VI SEMEAD PESQUISA QUANTITATIVA FINANÇAS Título do Trabalho: Determinantes do uso de derivativos por empresas não-financeiras Autores: Herbert Kimura Doutor em Administração de Empresas pela USP Professor da Universidade Presbiteriana Mackenzie Rua Santo Arcádio, 212 – São Paulo – SP – CEP 04707-110 E-mail: [email protected] Telefone: (11) 5561-1981 Luiz Carlos Jacob Perera Doutor em Administração de Empresas pela USP Professor da Faculdade de Ciências Econômicas, Administrativas e Contábeis de Franca Rua Raul Telles Rudge, 138 – São Paulo – SP – CEP 05750-340 E-mail: [email protected] Telefone: (11) 3771-5533 1 DETERMINANTES DO USO DE DERIVATIVOS POR EMPRESAS NÃO-FINANCEIRAS Resumo O objetivo da pesquisa é avaliar, através de técnicas de análise estatística, potenciais determinantes do uso de derivativos por empresas não-financeiras. A pesquisa identificará quais são os principais indicadores que podem diferenciar as empresas que utilizam derivativos das empresas que não utilizam derivativos e, desta forma, estabelecerá evidências das condições ou motivos pelos quais as empresas decidem operacionalizar a gestão de riscos através de instrumentos financeiros. 1. Introdução A maioria dos estudos empíricos, como por exemplo, os desenvolvidos por NANCE et al (1993), DOLDE (1993), MIAN (1996) ou GECZY et al (1997) sobre gestão de riscos corporativos, tem-se concentrado em fatores relacionados à decisão da empresa em realizar hedge ou em operar contratos de derivativos. Em particular, vários estudos procuram identificar quais fatores determinam o uso de derivativos pelas empresas não-financeiras. Nestes casos, os testes empíricos da teoria de gestão de riscos comparam as características de empresas que utilizam derivativos com as características de empresas que não utilizam derivativos. Tendo em vista a disponibilidade restrita de dados sobre o uso de derivativos por corporações não-financeiras, será realizado um estudo que busca avaliar quais variáveis financeiras da empresa, como por exemplo, grau de endividamento, índice de liquidez, rentabilidade do ativo, podem estar associadas a uma maior ou menor preocupação pelo gerenciamento de riscos através do uso de derivativos. Devido à regulamentação ainda incipiente no Brasil, não se pode facilmente obter dados sobre o uso de derivativos por empresas brasileiras. Assim, considerando o grau de transparência exigido pelos órgãos reguladores dos Estados Unidos, foram levadas em consideração neste trabalho apenas empresas não-financeiras com ações cotadas em bolsas de valores americanas. Considerando a diversidade de resultados obtidos em outros trabalhos e a falta de conclusões mais definitivas sobre os determinantes do uso de derivativos por empresas nãofinanceiras, este estudo traz novos subsídios e evidências, promovendo a discussão acadêmica e ampliando o estado-da-arte sobre o assunto. Assim, o objetivo da pesquisa é avaliar, através de técnicas de análise estatística, potenciais determinantes do uso de derivativos por empresas não-financeiras. A pesquisa identificará quais são os principais indicadores que podem diferenciar as empresas que utilizam derivativos das empresas que não utilizam derivativos e, desta forma, estabelecerá evidências das condições ou motivos pelos quais as empresas decidem operacionalizar a gestão de riscos através de instrumentos financeiros. 2. Revisão da Literatura Os estudos empíricos sobre a gestão de riscos em corporações não-financeiras estão associados, principalmente, à investigação sobre a utilização de derivativos, tendo em vista que estes são instrumentos típicos de redução ou aumento de exposição a riscos. 2 As análises empíricas relacionadas ao uso de derivativos dependem fortemente de um amplo levantamento de dados, através do qual, na maioria das vezes, são necessárias avaliações subjetivas dos pesquisadores, principalmente para a caracterização de dados categóricos. Em particular, a identificação de uma empresa usuária ou não-usuária de derivativos pode variar entre diferentes pesquisas em decorrência da forma de levantamento de dados ou das definições preliminares dos pesquisadores. Exemplificando, FRANCIS e STEPHAN (1990) classificam as empresas, com relação ao uso de derivativos, através de pesquisa em bancos de dados financeiros por determinadas palavras-chaves, tais como “hedging”, “swaps” ou “options” . GECZY et al (1997) classificam usuários de derivativos através da busca de referências sobre o uso de derivativos de taxa de câmbio nos demonstrativos financeiros de empresas pertencentes ao S&P 500. Por sua vez, MIAN (1996) examina se a empresa utiliza derivativos para gerenciar riscos. Assim, as empresas são classificadas a partir da análise de informações referentes ao uso de derivativos bem como da identificação de tratamento contábil compatível com operações de hedge. Dadas as características do processo de coleta de dados, os testes empíricos da teoria de gestão de riscos utilizam basicamente duas abordagens diferentes (PETERSEN e TIAGARAJAN, 2000). A primeira abordagem mensura o efeito do uso de derivativos nas exposições financeiras das empresas. A segunda abordagem fundamenta-se na análise comparativa das características de empresas que utilizam e que não utilizam derivativos. Mesmo para empresas que possuem elevado índice de exposição em derivativos com relação ao tamanho dos ativos, HENTSCHEL e KOTHARI (2001) não identificam associação entre o uso de derivativos e o aumento de volatilidade das ações. Desta maneira, o estudo não suporta a hipótese, muitas vezes levantada pelos órgãos reguladores, de que as empresas usam derivativos para fins de especulação. KOSKI e PONTIFF (1999) obtêm resultados semelhantes na análise de fundos de investimento, encontrando evidências que contradizem a associação popular entre o uso de derivativos e o aumento de exposição a riscos nestes tipos de aplicação financeira. Com relação aos estudos comparativos, BODNAR et al (1998) observam que o uso de derivativos está associado positivamente ao total de faturamento da empresa. BODNAR e MARSTON (1996) obtêm também evidências de que as empresas em algumas situações realizam hedge com derivativos, porém de modo imperfeito. Em algumas empresas analisadas, posições especulativas parecem ser tomadas como se fossem operações de hedge. Tendo em vista a correlação positiva entre a decisão de hedge e os ativos totais de uma empresa, MIAN (1996) identifica a existência de economias de escala na utilização de hedge, principalmente no estabelecimento de políticas e estruturas para gestão de riscos. O autor também identifica uma relação negativa e significativamente relevante entre o quociente entre valor de mercado e valor contábil e o uso de técnicas de gestão de riscos. Por outro lado, MIAN (1996) obtém resultados que sugerem pouca relação entre gestão de riscos e endividamento. Este fato também é observado por NANCE et al (1993) que não encontram relação entre a alavancagem financeira e a propensão de uma empresa em realizar operações de hedge com derivativos. Por outro lado, DOLDE (1996) e SAMANTH (1996) identificam relações positivas estatisticamente significantes entre a gestão de risco e o grau de endividamento. Para GAY e NAM (1998), empresas com oportunidades de investimentos amplas, baixa liquidez, baixa correlação entre despesas de investimento e fluxos de caixa gerados internamente, têm mais probabilidade de serem usuários de derivativos. Por sua vez, MIAN (1996) identifica que empresas com alto índice de liquidez corrente têm menor propensão a realizar hedge. 3 Através da comparação de duas empresas específicas do setor de mineração, com características opostas em relação ao uso de derivativos, PETERSEN e THIAGARAN (2000) identificam que a escolha do método de gerenciamento de riscos, seja através do uso de derivativos sobre ouro, seja através de outras operações, como por exemplo, empréstimos indexados a ouro, depende das diferenças de habilidade de as empresas ajustarem os custos operacionais e das diferentes necessidades por capital para investimentos. HOWTON e PERFECT (1998) relatam que as empresas têm menor probabilidade de utilizar contratos a termo e futuros para gerir risco de taxa de câmbio quando sua liquidez é elevada e quando dificuldades financeiras não constituem ameaça potencial. Além disso, a probabilidade de uso de derivativos também é baixa quando o índice de despesas em pesquisa e desenvolvimento com relação às vendas é baixo. O levantamento bibliográfico efetuado mostra que não há conclusões defitivas entre os pesquisadores sobre o impacto de técnicas de gestão de riscos nem sobre os fatores que motivam o uso de derivativos. Por exemplo, existem resultados contraditórios sobre a relação entre o nível de endividamento e o uso de derivativos. As diversas pesquisas, seguindo metodologias diferentes e utilizando amostras distintas, conduzem muitas vezes a resultados qualitativos distintos. Neste contexto, este trabalho tem por objetivo proporcionar novos subsídios sobre os determinantes do uso de derivativos por empresas não-financeiras, buscando evidências ou modelos da associação entre perspectivas financeiras e gestão de riscos. 3. Descrição da Pesquisa Tendo em vista as exigências de disclosure, os dados primários para a pesquisa foram obtidos através de demonstrativos contábeis de empresas não-financeiras, cujas ações são negociadas no mercado acionário americano. Conforme já discutido anteriormente, dados sobre a utilização de derivativos não são, em geral, disponibilizados pelas empresas brasileiras e, portanto, uma avaliação empírica com significância estatística não pôde ser realizada para o âmbito nacional. Para a realização da avaliação empírica, foram levantados os demonstrativos financeiros das empresas americanas. Através do Annual Reports Service disponibilizado pelo The Wall Street Journal, foram obtidos fisicamente os relatórios financeiros de diversas empresas. Apesar de o levantamento da amostra não ser aleatório, pois foram obtidos relatórios apenas de empresas com contratos de distribuição com o Annual Reports Service, a diversidade de empresas com relação a tamanho, setores de atuação e indicadores financeiros permite que os resultados das análises estatísticas sejam significantes. Os relatórios foram cuidadosamente analisados com o objetivo de se identificar claramente se a empresa era usuária de derivativos, seguindo um procedimento semelhante a GECZY et al (1997). Ou seja, as empresas foram classificadas através da busca de referências sobre a utilização de derivativos nos relatórios financeiros. Os casos em que a utilização ou não-utilização de derivativos não era explicitamente citada nos relatórios financeiros foram descartados. Este procedimento pode eventualmente influenciar a pesquisa, porém a postura conservadora na classificação das empresas como usuárias ou não-usuárias de derivativos confere maior confiabilidade aos resultados de discriminação. A partir da lista das empresas para as quais havia informação sobre o uso de derivativos, foram levantados diversos indicadores financeiros. Utilizando-se o serviço de informações disponibilizado via Internet pelo MultexInvestor, obteve-se para cada empresa dados sobre as 4 perspectivas de risco, tamanho, valor, dividendos, rentabilidade, geração de caixa, crescimento, liquidez, endividamento e atividade. A etapa de coleta de dados possibilitou o levantamento de um total de 351 empresas e 25 variáveis, dentre elas algumas categóricas, como por exemplo, as referentes ao uso de derivativos, e outras métricas, principalmente aquelas relacionadas aos indicadores financeiros. O caráter eminentemente complexo da análise multivariada exige muita cautela na avaliação dos resultados uma vez que diversos aspectos devem ser levados em consideração de modo concomitante, como por exemplo, desvios das premissas dos modelos multivariados, sensibilidade ao tamanho da amostra, influência de dados faltantes ou dos outliers etc. Em particular, o poder estatístico das técnicas multivariadas exige grande conjunto de dados e premissas mais complexas do que as necessárias em análises univariadas (HAIR et al, 1998). Tendo sido conduzida uma examinação gráfica dos dados, ficou clara a necessidade de transformação de algumas variáveis para uma melhor adequação às premissas dos modelos de análise multivariada, principalmente se houver exigências de normalidade das distribuições das variáveis e de relações de linearidade entre variáveis. Após a realização da avaliação gráfica, foram conduzidos estudos analíticos sobre os dados coletados. Com relação aos missing data, o procedimento adotado na etapa de coleta de dados permitiu a exclusão das empresas cuja utilização ou não-utilização de derivativos não ficava explicitamente evidente a partir dos relatórios financeiros. Variáveis contendo mais de 20% de dados faltantes foram excluídas do estudo, uma vez que poderiam reduzir consideravelmente o total de casos válidos para a análise multivariada. Considerando-se a análise preliminar de missing data, a amostra inicial foi reduzida, contendo 18 variáveis independentes e mantendo o número total de 351 observações. Finalmente, com relação, às principais premissas da análise multivariada, buscou-se realizar uma avaliação de normalidade, homocedasticidade, linearidade e multicolinearidade das variáveis relevantes. A análise de curtose e assimetria das distribuições mostrou valores significativamente diferentes de zero para a maioria das variáveis. O teste de KolmogorovSmirnov para uma amostra reforçou as evidências de que a distribuição de praticamente todas as variáveis diferia significativamente da normal. Em decorrência das distribuições das variáveis, a homocedasticidade de potenciais variáveis dependentes também não foi verificada. Com relação à linearidade, a análise gráfica sugere a existência de relações lineares entre várias variáveis bem como a existência de algumas relações não-lineares. Foram também identificados indícios de multicolinearidade, devido à presença de elevada correlação entre algumas variáveis. Como discutido anteriormente, diversos indicadores financeiros são derivados dos mesmos dados contábeis e de mercado, aumentando a probabilidade de existência de variáveis correlacionadas e implicando limitada contribuição marginal de variáveis pertencentes a uma mesma dimensão financeira. Uma vez que o objetivo não é a predição ou a classificação de observações, a interpretação das análises multivariadas está direcionada para a separação ou discriminação de observações através da avaliação da significância e do sinal dos coeficientes das equações discriminantes. Como é usual em análises multivariadas, a avaliação dos dados mostrou que diversas variáveis não obedeceram estritamente às premissas dos modelos, mesmo realizando-se ajustes ou transformações. Portanto, os resultados obtidos podem ser influenciados pelo grau com que as características da amostra distanciam-se das premissas teóricas. Desta maneira, apesar de diversas simulações terem sido realizadas visando o aprimoramento dos resultados, sempre haverá restrições sobre a validade e significância dos 5 resultados devido à violação de algumas premissas. Supõe-se porém que, em linhas gerais, para a finalidade das investigações deste trabalho, os resultados qualitativos podem ser adequadamente fundamentados pelas análises estatísticas efetuadas. 4. Análise e Discussão 4.1. Modelagem da pesquisa A partir do dignóstico inicial, diversos experimentos foram realizados contemplando conjuntos diferentes de variáveis, amostras distintas em função de aspectos de missing data e outliers bem como ajustes diferenciados para melhor adequação às premissas das ferramentas estatísticas utilizadas. Além disso, a análise dos experimentos possibilitou avaliar a sensibilidade dos resultados e diagnosticar relações relevantes entre as variáveis para fins da análise multivariada. Neste trabalho, serão apresentados os principais resultados obtidos. De acordo com os objetivos da pesquisa, voltados primordialmente para a identificação de características que diferenciam empresas usuárias das empresas não-usuárias de derivativos, técnicas estatísticas de discriminação entre grupos são adequadas. No estudo conduzido, a variável dependente refletirá a utilização ou não utilização de derivativos e as variáveis independentes, os indicadores financeiros das empresas. O caráter categórico da variável dependente e as diversas variáveis independentes eminentemente métricas presentes na amostra sugerem a análise discriminante e a regressão logística como as técnicas estatísticas apropriadas. Porém, as características da amostra evidenciam que premissas extremamente restritivas da análise discriminante, como por exemplo, a normalidade da distribuição multivariada das potenciais variáveis independentes e a igualdade das estruturas de dispersão e covariâncias dos grupos definidos pela variável dependente não são observadas. Tendo em vista que a violação da premissa de normalidade multivariada pode causar problemas na estimação da função discriminante e que a variável dependente é dividida em apenas dois grupos, a regressão logística surge como a alternativa mais adequada. Embora existam procedimentos estatísticos que permitem a seleção automática de variáveis relevantes, a inclusão inicial de inúmeras variáveis geralmente implica uma sobreadequação do modelo em relação à amostra considerada, acompanhada de uma piora do modelo para fins de generalização na população. Além disso, o uso indiscriminado de variáveis pode mascarar os verdadeiros efeitos das variáveis relevantes devido à multicolinearidade (HAIR et al, 1998). A escolha das variáveis que foram incluídas na análise decorre não somente das correlações ou desvios das premissas, como também de estudos semelhantes já realizados e do julgamento sobre a relevância de cada variável. Após avaliação de diversos ajustes para maior adequação a critérios de normalidade e linearidade, optou-se pela manutenção da forma original da maioria das variáveis pois os ganhos advindos dos ajustes não melhoraram consideravelmente os resultados. Assim, para se evitar um aumento da complexidade na interpretação dos resultados obtidos, foram realizadas apenas as tradicionais transformações logarítmicas para reduzir o impacto das diferenças de tamanho da empresa na análise considerada. Das 18 variáveis independentes restantes após a fase de eliminação em função dos dados faltantes, foram consideradas somente as 11 variáveis descritas na tabela a seguir. 6 Tabela 1: Variáveis independentes e perspectivas utilizadas nas análises estatísticas Variável X1 Indicador Perspectiva Horizonte Beta Risco Curto prazo X2 Valor de mercado em relação ao valor contábil Valor Curto prazo X3 Taxa média de dividendos Dividendos Médio prazo X4 Taxa de crescimento de vendas Crescimento Médio prazo X5 Liquidez seca Liquidez Curto prazo X6 Exigível e longo prazo em relação ao patrimônio líquido Endividamento Curto prazo X7 Margem de lucro antes de juros, impostos e depreciação Geração de caixa Curto prazo X8 Retorno sobre ativo Rentabilidade Curto prazo X9 Retorno sobre patrimônio líquido Rentabilidade Médio prazo X10 X11 Giro do ativo Atividade Curto prazo Vendas Tamanho Curto prazo A variável X1 representa o risco sistemático das ações da empresa em relação ao mercado. O S&P 500 é utilizado como proxy da carteira de mercado. A variável X2 representa uma medida de valorização da empresa, pois constitui uma comparação teórica entre o valor de mercado das ações e o valor contábil do patrimônio líquido, isto é, o valor da participação do acionista obtido de acordo com critérios contábeis. A pesquisa também buscou avaliar se o nível de distribuição de dividendos pode discriminar empresas usuárias das não-usuárias de derivativos. Optou-se pela inclusão da média histórica da taxa de distribuição de dividendos calculada a partir dos últimos 5 anos. Assim, a pesquisa incorpora variáveis com horizonte de médio prazo, evitando a análise somente dos eventos de curto prazo. O indicador de crescimento utilizado na pesquisa foi a taxa de crescimento de vendas referente aos últimos 5 anos. Aspectos de liquidez, ou seja, capacidade de pagamento de obrigações, são incorporadas na análise através da variável X5. A liquidez seca compara o caixa e demais investimentos que podem ser rapidamente convertidos em caixa com as obrigações financeiras de curto prazo da empresa. Outra perspectiva relevante a ser analisada é a relação entre o uso de derivativos e o grau de endividamento da empresa. A variável X6 representa simplesmente a relação entre as dívidas de longo prazo e o patrimônio líquido, obtidos considerando-se os dados dos últimos balancetes trimestrais. Para a perspectiva de geração de caixa, foi considerada a variável X7 referente a um indicador de lucro antes de juros, impostos e depreciação calculado como porcentagem das vendas. Considerando-se o interesse na identificação de potenciais relacionamentos entre gestão de riscos com rentabilidade, utilizou-se na pesquisa as variáveis X8 e X9. Enquanto a variável X8 representa o retorno de curto prazo do ativo, medido através do lucro em relação ao ativo total ao final de um ano, a variável X9 representa uma medida de retorno do patrimônio líquido nos últimos cinco anos. Portanto, as duas variáveis, por um lado, assemelham-se por constituírem medidas de rentabilidade e, por outro lado, distinguem-se em função do horizonte de análise e da estrutura de capital. A variável X10 possibilita que aspectos de eficiência das atividades possam ser incorporados na avaliação efetuada. Além de representar informação sobre a relação entre as vendas e os ativos, o giro do ativo também é componente importante para a interpretação dos indicadores de rentabilidade. Finalmente, a variável X11 está associada ao tamanho da empresa. Em particular, para evitar distorções exacerbadas na avaliação da influência do tamanho da 7 empresa, a variável X11 é obtida através da transformação logarítmica das receitas anuais, que variaram de US$ 12 milhões até US$ 23 bilhões. É importante ressaltar que, independentemente da possível significância dos resultados, nenhuma relação direta causal deve ser taxativamente inferida sem que uma fundamentação teórica seja estabelecida entre a característica da empresa e o uso de derivativos. Por exemplo, se houver alguma associação entre risco e o uso de derivativos, não se pode afirmar que o nível de risco implica o uso de derivativos ou se o uso de derivativos determina o nível de risco. 4.2. Regressão logística A regressão logística constitui uma extensão da regressão múltipla, na qual a variável dependente não é contínua (GEORGE e MALLERY, 2001). Quando a variável dependente é não-métrica e está dividida em apenas dois grupos, a regressão logística é preferível à análise discriminante devido a uma séria de fatores. Primeiro, a regressão logística não depende das premissas extremamente restritivas sobre normalidade multivariada e igualdade das matrizes de variância e covariância entre os grupos. Além disso, a regressão logística é similar à análise de regressão, possuindo testes estatísticos diretos, habilidade de incorporar efeitos não-lineares e vários mecanismos de diagnóstico (HAIR et al, 1998). A natureza não-linear da transformação logística implica que os coeficientes da equação de regressão sejam estimados através de um procedimento iterativo de maximização da verossimilhança ao invés da minimização da soma dos erros quadráticos comumente utilizada na análise de regressão múltipla. Assim, ao invés do procedimento de mínimos quadrados, a regressão logística maximiza a probabilidade de que um evento ocorra (HAIR et al, 1998). A tabela a seguir mostra os coeficientes da regressão logística, incluindo os respectivos graus de significância estatística. Tabela 2: Coeficientes da regressão logística Variável Perspectiva Coeficiente Erro-padrão Z Significância X5 X10 X11 Constante Liquidez Atividade Tamanho -0.455 -1.076 0.685 -11.073 0.126 0.252 0.122 2.344 -3.610 -4.280 5.620 -4.730 0.000 0.000 0.000 0.000 As variáveis que permitem a discriminação entre empresas usuárias das não-usuárias de derivativos correspondem a X5, X10 e X11, envolvendo as perspectivas de liquidez, atividade e tamanho, respectivamente. A significância dos resultados representam fortes evidências de que os coeficientes não são nulos. Os mecanismos de regressão conduzem à estimativa de coeficientes que possibilitam uma melhor interpretação das relações entre a variável dependente e as variáveis independentes. No caso da regressão logística estudada, o coeficiente de cada variável independente representa a estimativa da alteração do logarítmo da relação entre as probabilidades de a empresa utilizar e não utilizar derivativos quando as outras variáveis independentes são mantidas constantes. 8 Tabela 3: Relação das razões das chances Variável Perspectiva Razão das chances Valor Intervalo (95%) Inferior Superior X5 Liquidez 0.63 0.50 0.81 X10 Atividade 0.34 0.21 0.56 X11 Tamanho 1.98 1.56 2.52 Constante Os sinais dos coeficientes, bem como os odds ratio ou razões das chances, demonstram que empresas com maior liquidez seca ou ou maior giro do ativo têm menor probabilidade de serem classificadas como usuárias de derivativos. Em contrapartida, quanto maior o tamanho da empresa, medido pelo logarítmo do volume de vendas, maiores as chances de a empresa ser usuária de derivativos. As razões das chances, razoavelmente diferentes da unidade, sugerem que o efeito das variáveis na discriminação das empresas é considerável. Tabela 4: Significância da regressão logística e testes de aderência Log-likelihood Estatística G Graus de liberdade Significância -129.532 83.906 3 0.000 Método Qui-Quadrado Graus de liberdade Significância Pearson 232.193 248 0.757 Deviance 259.064 248 0.302 Brown (geral) 3.532 2 0.171 Brown (simétrico) 2.176 1 0.140 A estatística G permite avaliar a relevância dos resultados, principalmente no que concerne à relação entre o uso de derivativos e algumas variáveis dependentes, uma vez que mostra evidências suficientes de que pelo menos um dos coeficientes da regressão logística é significativamente diferente de zero. Com relação aos testes de aderência, não há evidências que suportam a afirmação de que o modelo não adere adequadamente aos dados, tendo em vista a significância estimada entre 0.140 e 0.757. Considerando os resultados anteriores, pode-se sumarizar as seguintes avaliações decorrentes da regressão logística: a) O tamanho da empresa representa a variável que mais impacta a estimativa da probabilidade de a empresa ser ou não ser usuária de derivativos. Novamente, o coeficiente de X11 sugere que empresas com maior volume de vendas têm maior probabilidade de utilizar derivativos. b) A liquidez seca X5 também é variável relevante para discriminar empresas com relação ao uso de derivativos. Quanto menor a liquidez, maior a probabilidade de a empresa utilizar derivativos. c) O giro do ativo X10 é variável relevante na função de regressão logística. O resultado do coeficiente e da razão de chance permite estabelecer que a probabilidade de a empresa utilizar derivativos diminui com o giro do ativo. Ou seja, empresas com menor eficiência na alocação de estoques ou menor velocidade de vendas são mais propensas a utilizar derivativos. d) Considerando-se as demais variáveis X3, X6, X7, X9, que apresentavam diferenças entre médias entre os dois grupos de empresas, pode-se argumentar que possuem razoável relacionamento com as variáveis X5, X10 e X11 que fizeram parte da regressão. Ou seja, as variáveis com coeficientes 9 significativamente diferentes de zero na regressão logística podem ter colinearidade com as variáveis referentes a dividendos, endividamento, geração de caixa e rentabilidade. e) As variáveis X1, X2, X4 e X8 relacionadas com risco, valor, crescimento e rentabilidade, como nas análises anteriores, também não mostraram relevância na distinção entre empresas usuárias das não-usuárias de derivativos. 4. Comentários finais A principal perspectiva que diferencia empresas usuárias das não-usuárias de derivativos está associada ao tamanho da empresa. Os coeficientes da análise dicriminante e da regressão logística são indicadores que fortalecem a hipótese de relacionamento entre o uso de derivativos e o tamanho da empresa. Neste trabalho, a escala da empresa foi medida pelo volume de vendas. Observou-se, portanto, que o uso de derivativos é consideravelmente mais freqüente em empresas com faturamento mais elevado. Este resultado corrobora evidências obtidas em outros estudos, como por exemplo, os de BODNAR et al (1998) que encontram uma relação positiva entre o uso de derivativos e o total de faturamento da empresa. Assim, a complexidade das operações e o montante absoluto exposto ao risco das empresas maiores podem constituir fatores que motivam o uso de derivativos. Além disso, conforme MIAN (1996) sugere, o resultado pode indicar que a operacionalização da gestão de risco em empresas não-financeiras é viável apenas se os ganhos de escala permitem considerável diluição dos custos de qualificação da mão-de-obra e de implementação dos procedimentos de hedge. As evidências empíricas mostram que empresas menores, apesar de mais sujeitas ao risco não-sistemático têm menor propensão ao uso de derivativos. Desta maneira, mesmo tendo menos capacidade de diluição de riscos através de mecanismos de diversificação de produtos vendidos, mercados atendidos e moedas transacionadas, as empresas com menor faturamento são menos atuantes no mercado de derivativos. Esta observação reforça a hipótese da necessidade de volume de operações frente ao custo da estruturação de uma área de gestão de riscos que envolva o uso de derivativos. A perspectiva de liquidez também surge como importante fator associado ao uso de derivativos. Os resultados indicam que empresas com baixa liquidez têm mais propensão a utilizar derivativos, mantendo a consistência com os resultados obtidos por GAY e NAM (1998) e MIAN (1996). Diferentemente de outros estudos, esta pesquisa identificou uma nova perspectiva discriminatória entre os grupos de empresas usuárias e não-usuárias de derivativos. Uma medida de atividade ou eficiência operacional, calculada através do giro do ativo, mostrou-se também relevante para separar os dois grupos de empresas. As evidências sugerem que empresas usuárias de derivativos possuem menor giro do ativo. Pelo menos dois fatores podem estar associados a este resultado. Em primeiro lugar, empresas maiores têm, em geral, menor giro do ativo, pois todo mercado possui um limite de consumo. Assim, a perspectiva de atividade pode estar associada à perspectiva de tamanho e portanto, quanto maior a empresa, maior o total de ativos, menor o potencial de giro e maior a probabilidade de uso de derivativos. Em segundo lugar, o fato de a empresa com menor giro ter mais propensão a utilizar derivativos pode sugerir, novamente, uma postura conservadora na gestão financeira da empresa. Uma vez que o menor giro implica, em termos relativos e indiretos, maior risco de escassez de recursos de curto prazo, é possível que a administração tenha incentivos a adotar mecanismos de 10 gestão de riscos. Em contrapartida, empresas com rápido giro do ativo podem ter menor propensão a usar derivativos, pois o nível de vendas, que pode ser convertido em caixa, implica menor probabilidade de problemas de liquidez. As evidências mostram que as empresas usuárias de derivativos têm maiores indicadores de endividamento, porém este fato não é significante do ponto de vista estatístico. Este resultado está de acordo com os estudos de MIAN (1996) e NANCE et al (1993) que não obtêm relações significativas entre o uso de derivativos e aspectos de alavancagem financeira. Em relação à perspectiva de risco, os resultados desta pesquisa são compatíveis com o trabalho de HETSCHEL e KOTHARI (2001). Não há evidências de uma forte relação que estabeleça associação entre derivativos e alteração do nível de risco. É interessante ressaltar também que a gestão de risco não parece implicar maiores rentabilidade de maneira significante. Apesar de as empresas usuárias de derivativos terem elevada rentabilidade de curto e médio prazos, quando comparadas com as empresas não-usuárias, o grande grau de dispersão dos resultados não possibilita a identificação de um relacionamento significativo entre gestão de riscos e lucro. Os resultados da pesquisa são obviamente muito dependentes da metodologia adotada. A obtenção da amostra e a coleta de dados podem induzir vieses ou até mesmo erros operacionais na pesquisa. Violações às premissas das análises quantitativas também podem conduzir a inadequação do uso de modelos estatísticos e a problemas de interpretação nos resultados. Porém, a consistência entre os resultados da avaliação estatística e a compatibilidade com estudos desenvolvidos por outros pesquisadores refletem a confiabilidade da pesquisa e reiteram os determinantes do uso de derivativos pelas empresas não-financeiras. Com isso, apesar das limitações do estudo, a pesquisa efetuada serve para trazer novos indícios sobre o uso de derivativos pelas empresas não-financeiras. Em particular, foram obtidas maiores evidências sobre o impacto pouco significante da estrutura de capital na decisão sobre gestão de riscos, questão que ainda não possui uma interpretação consensual. 5. Bibliografia Berkman, H.; Bradbury, M. E., 1996. Empirical evidence on the corporate use of derivatives. Financial Management 25-2, pp. 5-13. Bodnar, G.; Hayt, G. Marston, R., 1996. 1995 Wharton survey of derivatives usage by US nonfinancial firms. Financial Management 25, 113-133. Bodnar, G.; Hayt, G.; Marston, R., 1998. 1998 Wharton survey if financial risk management by US non financial firms. Financial Management 27, 70-91. Dolde, W., 1993. The trajectory of corporate financial risk management. Journal of Applied Corporate Finance 6, 33-41. Gay, G.; Nam. J., 1998. The underinvestment problem and corporate derivatives use. Financial Management 27, 53-69. Geczy, C.; Minton, B. A.; Schrand, C., 1997. Why firms use currency derivatives. Journal of Finance 52, 1323-1354. Howton, S.; Perfect, S., 1998. Currency and interest-rate derivatives use in the US firms. Financial Management (Winter), 111-121. Mian, S., 1996. Evidence on corporate hedging policy. Journal of Financial and Quantitative Analysis 31, 419-439. Nance, D.; Smith, C.; Smithson, C., 1993. On the determinants of corporate hedging. Journal of Finance 48, 267-284. 11 Petersen, M. A.; Thiagarajan, S. R., 2000. Risk measurement and hedging: with and without derivatives. Financial Management (Winter) 5-30. Smith, C.; Stulz, R., 1985. The determinants of firms’ hedging policies. Journal of Financial and Quantitative Analysis 20, 391-405 Hair Jr, J.; Anderson, R.; Tatham, R.; Black, W. C., 1998. Multivariate data analysis. 5th edition. Prentice Hall. New Jersey. 12