o ensino de filosofia no contexto do projeto colonizador português

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O ENSINO DE FILOSOFIA NO CONTEXTO DO PROJETO
COLONIZADOR PORTUGUÊS NO BRASIL: DILEMAS E
CONTRADIÇÕES ENTRE A EDUCAÇÃO FORMAL E A
CATEQUIZAÇÃO
Regis Clemente da Costa1-UEPG
Grupo de Trabalho – História da Educação
Agência Financiadora: não contou com financiamento
Resumo
Este trabalho de pesquisa teórica tem como objetivo discutir o ensino de filosofia no contexto
do projeto colonizador português no Brasil, seus aspectos históricos, econômicos e políticos,
bem como problematizar a educação e a catequização desenvolvida pelos jesuítas nesse
período. Para a discussão sobre as questões históricas e econômicas utilizamos principalmente
as obras de Prado Jr. (1998), Ribeiro (2003) e para as discussões sobre a educação, a filosofia
e o ensino de filosofia, utilizamos as obras de Saviani (2007), Costa (1967), Cartolano (1985),
Ceppas (2010). A problematização desse contexto está fundamentada em Marx; Engels
(2001), assim como o método de análise desse trabalho de pesquisa. A educação formal no
Brasil tem inicio com a chegada dos jesuítas em 1549 e direcionava-se a educação para os
filhos dos senhores, grandes proprietários de terra. Aos povos indígenas, os jesuítas ofereciam
a catequização, aliada à conversão. Essas práticas distintas compunham o projeto de ocupação
efetiva dessas terras, com inúmeros incentivos para garantir as condições de povoamento,
evidenciando as reais intenções da educação formal no Brasil, que tinha a filosofia como um
conteúdo a ser ensinado nas escolas recém fundadas. Nesse contexto, a filosofia ensinada nas
escolas jesuíticas era livresca, importada da Europa e reproduzida no Brasil. A permanência
dos jesuítas no Brasil foi de aproximadamente 200 anos, quando são expulsos pelo Marquês
de Pombal, que, influenciado pelas ideias iluministas leva à cabo a Reforma Pombalina. Os
registros sobre o ensino de filosofia nesse período da história do Brasil, nos dão conta que ele
esteve a serviço da educação dos filhos da classe dominante, e, portanto, destinado à formação
do pensamento dominante.
Palavras-chave: Ensino de filosofia. Educação formal. Catequização. Pensamento
dominante.
1
Doutorando em Educação e Mestre em Educação pela Universidade Estadual de Ponta Grossa. Professor
colaborador na Universidade Estadual de Ponta Grossa. Professor de filosofia na Rede Estadual de Educação do
Estado do Paraná. E-mail: [email protected].
ISSN 2176-1396
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Introdução
O ensino de filosofia no Brasil esteve presente desde as primeiras práticas da educação
jesuítica. Nesse sentido, os acontecimentos em relação ao processo de educação, bem como os
primeiros ensinamentos filosóficos no Brasil, para serem melhor compreendidos, requerem,
de antemão, que se amplie o conhecimento, a reflexão, a problematização e a análise da
história da chegada dos europeus e portugueses a estas terras e a consequente invasão e
exploração desse território. Portanto, apresentamos a gênese do contexto colonizador
português, para, posteriormente, problematizarmos a relação da educação com o ensino de
filosofia como parte desse projeto.
Essa forma de apresentação vai de encontro à concepção filosófica que embasa nosso
trabalho, assim como nosso método de análise, a partir do materialismo histórico e dialético.
Nossa abordagem considera os fatores históricos, econômicos, políticos e ideológicos,
inseridos na gênese do contexto colonizador português e problematiza a relação da educação
com o ensino de filosofia como parte desse projeto.
A história da filosofia e do ensino de filosofia no Brasil estão intrinsecamente ligados
ao projeto colonizador português nestas terras, posterior à invasão ocorrida no ano de 1500.
Optamos em descrever esse acontecimento como invasão, a partir da obra de Ribeiro (2003)
que aponta essa perspectiva de leitura histórica.
Essa opção também se justifica, pois essas terras já eram habitadas por centenas de
povos indígenas e os portugueses os submeteram a inúmeros tipos de sofrimento, causando
milhares de mortes, bem como a exploração e a espoliação das riquezas abundantes dessas
terras, exaurindo seus recursos, tanto quanto lhes convinha. (RIBEIRO, 2003).
A utilização do termo invasão é uma forma de expor o fato que realmente interessa: a
alteração do curso da história das Américas, pelos europeus, que escravizaram e mataram com
o único fim de expandir seus domínios comerciais e territoriais. Salvo, raríssimas exceções,
olharam para os povos que aqui habitavam como selvagens, passíveis de escravização, sem
alma, desprovidos do deus cristão, segundo a concepção europeia.
A educação e a filosofia, também importadas do continente europeu, estiveram a
serviço da dominação e da exploração, tanto das terras, quanto dos povos que a habitavam.
Enquanto a educação era destinada aos filhos dos senhores da elite, se submetia os indígenas à
domesticação com a finalidade de escravizá-los, assim como à conversão e catequização. É
esse contexto que nos propomos a analisar, refletir, problematizar e compreender.
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Os pressupostos históricos, econômicos e políticos do projeto colonizador português no
Brasil
A invasão portuguesa representou uma mudança completa nos rumos da história dos
povos indígenas que habitavam essas terras. Além da constante exploração dos recursos
naturais até a exaustão, os portugueses passaram a escravizar os povos indígenas e se
beneficiar do conhecimento que eles tinham do território para a expansão e exploração das
riquezas naturais.
Ao analisar o contexto da invasão portuguesa no Brasil, e seus primeiros contatos com
os povos indígenas, Ribeiro (2003, p. 49) afirma que “frente à invasão europeia, os índios
defenderam até o limite possível seu modo de ser e de viver.” Mesmo diante da resistência
dos povos indígenas, a exploração e a morte de milhões de pessoas não foi evitada, pois,
Portugal tinha planos exploratórios bem definidos e aparatos para executá-los.
O contexto do que se convencionou chamar de ‘descobrimento’ pela história oficial,
está articulado num conjunto que segundo Caio Prado Junior (1998, p. 14), “não é senão um
capítulo da história do comércio europeu. Tudo que se passa são incidentes da imensa
empresa comercial a que se dedicam os países da Europa a partir do século XV e que lhes
alargará o horizonte pelo oceano afora.”
Os relatos históricos do século XIV, período que antecede a chegada dos portugueses
no Brasil, apontam que o comércio continental europeu era unicamente terrestre ou com
apenas navegações costeiras. Desde então se dá a busca da expansão marítima de novas rotas
comerciais e no século XV dará início ao enfrentamento do oceano. (PRADO JR. 1998, p.
13). Portugal foi pioneiro na navegação ultramarina e atrás dos portugueses virão os
espanhóis, que, em suas aventuras marítimas, chegaram primeiro à América, observados de
perto pelos portugueses.
A história oficial, além de registrar a chegada dos espanhóis à América, apresenta
também sua chegada às terras brasileiras, que posteriormente viriam a ser invadidas pelos
portugueses. Para Prado Jr., ambos, portugueses e espanhóis, tiveram acesso a elas,
concorrendo nas primeiras viagens de exploração, porém, os espanhóis, respeitando alguns
acordos, deixaram esse território com os portugueses “devido ao Tratado de Tordesilhas
(1494) e à bula papal que dividira o mundo a se descobrir por uma linha imaginária entre as
coroas portuguesa e espanhola. O litoral brasileiro ficava na parte lusitana e os espanhóis
respeitaram seus direitos” (PRADO JR., 1998, p. 25).
4090
Diante da chegada dos portugueses ao Brasil, Prado Jr. (1998) apresenta algumas
etapas, que, segundo ele, marcam a história econômica do país e influencia diretamente na
história da colonização, entre elas, a primeira denominada “Primeiras atividades. A extração
do Pau-Brasil”. Esse período se caracterizou pelas viagens marítimas que visavam apenas a
exploração e a procura pelo caminho das Índias. (PRADO JR., 1998, p. 24). Portanto, nesse
primeiro momento os portugueses se ocuparam em extrair apenas a madeira e comercializá-la
na Europa onde tinha grande valor.
Essa primeira etapa, restrita à exploração do pau-brasil, ficou sob o monopólio real,
como afirma Prado Jr. (1998, p. 26), com registro de concessão em 1501 a 1504, a Fernando
de Noronha. Após essa data, não se tem relatos da concessão a mais ninguém para a
exploração, estando a madeira, sob o controle da própria coroa portuguesa.
Aos portugueses interessava apenas a extração do pau-brasil, devido ao seu valor
comercial na Europa, e não do povoamento ou colonização. “Tudo isso lança muita luz sobre
o espírito com que os povos da Europa abordam a América. A ideia de povoar não ocorre
inicialmente a nenhum. É o comércio que os interessa, e daí o relativo desprezo por estes
territórios [...]” (PRADO JR, 1998, p. 15).
Esse fator tem implicações diretas nas relações que se estabelecem nestas terras desde
o início da invasão portuguesa, com o objetivo claro da exploração das riquezas, como
também afirma Costa (1967, p. 7) os portugueses “eram conduzidos pelo sentimento da
aventura e do lucro. O aventureiro – e já era uma aventura arriscar-se ao largo oceano –
norteava a sua existência pelo sentimento do útil, do resultado imediato.”
Nesse sentido, a constante e desordenada exploração do pau-brasil, tanto por
portugueses como por franceses traficantes de madeira, provocou sua rápida decadência “em
alguns decênios esgotaram-se o melhor das matas costeiras que continham a preciosa árvore e
o negócio perdeu o interesse” (PRADO JR., 1998, p. 27).
É no contexto da decadência da exploração do pau-brasil que se inicia a segunda etapa
da colonização, como afirma Prado Jr., a partir de 1530, ao que ele denomina de “A ocupação
efetiva” (PRADO JR., 1998, p. 30). O Rei de Portugal, cada vez mais preocupado com os
franceses que integravam os grupos que traficavam a madeira pelas costas brasileiras, buscará
formas de se povoar e colonizar essas terras.
4091
No terceiro decênio do séc. XVI o Rei de Portugal estará bem convencido que nem
seu direito sobre as terras brasileiras, fundado embora na soberania do Papa, nem o
sistema, até então seguido de simples guardas-costas volantes, era suficiente para
afugentar os franceses que cada vez mais tomam pé em suas possessões americanas.
Cogitará então defendê-las por processo mais amplo e seguro: a ocupação efetiva
pelo povoamento e colonização (PRADO JR., 1998, p. 31).
Porém, o Rei tinha uma difícil tarefa, pois, com a exploração da madeira em declínio e
o comércio no oriente atingindo seu apogeu (PRADO JR., 1998, p. 31), até mesmo os
traficantes de madeira começaram a abandonar a atividade. Outro fator que dificultava os
objetivos Reais era que o país contava com população em pequeno número.
Portanto, haveria o Rei de tomar alguma medida de incentivo à migração dos
portugueses para além mar. Com isso,
Procurou-se compensar a dificuldade outorgando àqueles que se abalançassem a ir
colonizar o Brasil, vantagens consideráveis: nada menos que poderes soberanos, de
que o Rei abria mão em benefício de seus súditos que se dispusessem a arriscar
cabedais e esforços na empresa. Assim mesmo, poucos serão os pretendentes
(PRADO JR., 1998, p. 31).
Percebe-se que os incentivos dados por Portugal foram significativos, porém,
inicialmente, foram poucos os interessados e, além disso, nem todos permaneceram, mesmo
tendo recebido grande auxílio real.
Entre as ações Reais para garantir condições de povoamento, a costa brasileira foi
dividida,
[...] dividiu-se a costa brasileira em doze setores com extensões que variavam entre
30 e 100 léguas. Estes setores chamar-se-ão capitanias, e serão dotadas a titulares
que gozarão de grandes regalias e poderes soberanos; caber-lhe-á nomear
autoridades administrativas e juízes em seus respectivos territórios, receber taxas e
impostos, distribuir terras, etc. (PRADO JR., 1998, p. 31 – 32).
A ação da Coroa Portuguesa assegurava aos proprietários de terras o direito de
usufruir das riquezas da Colônia e, por sua vez, oferecia maior segurança e proteção contra a
constante ameaça de invasão por parte da Espanha e França, como destaca Prado Jr. (1998).
Para que o projeto tivesse continuidade e alcançasse o objetivo da Corte Portuguesa,
grandes somas em dinheiro foram gastos nas chamadas empresas colonizadoras do Brasil,
dinheiro inclusive de holandeses, judeus banqueiros e negociadores que vislumbravam outros
interesses comerciais, principalmente a agricultura. Os investimentos se justificavam, pois “a
perspectiva, principal do negócio está na cultura cana-de-açúcar. Tratava-se de um produto de
grande valor comercial na Europa” (PRADO JR., 1998, p. 32).
4092
A coroa portuguesa com suas regalias tentava tornar interessante a vinda e a
permanência dos portugueses para as terras brasileiras. E é nesse contexto que a educação foi
também um fator importante, pois, foi oferecido o ensino aos filhos dos senhores, grandes
latifundiários que receberam terras para administração como verdadeiros soberanos, que
certamente no país de origem tinham a educação garantida para seus rebentos.
As ações do Rei de Portugal, apostando na agricultura canavieira, lograram êxito e as
previsões foram confirmadas: a cana-de-açúcar se adaptou à costa brasileira sendo cultivada
em grandes propriedades. Segundo Caio Prado Junior (1998, p. 32), “é nesta base, portanto,
que se iniciarão a ocupação efetiva e a colonização do Brasil.”
Nesse período da busca pelo fortalecimento da agricultura por meio da monocultura da
cana-de-açúcar e da garantia da colonização, proteção do território de outros invasores
europeus, e as várias situações envolvendo inicialmente o desinteresse dos portugueses em
povoar essas terras, bem como as demais dificuldades vividas por Portugal, para efetivar seus
objetivos de colonização acontecerá a chegada dos primeiros jesuítas no ano de 1549. Esse
fato marca de forma significativa a história do Brasil e todo o processo da educação ocorrido
nessas terras.
A chegada dos jesuítas se justifica devido à necessidade de se educar os filhos dos
senhores que se fixaram no Brasil a partir dos benefícios oferecidos por Portugal com as
capitanias, os incentivos financeiros e a cana-de-açúcar tendo conseguido êxito, o que fez com
que surgissem outras demandas para a vida na colônia, entre elas a educação dos filhos destes
senhores portugueses recém migrados para o Brasil.
Tais fatos se relacionam historicamente e vão de encontro à realidade vivida nas
primeiras décadas da presença portuguesa no Brasil, em que não se encontram registros de
educação formal e sim apenas de algumas experiências desenvolvidas por religiosos ligados a
Igreja Católica, porém, sem apoio ou incentivos da coroa portuguesa ou da própria igreja,
diferente do contexto envolvendo os religiosos da Companhia de Jesus. Estes vieram com
legitimidade por fazerem parte de um projeto maior envolvendo a Igreja e a Coroa
Portuguesa.
A vinda dos jesuítas compunha um projeto elaborado em conjunto entre Portugal e a
Igreja. Portugal visava tornar interessante a permanência dos imigrantes no Brasil buscando
meios para que essa permanência se tornasse concreta, levando adiante a colonização dessas
terras.
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À igreja ficava a responsabilidade da conversão e catequização dos indígenas e a
educação dos filhos dos senhores. Esse projeto comum e suas as ações eram parte da Reforma
Católica2 ou Contra Reforma, que visava o combate à Reforma Protestante3, que repercutia e
crescia na Europa, levando a Igreja Católica se reorganiza, uma vez que se viu ameaçada em
seus poderes políticos, econômicos e religiosos. Nesse contexto, os jesuítas serão os grandes
responsáveis pela chamada Contra Reforma.
Com a chegada dos jesuítas no Brasil, inicia-se o processo de educação formal na
Colônia e, consequentemente teremos os primeiros registros sobre o ensino de filosofia que
era parte integrante da educação jesuítica.
A educação jesuítica e o ensino de filosofia: entre a educação da classe dominante e a
catequização dos povos indígenas
A filosofia a que mais se difundiu pelo ocidente, surgiu na Grécia, por volta do século
VI a.C.. Ao se expandir pelo continente europeu, marcou o pensamento ocidental,
influenciando a cultura, o conhecimento, o progresso, a ciência, a política e a economia.
O desenvolvimento da filosofia grega no contexto europeu, também acompanhou os
colonizadores que partiam desse continente. Em suas viagens marítimas de invasão e
conquista de territórios, ao se estabelecerem, implementavam seus modos de vida, sua cultura
e consequentemente, sua forma de pensar e de ver o mundo. Temos grande influência do
2
Reforma Católica ou Contra Reforma: “Inevitavelmente, em consequência da adoção do protestantismo por
algumas nações, a Igreja Católica do Ocidente, acentuou seu fervor militante. Mas em certo sentido ela também
encorajou seu próprio estilo de reforma (às vezes chamado Contra- Reforma) para remediar o fato de que durante
séculos algumas áreas da Igreja católica careceram de padres e bispos bem formados, instruídos e decentes.
Entre as fundações promovidas pela Igreja católica, o Oratório do Amor Divino foi talvez a primeira irmandade
da reforma católica. Outras Ordens religiosas foram fundadas, entre elas os capuchinos, teatinos, barnabitas, e a
ordem jesuíta. De todas as ordens, foi a jesuíta fundada como Companhia de Jesus em 1534, pelo espanhol
Inácio de Loyola (c. 1491-1556) que maior impacto causou. Inácio e seus amigos, a principio se dedicaram à
educação. Alguns de seus membros se tornariam os principais teólogos do Concílio de Trento e pensadores do
século XVII. Por volta de 1640, os jesuítas tinham estabelecido 500 escolas e diversos seminários e
universidades que ajudavam a converter os nobres com poder na Europa central e também permitia aos jesuítas
instituir reformas e deter o avanço do protestantismo. (COLLINS; PRINCE, 2000, p. 146-147).
3
Reforma Protestante: “As glórias do Renascimento levaram a excessos deploráveis na Igreja ocidental, como a
venda de indulgências para a obtenção de dinheiro para causas duvidosas. Martinho Lutero, teólogo Alemão,
rejeitou publicamente essas práticas e assim precipitou a Reforma. Outros reformadores foram encorajados a
seguir seu exemplo e juntar-se ao esforço de mudança. A Reforma logo deixou de ser apenas uma questão de
consciência individual: dirigentes políticos perceberam a vantagem de romper o poder político e territorial da
Igreja e tomaram partido. A Igreja Católica demorou a reagir. Em meados do século XVII o mapa religioso da
Europa foi redesenhado. Tais divisões levaram a guerras sangrentas, com as nações católicas e protestantes
lutando entre si. Enquanto isso, missionários católicos viajavam a países e continentes longínquos onde o
evangelho ainda tinha de criar raízes: América Latina, África, Índia, China e Japão. (COLLINS; PRINCE, 2000,
p. 129).
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continente europeu e, mesmo tendo superado muitos desses pensamentos e costumes, ainda
somos influenciados por ele, afirma Costa (1967, p. 4).
Pela mão da Europa fizemos a nossa entrada na cena da História, num momento de
crise para a cultura ocidental. A Europa nos impôs as suas línguas, a sua religião, as
suas formas de vida, em suma, sua civilização. [...] Somos um prolongamento, uma
ramo novo talvez, da civilização ocidental. Podemos, no entanto falar de uma
multiforme experiência americana, a que se veio formando lentamente, nestes quatro
séculos de esforço e construção [...].
Com o passar do tempo, o envolvimento do pensamento europeu com a cultura, os
costumes, práticas dos povos indígenas provocaram transformações nesses pensamentos
importados. Para Costa (1967, p. 4), “muita ideia mudou e muita teoria nascida do outro lado
do Atlântico tomou aqui expressões que não parecem perfeitamente condizentes com suas
‘premissas’ originais”.
Como parte desse contexto de colonização e exploração europeia pelo mundo, a
religião teve papel preponderante, especificamente a Igreja Católica, que, como religião
oficial de países como Portugal e Espanha, acompanharam o colonizador em suas aventuras
exploratórias. A chegada dos portugueses em terras brasileiras foi acompanhada da presença
atuante da Igreja Católica, por meio de um acordo firmado com o Papa, de forma que “o novo
mundo era legitimamente possuível por Espanha e Portugal e seus povos também
escravizáveis.” (RIBEIRO, 2003, p. 40).
Por meio da bula papal Inter Coetera, de 4 de maio de 1493, Portugal e Espanha
recebem a outorga para a exploração das terras que encontrarem, bem como possuírem a tudo
e a todos que nelas existir e, entre outros poderes a bula previa, Soares (1939, p. 25-28), que,
todas as ilhas, e terras firmes achadas e por achar, descobertas ou por descobrir [...]
quer sejam terras firmes e ilhas [...] A vós e a vossos herdeiros e sucessores [..] pela
autoridade do Deus onipotente a nós concedida em S. Pedro [...] a qual exercemos
sobre a terra, para sempre, no teor das presentes, vô-las doamos, concedemos e
entregamos com todos os seus domínios, cidades, fortalezas, lugares, vilas, direitos,
jurisdições e todas as pertenças. [...] vos fazemos, constituímos e deputamos
senhores das mesmas [...] por favor da Divina Clemência, as terras firmes e ilhas
sobreditas, e os moradores e habitantes delas, e reduzí-los à fé Católica [..].
Esse acordo, porém, acarretava algumas condições aos dois países para que fosse
mantido o monopólio da colonização e domínio do mundo até então conhecido, pois o Papa
“impunha à Portugal e à Espanha a obrigação de evangelizar as terras descobertas” (GALLI;
GRANDI, 1967, p. 244-245).
4095
Anterior a essa bula papal, já havia sido publicada outra, datada de 1454, pelo Papa
Nicolau V, que segundo Ribeiro (2003, p. 39), regulamentava “com os olhos na África, as
novas cruzadas que não se lançavam contra hereges adoradores de outro Deus, mas contra
pagãos e inocentes.” A bula Romanus Pontifex, continha, entre outras atribuições, a concessão
pelo Papa do direito ao Rei de “invadir, conquistar, subjugar a quaisquer serracenos e pagãos,
inimigos de cristo, suas terras, e bens, a todos reduzir à servidão e tudo praticar em utilidade
própria e dos seus descendentes” (BAIÃO, 1939, p. 36-37 apud RIBEIRO, 2003, p. 40).
Tais documentos atestam aos portugueses e espanhóis o domínio do mundo e à luz do
poder religioso dado pelo papa, legítimo representante divino na terra, a autorização para agir
como donos de um mundo, que nem mesmo conheciam.
Cumprindo o acordo papal, os portugueses deram o nome a estas terras de Terra de
Santa Cruz, e, simbolicamente, fincaram uma cruz como dedicatória da suposta descoberta.
Com esse gesto selam a invasão e impõem seu domínio, mudando o curso da vida e da
história dos povos que aqui habitavam.
O dia em que o capitão-mor Pedro Álvares Cabral levantou a cruz, [...] era 3 de
maio, quando se celebra a invenção da Santa Cruz, em que Cristo Nosso Redentor
morreu por nós, e por esta causa pôs nome à terra, que havia descoberta, de Santa
Cruz, e por este nome foi conhecida muitos anos (SALVADOR, 1627, p. 3).
São muitos os registros sobre a relação entre a Igreja e a Coroa Portuguesa
simbolizados pelo ato de Cabral fincando a cruz e dando nome às terras que supostamente
descobriram. Essa relação é comprovada na afirmação de Saviani (2007, p. 39), em que se
constata a presença das ordens religiosas juntamente com as caravelas de Cabral.
Pode-se considerar que os primeiros evangelizadores do Brasil foram os
franciscanos. Com efeito, o primeiro grupo de oito missionários franciscanos chegou
ao Brasil na caravela de Pedro Alvares Cabral, entre eles, o frei Henrique de
Coimbra, que celebrou a primeira missa na nova terra no dia 26 de abril de 1500.
As ordens religiosas acompanharam Cabral e sua esquadra, afinal era a condição
imposta pelo Papa por meio dos acordos firmados com os Reis de Portugal e Espanha.
Saviani (2007, p. 39) aponta que outros grupos de missionários vieram para o Brasil
além daquele que partiu com Cabral. Nas duas primeiras décadas após a invasão portuguesa
no Brasil, chegam frades Franciscanos, porém, depois de algum tempo são trucidados pelos
índios. Há registros, segundo o mesmo autor, de que um novo grupo havia chegado em 1534 e
posteriormente em 1537. Estes últimos desenvolveram grande trabalho junto aos indígenas do
sul do país.
4096
Entre as ordens religiosas que desenvolveram atividades educativas no Brasil, nos
primeiros anos da colônia, estão os “[...] franciscanos, beneditinos, [...] carmelitas,
mercedários, oratorianos e capuchinhos, tendo desenvolvido alguma atividade educativa.”
(SAVIANI, 2007, p. 41). Porém, a atuação dessas congregações religiosas se deu de forma
dispersa, sem apoio ou proteção oficial e com poucos recursos.
Após quase 50 anos de exploração portuguesa, e diante de todo o contexto apresentado
em relação aos interesses de Portugal em colonizar e ampliar a exploração nessas terras chega
ao Brasil, no ano de 1549, os padres da Companhia de Jesus 4. Recém fundada na Espanha, a
Companhia de Jesus tinha como sua principal missão combater a reforma protestante. No
Brasil, além de atender a esse objetivo da Igreja, os jesuítas também irão atuar na
evangelização e conversão dos povos indígenas que aqui habitavam e na educação dos filhos
dos portugueses que aqui se estabeleceram.
Segundo Galli e Grandi (1967, p. 246, grifo nosso), “pertence aos jesuítas a honra de
terem iniciado oficialmente a conversão das ferozes e selvagens tribos brasileiras com o apoio
da monarquia portuguesa.” Como maior apóstolo desse período “P. Nóbrega com direito a
perene reconhecimento por ter sido o fundador das cidades de S. Paulo e Rio de Janeiro”
(GALLI; GRANDI, 1967, p. 246).
As palavras utilizadas para a definição da missão dos jesuítas nestas terras denotam a
visão que se tinha dos povos que aqui habitavam, sendo chamados de ferozes e selvagens,
haveriam de ser domesticados, e, para tanto, a religião cumpriria papel importante para
atender os interesses dos colonizadores que outrora necessitariam de mão de obra cativa e
escrava para suas atividades exploratórias. Nesse sentido, a religião cumpriria as duas funções
junto ao colonizador: inicialmente a chamada domesticação e posteriormente a facilitação da
escravização.
Relacionando este fato com a chegada dos primeiros jesuítas em 1549, chefiados pelo
Padre Manoel da Nóbrega, Saviani (2007), afirma que é nesse contexto que tem início a
educação formal no Brasil: “há, com efeito, razoável consenso entre os pesquisadores que é
com a chegada dos jesuítas que tem início no Brasil, a educação formal, [...]” (SAVIANI
2007, p. 15).
4
A Ordem Jesuíta foi fundada em 1534 por S. Inácio de Loyola no contexto da Reforma Católica ou a ContraReforma. De todas as novas ordens, foi a jesuíta, fundada como Companhia de Jesus que causou impacto. Os
jesuítas, além de fazer os três votos habituais de castidade, obediência e pobreza, também juravam obediência ao
papa e a empreender qualquer tarefa que o papa julgasse necessária. (COLLINS; PRINCE, 2000, p. 146-147).
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Sobre o trabalho da congregação jesuíta no Brasil, Galli e Grandi (1967, p. 246)
afirma que “foi sobretudo para a construção de escolas e colégios (alguns tinham até 400
alunos) e a criação de aldeias cristãs, para oferecer uma habitação fixa às tribos nômades. [...]
em 1550 foi constituída a diocese da Baía; em 1575 a do Rio de Janeiro.”
A educação iniciada pelos jesuítas no Brasil teve apoio da Coroa Portuguesa e também
das autoridades da colônia e foram realizadas tendo como base o documento Ratio
Satudioorum5, que continha orientações sobre diversos assuntos relacionados à educação e
evangelização, construído ao longo de algumas décadas, a partir da fundação dos primeiros
colégios jesuítas na Europa.
No Brasil a educação jesuítica estava organizada de maneira diferenciada. O que se
oferecia aos filhos dos senhores era diferente do oferecido aos povos indígenas. Para Ceppas
(2010, p. 173),
o ensino no Brasil, da colônia à Primeira República, atendia, sobretudo, aos
interesses políticos, sejam os da metrópole, sejam os de nossa emergente classe
dominante, dos proprietários de terra e senhores de engenho que aqui se instalaram.
[...] Dito de modo esquemático, a educação jesuítica na colônia estava voltada para a
catequese dos índios e para as primeiras letras dos filhos de senhores de terra, que
continuavam seus estudos na Europa.
A educação jesuítica, portanto, se define claramente com a finalidade de atender os
filhos dos senhores e é nesse contexto que o ensino de filosofia é inserido. Horn (2005, p.
195), afirma que “a filosofia veio para o Brasil com os jesuítas. Inicialmente teve um caráter
messiânico, confundindo-se com instrução e catequese [...].”
Em Costa (1967, p. 7), também confirma-se a presença do ensino de filosofia no Brasil
Colônia, bem como seu direcionamento, “a filosofia foi, no Brasil, desde os tempos da
Colônia, um luxo de alguns senhores ricos e ilustrados.”
Evidencia-se o ensino de filosofia no Brasil desde as primeiras práticas do ensino
jesuítico direcionado à formação das elites e com uma intencionalidade permeada pela lógica
da formação cristã, católica, que segregava os filhos dos senhores e os conduzia à instrução,
5
Documento elaborado para orientar as práticas pedagógicas dos jesuítas, fruto de mais de 50 anos de trabalhos
e revisões. “No desenvolvimento da educação moderna o Ratio Studiorum ou Plano de Estudos da Companhia
de Jesus desempenha papel cuja importância não é permitido desconhecer ou menosprezar. Historicamente, foi
por este código de ensino que se pautaram a organização e a atividade dos numerosos colégios que a Companhia
de Jesus fundou e dirigiu durante cerca de dois séculos em toda a terra.” (FRANÇA, 1952, p. 5).
“Desde que se abrira em Messina (1548) o primeiro grande colégio da Companhia, quinze desde que se
iniciaram de modo sistemático (1584) os trabalhos de codificação do plano de estudos. [...] O código de leis, que
passava assim a orientar a atividade pedagógica da Companhia, representava os resultados de uma experiência
de meio século.” (FRANÇA, 1952, p. 23).
4098
que, em alguns casos, teria continuidade na Europa, já aos indígenas, empregavam os
métodos da catequização, visando sua conversão e inclusão nos ritos religiosos católicos.
Para Jaime (2001, p.47),
[...] antes mesmo de 1583, no Colégio da Bahia, dos jesuítas, colocava-se grau em
arte, que envolviam o ensino da filosofia. Havia o colégio, com uma classe de
instrução preliminar, duas classes de letras humanas, uma de artes incluindo a
filosofia, outra de casos, na qual se estudava teologia moral ‘para os de fora, e ainda
outra teologia para os de casa’.
Encontramos ainda em Jaime (2001, p. 47) outros relatos sobre o ensino de filosofia
praticado pelos jesuítas: “a partir de 1580, começou o ensino de filosofia no colégio jesuíta de
Olinda.” E a fundação da primeira faculdade de filosofia no Brasil, “a primeira faculdade de
filosofia no Brasil, o Colégio do Rio de Janeiro, fundado em 1649, formava bacharéis e
mestres em artes.” (JAIME, 2001, p. 47).
Inicialmente, o ensino de filosofia fora praticado nos colégios jesuítas, como
referenciado e de maneira a reproduzir o que se ensinava em Portugal. Segundo Costa (1967,
p. 44), “no Rio de Janeiro, na Bahia, no Pará, a Companhia de Jesus manterá imitações do
Colégio das Artes, de Coimbra e ali serão ensinadas a filosofia, a teologia, as humanidades.
[...] Em todos estes colégios, assim como nos seminários, ensinava-se, naturalmente, a
filosofia escolástica6.”
As relações estabelecidas entre Portugal, a Igreja, os jesuítas e suas práticas religiosas
e educativas, nos remetem à Marx e Engels, que no século XIX, ao abordar a questão das
ideias dominantes e as ideias da classe dominante, afirma que ambas caminham juntas, se
apoiam, legitimam-se. Para esse autor, “o pensamento da classe dominante é também em
todas as épocas, o pensamento dominante.” (MARX; ENGELS, 2001, p. 48).
Nessa perspectiva, a análise de Cartolano (1985) realça que o objetivo da educação
filosófica no período colonial era formar homens letrados, eruditos e, principalmente,
católicos, bem como que o conteúdo cultural dessa filosofia era a materialização do espírito
6
Em sentido próprio, a filosofia cristã da Idade Média. Nos primeiros séculos da Idade Média, era chamado de
scholasticus o professor de artes liberais e, depois, o docente de filosofia ou teologia que lecionava
primeiramente na escola do convento ou da catedral, depois na Universidade. Portanto, literalmente, E. significa
filosofia da escola. Comoas formas de ensino medieval eram duas (lectio, que consistia no comentário de um
texto, e disputatio, que consistia no exame de um problema através da discussão dos argumentos favoráveis e
contrários), na Escolática a atividade literária assumiu predominantemente a forma de Comentários ou de
coletâneas de questões. (ABBAGNANO, 1998, p. 344).
Apesar da diversidade de seus autores e de suas correntes, a escolástica carateriza-se por seu apego à teologia
(seu problema principal era conciliar a fé e a razão, ou seja, a Bíblia e Aristóteles – único filósofo grego
reconhecido, a princípio) [...] é influenciada pelo neo-platonismo e por Santo Agostinho. (DUROZOI e
ROUSSEL, 1993, p. 160).
4099
da Contra-Reforma, que se caracterizou pela reação do espírito crítico que nasceu na Europa,
pelo apego às reformas dogmáticas, pela renovação escolástica como método e filosofia, entre
outros (HORN, 2005, p. 193).
A Reforma Católica, ou Contra Reforma, teve como destaque a fundação da Ordem
jesuíta que dedicou-se a uma vivência profunda da fé e à educação desde o princípio. “Inácio
e seus amigos se entusiasmaram a viver sua fé cristã mais plenamente e, a princípio, se
dedicaram à educação. Alguns membros se tornariam um dos principais teólogos do Concílio
de Trento7, bem como grandes pensadores do século XVII” (COLLINS; PRINCE, 2000, p.
147).
A estrita fidelidade aos líderes da Igreja, se contrapunha à rebelião de Martinho
Lutero, que dera origem à Reforma Protestante, e, portanto, Inácio se destaca por tal
fidelidade. “Se a fé de Lutero o levara à rebelião, a de Inácio, ao contrário, levara-o à
obediência.” (COLLINS; PRINCE, 2000, p. 147).
Os relatos sobre o ensino de filosofia está inserido no contexto vivenciado na Europa
e, por muitos anos, foi apenas reproduzido no Brasil, como mencionado, quase 100 anos
depois dos primeiros registros sobre o ensino de filosofia no Brasil é que se tem a fundação da
primeira faculdade de filosofia, o que justifica a afirmação de Costa (1967, p. 8) de que “a
filosofia era assim considerada uma disciplina livresca. Da Europa ela nos vinha já feita. E era
sinal de grande cultura o simples fato de saber reproduzir ideias mais recentemente chegadas.
A novidade supria o espírito de análise, a curiosidade supria a crítica.”
Os jesuítas permaneceram no Brasil por mais de 200 anos, até serem expulsos por
Marquês de Pombal no ano de 1759. Em seguida, Pombal executa a chamada Reforma
Pombalina sob a influência do Iluminismo que se fez presente na educação brasileira, como
relata Horn (2005, p. 194), principalmente pelas ideias do “oratoriano iluminista Luiz Antônio
Verney.”
Essa reforma, porém, não altera a educação e o ensino no Brasil, pois os professores
passaram a ser os leigos e estes haviam sido formados nos colégios jesuítas, assim, “o ensino
7
Concílio de Trento: Foi convocado em 1542 e aberto em 1545, na cidade de Trento, na Itália. A primeira seção,
adiada para 1549, tratou da obrigação dos bispos residirem em suas dioceses, reafirmou o credo niceno com base
na fé e definiu a teologia dos sete sacramentos. Voltaram a se reunir somente em 1551, tendo repudiado as
doutrinas luteranas, calvinista e zuigliana. A última seção aconteceu em 1562, reafirmando a doutrina e as
práticas medievais como o celibato do clero e a existência do purgatório. Proclamou-se a Roma como centro da
Igreja Católica, fundaram seminários para instruir o clero e empreenderam várias reformas nas dioceses.
(COLLINS; PRINCE, 2000, p. 148-149).
4100
em geral continuava com os mesmos objetivos religiosos e livrescos, o mesmo ocorrendo com
o ensino de filosofia de tendência escolástica.” (HORN, 2005, p. 194).
Nas décadas seguintes da história da educação no Brasil, a filosofia e do ensino de
filosofia permanecem ainda de forma precária. Isso pode ser constatado nos poucos registros
sobre esse tema, dentre esses, a criação dos cursos de filosofia em 1827, nas faculdades de
direito, em São Paulo e Recife que criou um clima de entusiasmo humanístico e universalista
no pensamento pedagógico e, mais uma vez, ideias europeias serviram de modelo para os
intelectuais brasileiros, refletindo nos conteúdos.
Outro registro encontrado é o da criação do Colégio Pedro II, em 1837, único mantido
pelo governo central, onde existia a cadeira de filosofia, criada em 1838, com 34 alunos. Há,
também, os relatos da prática da filosofia nas províncias, de maneira obrigatória, antes mesmo
do Colégio Pedro II, seguindo uma orientação aristotélico-tomista. (HORN, 2005, p. 194).
O ensino de filosofia passa a ter maior relevância no currículo da educação brasileira
somente após as reformas na educação ocorridas no início do século XX. Portanto, ao longo
do período pesquisado e discutido nesse trabalho, o ensino de filosofia, quando foi praticado,
esteve a serviço da formação dos filhos da classe dominante no Brasil.
Considerações finais
A educação formal no Brasil tem início há quase 500 anos trazida pelos padres
jesuítas, para atender ao projeto colonizador de Portugal, que entre outras medidas de
incentivo, oferecia a educação formal aos filhos dos colonizadores dispostos a integrar esse
projeto, fixando-se nas terras recém invadidas, que até então serviam apenas para fins
exploratórios da madeira.
O projeto colonizador também se justificava, devido às constantes ameaças de
invasão, principalmente da França. Nesse contexto da educação formal está inserido o ensino
de filosofia, que atendia os filhos da elite colonizadora. Aos jesuítas, porém, importava a
expansão dos domínios católicos, ameaçados pela reforma protestante na Europa e a
conversão dos pagãos.
Os registros e relatos sobre o ensino de filosofia demonstram que ele esteve inserido
nesse período da história da educação no Brasil e está relacionado aos fatores econômicos e
políticos, direcionando-se à formação da classe dominante e no fortalecimento do pensamento
dominante. No entanto, a evangelização, conversão e catequização dos povos indígenas,
4101
comandados também pelos jesuítas, se inseriam no contexto de legitimação desse projeto
colonizador, evidenciando as contradições de tais práticas.
Essas contradições explicitam também a categorização daqueles que tiveram direito à
educação e aqueles que apenas tiveram acesso à catequese, que inclusive contribuiu para o
processo de dominação e a escravização, como no caso dos povos indígenas.
A filosofia ensinada no Brasil era uma filosofia livresca, importada da Europa, a fim
de formar homens eruditos, católicos e materializar o espírito da contra-reforma. Reproduzir
as ideias filosóficas, nesse período, representava grande cultura.
Destaca-se ainda, o fato de encontramos poucos registros sobre o ensino de filosofia
na educação brasileira, mesmo após a reforma pombalina, que se influenciou pelas ideias
iluministas. Os poucos registros encontrados remetem à educação formal, direcionada às
classes dominantes, tal qual praticado pelos jesuítas no início da educação formal no Brasil.
A compreensão histórica envolvendo a educação no Brasil colabora para que, ao longo
do estudo do ensino de filosofia, possamos buscar elementos dessa contradição, que, em
muitos casos, legitimam, em pleno século XXI, algumas práticas educativas classistas,
oferecendo ao trabalhador o ensino básico, a formação de mão de obra ou a instrução, como
afirma Gomez et al. (2004, p. 89) e que, em muitos casos, legitimam a ausência do ensino de
filosofia na educação brasileira, visto os interesses políticos, econômicos e ideológicos que
perpassam esse ensino.
Efetivamente, o ensino de filosofia só é praticado como ensino obrigatório no Brasil, a
partir das reformas na educação que aconteceram no início do século XX. Nesse sentido,
consideramos importante o desenvolvimento do levantamento histórico e da problematização
do ensino de filosofia no período da colonização brasileira, pois, esses dados contribuem para
as análises da importância do ensino de filosofia na formação dos estudantes, assim como,
demonstra os interesses políticos e ideológicos que também perpassam essa disciplina.
REFERÊNCIAS
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4102
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Disponível em:
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