercidas em um consultório. Elas são específicas do ambiente hospitalar. São intervenções como “controle situacional, gerenciamento de mudanças, análise institucional, mediação de conflitos, psicologia de ligação, etc.” O tempo da internação deve ser observado pelo psicólogo. Esse conhecimento será necessário para definir a estratégia terapêutica. Deve-se consultar o prontuário do paciente ou então se informar com equipe que está trabalhando no caso. Recolher as informações necessárias para desenvolver um trabalho de qualidade. A programação terapêutica pode fornecer uma ideia do tempo de duração da internação, informação esta que orienta o psicólogo no estabelecimento de sua estratégia terapêutica. Atender um paciente que terá alta hospitalar dentro de dois ou três dias é algo bem diferente de atender um paciente que permanecerá internado por várias semanas. (ANGERAMI 1984, apud Simonetti, 2011). Saber o tempo de internação auxilia na programação do tratamento. Alguns pacientes podem ficar internados por um período curto e outros poderão permanecer por longos períodos. Esse tempo influencia diretamente o tratamento pois o paciente que ficará mais tempo hospitalizado demandará mais trabalho. Para Simonetti (2011), o psicodiagnóstico é um termo conhecido da psicologia. Ele serve para determinar a posição/condição do sujeito por meio de procedimentos estruturados. Com ele pode-se estabelecer uma escala quantitativa. Em um ambiente hospitalar o diagnóstico feito pelo psicólogo usa como instrumento o olho clínico. Esse é o denominado pelo autor de “diagnóstico reacional” e demonstra “o modo como a pessoa reage à doença”. Com esse diagnóstico será possível identificar o ponto a ser trabalhado e assim melhor organizar a abordagem terapêutica. A elaboração simbólica se dá a partir das palavras. No momento em que o paciente fala, ele já está dando um sentido para as coisas. Desde a primeira entrevista com o psicólogo, o paciente já está passando por um processo terapêutico. Falar e simplesmente falar é um ato muito importante neste processo. Quando um psicólogo entrevista um paciente pela primeira vez, procurando diagnosticar sua forma de reação a doença, ao mesmo tempo já está oferecendo ao paciente uma escuta que permite ao paciente elaborar sua doença por meio da fala, o que por si só produz efeitos terapêuticos. Não existe um ato que seja exclusivamente diagnóstico, e todo encontro comporta possibilidades terapêuticas. (SIMONETTI, 2011, p. 36). A fala por si só, segundo o autor, já produz uma mudança no paciente. Esse momento lhe proporciona um efeito terapêutico. Esse processo terapêutico a partir da fala, pode acontecer não só com o psicólogo. Ele também se dá a partir da fala com a equipe médica e com a família. Porém o psicólogo é o profissional habilitado para trabalhar com a palavra. 2.2.1 O Psicólogo Hospitalar na Órbita da Doença Retomando o que foi apresentado no capítulo anterior sobre a órbita da doença, relatarei a seguir sobre o trabalho do psicólogo hospitalar a partir desse viés. O paciente na posição da negação estará produzindo uma espécie de defesa psicológica. Ele estará se defendendo de uma ameaça, que neste caso é a doença. Como vimos anteriormente, nessa posição, ele não aceita estar doente e pode até fingir que a doença não existe. Simonetti (2011, p. 120) nos mostra como seria a intervenção de um psicólogo neste ponto: Com o paciente na posição de negação, o trabalho de atendimento psicológico abordará outros temas que não a doença. É importante permitir que o próprio paciente escolha os temas das conversas, mas se ele não fizer, o psicólogo pode encaminhar estrategicamente a entrevista para assuntos mais artificiais, até que outras questões possam ser abordadas. Com o paciente na posição de negação o psicólogo trabalhará com questões que não tem a ver com a doença. Essas questões podem ser escolhidas pelo próprio paciente. Trabalhar com a doença neste ponto poderia atrapalhar o trabalho do psicólogo, uma vez que, o paciente não está aceitando sua condição de doente. Caso o paciente não escolha o assunto das conversas, o psicólogo poderá abordas assuntos do cotidiano. Na posição de revolta o paciente está envolvido em sentimentos de raiva. Cabe ao psicólogo trabalhar o sofrimento psíquico dessa situação. O foco sempre será na verdade do sujeito. A revolta não pode ser subjugada, dominada a força, e sim ultrapassada, tornada desnecessária pela ventilação dos sentimentos reprimidos. Diante de um paciente na posição de revolta o psicólogo deve focalizar a verdade da pessoa e não apenas o errado da situação. Esse é um princípio fundamental, válido para todas as situações em psicologia hospitalar. Todo problema envolvendo pacientes apresenta essas duas facetas, como dois lados de uma moeda: o que é errado do ponto de vista do tratamento médico, e o que é certo do ponto de vista da vivência do paciente. (SIMONETTI, 2011, p. 120). Segundo o autor, nessa posição o paciente pode estar “envolvido em conflitos com a enfermagem, com a família ou com a equipe médica”. Nesse sentido o psicólogo jamais fará um julgamento da situação. Ele trabalhará escutando esse “drama subjetivo” do paciente. A posição de depressão é esperada pelo psicólogo no processo de adoecimento. Cabe ao psicólogo dar um suporte para o paciente nesse momento. Atentando para o caso de a depressão passar de apenas uma fase para um estado mais avançado como podemos ver a seguir, de acordo com Simonetti (2011, p. 121): A depressão diante da doença é uma reação esperada, por isso o psicólogo deve cuidar atenciosamente de seu paciente sem criticá-lo por estar deprimido, servindo mesmo de suporto enquanto ele atravessa essa fase difícil de sua órbita em torno da doença. Entretanto, se a depressão se tornar muito profunda, ou muito prolongada, deixando de ser fase e virando estado, deve-se então considerar-se a possibilidade de tratamento médico com o uso de antidepressivos. O psicólogo precisa ficar atento nessa fase. Se deprimir diante de uma situação de adoecimento é normal. Porém, se ele observar que esta fase não irá passar ou está ficando cada vez mais profunda o psicólogo poderá considerar a possibilidade de requerer juntamente com o médico, um intervenção medicamentosa. Na posição de enfrentamento o psicólogo não se atem às circunstancias do momento. O sujeito terá total liberdade para avaliar o seu estado. É dado um espaço para o sujeito refletir sobre sua condição. Não há necessidade dele ser coerente mas sim ser verdadeiro consigo mesmo. Essa verdade não é uma constante. Ela pode variar e assim dar continuidade ao processo de elaboração da doença. O enfrentamento é uma posição de fluidez, tanto de emoções como de ideias, e se o psicólogo não interromper esse fluxo com interpretações apressadas já fará muito, pois estará libertando o paciente do peso de ser coerente. Para o paciente, há que ser verdadeiro em relação a sua doença, e não coerente, e a verdade muda de instante para instante: o que o paciente disse e sentia ontem pode ser diferente do que diz e sente hoje, e não há nenhum problema nisso: essa noção é muito valiosa, pois mostra que o psicólogo tem de se fixar na verdade que o paciente descobriu em relação a sua doença: ela pode ser apenas a primeira verdade, que logo será substituída por outra, que não tardará em ter o mesmo destino: ser substituída. Assim o importante é o paciente ser ajudado a falar a sua doença, e a falar novamente no dia seguinte. (SIMONETTI, 2011, p. 127). Cabe ao psicólogo ficar atento às verdades do sujeito pois estas podem variar. O psicólogo acompanha esse processo sempre trabalhando na verdade do sujeito em relação a sua doença, mesmo que essa tenha mudado. E é através da fala que as mudanças irão acontecendo progressivamente. O encerramento de um atendimento psicológico em um hospital não acontece necessariamente quando o paciente der a alta hospitalar. Este encerramento também não significa a cura da doença. É um processo que será determinado pelo profissional a partir do momento em que este avalia que o sujeito já elaborou a sua doença e que se encerrou a demanda. Lembremos que um pedido de atendimento psicológico pode ser solicitado pela família ou equipe de saúde já a demanda é o estado psicológico do sujeito. É a sua verdade naquele momento. Simonetti (2011, p. 158) nos fala deste encerramento da seguinte maneira: […] O que determina a conclusão do processo de atendimento psicológico na psicologia hospitalar não é nenhuma condição clínica do paciente, do tipo “cura da doença”, e também não é a ascensão do paciente a um estado ideal de perfeição psicológica em que ele seja capaz de enfrentar perfeitamente a doença. O que determina o final do tratamento psicológico é a cessação da demanda. Quando aquela condição que encetou o início do tratamento, geralmente um problema de manejo do paciente ou um questionamento do próprio doente sobre sua forma de lidar com a doença, se esvazia, se dissolve, o trabalho está concluído. Com a conclusão do atendimento psicológico, cabe ao psicólogo ainda observar este paciente. Esse encerramento não é uma garantia de sucesso. O sujeito poderá entrar na órbita novamente e voltar a necessitar de atendimento. Também é papel do psicólogo, em caso de alta hospitalar, encaminhar o paciente à uma psicoterapia, se assim for necessário. O tratamento psicológico em ambientes hospitalares é de grande importância para o sujeito. Ele leva em conta todos os seus aspectos tornando assim a sua estada em um hospital um momento menos doloroso. É também de grande importância para a humanização, pois trata do sujeito como um todo, além de proporcionar um espaço para a família que também é portadora de muita angústia e sofrimento. CONSIDERAÇÕES FINAIS O objetivo desse trabalho foi abordar a doença, os aspectos psicológicos envolvidos no processo de adoecimento e a hospitalização assim como a psicologia hospitalar. No primeiro momento é abordada a questão da doença em um ponto de vista biopsicossocial. A partir desse contexto observamos que a doença é algo que faz parte da vida dos seres humanos. Todos passarão por isso em algum momento da vida. A doença implica no sujeito a perda de sua condição saudável. Perder a saúde significa perder o que lhe movimenta: a vida. A doença como biológica é aquela que se apresenta no corpo, porém implica diretamente nos aspectos psicológicos e sociais. O sujeito doente passa a ter sua vida modificada. Dependendo de seu estado de saúde não poderá cumprir suas atividades diárias como trabalhar, estudar, cuidar dos filhos, da família, etc. A partir daí a relação com as pessoas do seu convívio social também será afetada. A doença mostra como é frágil a nossa condição existencial. A subjetividade do sujeito está diretamente ligada ao seu adoecimento. Cada sujeito é singular e mesmo portadores da mesma doença, passarão por este processo de maneira diferente. O adoecimento é o resultado da reflexão da doença. Essa reflexão será feita a partir de toda a sua história de vida, sua maneira de sentir, pensar, fantasiar. É único de cada um. Independente da estrutura psíquica, o adoecimento provoca no sujeito um abalo. A órbita da doença está organizada para se observar a reação do sujeito diante de situações difíceis que podem surgir em sua vida. Este, ao se deparar com uma situação, muitas vezes, de difícil aceitabilidade passará a reagir de acordo com as posições da órbita. Entender a órbita é fundamental para analisar a situação do sujeito hospitalizado. Cada posição requer um atendimento e cabe ao psicólogo estar atento a isso. A hospitalização é um momento de muito sofrimento para o sujeito. Ele estará sendo alocado em outro ambiente. Deverá aderir a esta nova rotina e, dependendo de sua condição de saúde passará um longo período neste local. A partir daí ganha uma nova vida e uma nova rotina. Há uma descaracterização do sujeito em um ambiente hospitalar. Sabemos que não é possível aderir a todos os pedidos feitos pelos pacientes. O que se deve levar em conta é que o paciente pode estar passando por um sofrimento, tratá-lo de uma maneira mais singular poderá auxiliar no seu tratamento. O psicólogo hospitalar sempre vai tratar o sujeito de forma singular. Ele trabalha com a subjetividade que é algo fundamental para o sujeito hospitalizado, mas que muitas vezes é deixada de lado. O psicólogo dará espaço para que o doente assuma sua condição de sujeito. O tratamento se encerrará quando cessar a demanda, ou seja, quando o sujeito conseguir elaborar a sua doença. Esse é o ponto principal a ser alcançado no tratamento. Considerando o estudo realizado podemos afirmar que um profissional da psicologia dentro de uma instituição hospitalar torna-se fundamental para o auxílio do tratamento, acolhimento e humanização. As estatísticas mostram que há um grande número de pessoas adoentadas que encontram-se em um estado de hospitalização bem como de doenças que exigem cuidados por longos períodos. REFERÊNCIAS ÁVILA, Lazslo Antonio. Doenças do Corpo e Doenças da Alma: Investigação psicossomática psicanalítica. São Paulo: Escuta, 1996. BERLINGUER, Giovanni. A Doença. São Paulo: Hucitec. Centro Brasileiro de Estudos de Saúde, 1988. p.219. BOCK, Ana Mercês Bahia; FURTADO, Odair; TEIXEIRA, Maria de Lourdes Trassi. Psicologias uma Introdução ao Estudo de Psicologia. 13ª edição. São Paulo: Saraiva, 2002. p. 22, 23, 346-348. CAMON, Valdemar Augusto Angerami, et al. Psicologia Hospitalar Teoria e Prática. 2ª ed. São Paulo: Pioneira Thomson Learning, 1995. _____ Psicossomática e a psicologia da dor. São Paulo: Pioneira Thomson Learning, 2001. CLAVREUL, J. A Ordem Médica: Poder e Impotência do Discurso Médico. São Paulo: Brasiliense, 1983. CONSELHO FEDERAL DE PSICOLOGIA: Resolução 13/2007. Disponível em: http://site.cfp.org.br/ Acesso dia: 22 SETEMBRO, 2015 DANTAS, Marília, TOBLER, Vanessa. O sofrimento psicológico é a pedra angular sobre a qual repousa a cultura de consumo, 2003. Disponível em: <http://www.psicologia.pt/artigos/imprimir.php? codigo=A0175>. Acesso dia: 12 NOVEMBRO, 2015. FILHO, Geraldo Brasileiro. Bogliolo Patologia. 6ª edição. Rio de Janeiro, RJ: Guanabara Koogan, 2000. p.1. FREUD, Sigmund. (1930/1974). O mal-estar na civilização. (Obras Completas de Sigmund Freud, vol. XXI). Rio de Janeiro: Imago. p.94, 95. PIMENTEL, Lenice. Corpo: continente da dor psíquica. Revista Insight Psicoterapia. São Paulo, ano VIII, n.85, jun.1988. p.18-21. OMS – Disponível em: http://www.paho.org/bra/. Acessado em: 15 SETEMBRO, 2015. ROMANO, Bellkiss Wilma. Princípios para a prática da Psicologia Clínica em Hospitais. São Paulo: Casa dos Psicólogos, 1999. p. 55. ROUDINESCO, E. Por Que a Psicanálise? Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2000. p.13,14. SIMONETTI, A. Manual de psicologia hospitalar: o mapa da doença. 6ª edição. São Paulo: Casa do Psicólogo, 2011.