COGNITIO: Revista de Filosofia - PUC-SP

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COGNITIO: Revista de Filosofia
ISSN 1518-7187
Indexação: The Philosopher`s Index; Citas Latinoamericanas en Ciencias Sociales y Humanidades
(CLASE)
Banco de Traduções
Tradução de artigo publicado no Número 3 – novembro de 2002
O Papel do Pragmatismo de Peirce na Educação
Patricia Turrisi
University of North Carolina at
Wilmington – U.S.A.
[email protected]
Original em inglês.
[Tradução para o português de
João Máttar – Centro de Estudos
do Pragmatismo – PUC/SP,
[email protected] ]
Resumo Charles Sanders Peirce dedicou muito de seus esforços como
estudioso preparando livros-textos, artigos, lições, aulas, palestras e
esquemas que iriam promover um fértil arcabouço para a investigação
genuína em uma “comunidade científica de pesquisadores”. Que tipo de
modelo para a educação o pragmatismo, à maneira do pragmatismo de
Charles Peirce, oferece? Como a infusão de um modo de investigação
pragmatista na educação afetaria a maneira pela qual o ensino e o
aprendizado são compreendidos e praticados? Neste artigo, eu
conceituarei o sistema educacional sugerido pelo pragmatismo de Charles
Peirce e avaliarei as diferenças entre um esquema educacional
pragmatista e alguns dos principais modelos não-pragmatistas atuais.
O plano deste artigo:
Meu principal “trabalho diário” acadêmico é o de diretora de um centro
universitário para a excelência do ensino. Eu forneço recursos para professores que desejem
desenvolver meios de ensinar com mais eficiência. Eu planejo programas que encorajam
inovações no ensino, reflexões sobre as relações entre ensino e aprendizado, e avaliação de
resultados. Minhas qualificações iniciais para o cargo consistiam de experiência
administrativa prévia; reputação por desenvolver novos currículos em meus próprios cursos
de filosofia, assim como em cursos que ajudei outros professores a criarem e prepararem
em disciplinas nas Artes e Ciências, em Educação, Administração e Enfermagem; um
histórico de “excelência em ensino”; e um gosto por usar tecnologia instrutiva de forma
criativa. Em nenhum momento, durante a revisão de minhas credenciais, qualquer pessoa
do comitê que me contratava mencionou que minha pesquisa sobre Charles Sanders Peirce
poderia ser um ponto positivo para o cargo. Entretanto, analisando o progresso de meu
centro desde que o dirijo, percebo que o pragmatismo fala com uma voz ressonante e
compreensiva pela universidade.
Sendo os professores universitários quem eles são, a crítica de seus próprios estilos
de ensinar, sucessos e fracassos, é uma adição recente à cena acadêmica, e os professores
ficam normalmente surpresos com quem e o que eles são quando começam a avaliar
profissionalmente a qualidade de seu próprio trabalho. Como minha pesquisa voltou-se para
a pedagogia, eu mesma lutei para encontrar um fundamento para as práticas que meu centro
defende (através de mim). Procurando este fundamento, eu observei alguns padrões nas
justificativas para as metodologias de ensino, na literatura e em minhas próprias
experiências com meus colegas. O plano deste artigo é examinar dois reputados extremos,
bastante distintos, de estilos e filosofias de ensinar, e compará-los com a fundação e prática
de ensino que o pragmatismo de Peirce sugere. A primeira parte deste artigo é um exame de
como Peirce interpreta a “instrução direta1” e o “construtivismo” através da perspectiva do
pragmatismo. A segunda parte é uma proposta de como a educação, especialmente a
educação de nível superior, deve re-conceber a si própria através de linhas pragmáticas, e
alguns prós e contras dessa proposta.
Parte I
Instrução Direta: uma breve genealogia crítica
Em um panfleto publicado em 1897, “My Pedagogic Creed,” e em Democracy and
Education, originalmente publicado em 1916, John Dewey estabeleceu uma fundação para
a teoria contemporânea do construtivismo e deu um golpe mortal no “método tradicional2”
de ensino.
Um pouco da defesa de Dewey de um novo método de ensino e aprendizado pode
ser apreciado na seguinte passagem de Democracy and Education:
A vida social não é apenas idêntica à comunicação, mas toda comunicação (e
portanto toda vida social genuína) é educativa. Ser um receptor de uma comunicação
significa ter uma experiência ampliada e modificada. Compartilhamos o que um outro
pensou e sentiu, e assim, restrita ou amplamente, temos nossas próprias atitudes
modificadas. Nem mesmo aquele que comunicou deixa de ser afetado. Experimente
comunicar, com precisão e por completo, alguma experiência para outro, especialmente se
ela for de alguma maneira complexa, e você perceberá sua própria atitude em relação à
experiência modificando-se; ou então você recorre a expletivas e ejaculações. A experiência
precisa ser formulada para ser comunicada. Formular significa sair dela, enxergá-la como
outro a veria, considerar quais pontos de contato ela tem com a vida de outro de maneira
que ela possa ser submetida a uma tal forma que ele possa apreciar seu significado. Exceto
ao lidarmos com lugares-comuns ou frases prontas, precisamos assimilar,
imaginativamente, algo da experiência do outro para falarmos a ele sobre nossa própria
experiência de forma inteligente. Toda comunicação é como a arte. Pode-se com justiça
afirmar, portanto, que qualquer arranjo que se mantenha vitalmente social, ou vitalmente
compartilhado, é educativo para aqueles que dele participam. Apenas quando ele se torna
engessado num molde e passa a funcionar de uma maneira rotineira, ele perde seu poder
educativo.
1
2
Direct instruction, no original. (N.Trad.)
Rote method, no original. (N.Trad.)
No final, portanto, não apenas a vida social requer ensino e aprendizado para sua
própria conservação, mas o próprio processo de viver junto educa. Ele amplia e ilumina a
experiência; ele estimula e enriquece a imaginação; ele cria responsabilidade pela precisão
e vivacidade da fala e do pensamento. Um homem vivendo realmente sozinho (sozinho
tanto mental quanto fisicamente) teria pouca ou nenhuma oportunidade de refletir sobre sua
experiência passada para dela extrair sua rede de significados. A desigualdade de realização
entre o maduro e o imaturo exige não apenas que se ensine o jovem, mas a necessidade
desse ensinamento gera um imenso estímulo para reduzir a experiência àquela ordem e
forma que a tornará mais facilmente comunicável e então mais aproveitável.3
Entretanto, a natureza transacional e transformacional da comunicação força a
conclusão de que o que é mais facilmente comunicável e aproveitável pelo primeiro,
digamos, um professor, não é automaticamente o mais comunicável e utilizável pelo
segundo, digamos, um estudante. A comunicação, “engessada em um molde,” e
funcionando “de uma maneira rotineira,” perde seu “poder educativo.”
Na educação contemporânea, em geral não se considera explicitamente a instrução
tradicional como uma técnica aceitável. O aprendizado tradicional é um velho ancestral,
aparentemente relegado a displays raros em antigos prédios de colégios em museus. A
“instrução direta” é seu descendente moderno, que continua a viver em alguns repertórios
de ensino de escolas elementares e secundárias, mas este descendente é na verdade um
döppelganger4. A contraparte da “instrução direta,” viva na educação superior, é o “método
da aula expositiva.”5
Defensores da eficácia da instrução tradicional assumiram que os primeiros fatos
relatados e ensinados estavam acima da crítica. Uma assunção seguinte foi a de que a
instrução tradicional era acessível a mentes imaturas que tinham, na verdade, aprendido
todo o resto de seu estoque de conhecimento de uma maneira similar. A “instrução direta,”
um de seus herdeiros, foi fundada na década de 1960 por Siegfried Engelmann como parte
do “Project Follow Through” do presidente Lyndon Johnson durante a guerra contra a
pobreza “Great Society” nos Estados Unidos. A instrução direta é tradicional para os
professores tanto quanto para os alunos, empregando scripts altamente elaborados com
interlúdios de perguntas e repostas classificados como “interação.” Defensores da instrução
direta alegam que seus resultados concretos, apresentados em testes estandardizados, são
melhores do que os resultados das técnicas “cognitivas,” focadas em habilidades de
raciocínio ou de pensamento de nível superior. Os estudantes, num sistema de instrução
direta, podem ser bons resolvedores de testes e promovidos com mais freqüência para o
próximo nível na escola, mas a promoção ao status de pensadores críticos e pesquisadores
não faz nem mesmo parte da agenda da instrução direta.
O modelo de educação superior sucessor da educação tradicional é o método da aula
expositiva. Essa técnica, bem conhecida e amplamente praticada, é às vezes chamada de “o
sábio no palco,” dando conotação a alguns de seus aspectos menos agradáveis. O professor,
que é o expert, fala para a classe sobre tópicos de sua especialidade. Supõe-se que os
professores (de aulas expositivas6) mais brilhantes não se baseiam em sua próprias notas de
aula, mas que falam extemporaneamente, como se nunca tivessem sido preparadas notas.
3
http://www.ilt.columbia.edu/projects/digitexts/dewey/d_e/chapter01.html
Termo utilizado no original em alemão, que significa “dublê”, “o outro eu”. (N.Trad.)
5
Lecture method, no original. (N.Trad.)
6
Lecturer, no original. (N.Trad.)
4
Os professores menos brilhantes podem ler suas notas. Os alunos ouvem e tomam notas. A
expertise do instrutor é em muitos casos acompanhada de um texto que fornece conteúdo
impresso similar, se não idêntico. Os tópicos seguem uma seqüência reiterada no texto e
designada para “cobrir” o “material” que será testado no final do curso. Testar consiste em
avaliar se os alunos absorveram as lições das aulas expositivas e dos textos, em geral em
termos de memorização de fatos e formulações de conceitos, às vezes em termos de
performance de “habilidades.” A defesa freqüente deste método é que ele transmite uma
grande quantidade de informação em pouco tempo, enquanto outros métodos interrompem
o progresso de seqüências tópicas ao se atolarem em discussões e questões que se
relacionam com os próprios alunos e não com o conteúdo sendo ensinado. Os alunos são
freqüentemente iludidos que estão aprendendo habilidades superiores de raciocínio devido
a uma confusão entre forma e conteúdo – e os professores em geral professam sobre
processos de pensamento que uma vez envolveram habilidades superiores de raciocínio.
Esses modelos assumem que o aluno é uma caixa e o professor ensina colocando
conhecimento na caixa. A refutação filosófica do aluno como caixa é ubíqua e não precisa
ser descrita em todos os seus momentos históricos. Obviamente, há mais a ser dito sobre
alunos do que que eles são receptores passivos da entrega de fatos.
Uma versão bem sucinta dessa refutação pode ser encontrada no artigo de Peirce
“The Fixation of Belief.” Sem entrar numa explanação detalhada de todas as quatros
técnicas de fixação de crenças, algumas generalizações sobre o ensaio de Peirce podem ser
introduzidas: (1) apenas o método da ciência preocupa-se com a “verdade” ou uma
realidade independente de qualquer self, enquanto os outros traem o desejo do crente de
superar a ansiedade da dúvida o mais simples e rapidamente possível; e (2) a sucessão dos
quatro métodos descritos por Peirce progride em direção a critérios públicos (e para longe
de critérios privados) de aceitação da crença, em direção a conceitos duradouros e
sinópticos que tenham vasto poder explanatório (e para longe da satisfação das agendas
imediatistas ou idiossincráticas).
O método de instrução tradicional, direta, ou da aula expositiva, seria, nos termos de
Peirce, autoritário. Ou seja, alguém que não o crente subseqüente decide o que as crenças
deverão ser, expressa-as, e as reforça (através das provas e das conseqüências profissionais
das provas). O crente subseqüente recita e reporta essas crenças o mais lealmente possível.
As crenças não precisam se ajustar bem aos crentes, nem ser contingentes com sua própria
experiência ou com a dos outros, nem ser internamente coerentes com as crenças de outros.
A chamada para a rebelião contra o sistema de educação tradicional é uma conseqüência de
objeções às limitações do ensino e aprendizado acrítico e autoritário.
Construtivismo: uma Breve Genealogia Crítica
A alternativa, como Dewey e seus seguidores construtivistas a conceberam, seria
projetar um sistema de educação no qual a construção do significado de seu aprendizado,
pelo estudante individual, é considerada uma prioridade. Em termos dos quatro métodos de
fixação de crenças de Peirce, o construtivismo voltou-se para uma preocupação com o
desenvolvimento de condições para nutrir o método apriori.
O construtivismo, em sua forma contemporânea, busca sua inspiração em Jean
Piaget, Jerome Bruner e Lev Vygotsky, assim como em John Dewey. O trabalho de Piaget
sobre as fases do desenvolvimento cognitivo reconheceu quatro níveis de maturidade no
desenvolvimento da inteligência das crianças: (1) inteligência sensório-motora, obtida
através de experiências e atividades sensórias; (2) inteligência pré-operatória, utilizando
símbolos, figuras e palavras para representar idéias e objetos; (3) pensamento operatórioconcreto, utilizando o pensamento lógico através de exemplos concretos aplicados que
expressem conceitos abstratos, e (4) pensamento operatório-formal, que lida com os
conceitos abstratos. Bruner introduziu a idéia de que o aprendizado é uma prática social que
começou, para o aprendiz, estruturada por seu próprio conhecimento corrente. A noção de
Bruner de uma “construção mental” que os indivíduos formam para incorporar novas idéias
é a precursora da noção construtivista contemporânea de que todo o conhecimento é uma
construção mental. A crença de Vgotsky de que todo conhecimento é obtido através da
interação social e a integração dessa experiência em uma estrutura mental individual é
similar à de Bruner. Esses pensadores olharam para a vida interior do indivíduo como a
fundação de seu aprendizado. A etapa do pensamento sobre a qual eles têm poucos
comentários teóricos é aquela em que a vida interior volta-se para o mundo exterior como
um meio de afirmação e como um plano de ação.
Em sua forma contemporânea, o construtivismo afirma que, “enquanto nós
experienciamos algo novo, nós o internalizamos através de nossas experiências passadas ou
construções de conhecimento que estabelecemos previamente” (Crowther 1997, 2).
Saunders, em “The Constructivist Perspective: Implications and teaching strategies for
science” (1992, 63-82), relata explicitamente uma atitude anti-realista e apriorista quando
afirma que:
o construtivismo pode ser definido como a posição filosófica que defende que qualquer
assim chamada ‘realidade’ é, no sentido mais imediato e concreto, a construção mental
daqueles que acreditam que a tenham descoberto e investigado. Em outras palavras, o
supostamente encontrado é uma invenção cujo inventor não está consciente de seu ato de
invenção e que considera algo que existe independentemente dele; a invenção então se
torna a base de sua visão de mundo e de suas ações.
Essa posição localiza o construtivismo no campo de um solipsismo indefensável. A
ciência é simplesmente impossível nessa visão. G. H. Wheatley define dois princípios de
aprendizado através do construtivismo:
O primeiro princípio afirma que o conhecimento não é passivamente recebido, mas é
ativamente construído pelo sujeito cogniscente. Idéias e pensamentos não podem ser
comunicados no sentido de que o significado seja embalado em palavras e ‘enviado’ para
outro que desembala o significado das sentenças. Isto é, por mais que queiramos, não
podemos colocar idéias nas cabeças dos estudantes, eles irão e precisarão construir seus
próprios significados. . . . O princípio dois afirma que a função da cognição é adaptativa e
serve à organização do mundo experiencial, não da realidade ontológica. Então nós não
encontramos a verdade mas construímos explanações viáveis de nossas experiências. (1991,
9-21.)
O primeiro princípio expressa clara antipatia em relação à teoria de aprendizado do
“estudante como uma caixa”. Sua crítica parcial do significado “enviado” baseia-se na
relação do conhecimento com as habilidades e tendências cognitivas do aprendiz. Essa
crítica omite a relação entre o conhecimento e a experiência da realidade. Muitos métodos
práticos bem sucedidos de promover o pensar crítico foram gerados dessa teoria
construtivista, como, por exemplo, aprendizado colaborativo, discussão, problem solving,
escrever para aprender e ensinar o colega7, técnicas que estimulam a interpretação e a
avaliação do fenômeno dado. Entretanto, o segundo princípio de Wheatley avança em uma
zona de contenção, problemática para a ciência e para um método científico de
investigação.
A noção de que toda pessoa cria sua própria verdade é tão antiga quanto o teorema
do sofista Protágoras de que “O homem é a medida de todas as coisas.” A crítica da
causalidade ontológica expressada pela conclusão construtivista de que “nós não
encontramos a verdade mas construímos explanações viáveis de nossas experiências” é
originalmente encontrada em A Treatise on Human Nature (1738) de David Hume. O
idealismo subjetivo e cético do A Treatise concerning the Principles of Human Knowledge
(1710) de George Berkeley fornece a genealogia filosófica dos princípios fundadores do
construtivismo.
Um livro-texto construtivista típico, Naturalistic Inquiry (Lincoln and Guba, 1985),
apresenta os axiomas de seu “paradigma” como antitéticos ao positivismo. Por exemplo, o
Axioma 1 estabelece que, em relação à natureza da realidade (ontologia), enquanto a versão
positivista afirma uma “única realidade tangível ‘lá fora,’” a versão naturalista ou
construtivista admite que “há muitas realidades construídas. . . [e que] a investigação dessas
múltiplas realidades inevitavelmente divergirá, de maneira que a predição e o controle
sejam conseqüências improváveis” (37). O Axioma 4 afirma que, enquanto a versão
positivista é a de que “cada ação pode ser explicada como um resultado (efeito) de uma
causa real que precede o efeito temporalmente (ou é ao menos simultânea em relação a
ele),” a versão naturalista ou construtivista declara que “todas entidades encontram-se num
estado de formação mútua simultânea, de maneira que é impossível distinguir causas de
efeitos” (38).
Essas observações indicam a propensão filosófica do construtivismo. O
construtivismo considera-se livre de dogmas. Ele aplica seu próprio critério interno para a
crença de uma maneira a priori. Até um certo nível, então, ele está livre do dogma da
autoridade e das crenças não derivadas através de um processo interno. Entretanto, ele
fracassa em escrutinar as implicações gerais de suas crenças em relação à experiência. A
existência de realidades divergentes multiplamente construídas não é, para a mente
científica, uma coexistência pacífica. As investigações científicas durante os últimos
séculos têm sido campos de batalha que procuram triunfar sobre “realidades divergentes
multiplamente construídas.” Não faz particularmente parte do fluxo das coisas perseguir o
princípio de “viva e deixe viver” em relação a essas “realidades”; os cientistas têm sido
conhecidos por lutarem até o fim seja para refutar uma realidade que eles mesmos não
podem fazer crer, seja para defender uma realidade que eles testaram por métodos
científicos. O dilema a priori é este: apenas porque eu possa vir a crer em algo, isso não
implica que outros virão a acreditar na mesma coisa. Se nós vivemos em comunidades, um
universo público de qualquer tipo, é importante reconciliar aquilo em que eu acredito com
aquilo em que outros acreditam. Por mais que eu queira ser tolerante, o máximo que eu
posso dizer é que, enquanto não for testada, as pessoas podem crer em qualquer coisa que
desejem sem conseqüências. Entretanto, uma discordância sobre crenças é um teste, uma
verdadeira crise – eu estou errado e o outro certo? Eu preciso reconsiderar a minha crença?
Estaremos ambos errados? Podemos estar os dois certos? Planos educacionais
No original, “collaborative learning, discussion, problem solving, writing to learn and peer teaching”
(N.Trad.)
7
construtivistas atentam para estas questões algumas vezes ao não avaliarem os estudantes
através de um conjunto de critérios padrões, mas os encorajando a criarem portfólios sobre
suas investigações que eles mesmos interpretam e avaliam. Além disso, o professor
construtivista, teoricamente, não deve fazer afirmações impositivas de caráter ontológico,
epistemológico ou causal sobre “como algo é,” já que nada é teoricamente de alguma
maneira ou da maneira de alguma pessoa. Como os construtivistas lidam com diferenças de
métodos e resultados de investigações? A única maneira através da qual isso pode ser
teoricamente reconciliado é isolando as partes que diferem umas das outras e não lidando
com suas diferenças, e suportar essa prática com a afirmação de que o universo é tão
diverso que a construção da realidade de cada um é aceitável. Alguns construtivistas vão
tão longe que afirmam que não há realidade até que ela seja construída por algum
indivíduo. Outros postulam uma realidade social que é presumivelmente construída por um
conjunto de crenças, algumas contraditórias ou mesmo hostis a outras. A possibilidade de
que ninguém seja uma autoridade máxima apenas porque pense que seja e que qualquer um
possa procurar ir além tanto da autoridade quanto de uma aceitação a priori das crenças,
parece não ter ocorrido ao construtivismo.
Portanto, o dilema do construtivismo é este: e se algum indivíduo decide
experimentalmente “construir” a realidade de maneira que ela seja independente do
indivíduo, da comunidade, e das idéias em modificação sobre ela? Depois suponhamos que
essa realidade, do tipo independente, devesse ser compreendida num processo de evolução,
independente das aproximações que pensadores pudessem pensar sobre ela? Em outras
palavras, pode-se esperar que mesmo enquanto as idéias a respeito do mundo modificamse, o mundo também se modifica, não apenas como um resultado das idéias em
modificação (poderia isso ser uma marca oculta de causalidade no construtivismo?), mas
também em seu próprio direito. Suponhamos que alguém “construiu” uma investigação na
qual a hipótese seja de que o conhecimento aproxima a verdade sobre a realidade, de que
perspectivas e construções pessoais sejam aceitáveis desde que elas possam aproximar a
realidade como ela poderia ser conhecida, e algum ser ou alguns seres racionais fossem
submeter este conhecimento aos mais minuciosos e escrupulosos testes durante um longo
período de tempo? Suponhamos que o investigador em questão estivesse para derivar um
método para desenvolver e escrutinar o tipo de conhecimento que pudesse aproximar a
realidade? Na noção construtivista de educação, pesquisa e realidade, essa seria a
“construção” experimental que nunca seria permitida. Pois aqui, o dogma grita bem alto
que nós estamos obrigados por teoria não a acreditar que aquilo em que pensamos é
realmente verdade sobre uma realidade independente, mas apenas que é “verdadeiro para
mim.” O fato de que a definição de “verdadeiro para mim” desafia qualquer formulação
consistente por ser fabulosamente auto-contraditória interessa certamente não ao
construtivismo, mas evidentemente apenas aos lógicos da classe dos realistas. A idéia de
que possamos experimentalmente determinar a verdade sobre uma realidade independente é
impossível nos termos do construtivismo: está fora de seu paradigma.
O pragmatismo de Peirce é um tal método experimental.
Parte II
Pragmatismo: um método científico de pesquisa, ensino e aprendizado
Nas notas de Peirce para Pragmatism as a Principle and Method of Right Thinking,
suas Harvard Lectures de 1903, ele escreveu passagens que revelaram suas idéias sobre
proferir as palestras. Esses apartes não são irrelevantes à missão de descobrir sua filosofia
educacional. Peirce era altamente crítico em relação aos estudantes de filosofia de Harvard,
suspeitando que seus professores tinham pouco ou nenhum interesse em lógica. Se ele fosse
convidado a “oferecer a um jovem uma educação liberal em 100 lições,” ele proporia
devotar 50 lições a ensinar um assunto específico por completo, “digamos talvez cozinhar
um ovo,” que deixaria o jovem culpado da “idéia ridícula de pensar que ele sabe inglês, por
exemplo.” Das 50 restantes, ele as distribuiria entre matemática, estética, ética, metafísica,
psicologia, línguas, história, geografia, biologia, astronomia, geologia, geografia física,
direito, teologia, medicina e outras ciências aplicadas, e, destas, 36 seriam sobre lógica,
“muito importantes três-oitavos.” Pois, ele defendia, “uma educação liberal deve ser um
organismo vivo e a lógica deve efetivamente ser considerada seu coração” (Peirce 1997,
123).
Em outro lugar, ele propõe seu “processo de formar opiniões filosóficas” e seu
“método de discutir consigo mesmo uma questão filosófica” (41). Eles consistem em
aproximadamente uma dúzia de passos para começar com alguma questão em filosofia e
progredir através de uma seqüência de escrever e revisar tudo que pode ser dito e pensado
sobre ela, organizar e re-organizar, estruturar e re-estruturar o assunto, e digeri-lo, criticá-lo
e então propor outras conexões que ele possa ter com conceitos adicionais. Seu processo
pode ser caracterizado como “pensar com sua caneta na mão,” criar um tipo de
representação diagramática dos pensamentos. Quando ele digeriu por completo sua questão
e não pode fazer mais nada com ela, pode tentar tornar sua expressão pública. Mas, Peirce
adverte, ele quer que seus ouvintes pensem por si mesmos:
Certamente, em filosofia o que um homem não pensa por si mesmo ele nunca compreende.
Nada pode ser aprendido de livros ou de aulas. Eles não devem ser tratados como oráculos
mas simplesmente como fatos a serem estudados como quaisquer outros fatos. Essa, de
qualquer forma, é a maneira pela qual eu gostaria que vocês tratassem minhas aulas. Não
chamem nenhum homem de mestre, ou pelo menos não a mim. (47)
Como então os fatos devem ser estudados? Quais perspectivas sobre ensino e
aprendizado são sugeridas pelo pragmatismo?
Três elementos significativos constituem uma educação pragmaticista peirceana: (1)
a dependência das ciências em relação à lógica, dentro da arquitetura do saber; (2) a
natureza categorial do pensamento; e (3) a aplicação das categorias à realidade.
A lógica é uma ciência normativa assim como as outras ciências fundamentais à
lógica, ciência normativa “sendo em geral a ciência das leis da conformidade das coisas aos
fins.” A ciência normativa, por sua vez, baseia-se na Fenomenologia, a ciência dos
Fenômenos Universais discernidos através de seus “elementos ubíquos,” as três categorias.
Os três ramos da lógica correspondem às três categorias da Fenomenologia, descobrindo e
modelando o raciocínio que é representativo das relações entre a Primeiridade,
Segundidade e Terceiridade. A primeiridade refere-se ao fenômeno do sentimento - em
termos representativos, à percepção; a segundidade refere-se ao elemento de um fenômeno
de força ou luta - em termos representativos, à reação; a terceiridade é um meio entre um
Segundo e seu Primeiro, uma representação, um geral ou uma lei em termos
representativos.
Os campos correspondentes da lógica são a abdução, a dedução e a indução. A
abdução origina uma idéia; a dedução examina os argumentos possíveis relacionados às
idéias; a indução examina o grau pelo qual os argumentos são produzidos na experiência. O
pragmatismo é o trabalho com as representações do começo ao fim. Peirce originalmente
formulou a máxima pragmatista: “Considere quais efeitos, que poderiam concebivelmente
ter conseqüências práticas, nós concebemos que o objeto de nossa concepção tenha: então,
nossa concepção desses efeitos é a totalidade de nossa concepção do objeto” (111). A
lógica, portanto, é o fundamento para a pesquisa em qualquer outra ciência.
O principal avanço pragmatista de Peirce em relação ao dilema do construtivismo
reside em sua determinação da realidade dos gerais, na forma das regularidades,
uniformidades e continuidades na natureza, ou seja, as leis da natureza. O processo lógico
pelo qual um geral se revela começa com uma abdução, uma proposta de possíveis
regularidades que requerem predições dedutivas e testes indutivos em relação à proposta.
Professores que usam seja a instrução direta seja o construtivismo centrado no estudante,
negam o desejo por ou a possibilidade de tal método. A instrução direta ensina leis já
descobertas como dogmas enquanto o construtivismo nega a existência de todas essas leis.
Peirce defende a instrução em lógica em todos seus três momentos: a abdução, a dedução e
a indução. Nenhum desses passos é realmente possível a não ser com base na realidade das
leis da natureza.
Como um estudante aprenderia a pensar bem em um programa pragmatista de
educação? Em primeiro lugar, deve-se dizer que a exploração das idéias defendidas pelo
construtivismo não ocorre sem mérito. Como um ponto de comparação com os momentos
lógicos de Peirce, o construtivismo inspirou uma variedade de técnicas de ensino e
aprendizado contemporâneas que preenchem algumas das condições necessárias para um
pensador derivar abduções. Escrever para aprender, discussões, e técnicas de aprendizado
experiencial estimulam um ambiente no qual os estudantes assumem responsabilidade por
proporem e solucionarem problemas de sua própria criação. “Response papers,” jornais e
portfolios permitem que os estudantes explorem o que eles já sabem, descubram o que eles
precisam saber e como eles podem se sair aprendendo o que eles querem saber.
Brainstorming e discussões são meios de estimular a expressão de pensamentos nascentes,
palpites e hipóteses. Exposição à experiência (ou imersão nela) produzem uma intimidade
com o fenômeno que os estudantes buscam compreender, portanto uma imediatez a suas
tentativas de se tornarem inteirados sobre as estruturas e os padrões da natureza.
Experiências em laboratório ou de campo em ciências naturais, imersão em culturas em
ciência social e línguas, e exposição a artefatos em história e arqueologia são exemplos de
ricas fontes de experiência de onde derivar palpites originais sobre a natureza das coisas, e
para compreender como outros podem ter derivado seus próprios palpites em circunstâncias
similares.
Abduções são originadas ao prestarmos atenção à realidade. O valor do passo
abdutivo, de qualquer forma, seria o de reduzir o campo de inferências possíveis que
deveriam ser testadas para excluir todas que seria absurdo testar. O valor de toda abdução
dada repousa nos resultados de seus testes subseqüentes, não especialmente na satisfação
pessoal que ela traz ao seu abdutor. Um investigador deve de fato ficar muito satisfeito por
ter sido aquele que chegou a uma abdução que foi testada com sucesso posteriormente, mas
seu prazer é uma conseqüência destes testes adicionais, não um teste de crença em e de si
mesmo.
Em relação à dedução e à indução, os estudantes de todos os níveis da educação
contemporânea estão familiarizados com experimentos em laboratório. Aqui há uma grande
oportunidade para introduzir os ramos da lógica que lidam com predições e as respostas de
fenômenos naturais a inferências que provam ou negam sua validade. Um avanço
pragmatista sobre métodos educacionais atuais seria tomar “momentos ensináveis” em
experimentos laboratoriais em sala de aula para discernir as estruturas dedutivas do
pensamento inerentes a designs experimentais e na análise de seus resultados. Por exemplo,
seguindo uma demonstração e discussão de uma inferência sobre a relação causal entre dois
fenômenos, seria um pequeno passo mostrar como a forma da dedução, modus tollens, é
utilizada como a base de “experimentos de falsificação” e como uma forma similar mas
falaciosa de argumento, afirmando o conseqüente, leva a resultados que se pode demonstrar
serem inválidos através de contraexemplos. Sem dúvida, o impacto de contraexemplos
depende da crença de um estudante de que uma relação causal de fato trabalha de um
determinado modo e absolutamente não de algum outro modo
No estágio final da lógica de uma investigação, a indução, uma lei ou regularidade
geral, prevista por dedução, é testada. Freqüentemente se considera que este tipo de lógica
captura um grau de probabilidade de que um conjunto de premissas levam a uma conclusão
particular. Considera-se que inferências indutivas sejam fortes ou fracas, dependendo do
cálculo do grau de probabilidade; convincentes ou não convincentes, dependendo de se a
premissas são consideradas verdadeiras ou falsas.
Como uma indução testa o poder preditivo de uma dedução? A conclusão de uma
dedução, considerada livre de falácias lógicas, assume o status da premissa de uma indução.
Seguindo a dedução que conclui que, por exemplo, “Sócrates é mortal,” o investigador
indutivo procura ver se Sócrates efetivamente morre quando toma o veneno. Sua morte é
considerada uma necessidade lógica na dedução. A natureza resiste a esta conclusão (ou a
permite)? Nesta inferência particular, a probabilidade será 1 se Sócrates efetivamente
morre, 0 se ele não morre. Toda conclusão genérica da indução é que suas premissas são
manifestadas na realidade. Quanto (e se) a inferência indutiva manifesta-se na experiência é
o teste de sua força. O argumento,
Todos os homens são mulheres.
Sócrates é um homem.
Portanto, Sócrates é uma mulher.
tem a necessidade idêntica à do argumento anterior, mas quando testado contra a
experiência com a interrogação indutiva “Exatamente em que proporção é o caso de que
Sócrates é uma mulher?” considerar-se-ia provavelmente que a conclusão teria uma
probabilidade 0. Sem dúvida, uma miríade de argumentos indutivos produz razões
fracionais de probabilidade, e a interpretação desses resultados pode ter várias
conseqüências, não a menos importante das quais que a regularidade de um fenômeno que
ocorre na experiência é variável porque o próprio fenômeno não é, na realidade,
inteiramente ou absolutamente regular.
Um argumento dedutivo não pode nos dizer nada sobre sua efetiva aplicabilidade à
realidade. Um argumento indutivo nos dirá como a realidade pode ser aproximada. Propõese a objeção de que argumentos indutivos não fornecem certeza. Creio que seja com base
nisso que os construtivistas encorajam a construção de uma multiplicidade de realidades no
pensamento. É uma tarefa particularmente desafiadora desempenhar o papel do facilitador
sereno e neutro para os alunos que sofrem quando confrontados com a incerteza. Mas
embora seja verdade que os investigadores científicos podem não conseguir chegar até o
fim do teste de alguns argumentos indutivos, há comparações comuns que podem nos
informar se aproximamos bem ou mal. O teste de inferências indutivas fracas encontra
evidência conflitante contra suas conclusões, ou uma ausência visível de confluência com a
experiência é revelada no processo de testes. Por exemplo, no caso histórico da busca do
élan vital ou da essência da vida, sua existência foi proposta, e nenhuma experiência dela
foi algum dia estabelecida; a não-existência do élan vital foi proposta e experiências de
séculos de pesquisadores deram suporte a esta conclusão. Poderiam esses pesquisadores ter
ignorado algo na experiência que poderia ajudar a ressuscitar a crença no élan vital?
Talvez. Entretanto, neste ponto, a crença no élan vital não teria fundamento algum exceto
através do raciocínio a priori.
Já deveria estar aparente que uma educação pragmatista, utilizando uma abordagem
lógica para encontrar “quais efeitos, que poderiam concebivelmente ter conseqüências
práticas, nós concebemos que o objeto de nossa concepção tenha” incutiriam hábitos
mentais nos estudantes que os cientistas precisam possuir, em alguma medida. As
descobertas da ciência, não uma pequena influência em todas as nossas vidas, não
pareceriam então meramente “construções da realidade,” mas conclusões que surgiram
através de um processo rigoroso envolvendo o engajamento do pensamento com a
realidade. A habilidade do pragmatismo de influenciar a concepção da realidade do
estudante, e o engajamento com ela, melhoraria significativamente a educação moderna.
Portanto, eu sugiro que o espírito do pragmatismo torne-se manifesto nos seguintes
modos na sala de aula: (1) a lógica deveria ser ensinada a partir da menor idade possível e
continuada através de toda a educação superior. A lógica seria concebida incluindo tanto a
descoberta de estruturas lógicas e suas formulações em sistemas de lógica, quanto a
aplicação de formulações lógicas à realidade. (2) A lógica deveria ser aplicada como um
método para “considerar quais efeitos, que poderiam concebivelmente ter conseqüências
práticas, nós concebemos que o objeto de nossa concepção tenha” em todo tipo de
investigação. Casos históricos nos quais a lógica foi parcial ou completamente aplicada, por
exemplo na história da ciência, deveriam ser apresentados criticamente por professores para
a compreensão de como os investigadores procedem das hipóteses iniciais a predições
dedutivas e a conclusões indutivamente testadas. Estudantes deveriam ter oportunidades de
praticar o método do pragmatismo em suas próprias investigações em toda disciplina. (3)
Dever-se-ia tomar cuidado para contextualizar cada investigação, histórica ou atual, até o
grau em que “nossa concepção desses efeitos seja a totalidade de nossa concepção do
objeto.” Quer dizer, um exame detalhado da completude ou incompletude de nosso
conhecimento sobre um dado objeto deve ser escrupulosamente praticado e revelado aos
estudantes. Devemos dar oportunidades para que os alunos conscientizem-se de quão longe
foram investigações sobre dados fenômenos e quão longe é desejável que nós cheguemos
como uma comunidade de estudiosos. Por sua vez, o estado do conhecimento de um
estudante relativo à “totalidade de [uma] concepção de [um] objeto” deveria ser
periodicamente testado e o teste utilizado como um meio de guiar estudos posteriores.
Seria essa forma de educação para todos? As salas de aula pragmatistas pareceriam
diferentes do que elas parecem agora? Essas sugestões implicam que os professores
utilizariam uma espécie bem diferente de currículo e tipos bem diferentes de materiais
instrucionais? Seria a educação dos próprios professores diferente? Que tipos de estudantes
seriam criados em um sistema de educação pragmatista? Como um sistema de educação
pragmatista afetaria o futuro profissional, cívico e espiritual desses estudantes quando eles
entrassem no mundo além-escola?
Eu não posso responder se esse tipo de educação é para todos. Dadas as
imperfeições deste mundo, é dubitável que todos ou mesmo muitos estejam prontos para se
tornarem pensadores astutos, com tudo o que isto possa implicar. Peirce estava persuadido
de que o raciocínio “não [era] de importância primordial para o sucesso na vida” dado que
há muito poucos pensadores vigorosos no mundo e tantas pessoas bem-sucedidas na vida
apesar desse fato (Peirce 1898, 40).
Sem dúvida, entretanto, as características de uma educação pragmatista, seja qual
for o escopo, seriam distintas. As mudanças emergentes que resultariam de um programa
para promover o “pensamento correto” seriam antes de tudo aparentes na atitude de seus
estudantes. O “quadro” do realismo é um chamado de advertência: os professores não são
os juízes da verdade; a realidade é. A realidade não é uma progressão linear singular que
pode ser aprendida nas primeiras duas décadas da vida. A realidade é complexa e
evolucionária, com regularidades e irregularidades que atuam em um número de formas,
nenhuma das quais é ligada por uma necessidade formal ou um decreto autoritativo
imediatamente aparente para um observador singular: uma comunidade de pesquisadores
em um período suficiente de tempo é necessária para digerir, descobrir e revisar
aproximações dela. A idéia de Peirce era que os estudantes que tomassem sua “educação
liberal em 100 lições” com 36 em lógica emergiriam com um apreço saudável pelo esforço
necessário para adquirir conhecimento genuíno. Conquistar conhecimento é um trabalho
duro. O estudante educado pragmaticamente compreenderia que é assim e não confundiria
atalhos para a fixação da crença com raciocínio científico, e, ainda, não se satisfaria com
menos do que o raciocínio científico como fundamento para as crenças.
A profissão de ensinar passaria por mudanças distintivas. Peirce notou que alunos
estudando lógica pela primeira vez são geralmente assombrados com questões e problemas
com que seus professores se acostumaram há bastante tempo. Ele descreve assim uma
forma típica de progressão:
O pupilo depara-se com uma dificuldade em Euclides. Dois contra um a razão é que exista
uma falha lógica. O garoto, entretanto, está consciente apenas de um obstáculo lógico. Ele
não consegue dizer para o professor qual é a sua dificuldade; o professor precisa ensiná-lo.
Mas o professor provavelmente nunca enxergou efetivamente a verdadeira lógica da
passagem. Mas ele pensa que sim porque, devido à longa familiaridade, ele perdeu a
sensibilidade de lidar com uma barreira invisível que o garoto sente. Tivesse o próprio
professor alguma vez efetivamente subjugado a dificuldade lógica, é claro que ele
reconheceria exatamente de que se tratava, e então preencheria a primeira condição, ao
menos, de ajudar. Mas não tendo subjugado a dificuldade, tendo apenas esgotado o sentido
de dificuldade pela familiaridade, ele simplesmente não pode compreender porque o garoto
deveria sentir qualquer dificuldade; e tudo o que ele pode fazer é exclamar, “Oh, esses
garotos estúpidos, estúpidos!” Como se um médico pudesse exclamar, “Oh, esses pacientes
horríveis, eles não ficarão bem!” (40)
Assim, os próprios professores precisariam ser mais vivos! Como um bom professor
faria esse trabalho? Peirce disse:
Mas suponha que, por alguma conjunção extraordinária dos planetas, um professor de
raciocínio realmente bom estivesse para ser designado, qual seria a sua primeira
preocupação? Seria guardar seus estudantes daquela doença com a qual a lógica é em geral
infestada, de forma que a menos que deles seja drenada como a água de um pato,
certamente os tornaria os piores dos piores pensadores, nomeadamente, pensadores injustos,
e o que é pior, inconscientemente injustos, para o resto de suas vidas. O bom professor
sofrerá portanto as dores maiores para prevenir que seus estudantes tornem-se cheios de si
por suas aquisições lógicas. Ele desejará impregná-los com a forma correta de encarar o
pensamento antes que eles considerem que tenham aprendido alguma coisa; e ele não se
incomodaria de dedicar um tempo considerável a isso, pois vale muito a pena. (40)
Peirce observou que enquanto muitos homens e mulheres são modestos o suficiente
sobre as características que os tornam bons seres humanos, “acima de tudo, com a exceção
daqueles que, sendo treinados em lógica, seguem as suas leis e então não confiam
totalmente em seus poderes diretos de raciocínio, todos os outros superestimam
ridiculamente sua própria lógica” (40). A lógica não é uma aquisição natural, portanto o
treinamento em lógica seria um requerimento para professores assim como para estudantes.
Que tipo de materiais curriculares e instrucionais uma educação pragmatista
requereria? Isto dependeria parcialmente de quais “objetos de nossa concepção” um
estudante ou professor desejasse enfatizar ou explorar. A experiência seria o fulcro do
ensinamento, independente do conteúdo. Isto não significa que todo estudante teria de
experienciar pessoalmente todo objeto no currículo, mas que toda lição sobre todo objeto
incluiria referência a sua manifestação na experiência de investigadores. Portanto, seria
plausível estudar inclusive assuntos abstratos como a história da filosofia de uma maneira
pragmatista. Através da referência a fontes primárias criadas por filósofos, estudando a
experiência de pensadores sobre tópicos filosóficos sobre os quais estes filósofos
escreveram, e experienciando o pensamento sobre as próprias questões filosóficas, os
estudantes poderiam obter um conhecimento experiencial sobre a história da filosofia. Em
campos de estudo menos abstratos, muitos tópicos, como as ciências naturais, já são
ensinados experimentalmente. As artes e a literatura podem ser ensinadas não apenas com
os estudantes engajados em escrever, pintar, fazer esculturas, performances ou outras artes,
mas ao se estudar artefatos da perspectiva das experiências dos autores e artistas.
Além de enfatizar os testes da experiência, o currículo guiaria o aprendiz a
compreender como tópicos de estudo estão situados na arquitetura de todo conhecimento,
assim como na hierarquia de conceitos em ramos singulares do conhecimento. Caso se
estudasse um tópico cujo papel na arquitetura do conhecimento não fosse estável, este fato
seria revelado. O fato de que um tópico ocupa um status inicial ou limiar na arquitetura do
conhecimento como um todo, ou dentro de um campo, é em si uma área apropriada de
estudo e assim seria reconhecido.
A história dos métodos educacionais mostra um alcance diverso de atitudes e
programas experimentais. Atualmente, a educação é ela mesma um daqueles campos em
que há uma multiplicidade de filosofias e práticas de ensino e aprendizagem. Não se trata
de uma entidade paradigmática singular. A educação é um “objeto de nossa concepção”
cujo todo não é inteiramente conhecido ou compreendido. Nem a instrução direta nem o
construtivismo possuem os fundamentos científicos para garantir uma crença contínua de
que os objetivos da educação possam ser atingidos através desses métodos. Esta é uma
justificativa suficiente de que o método pragmatista de educação proposto vale um conjunto
de submissões aos ramos da lógica para encontrar os “efeitos, que poderiam
concebivelmente ter efeitos práticos, que nós concebemos que o objeto de nossa concepção
tenha” de forma a obter uma “concepção desses efeitos [como] a totalidade de nossa
concepção do objeto.” E, é claro, os “efeitos práticos” teriam de ser frutos do experimento
de decretar um sistema pragmatista de educação; caso contrário, essa proposta parecerá
meramente “verdadeira para mim,” um pensador a priori, sozinho em minha satisfação
interior com a idéia.
Assim, eu os convido a compartilhar do experimento comigo, baseado neste esboço,
e investigar quão próximo o ensino e o aprendizado pragmatistas nos aproximam do tipo de
educação que promove a compreensão da realidade.
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