Coleta dos dados

Propaganda
VI SEMEAD
PESQUISA QUANTITATIVA
FINANÇAS
Título do Trabalho: Determinantes do uso de derivativos por empresas não-financeiras
Autores:
Herbert Kimura
Doutor em Administração de Empresas pela USP
Professor da Universidade Presbiteriana Mackenzie
Rua Santo Arcádio, 212 – São Paulo – SP – CEP 04707-110
E-mail:
[email protected]
Telefone:
(11) 5561-1981
Luiz Carlos Jacob Perera
Doutor em Administração de Empresas pela USP
Professor da Faculdade de Ciências Econômicas, Administrativas e
Contábeis de Franca
Rua Raul Telles Rudge, 138 – São Paulo – SP – CEP 05750-340
E-mail:
[email protected]
Telefone:
(11) 3771-5533
1
DETERMINANTES DO USO DE DERIVATIVOS POR EMPRESAS
NÃO-FINANCEIRAS
Resumo
O objetivo da pesquisa é avaliar, através de técnicas de análise estatística, potenciais
determinantes do uso de derivativos por empresas não-financeiras. A pesquisa identificará quais
são os principais indicadores que podem diferenciar as empresas que utilizam derivativos das
empresas que não utilizam derivativos e, desta forma, estabelecerá evidências das condições ou
motivos pelos quais as empresas decidem operacionalizar a gestão de riscos através de
instrumentos financeiros.
1. Introdução
A maioria dos estudos empíricos, como por exemplo, os desenvolvidos por NANCE et al
(1993), DOLDE (1993), MIAN (1996) ou GECZY et al (1997) sobre gestão de riscos
corporativos, tem-se concentrado em fatores relacionados à decisão da empresa em realizar hedge
ou em operar contratos de derivativos.
Em particular, vários estudos procuram identificar quais fatores determinam o uso de
derivativos pelas empresas não-financeiras. Nestes casos, os testes empíricos da teoria de gestão
de riscos comparam as características de empresas que utilizam derivativos com as características
de empresas que não utilizam derivativos.
Tendo em vista a disponibilidade restrita de dados sobre o uso de derivativos por
corporações não-financeiras, será realizado um estudo que busca avaliar quais variáveis
financeiras da empresa, como por exemplo, grau de endividamento, índice de liquidez,
rentabilidade do ativo, podem estar associadas a uma maior ou menor preocupação pelo
gerenciamento de riscos através do uso de derivativos.
Devido à regulamentação ainda incipiente no Brasil, não se pode facilmente obter dados
sobre o uso de derivativos por empresas brasileiras. Assim, considerando o grau de transparência
exigido pelos órgãos reguladores dos Estados Unidos, foram levadas em consideração neste
trabalho apenas empresas não-financeiras com ações cotadas em bolsas de valores americanas.
Considerando a diversidade de resultados obtidos em outros trabalhos e a falta de
conclusões mais definitivas sobre os determinantes do uso de derivativos por empresas nãofinanceiras, este estudo traz novos subsídios e evidências, promovendo a discussão acadêmica e
ampliando o estado-da-arte sobre o assunto.
Assim, o objetivo da pesquisa é avaliar, através de técnicas de análise estatística,
potenciais determinantes do uso de derivativos por empresas não-financeiras. A pesquisa
identificará quais são os principais indicadores que podem diferenciar as empresas que utilizam
derivativos das empresas que não utilizam derivativos e, desta forma, estabelecerá evidências das
condições ou motivos pelos quais as empresas decidem operacionalizar a gestão de riscos através
de instrumentos financeiros.
2. Revisão da Literatura
Os estudos empíricos sobre a gestão de riscos em corporações não-financeiras estão
associados, principalmente, à investigação sobre a utilização de derivativos, tendo em vista que
estes são instrumentos típicos de redução ou aumento de exposição a riscos.
2
As análises empíricas relacionadas ao uso de derivativos dependem fortemente de um
amplo levantamento de dados, através do qual, na maioria das vezes, são necessárias avaliações
subjetivas dos pesquisadores, principalmente para a caracterização de dados categóricos. Em
particular, a identificação de uma empresa usuária ou não-usuária de derivativos pode variar entre
diferentes pesquisas em decorrência da forma de levantamento de dados ou das definições
preliminares dos pesquisadores.
Exemplificando, FRANCIS e STEPHAN (1990) classificam as empresas, com relação ao
uso de derivativos, através de pesquisa em bancos de dados financeiros por determinadas
palavras-chaves, tais como “hedging”, “swaps” ou “options” . GECZY et al (1997) classificam
usuários de derivativos através da busca de referências sobre o uso de derivativos de taxa de
câmbio nos demonstrativos financeiros de empresas pertencentes ao S&P 500. Por sua vez,
MIAN (1996) examina se a empresa utiliza derivativos para gerenciar riscos. Assim, as empresas
são classificadas a partir da análise de informações referentes ao uso de derivativos bem como da
identificação de tratamento contábil compatível com operações de hedge.
Dadas as características do processo de coleta de dados, os testes empíricos da teoria de
gestão de riscos utilizam basicamente duas abordagens diferentes (PETERSEN e TIAGARAJAN,
2000). A primeira abordagem mensura o efeito do uso de derivativos nas exposições financeiras
das empresas. A segunda abordagem fundamenta-se na análise comparativa das características de
empresas que utilizam e que não utilizam derivativos.
Mesmo para empresas que possuem elevado índice de exposição em derivativos com
relação ao tamanho dos ativos, HENTSCHEL e KOTHARI (2001) não identificam associação
entre o uso de derivativos e o aumento de volatilidade das ações. Desta maneira, o estudo não
suporta a hipótese, muitas vezes levantada pelos órgãos reguladores, de que as empresas usam
derivativos para fins de especulação. KOSKI e PONTIFF (1999) obtêm resultados semelhantes
na análise de fundos de investimento, encontrando evidências que contradizem a associação
popular entre o uso de derivativos e o aumento de exposição a riscos nestes tipos de aplicação
financeira.
Com relação aos estudos comparativos, BODNAR et al (1998) observam que o uso de
derivativos está associado positivamente ao total de faturamento da empresa. BODNAR e
MARSTON (1996) obtêm também evidências de que as empresas em algumas situações realizam
hedge com derivativos, porém de modo imperfeito. Em algumas empresas analisadas, posições
especulativas parecem ser tomadas como se fossem operações de hedge.
Tendo em vista a correlação positiva entre a decisão de hedge e os ativos totais de uma
empresa, MIAN (1996) identifica a existência de economias de escala na utilização de hedge,
principalmente no estabelecimento de políticas e estruturas para gestão de riscos. O autor também
identifica uma relação negativa e significativamente relevante entre o quociente entre valor de
mercado e valor contábil e o uso de técnicas de gestão de riscos.
Por outro lado, MIAN (1996) obtém resultados que sugerem pouca relação entre gestão de
riscos e endividamento. Este fato também é observado por NANCE et al (1993) que não
encontram relação entre a alavancagem financeira e a propensão de uma empresa em realizar
operações de hedge com derivativos. Por outro lado, DOLDE (1996) e SAMANTH (1996)
identificam relações positivas estatisticamente significantes entre a gestão de risco e o grau de
endividamento.
Para GAY e NAM (1998), empresas com oportunidades de investimentos amplas, baixa
liquidez, baixa correlação entre despesas de investimento e fluxos de caixa gerados internamente,
têm mais probabilidade de serem usuários de derivativos. Por sua vez, MIAN (1996) identifica
que empresas com alto índice de liquidez corrente têm menor propensão a realizar hedge.
3
Através da comparação de duas empresas específicas do setor de mineração, com
características opostas em relação ao uso de derivativos, PETERSEN e THIAGARAN (2000)
identificam que a escolha do método de gerenciamento de riscos, seja através do uso de
derivativos sobre ouro, seja através de outras operações, como por exemplo, empréstimos
indexados a ouro, depende das diferenças de habilidade de as empresas ajustarem os custos
operacionais e das diferentes necessidades por capital para investimentos.
HOWTON e PERFECT (1998) relatam que as empresas têm menor probabilidade de
utilizar contratos a termo e futuros para gerir risco de taxa de câmbio quando sua liquidez é
elevada e quando dificuldades financeiras não constituem ameaça potencial. Além disso, a
probabilidade de uso de derivativos também é baixa quando o índice de despesas em pesquisa e
desenvolvimento com relação às vendas é baixo.
O levantamento bibliográfico efetuado mostra que não há conclusões defitivas entre os
pesquisadores sobre o impacto de técnicas de gestão de riscos nem sobre os fatores que motivam
o uso de derivativos. Por exemplo, existem resultados contraditórios sobre a relação entre o nível
de endividamento e o uso de derivativos. As diversas pesquisas, seguindo metodologias
diferentes e utilizando amostras distintas, conduzem muitas vezes a resultados qualitativos
distintos. Neste contexto, este trabalho tem por objetivo proporcionar novos subsídios sobre os
determinantes do uso de derivativos por empresas não-financeiras, buscando evidências ou
modelos da associação entre perspectivas financeiras e gestão de riscos.
3. Descrição da Pesquisa
Tendo em vista as exigências de disclosure, os dados primários para a pesquisa foram
obtidos através de demonstrativos contábeis de empresas não-financeiras, cujas ações são
negociadas no mercado acionário americano. Conforme já discutido anteriormente, dados sobre a
utilização de derivativos não são, em geral, disponibilizados pelas empresas brasileiras e,
portanto, uma avaliação empírica com significância estatística não pôde ser realizada para o
âmbito nacional.
Para a realização da avaliação empírica, foram levantados os demonstrativos financeiros
das empresas americanas. Através do Annual Reports Service disponibilizado pelo The Wall
Street Journal, foram obtidos fisicamente os relatórios financeiros de diversas empresas. Apesar
de o levantamento da amostra não ser aleatório, pois foram obtidos relatórios apenas de empresas
com contratos de distribuição com o Annual Reports Service, a diversidade de empresas com
relação a tamanho, setores de atuação e indicadores financeiros permite que os resultados das
análises estatísticas sejam significantes.
Os relatórios foram cuidadosamente analisados com o objetivo de se identificar
claramente se a empresa era usuária de derivativos, seguindo um procedimento semelhante a
GECZY et al (1997). Ou seja, as empresas foram classificadas através da busca de referências
sobre a utilização de derivativos nos relatórios financeiros.
Os casos em que a utilização ou não-utilização de derivativos não era explicitamente
citada nos relatórios financeiros foram descartados. Este procedimento pode eventualmente
influenciar a pesquisa, porém a postura conservadora na classificação das empresas como
usuárias ou não-usuárias de derivativos confere maior confiabilidade aos resultados de
discriminação.
A partir da lista das empresas para as quais havia informação sobre o uso de derivativos,
foram levantados diversos indicadores financeiros. Utilizando-se o serviço de informações
disponibilizado via Internet pelo MultexInvestor, obteve-se para cada empresa dados sobre as
4
perspectivas de risco, tamanho, valor, dividendos, rentabilidade, geração de caixa, crescimento,
liquidez, endividamento e atividade.
A etapa de coleta de dados possibilitou o levantamento de um total de 351 empresas e 25
variáveis, dentre elas algumas categóricas, como por exemplo, as referentes ao uso de
derivativos, e outras métricas, principalmente aquelas relacionadas aos indicadores financeiros.
O caráter eminentemente complexo da análise multivariada exige muita cautela na
avaliação dos resultados uma vez que diversos aspectos devem ser levados em consideração de
modo concomitante, como por exemplo, desvios das premissas dos modelos multivariados,
sensibilidade ao tamanho da amostra, influência de dados faltantes ou dos outliers etc. Em
particular, o poder estatístico das técnicas multivariadas exige grande conjunto de dados e
premissas mais complexas do que as necessárias em análises univariadas (HAIR et al, 1998).
Tendo sido conduzida uma examinação gráfica dos dados, ficou clara a necessidade de
transformação de algumas variáveis para uma melhor adequação às premissas dos modelos de
análise multivariada, principalmente se houver exigências de normalidade das distribuições das
variáveis e de relações de linearidade entre variáveis.
Após a realização da avaliação gráfica, foram conduzidos estudos analíticos sobre os
dados coletados. Com relação aos missing data, o procedimento adotado na etapa de coleta de
dados permitiu a exclusão das empresas cuja utilização ou não-utilização de derivativos não
ficava explicitamente evidente a partir dos relatórios financeiros.
Variáveis contendo mais de 20% de dados faltantes foram excluídas do estudo, uma vez
que poderiam reduzir consideravelmente o total de casos válidos para a análise multivariada.
Considerando-se a análise preliminar de missing data, a amostra inicial foi reduzida, contendo 18
variáveis independentes e mantendo o número total de 351 observações.
Finalmente, com relação, às principais premissas da análise multivariada, buscou-se
realizar uma avaliação de normalidade, homocedasticidade, linearidade e multicolinearidade das
variáveis relevantes. A análise de curtose e assimetria das distribuições mostrou valores
significativamente diferentes de zero para a maioria das variáveis. O teste de KolmogorovSmirnov para uma amostra reforçou as evidências de que a distribuição de praticamente todas as
variáveis diferia significativamente da normal.
Em decorrência das distribuições das variáveis, a homocedasticidade de potenciais
variáveis dependentes também não foi verificada. Com relação à linearidade, a análise gráfica
sugere a existência de relações lineares entre várias variáveis bem como a existência de algumas
relações não-lineares. Foram também identificados indícios de multicolinearidade, devido à
presença de elevada correlação entre algumas variáveis. Como discutido anteriormente, diversos
indicadores financeiros são derivados dos mesmos dados contábeis e de mercado, aumentando a
probabilidade de existência de variáveis correlacionadas e implicando limitada contribuição
marginal de variáveis pertencentes a uma mesma dimensão financeira.
Uma vez que o objetivo não é a predição ou a classificação de observações, a
interpretação das análises multivariadas está direcionada para a separação ou discriminação de
observações através da avaliação da significância e do sinal dos coeficientes das equações
discriminantes.
Como é usual em análises multivariadas, a avaliação dos dados mostrou que diversas
variáveis não obedeceram estritamente às premissas dos modelos, mesmo realizando-se ajustes
ou transformações. Portanto, os resultados obtidos podem ser influenciados pelo grau com que as
características da amostra distanciam-se das premissas teóricas.
Desta maneira, apesar de diversas simulações terem sido realizadas visando o
aprimoramento dos resultados, sempre haverá restrições sobre a validade e significância dos
5
resultados devido à violação de algumas premissas. Supõe-se porém que, em linhas gerais, para a
finalidade das investigações deste trabalho, os resultados qualitativos podem ser adequadamente
fundamentados pelas análises estatísticas efetuadas.
4. Análise e Discussão
4.1. Modelagem da pesquisa
A partir do dignóstico inicial, diversos experimentos foram realizados contemplando
conjuntos diferentes de variáveis, amostras distintas em função de aspectos de missing data e
outliers bem como ajustes diferenciados para melhor adequação às premissas das ferramentas
estatísticas utilizadas. Além disso, a análise dos experimentos possibilitou avaliar a sensibilidade
dos resultados e diagnosticar relações relevantes entre as variáveis para fins da análise
multivariada. Neste trabalho, serão apresentados os principais resultados obtidos.
De acordo com os objetivos da pesquisa, voltados primordialmente para a identificação de
características que diferenciam empresas usuárias das empresas não-usuárias de derivativos,
técnicas estatísticas de discriminação entre grupos são adequadas. No estudo conduzido, a
variável dependente refletirá a utilização ou não utilização de derivativos e as variáveis
independentes, os indicadores financeiros das empresas.
O caráter categórico da variável dependente e as diversas variáveis independentes
eminentemente métricas presentes na amostra sugerem a análise discriminante e a regressão
logística como as técnicas estatísticas apropriadas. Porém, as características da amostra
evidenciam que premissas extremamente restritivas da análise discriminante, como por exemplo,
a normalidade da distribuição multivariada das potenciais variáveis independentes e a igualdade
das estruturas de dispersão e covariâncias dos grupos definidos pela variável dependente não são
observadas. Tendo em vista que a violação da premissa de normalidade multivariada pode causar
problemas na estimação da função discriminante e que a variável dependente é dividida em
apenas dois grupos, a regressão logística surge como a alternativa mais adequada.
Embora existam procedimentos estatísticos que permitem a seleção automática de
variáveis relevantes, a inclusão inicial de inúmeras variáveis geralmente implica uma sobreadequação do modelo em relação à amostra considerada, acompanhada de uma piora do modelo
para fins de generalização na população. Além disso, o uso indiscriminado de variáveis pode
mascarar os verdadeiros efeitos das variáveis relevantes devido à multicolinearidade (HAIR et al,
1998).
A escolha das variáveis que foram incluídas na análise decorre não somente das
correlações ou desvios das premissas, como também de estudos semelhantes já realizados e do
julgamento sobre a relevância de cada variável. Após avaliação de diversos ajustes para maior
adequação a critérios de normalidade e linearidade, optou-se pela manutenção da forma original
da maioria das variáveis pois os ganhos advindos dos ajustes não melhoraram consideravelmente
os resultados.
Assim, para se evitar um aumento da complexidade na interpretação dos resultados
obtidos, foram realizadas apenas as tradicionais transformações logarítmicas para reduzir o
impacto das diferenças de tamanho da empresa na análise considerada. Das 18 variáveis
independentes restantes após a fase de eliminação em função dos dados faltantes, foram
consideradas somente as 11 variáveis descritas na tabela a seguir.
6
Tabela 1: Variáveis independentes e perspectivas utilizadas nas análises estatísticas
Variável
X1
Indicador
Perspectiva
Horizonte
Beta
Risco
Curto prazo
X2
Valor de mercado em relação ao valor contábil
Valor
Curto prazo
X3
Taxa média de dividendos
Dividendos
Médio prazo
X4
Taxa de crescimento de vendas
Crescimento
Médio prazo
X5
Liquidez seca
Liquidez
Curto prazo
X6
Exigível e longo prazo em relação ao patrimônio líquido
Endividamento
Curto prazo
X7
Margem de lucro antes de juros, impostos e depreciação
Geração de caixa
Curto prazo
X8
Retorno sobre ativo
Rentabilidade
Curto prazo
X9
Retorno sobre patrimônio líquido
Rentabilidade
Médio prazo
X10
X11
Giro do ativo
Atividade
Curto prazo
Vendas
Tamanho
Curto prazo
A variável X1 representa o risco sistemático das ações da empresa em relação ao mercado.
O S&P 500 é utilizado como proxy da carteira de mercado. A variável X2 representa uma medida
de valorização da empresa, pois constitui uma comparação teórica entre o valor de mercado das
ações e o valor contábil do patrimônio líquido, isto é, o valor da participação do acionista obtido
de acordo com critérios contábeis.
A pesquisa também buscou avaliar se o nível de distribuição de dividendos pode
discriminar empresas usuárias das não-usuárias de derivativos. Optou-se pela inclusão da média
histórica da taxa de distribuição de dividendos calculada a partir dos últimos 5 anos. Assim, a
pesquisa incorpora variáveis com horizonte de médio prazo, evitando a análise somente dos
eventos de curto prazo. O indicador de crescimento utilizado na pesquisa foi a taxa de
crescimento de vendas referente aos últimos 5 anos.
Aspectos de liquidez, ou seja, capacidade de pagamento de obrigações, são incorporadas
na análise através da variável X5. A liquidez seca compara o caixa e demais investimentos que
podem ser rapidamente convertidos em caixa com as obrigações financeiras de curto prazo da
empresa. Outra perspectiva relevante a ser analisada é a relação entre o uso de derivativos e o
grau de endividamento da empresa. A variável X6 representa simplesmente a relação entre as
dívidas de longo prazo e o patrimônio líquido, obtidos considerando-se os dados dos últimos
balancetes trimestrais.
Para a perspectiva de geração de caixa, foi considerada a variável X7 referente a um
indicador de lucro antes de juros, impostos e depreciação calculado como porcentagem das
vendas. Considerando-se o interesse na identificação de potenciais relacionamentos entre gestão
de riscos com rentabilidade, utilizou-se na pesquisa as variáveis X8 e X9. Enquanto a variável X8
representa o retorno de curto prazo do ativo, medido através do lucro em relação ao ativo total ao
final de um ano, a variável X9 representa uma medida de retorno do patrimônio líquido nos
últimos cinco anos. Portanto, as duas variáveis, por um lado, assemelham-se por constituírem
medidas de rentabilidade e, por outro lado, distinguem-se em função do horizonte de análise e da
estrutura de capital.
A variável X10 possibilita que aspectos de eficiência das atividades possam ser
incorporados na avaliação efetuada. Além de representar informação sobre a relação entre as
vendas e os ativos, o giro do ativo também é componente importante para a interpretação dos
indicadores de rentabilidade. Finalmente, a variável X11 está associada ao tamanho da empresa.
Em particular, para evitar distorções exacerbadas na avaliação da influência do tamanho da
7
empresa, a variável X11 é obtida através da transformação logarítmica das receitas anuais, que
variaram de US$ 12 milhões até US$ 23 bilhões.
É importante ressaltar que, independentemente da possível significância dos resultados,
nenhuma relação direta causal deve ser taxativamente inferida sem que uma fundamentação
teórica seja estabelecida entre a característica da empresa e o uso de derivativos. Por exemplo, se
houver alguma associação entre risco e o uso de derivativos, não se pode afirmar que o nível de
risco implica o uso de derivativos ou se o uso de derivativos determina o nível de risco.
4.2. Regressão logística
A regressão logística constitui uma extensão da regressão múltipla, na qual a variável
dependente não é contínua (GEORGE e MALLERY, 2001). Quando a variável dependente é
não-métrica e está dividida em apenas dois grupos, a regressão logística é preferível à análise
discriminante devido a uma séria de fatores. Primeiro, a regressão logística não depende das
premissas extremamente restritivas sobre normalidade multivariada e igualdade das matrizes de
variância e covariância entre os grupos. Além disso, a regressão logística é similar à análise de
regressão, possuindo testes estatísticos diretos, habilidade de incorporar efeitos não-lineares e
vários mecanismos de diagnóstico (HAIR et al, 1998).
A natureza não-linear da transformação logística implica que os coeficientes da equação
de regressão sejam estimados através de um procedimento iterativo de maximização da
verossimilhança ao invés da minimização da soma dos erros quadráticos comumente utilizada na
análise de regressão múltipla. Assim, ao invés do procedimento de mínimos quadrados, a
regressão logística maximiza a probabilidade de que um evento ocorra (HAIR et al, 1998).
A tabela a seguir mostra os coeficientes da regressão logística, incluindo os respectivos
graus de significância estatística.
Tabela 2: Coeficientes da regressão logística
Variável
Perspectiva
Coeficiente
Erro-padrão
Z
Significância
X5
X10
X11
Constante
Liquidez
Atividade
Tamanho
-0.455
-1.076
0.685
-11.073
0.126
0.252
0.122
2.344
-3.610
-4.280
5.620
-4.730
0.000
0.000
0.000
0.000
As variáveis que permitem a discriminação entre empresas usuárias das não-usuárias de
derivativos correspondem a X5, X10 e X11, envolvendo as perspectivas de liquidez, atividade e
tamanho, respectivamente. A significância dos resultados representam fortes evidências de que os
coeficientes não são nulos.
Os mecanismos de regressão conduzem à estimativa de coeficientes que possibilitam uma
melhor interpretação das relações entre a variável dependente e as variáveis independentes. No
caso da regressão logística estudada, o coeficiente de cada variável independente representa a
estimativa da alteração do logarítmo da relação entre as probabilidades de a empresa utilizar e
não utilizar derivativos quando as outras variáveis independentes são mantidas constantes.
8
Tabela 3: Relação das razões das chances
Variável Perspectiva
Razão das chances
Valor
Intervalo (95%)
Inferior Superior
X5
Liquidez
0.63
0.50
0.81
X10
Atividade
0.34
0.21
0.56
X11
Tamanho
1.98
1.56
2.52
Constante
Os sinais dos coeficientes, bem como os odds ratio ou razões das chances, demonstram
que empresas com maior liquidez seca ou ou maior giro do ativo têm menor probabilidade de
serem classificadas como usuárias de derivativos. Em contrapartida, quanto maior o tamanho da
empresa, medido pelo logarítmo do volume de vendas, maiores as chances de a empresa ser
usuária de derivativos. As razões das chances, razoavelmente diferentes da unidade, sugerem que
o efeito das variáveis na discriminação das empresas é considerável.
Tabela 4: Significância da regressão logística e testes de aderência
Log-likelihood
Estatística G Graus de liberdade Significância
-129.532
83.906
3
0.000
Método
Qui-Quadrado Graus de liberdade
Significância
Pearson
232.193
248
0.757
Deviance
259.064
248
0.302
Brown (geral)
3.532
2
0.171
Brown (simétrico)
2.176
1
0.140
A estatística G permite avaliar a relevância dos resultados, principalmente no que
concerne à relação entre o uso de derivativos e algumas variáveis dependentes, uma vez que
mostra evidências suficientes de que pelo menos um dos coeficientes da regressão logística é
significativamente diferente de zero. Com relação aos testes de aderência, não há evidências que
suportam a afirmação de que o modelo não adere adequadamente aos dados, tendo em vista a
significância estimada entre 0.140 e 0.757.
Considerando os resultados anteriores, pode-se sumarizar as seguintes avaliações
decorrentes da regressão logística:
a) O tamanho da empresa representa a variável que mais impacta a estimativa da probabilidade de
a empresa ser ou não ser usuária de derivativos. Novamente, o coeficiente de X11 sugere que
empresas com maior volume de vendas têm maior probabilidade de utilizar derivativos.
b) A liquidez seca X5 também é variável relevante para discriminar empresas com relação ao uso
de derivativos. Quanto menor a liquidez, maior a probabilidade de a empresa utilizar derivativos.
c) O giro do ativo X10 é variável relevante na função de regressão logística. O resultado do
coeficiente e da razão de chance permite estabelecer que a probabilidade de a empresa utilizar
derivativos diminui com o giro do ativo. Ou seja, empresas com menor eficiência na alocação de
estoques ou menor velocidade de vendas são mais propensas a utilizar derivativos.
d) Considerando-se as demais variáveis X3, X6, X7, X9, que apresentavam diferenças entre médias
entre os dois grupos de empresas, pode-se argumentar que possuem razoável relacionamento com
as variáveis X5, X10 e X11 que fizeram parte da regressão. Ou seja, as variáveis com coeficientes
9
significativamente diferentes de zero na regressão logística podem ter colinearidade com as
variáveis referentes a dividendos, endividamento, geração de caixa e rentabilidade.
e) As variáveis X1, X2, X4 e X8 relacionadas com risco, valor, crescimento e rentabilidade, como
nas análises anteriores, também não mostraram relevância na distinção entre empresas usuárias
das não-usuárias de derivativos.
4. Comentários finais
A principal perspectiva que diferencia empresas usuárias das não-usuárias de derivativos
está associada ao tamanho da empresa. Os coeficientes da análise dicriminante e da regressão
logística são indicadores que fortalecem a hipótese de relacionamento entre o uso de derivativos e
o tamanho da empresa.
Neste trabalho, a escala da empresa foi medida pelo volume de vendas. Observou-se,
portanto, que o uso de derivativos é consideravelmente mais freqüente em empresas com
faturamento mais elevado. Este resultado corrobora evidências obtidas em outros estudos, como
por exemplo, os de BODNAR et al (1998) que encontram uma relação positiva entre o uso de
derivativos e o total de faturamento da empresa. Assim, a complexidade das operações e o
montante absoluto exposto ao risco das empresas maiores podem constituir fatores que motivam
o uso de derivativos.
Além disso, conforme MIAN (1996) sugere, o resultado pode indicar que a
operacionalização da gestão de risco em empresas não-financeiras é viável apenas se os ganhos
de escala permitem considerável diluição dos custos de qualificação da mão-de-obra e de
implementação dos procedimentos de hedge.
As evidências empíricas mostram que empresas menores, apesar de mais sujeitas ao risco
não-sistemático têm menor propensão ao uso de derivativos. Desta maneira, mesmo tendo menos
capacidade de diluição de riscos através de mecanismos de diversificação de produtos vendidos,
mercados atendidos e moedas transacionadas, as empresas com menor faturamento são menos
atuantes no mercado de derivativos. Esta observação reforça a hipótese da necessidade de volume
de operações frente ao custo da estruturação de uma área de gestão de riscos que envolva o uso
de derivativos.
A perspectiva de liquidez também surge como importante fator associado ao uso de
derivativos. Os resultados indicam que empresas com baixa liquidez têm mais propensão a
utilizar derivativos, mantendo a consistência com os resultados obtidos por GAY e NAM (1998)
e MIAN (1996).
Diferentemente de outros estudos, esta pesquisa identificou uma nova perspectiva
discriminatória entre os grupos de empresas usuárias e não-usuárias de derivativos. Uma medida
de atividade ou eficiência operacional, calculada através do giro do ativo, mostrou-se também
relevante para separar os dois grupos de empresas.
As evidências sugerem que empresas usuárias de derivativos possuem menor giro do
ativo. Pelo menos dois fatores podem estar associados a este resultado. Em primeiro lugar,
empresas maiores têm, em geral, menor giro do ativo, pois todo mercado possui um limite de
consumo. Assim, a perspectiva de atividade pode estar associada à perspectiva de tamanho e
portanto, quanto maior a empresa, maior o total de ativos, menor o potencial de giro e maior a
probabilidade de uso de derivativos.
Em segundo lugar, o fato de a empresa com menor giro ter mais propensão a utilizar
derivativos pode sugerir, novamente, uma postura conservadora na gestão financeira da empresa.
Uma vez que o menor giro implica, em termos relativos e indiretos, maior risco de escassez de
recursos de curto prazo, é possível que a administração tenha incentivos a adotar mecanismos de
10
gestão de riscos. Em contrapartida, empresas com rápido giro do ativo podem ter menor
propensão a usar derivativos, pois o nível de vendas, que pode ser convertido em caixa, implica
menor probabilidade de problemas de liquidez.
As evidências mostram que as empresas usuárias de derivativos têm maiores indicadores
de endividamento, porém este fato não é significante do ponto de vista estatístico. Este resultado
está de acordo com os estudos de MIAN (1996) e NANCE et al (1993) que não obtêm relações
significativas entre o uso de derivativos e aspectos de alavancagem financeira.
Em relação à perspectiva de risco, os resultados desta pesquisa são compatíveis com o
trabalho de HETSCHEL e KOTHARI (2001). Não há evidências de uma forte relação que
estabeleça associação entre derivativos e alteração do nível de risco. É interessante ressaltar
também que a gestão de risco não parece implicar maiores rentabilidade de maneira significante.
Apesar de as empresas usuárias de derivativos terem elevada rentabilidade de curto e médio
prazos, quando comparadas com as empresas não-usuárias, o grande grau de dispersão dos
resultados não possibilita a identificação de um relacionamento significativo entre gestão de
riscos e lucro.
Os resultados da pesquisa são obviamente muito dependentes da metodologia adotada. A
obtenção da amostra e a coleta de dados podem induzir vieses ou até mesmo erros operacionais
na pesquisa. Violações às premissas das análises quantitativas também podem conduzir a
inadequação do uso de modelos estatísticos e a problemas de interpretação nos resultados.
Porém, a consistência entre os resultados da avaliação estatística e a compatibilidade com
estudos desenvolvidos por outros pesquisadores refletem a confiabilidade da pesquisa e reiteram
os determinantes do uso de derivativos pelas empresas não-financeiras.
Com isso, apesar das limitações do estudo, a pesquisa efetuada serve para trazer novos
indícios sobre o uso de derivativos pelas empresas não-financeiras. Em particular, foram obtidas
maiores evidências sobre o impacto pouco significante da estrutura de capital na decisão sobre
gestão de riscos, questão que ainda não possui uma interpretação consensual.
5. Bibliografia
Berkman, H.; Bradbury, M. E., 1996. Empirical evidence on the corporate use of derivatives.
Financial Management 25-2, pp. 5-13.
Bodnar, G.; Hayt, G. Marston, R., 1996. 1995 Wharton survey of derivatives usage by US
nonfinancial firms. Financial Management 25, 113-133.
Bodnar, G.; Hayt, G.; Marston, R., 1998. 1998 Wharton survey if financial risk management by
US non financial firms. Financial Management 27, 70-91.
Dolde, W., 1993. The trajectory of corporate financial risk management. Journal of Applied
Corporate Finance 6, 33-41.
Gay, G.; Nam. J., 1998. The underinvestment problem and corporate derivatives use. Financial
Management 27, 53-69.
Geczy, C.; Minton, B. A.; Schrand, C., 1997. Why firms use currency derivatives. Journal of
Finance 52, 1323-1354.
Howton, S.; Perfect, S., 1998. Currency and interest-rate derivatives use in the US firms.
Financial Management (Winter), 111-121.
Mian, S., 1996. Evidence on corporate hedging policy. Journal of Financial and Quantitative
Analysis 31, 419-439.
Nance, D.; Smith, C.; Smithson, C., 1993. On the determinants of corporate hedging. Journal of
Finance 48, 267-284.
11
Petersen, M. A.; Thiagarajan, S. R., 2000. Risk measurement and hedging: with and without
derivatives. Financial Management (Winter) 5-30.
Smith, C.; Stulz, R., 1985. The determinants of firms’ hedging policies. Journal of Financial and
Quantitative Analysis 20, 391-405
Hair Jr, J.; Anderson, R.; Tatham, R.; Black, W. C., 1998. Multivariate data analysis. 5th edition.
Prentice Hall. New Jersey.
12
Download