FUNDAMENTOS E FORMAÇÃO HISTÓRICA DO DIREITO DO TRABALHO O Direito do Trabalho é um fenômeno típico da sociedade industrial, uma vez que na sociedade pré-industrial inexistia um sistema de normas jurídicas de proteção ao trabalhador, pois na sociedade pré-industrial as principais formas de trabalho era : a) escravidão - No regime de escravidão, o escravo não era considerado sujeito de direito, mas objeto (coisa) do direito de propriedade de outrem (dominus) por essa razão não tinha assegurado nenhum direito trabalhista. b) servidão - Num segundo momento da história, mais precisamente na Idade Média, surge o sistema de trabalho denominado servidão; que não diferia muito da escravidão. Em troca de certa proteção militar e política prestada pelo senhor feudal, era imposto um sistema de trabalho em que o indivíduo (sem ter a condição jurídica de escravo, na realidade não dispunha de sua liberdade ) era sujeito a severas restrições em troca de uma parcela ínfima da produção capaz de garantir-lhe subsistência. A servidão foi um regime de trabalho que predominou até o final da Idade Média.; c) corporações de ofício - Com as corporações de ofício o sistema de trabalho ainda não permitia uma normatização em favor do trabalhador. Nas corporações de ofício ou também denominadas “Associações de Artes e Misteres”, a identidade de profissão era utilizada como forma de aproximação entre os trabalhadores que, para exercerem a profissão eram obrigados a se unirem em corporações ou associações, que possuíam suas próprias leis profissionais. Nessas organizações, as figuras que concentravam o poder eram os mestres, proprietários das oficinas. Os mestres tinham sob suas ordens, em rígido sistema de disciplina, os aprendizes e os companheiros, os primeiros menores que eram entregues aos mestres em troca de ensino metódico do ofício ou profissão, e os segundos trabalhadores que produziam em troca de salário, proteção em caso de doença e possibilidade participação do monopólio da profissão. As corporações de ofício foram suprimidas na Europa, a partir da Revolução Francesa, vez que a igualdade, inclusive de ofício, era incompatível com o monopólio e o rigor disciplinar dessas corporações. d) Locação - A locação de serviço também era uma das formas de trabalho, verificadas na sociedade pré-industrial. Desdobrava-se em locatio operarum e locatio operis faciendi, a primeira configurando um contrato através do qual uma pessoa se obriga a prestar serviços (promessa de atividade) durante certo tempo a outra mediante remuneração e a segunda em um contrato pelo qual alguém se obriga a executar determinada obra (promessa de resultado) a outra pessoa mediante remuneração. A locatio operarum é apontada como precedente da relação de emprego moderna, objeto do Direito do Trabalho. O SURGIMENTO DO DIREITO DO TRABALHO NO MUNDO O Direito do Trabalho nasce com o surgimento da sociedade industrial e o trabalho assalariado. A revolução industrial ocorrida no século XVIII, suscitou alterações significativas ocorridas no sistema produtivo, em decorrência do surgimento da máquina a vapor e sua utilização para a produção em larga escala, e por esta razão costuma ser apontada como o momento histórico de maior relevância para o Direito do Trabalho. A introdução da máquina no sistema produtivo deu origem a concentração de trabalhadores, surgindo então, a figura do assalariado , e a contratação dos serviços se fazia sem qualquer limite a autonomia da vontade das partes e ainda que o indivíduo continuasse a ser solicitado para o trabalho, não se levava mais em conta sua habilidade pessoal, como existia no trabalho artesanal, o trabalhador precisava apenas ser treinado para operar a máquina, o que era possível igualmente as mulheres e crianças e essa nova forma de produção causou grande desemprego, gerando o aviltamento dos salários e a depreciação das condições de trabalho. O aumento da produção industrial em larga escala fez com que surgissem aglomerados industriais, que reuniam grande número de trabalhadores em péssimas condições de vida; a reunião desses trabalhadores descontentes gerou o surgimento de grandes movimentos de protesto, por melhores condições de vida. Tais protestos geralmente eram feitos com a paralisação das atividades causando grandes transtornos sociais, o que fez com que o Estado, que até então não intervinha nas relações de trabalho tivesse que intervir, garantindo condições mínimas de dignidade nas fábricas. CAUSAS DO NASCIMENTO DO DIREITO DO TRABALHO A doutrina costuma apontar como causas do nascimento do Direito do Trabalho: 1. Causas econômicas - A Revolução Industrial (século XVIII): o surgimento do vapor como fonte de energia e da máquina a vapor como fator justificador do desenvolvimento tecnológico que gerou produção industrial em larga escala entre pessoas que passaram a trabalhar em fábricas. 2. Causas políticas - Como causa política do surgimento do Direito do Trabalho pode-se apontar a transformação do Estado liberal em intervencionista. Com a revolta dos trabalhadores, manifestada em movimentos grevistas, o Estado deixou de ser um Estado liberal, (que tudo permitia, pois presumia que as partes, trabalhador e patrão, eram formalmente iguais e podiam livremente negociar o conteúdo do contrato de trabalho), para ser um Estado intervencionista, (que reconhecia a desigualdade de forças entre os sujeitos da relação de trabalho assalariado e coibia os abusos cometidos pela parte economicamente soberana o empregador dando garantias mínimas a parte mais fraca da relação de emprego ou seja ao empregado); 3. Causas jurídicas - O exercício do direito de associação e reivindicação por parte dos trabalhadores atingidos pelas péssimas condições de trabalho nas fábricas (excessivas jornadas de trabalho, salários infames, desproteção diante de acidentes de trabalho, etc.), exigiram um Direito que os protegesse, é apontado como causa jurídica; 4. A idéia de justiça social - A Doutrina Social da Igreja Católica motivada pela deterioração das condições de vida dos trabalhadores surgiram doutrinas que influenciaram a criação do Direito do Trabalho: a doutrina social da igreja católica, representada pela Súmula Rerum Novarum (“coisas novas”) de 1891, teve um papel de destaque na criação do Direito do Trabalho, e seus fundamentos ainda encontram-se presentes neste ramo da ciência do direito. A título de ilustração conheça os principais dogmas da referida encíclica, de autoria do Papa Leão XIII, datada de 15 de maio de 1891, considerada um marco na solução do problema social, que estabelecia os seguintes princípios: - Ao Estado compete velar para que as relações de trabalho sejam reguladas com justiça e equidade; - O ambiente de trabalho não deve lesar nem o corpo nem a alma, nem a dignidade da pessoa humana; - O trabalho deve ser considerado na teoria e na prática, não como mercadoria, mas sim como uma forma de se assegurar uma existência digna para o trabalhador; e por essa razão o Estado não poderá permitir que se pague aos trabalhadores uma quantia que não seja suficiente para atender ao mínimo de subsistência do homem; - A fixação do salário deve levar em conta os seguintes valores: a) que seja suficiente para o sustento do empregado e de sua família; b) que leve em conta as possibilidades da empresa; c) que seja uma fonte de prosperidade para o indivíduo e para a sociedade; - A encíclica condena a influência da riqueza nas mãos de pequeno número de pessoas, ao lado da indigência da multidão; - A propriedade privada é um direito que deve ser respeitado pelo Estado, mas é um direito que carrega consigo uma Função Social e deve ser exercido em proveito e para o bem dos outros; - O fundamento moral à intervenção do Estado nas relações de trabalho é que: o Estado deve preocupar-se dos fracos e oprimidos; a classe mais favorecida faz das suas riquezas uma espécie de baluarte (proteção) e tem menos necessidade da tutela pública. A classe indigente, sem riquezas que a ponham a coberto das injustiças, só pode contar com a proteção do Estado. Manifesto Comunista de Marx e Engels em 1848 estimulava os trabalhadores à união e a contestação ao liberalismo; O Tratado de Versalhes, cuja assinatura assinala o fim da primeira grande guerra e prevê a criação da Organização Internacional do Trabalho, em seu título XIII, como organismo que se ocupa da proteção das relações entre trabalhadores e empregadores internacionalmente, a partir de princípios básicos consagrados naquele tratado. FATOS HISTÓRICOS QUE DEMONSTRAM A CRIAÇÃO E A EVOLUÇÃO DO DIREITO DO TRABALHO As Primeiras Leis Ordinárias Trabalhistas - Lei de Peel - Inglaterra- 1802 que estabelecia jornada máxima de 12 horas para os menores que trabalhavam nas fábricas; - Lei de 1814, na França: proibia trabalho de menores de 8 anos;-Na Alemanha, as leis sociais de Bismark - 1833; na Itália, leis de proteção ao trabalho da mulher e do menor, em 1886. Constitucionalismo Social - a partir do término da primeira grande guerra iniciou-se a inclusão de leis trabalhistas nas Constituições de alguns países, o que ficou conhecido como constitucionalismo social, de que são exemplos: b.1. Constituição do México - 1917. Foi a primeira constituição do mundo a tratar de direitos trabalhistas, seu art. 123 disciplinava a jornada diária de 8 horas, a jornada máxima noturna de 7 horas, a proibição de trabalho aos menores de 12 anos, descanso semanal, direito a salário mínimo, proteção a maternidade, direito de sindicalização e de greve, etc. Constituição de Weimar (Alemanha), 1919. Foi a segunda Constituição a abordar os direitos trabalhistas: previa participação dos trabalhadores nas empresas, criação de um direito unitário do trabalho, sistema de seguros sociais, representação dos trabalhadores nas empresas, liberdade de associação e união para defesa de melhores condições de trabalho, etc. O Tratado de Versalhes – 1919 - criação da OIT - Organização Internacional do Trabalho, para proteger as relações entre empregados e empregadores no plano internacional, expedindo convenções e recomendações nesse sentido. A Carta del Lavoro - documento criado na Itália fascista, de 1927, base dos sistemas corporativistas, que tem como base a intervenção do Estado na ordem econômica, o controle total sobre os entes de direito coletivo do trabalho e, em contrapartida, a dação de direitos aos trabalhadores por força de lei. O corporativismo pode ser expresso na seguinte frase: “tudo dentro do Estado, nada fora do Estado, nada contra o Estado”. A greve é tida como crime. O nosso imposto sindical (exercício de função de tributação, delegada do poder público, por parte dos sindicatos) é apontado como resquício da influência corporativista no nosso Direito. EVOLUÇÃO DO DIREITO DO TRABALHO NO BRASIL A formação e o desenvolvimento do Direito do Trabalho no Brasil foi resultado da influência de fatores externos e internos: INFLUÊNCIAS EXTERNAS - A crescente evolução legislativa do Direito do Trabalho em muitos países, a adesão ao Tratado de Versalhes e o compromisso de observância de normas laborais mínimas decorrentes do ingresso na Organização Internacional do Trabalho, são fatores que levaram o Brasil a elaborar as primeiras leis trabalhistas. INFLUÊNCIAS INTERNAS - são apontados como causas do surgimento do Direito do Trabalho no país os fatos: o movimento operário organizado por imigrantes com inspirações anarquistas, em fins de 1800 e início de 1900; o surto industrial resultante do fim da primeira guerra mundial, com a elevação do número de fábricas e de operários; e a política trabalhista de Getúlio Vargas (1930). PRINCIPAIS MARCOS - - No Brasil havia leis ordinárias esparsas que tratavam do trabalho de menores (1891), da organização de sindicatos rurais (1903) e urbanos (1907), de férias, etc. - - Em 1930 foi criado o Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio, que passou a expedir decretos sobre profissões, o trabalho de mulheres (1932), salário mínimo (1936), Justiça do Trabalho (1939). - -Por influência do constitucionalismo social, a Constituição Federal brasileira de 1934 tratou pela primeira vez de Direito do Trabalho, garantindo: liberdade sindical, isonomia salarial, salário mínimo, jornada de oito horas de trabalho, proteção do trabalho das mulheres e menores, repouso semanal, férias anuais remuneradas (art. 121). È certo que a Constituições de 1824 (império) e de 1891 (república) não falaram diretamente de Direito do Trabalho; a Constituição de 1824 limitou-se a abolir as corporações de ofício, criando a liberdade de exercício de ofícios e profissões, não devendo ser esquecido que a essa época ainda existia, como regime geral de trabalho em nosso país, a escravidão. A Constituição Federal de 1891 somente garantiu liberdade de associação em caráter genérico. A Constituição de 1937 foi de cunho eminentemente corporativismo, inspirado na Carta del Lavoro. Foi criado nessa época o imposto sindical e uma série de outras regras, como forma do Estado intervir e controlar a atividade das entidades de classe (sindicatos) e também o poder normativo da Justiça do Trabalho. O Decreto-lei 5452, de 01.05.1943, editou a CLT - Consolidação das Leis do Trabalho, juntando em um só diploma legal as várias normas esparsas sobre direitos trabalhistas até então existentes. A CLT não é um “código” porque através dela não se criou Direito novo, mas apenas se reuniu legislação esparsa já existente. Embora não tenha sido a primeira lei de DT em nosso país, lembrando-se, por exemplo, que já existia uma norma para tratar do trabalhado de industriários e comerciários, de 1935 (Lei 62/35), a CLT foi a primeira lei geral, aplicável a todos os empregados, sem distinção entre a natureza do trabalho técnico, manual ou intelectual. A Constituição de 1946 rompeu com o corporativismo do texto constitucional anterior; fez previsão do Direito a participação dos trabalhadores nos lucros (art. 157, IV), repouso semanal remunerado (art. 157, IV), estabilidade (art. 157, XII), direito de greve (art. 158) e outros; Outras leis ordinárias importantes na evolução do Direito do Trabalho: Lei 605/49 (repouso semanal remunerado); Lei 3207/57 (empregados vendedores, viajantes e pracistas); Lei 4.090/62 (décimo terceiro salário), Lei 4.266/63 (salário-família, etc.); Lei 5.859/72 (empregados domésticos), Lei 6.019/74 (trabalhador temporário), etc. A CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1967 - manteve direitos trabalhistas estabelecidos nas Constituições anteriores ( o artigo 158 posteriormente foi alterado para artigo n. 165, pela Emenda Constitucional nº. 01, 1969). A Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 representa um marco na consolidação do Direito do Trabalho em nível constitucional - nesse texto foi adotado um modelo prescritivo, não sintético, de regulamentação constitucional trabalhista - com a inclusão de grande rol de direitos trabalhistas, em dimensão ampla até então inexistente. Assim, foram criados direitos novos no texto constitucional e foram constitucionalizados direitos trabalhistas antes só previstos na legislação ordinária. NA CF/88 há regras gerais de Direito Constitucional aplicáveis no âmbito do DT, como por exemplo, a garantia de respeito ao ato jurídico perfeito, ao direito adquirido e a coisa julgada, aplicação imediata de direitos e garantias fundamentais (art. 5º) e há normas específicas de Direito do Trabalho, individual e coletivo, concentradas, respectivamente, nos artigos 7º e 8º a 11º do texto.