revisão Células natural killer endometriais: o que são? O que fazem? O que devemos saber? Endometrial natural killer cells: what are they? What do they do? What do we need to know? Paula Beatriz Tavares Fettback1 Thais Sanches Domingues2 Péricles Assad Hassun Filho3 Eduardo Leme Alves da Motta4 Paulo Cesar Serafini5 Edmund Chada Baracat6 Palavras-chave Células natural killer endometriais Invasão trofoblástica Fertilidade Keywords Endometrial natural killer cells Trophoblastic invasion Fertility Resumo As células natural killer endometriais, também chamadas células natural killer uterinas, têm recebido especial atenção no campo da imunologia reprodutiva. Teorias que consideram alterações na resposta imune como uma causa de infertilidade conjugal e de falhas nos tratamentos de reprodução assistida têm ponderado um possível envolvimento negativo das células natural killer endometriais. As células natural killer são linfócitos que podem ser identificados no sangue periférico e no endométrio, apresentando diferenças fenotípicas e funcionais importantes. As células periféricas não se alteram com a fase do ciclo menstrual e implantação, sendo que as células natural killer endometriais apresentam variações durante o ciclo menstrual e período periimplantacional, com menores concentrações durante a fase proliferativa e aumentando na segunda fase do ciclo. A célula natural killer endometriais participam nas várias fases da implantação, invasão trofoblástica, placentação e desenvolvimento fetal e no desenvolvimento da gestação humana até aproximadamente 20 semanas. Abstract Endometrial natural killer cells have been given special attention in Reproductive Immunology. The relation between the endometrial natural killer cells and alterations in the immune response as a cause of couples infertility and failure in assisted reproduction treatment have been studied in several theories. Natural killer cells are lymphocytes that may be identified in peripheral blood and endometrium, with phenotypical and functional differences between them. Peripheral natural killer cells do not change with the menstrual cycle or implantation, as opposed to endometrial natural killer cells which present lower concentration in the proliferative phase and higher concentration in the luteal phase. Endometrial natural killer cells play an important role in the implantation, trophoblastic invasion, placentation, fetal development and development of the human pregnancies up to 20 weeks of gestation. Médica colaboradora da Disciplina de Ginecologia do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (HC-FMUSP) – São Paulo (SP), Brasil Médica colaboradora da Disciplina de Ginecologia da Escola Paulista de Medicina da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp-EPM) – São Paulo (SP), Brasil 3 Diretor da Genesis Genetics Brasil – São Paulo (SP), Brasil 4 Diretor do Huntington Centro de Medicina Reprodutiva; Co-responsável pelo Serviço de Reprodução Humana do Hospital e Maternidade Santa Joana; chefe do Setor de Ginecologia Endócrina da Unifesp-EPM – São Paulo (SP), Brasil 5 Médico assistente do Centro de Reprodução Humana Governador Mario Covas do HC-FMUSP; Diretor do Huntington Centro de Medicina Reprodutiva; Corresponsável pelo Serviço de Reprodução Humana do Hospital e Maternidade Santa Joana – São Paulo (SP), Brasil 6 Professor titular da Disciplina de Ginecologia da FMUSP – São Paulo (SP), Brasil 1 2 Fettback PBT, Domingues TS, Hassun Filho PA, Motta ELA, Serafini PC, Baracat EC Introdução O processo de implantação e a interação materno-fetal durante a gestação representam um estado imunológico peculiar de histoincompatibilidade, caracterizados pelas relações entre os antígenos fetais e o sistema imune materno. 1 Os mecanismos envolvidos para que não ocorra rejeição fetal pelo sistema imunológico materno vêm sendo progressivamente elucidados. Teoria que relacionam alterações na resposta imune como causa de infertilidade conjugal e falhas de implantação após tratamentos de reprodução assistida (RA), incluindo técnicas de fertilização in vitro, foram descritas por vários investigadores.1,2 As células natural killer (NK) parecem ter um papel fundamental no campo da Imunologia Reprodutiva.2-4 As células NK são linfócitos que participam do sistema imune inato (natural), agindo como primeira linha de defesa Tabela 1 - Classes de linfócitos, funções e principais marcadores Classe Linfócitos T citotóxicos Linfócitos T auxiliares Linfócitos B Células NK Funções Destruição de células infectadas por vírus; células tumorais; rejeição de transplantes Estímulos para o crescimento e diferenciação dos linfócitos B; Ativação de macrófagos pelas citocinas Produção de anticorpos Destruição de células infectadas por vírus; células tumorais; toxicidade celular dependente de anticorpos Marcadores fenotípicos CD3+ CD4CD8+ CD3+ CD4+ CD8- Receptores Fc MHC classe II CD19 CD21 Receptor Fc para IgG (CD16) MHC: Molécula do complexo principal de histocompatibilidade; Fc: Fragmento cristalino (fragmento proteolítico de IgG) Fonte: adaptado de Abbas e Lichtman5 Tabela 2 - Principais citocinas relacionadas às células natural killer Citocina IL-12 IL-15 IL-18 IFN-γ Produção celular Macrófagos Células dendríticas Macrófagos Macrófagos IFN-β Células NK Linfócitos T Fibroblastos IFN-α Macrófagos IL-2 Linfócitos T Alvos celulares e efeitos biológicos Indutor da produção de IFN-γ pelas células NK Atividade citolítica Fator de crescimento para células NK Estimulam produção de IFN-γ pelas células NK e LT Ativador de macrófagos Ativação de células NK (aumento de receptores IL-12) Ativação de células NK (aumento de receptores IL-12) Estimula a proliferação de células NK em altas concentrações IL: interleucina; NK: natural killer; IFN: Interferon; LT: linfócitos T Fonte: adaptado de Abbas e Lichtman5 374 FEMINA | Julho 2009 | vol 37 | nº 7 imunológica. Os linfócitos são glóbulos brancos morfologicamente semelhantes, mas com funções e síntese protéica diferentes. São células capazes de reconhecer e responder especificamente a uma multiplicidade de antígenos estranhos com função mediadora da imunidade celular e humoral. 5 As subpopulações de linfócitos diferem conforme sua maneira de reconhecer os antígenos e de acordo com sua função (Tabela 1). As proteínas de membrana celular são marcadores fenotípicos usados para distinguir as subpopulações de linfócitos. A nomenclatura aceita para os marcadores de linfócitos usa a designação CD numérica, que significa “cluster of differentiation”, ou seja, grupo de diferenciação, termo que se refere a um grupo de anticorpos monoclonais específicos para os diferentes marcadores da diferenciação linfocitária.5 As células NK realizam suas ações por mecanismos líticos diretos ou pela secreção de citocinas, representando aproximadamente 15% dos linfócitos na corrente sanguínea. Esses linfócitos são identificados no baço, pulmões, trato gastrintestinal, fígado e endométrio.2,4-6 Diferentemente dos linfócitos B e T, as células NK não expressam em sua superfície receptores antígenos específicos, mas apresentam capacidade de reconhecer alguns elementos celulares como os receptores de imunoglobulina G (IgG). As células NK podem ser ativadas por diversas vias e moléculas diferentes, culminando na produção de citocinas que desempenham função citotóxica2,4,5 (Tabela 2). Fenotipicamente, as células NK se caracterizam por expressar receptores CD56 e CD16 em sua superfície.2,5 Com base na concentração do antígeno CD56, as células NK foram divididas em duas subpopulações: CD56dim e CD56bright. As células CD56dim apresentam alta citotoxicidade in vitro, contrastando com as CD56bright que possuem baixa capacidade citotóxica e, no entanto, capazes de produzir importantes citocinas imunorreguladoras, principalmente o interferon-gama (IFN-γ).2,7,8 Aproximadamente 90% das células NK periféricas são CD56dim com alta expressão de CD16, sendo os 10% restantes CD56bright com expressão mínima ou ausente de CD16.2,7 Vários estudos demonstraram que as células NK periféricas não se alteram com a fase do ciclo menstrual; entretanto, diminuição numérica e funcional foram identificadas durante a gestação.2,7 Em contraste, as células NK endometriais são os leucócitos predominantes no endométrio, particularmente na decídua basal durante a fase de implantação. No ciclo menstrual ocorrem importantes variações no número das células NK endometriais, com valores mais baixos durante a fase proliferativa, aumentando na segunda fase e atingindo valores máximos durante a implantação e gestação inicial. No primeiro trimestre, as células NK endometriais representam aproximadamente 70 a 80% dos leucócitos localizados na de- Células natural killer endometriais: o que são? O que fazem? O que devemos saber? cídua, declinando progressivamente da vigésima semana até a gestação a termo (Figura 1).1,2,9 Existem, portanto, diferenças fenotípicas e funcionais importantes entre as células NK endometriais e periféricas. Estudos comprovaram que as células NK endometriais participam da interação materno-embrionária durante a implantação, invasão trofoblástica, placentação e desenvolvimento fetal, o que representa uma nova perspectiva no campo de estudos da imunologia reprodutiva. Células natural killer endometriais Origem e localização As células NK endometriais foram originalmente denominadas linfócitos granulares gigantes. Posteriormente, devido às semelhanças com as células NK na corrente sanguínea e, principalmente, com a identificação de proteases e receptores celulares específicos, foram denominadas células NK endometriais.10 É importante salientar que, apesar da denominação utilizada, as células NK localizam-se exclusivamente no colo uterino, sendo, portanto a denominação de células NK endometriais a terminologia mais adequada.10 A confirmação de que as células NK endometriais representam um subgrupo especial das células NK foi obtida através de análise imunoistoquímica do tecido endometrial, com a identificação de marcadores CD56+ expressos em grande quantidade nesta linhagem celular.10 Em decorrência do aumento progressivo dessas células durante a fase lútea e na decídua durante a fase de implantação e gestação inicial, sugeriu-se a existência de uma renovação celular local. Estudos demonstraram aumento da expressão nos genes reguladores da proliferação celular durante a segunda fase do ciclo, sendo que aproximadamente 40% das células NK endometriais apresentavam função na fase proliferativa.10 Estudos em camundongos e em humanos demonstraram que, no final da segunda fase do ciclo e durante a gestação inicial, as células NK endometriais agregam-se nas proximidades das artérias espiraladas e glândulas endometriais, sugerindo sua origem da subpopulação de NK CD56brigh na corrente sanguínea.8,9,11 Adicionalmente, especula-se que essa localização perivascular também possa estar relacionada à sua participação na formação da decídua, implantação embrionária e remodelamento das artérias espiraladas durante a invasão trofoblástica.8,9,11 Fenótipo Apesar da semelhança com as células NK periféricas, as NK endometriais possuem algumas características fenotípicas peculiares. Ambas as células expressam o CD56 e muitos outros receptores em comum. No entanto, alguns receptores típicos não foram demonstrados nas células endometriais (Tabela 3).5,6 Porcentagem de Células NK Endometriais Ciclo menstrual / Gestação 90 80 70 NK (%) 60 50 40 30 20 10 e me st r iro tri e Te rc e ri m es tr Se gu nd ot Pr im eir ot rim es tr e ão Im pla nt aç lút ea ão Ov ula ç Fa se Fa se fo lic u lar 0 Figura 1 - Representação gráfica: porcentagens de células NK endometriais nas diferentes fases do ciclo menstrual e no primeiro, segundo e terceiro trimestres de gestação. FEMINA | Julho 2009 | vol 37 | nº 7 375 Fettback PBT, Domingues TS, Hassun Filho PA, Motta ELA, Serafini PC, Baracat EC Tabela 3 - Principais antígenos de superfície expressos pelas células NK Antígeno Família Expressão celular Principais funções propostas CD16a (FcγRIIIA) Superfamília Ig NK; macrófagos; mastócitos CD56 Isoforma de N-CAM; superfamília Ig Epitopo de carboidratos em muitas glicoproteínas da superfície celular e glicolipídeos NK; subconjunto de LT e LB Ativação celular induzida por imunocomplexos; citotoxicidade celular Adesão hemotípica CD57 NK; subconjunto de LT; monócitos Adesão? NK periférica (CD56dim) + NK endometrial (CD56bright) - + + + - NK: natural killer; LTC: linfócitos T citotóxicos; Ig: Imunoglobulinas; N-CAM: molécula de adesão celular neural; LT: linfócitos T; LB: linfócitos B Fonte: adaptado de Abbas e Lichtman5 As ações das células NK são reguladas por um balanço entre os sinais que são gerados a partir de receptores celulares ativadores (KARs) e inibidores (KIRs) capazes de reconhecer receptores de antígenos leucocitários humanos (HLA) específicos. Entre esses receptores destaca-se o CD69, também denominado molécula indutora de ativação (AIM), um dos mais precoces receptores ativadores expressos pelas células NK endometrial e geralmente ausente nas células periféricas.1,6,11 Análises por citometria de fluxo combinadas com estudos de RT-PCR (Transcrição Reversa, reação em cadeia pela polimerase) demonstraram diferenças entre o fenótipo das células NK endometriais, CD56bright CD16- , quando comparadas às células NK periféricas, CD56dim CD16+, principalmente por não expressarem marcadores típicos como o CD16.2 O CD16, também denominado FcγRIIIa, é um receptor de baixa afinidade pela região Fc da imunoglobulina G (IgG). É classificado como uma proteína de membrana expresso na maioria das células NK, neutrófilos, alguns monócitos e macrófagos, e é o principal responsável pela função de citotoxicidade das células NK.2,5,6 O CD56 é um tipo de molécula de adesão celular neural (NCAM), expresso essencialmente em todas as células NK, alguns linfócitos T citotóxicos e algumas células derivadas de tecidos neurais.5,7 As células CD56dim são citotóxicas, enquanto as CD56bright possuem funções imunorreguladoras, desempenhadas pela produção de diversas citocinas (Tabela 2). Após a identificação de algumas diferenças na expressão gênica nas células NK endometriais em comparação às NK periféricas, Dosiou e Quenby sugeriram a existência de diferenças funcionais entre essas subpopulações celulares, destacando-se a participação das NK endometriais no processo de invasão trofoblástica e gestação inicial.6,8 Células NK endometriais e regulação hormonal Devido às alterações numéricas nas células NK endometriais durante o ciclo menstrual, implantação embrionária e gestação, diversas publicações sugeriram a existência de 376 FEMINA | Julho 2009 | vol 37 | nº 7 uma regulação hormonal atuando direta ou indiretamente nessas células.6 Como o aumento numérico das células NK endometriais, ocorre na fase lútea, uma ação direta da progesterona foi proposta como principal determinante desse fenômeno. Entretanto, a expressão de receptores celulares específicos de progesterona não foi identificada nas células NK endometriais, o que pode apresentar uma ação indireta desse hormônio.12 Atualmente, uma ação direta do estrogênio e mecanismos indiretos da progesterona sobre as células do estroma endometrial e linfócitos T têm sido investigados como reguladores da proliferação e diferenciação da NK endometriais.6 Ensaios in vivo sobre a regulação imunológica endometrial demonstraram um efeito pró-inflamatório generalizado no endométrio causado pelo estrogênio e antagonizado pela progesterona.13 O mecanismo imunossupressor induzido pela progesterona permanece desconhecido. No entanto, o marcador genético Hoxa-10 tem sido apontado como um possível mediador da ação. É também possível que a progesterona, agindo indiretamente sobre os linfócitos T e células do estroma endometrial por meio da produção de fatores de crescimento derivados do endotélio (VEGF) e proteína-1β inflamatória derivada de macrófagos (MIP-1β), promova o recrutamento das células NK para o endométrio, ou através do aumento de prolactina, IL-5 e outros mediadores do sistema imune.6,8,13 Células NK endometriais e invasão trofoblástica Para o desenvolvimento de uma gestação normal, o tecido trofoblástico precisa invadir fisiologicamente a decídua materna, criando um fluxo sanguíneo de baixa resistência para promover oxigenação adequada para o desenvolvimento da unidade feto placentária com menor influência de variações vasomotoras.8 Moffet-King et al. sugeriu que as células NK endometriais possuem ações importantes na regulação da invasão trofoblástica, envolvendo mecanismos como citotoxicidade, produção local de citocinas e indução de apoptose nas células trofoblásticas. As Células natural killer endometriais: o que são? O que fazem? O que devemos saber? células NK mantêm íntimo contato com o tecido trofoblástico extraviloso e expressam receptores capazes de reconhecer antígenos de superfície das células trofoblásticas.11 Ao contrário das células NK periféricas, as células NK endometriais possuem baixa capacidade de citotoxicidade contra o trofoblasto.11 As células do trofoblasto extraviloso não expressam os antígenos leucocitários humanos (HLA) da classe 2, entretanto, a expressão de antígenos leucocitários humanos da classe 1 foi demonstrada no trofoblasto, sendo reconhecidos pelas células NK endometriais.11 Estudos in vitro demonstraram interação entre o trofoblasto e células NK uterinas.8 Resultados dessas interações demonstram uma produção de diversas citocinas e fatores de crescimento relacionados ao desenvolvimento placentário (i) fator de necrose tumoral (TNF-α) (ii) interferon gama (IFN-γ) (iii) fator estimulante de colônia de macrófago (GM-CSF) (iv) fator inibidor de macrófago (MIF).8,11,14 Estudos in vitro envolvendo algumas dessas citocinas e fatores de crescimento produzidos pelas células NK endometriais demonstraram uma ação inibitória de alguns fatores como o TNF-α e IFN-γ.14 Durante a gestação, a arquitetura das artérias espiraladas é fortemente modificada pela angiogênese, mantendo um fluxo suficiente para o desenvolvimento da decídua e implantação do embrião. A localização perivascular das células NK endometriais e a verificação da expressão do VEGF sugerem a participação dessas células no processo de desenvolvimento placentário.4 Células NK endometriais: influência nos abortos de repetição e nas falhas de implantação Uma atividade maior das células NK endometriais e periféricas relacionam-se a maiores taxas de abortamentos espontâneos e falhas recorrentes de implantação após fertilização in vitro (FIV).1,4,5 Entretanto, os dados disponíveis na literatura são controversos e, em sua maioria, referentes às células NK periféricas.15,16 Após fertilização in vitro, a despeito da qualidade e quantidade de embriões transferidos, alguns casais apresentam falhas recorrentes de implantação. Estudos realizados em biópsias de endométrio de pacientes com falhas recorrentes de implantação demonstraram uma maior concentração de células NK. Tais trabalhos verificaram que esse aumento celular era parte de uma gama de alterações imunológicas e vasculares complexas no endométrio dessas mulheres.4,17 Análises do endométrio no período peri-implantacional em mulheres com abortamentos de repetição idiopáticos mostraram a existência de alterações quantitativas no fenótipo das células NK. Lachapelle et al., comparando a expressão fenotípica dos linfócios T, B e células NK provenientes de biópsias do endométrio de mulheres com abortamento de repetição idiopáticos ao endométrio de mulheres férteis, não demonstraram diferença na porcentagem de células NK endometriais entre os dois grupos.18 No entanto, uma maior porcentagem de células CD16+ CD56dim em relação as CD16- CD56bright foi observada nas mulheres com abortamento de repetição.18 Conclui-se que a desproporção entre essas duas populações celulares pode ser uma causa de abortamento. Outros estudos demonstraram um número maior de células NK no endométrio de mulheres com história de perdas de repetição em relação aos controles. 19, 20 Clifford et al. observaram que, quando esses grupos eram separados de acordo com o período de abortamento, o aumento nas células NK endometriais era expresso somente com perdas até a trigésima semana de gestação.19 Um mecanismo inadequado de invasão trofoblástica mediado pelas células NK endometriais foi sugerido como um dos responsáveis pelas perdas gestacionais precoces.4 Estudos relatam um número maior de células NK em decíduas com anormalidades cromossômicas após abortamento espontâneo quando comparadas a decíduas cromossomicamente normais.20 Existem, portanto, evidências de que as células NK endometriais tenham importante participação em várias etapas do período reprodutivo. Conclusão As possíveis implicações das células NK endometriais no processo de implantação embrionária e no desenvolvimento do processo gestacional humano permanecem controversas. A diminuição na concentração das células NK endometriais durante a evolução da gestação até o parto não diminui o seu possível papel e seus mecanismos reguladores, diretos ou indiretos, e moduladores no processo reprodutivogestacional. No entanto, devido à plenitude de informações ainda iniciais e contraditórias, muitas delas devido à falta de tecnologia mais avançada, dados originados por diferentes modelos de estudo, incluindo as grandes diferenças entre os animais e humanos, à falta de padronização nas avaliações das células NK, às diferenças nos processos de identificações imunoistoquímicas e da biologia molecular, às intervenções terapêuticas sem alvo específico, entre outros, têm, de certa forma, desacreditado esses conhecimentos da Imunologia Reprodutiva. Por outro lado, se olharmos essas bases científicas como um marco inicial, poderemos futuramente esclarecer os conhecimentos necessários dos processos imunológicos e inflamatórios na gestação e intervir na saúde das mulheres e em seu futuro reprodutivo. FEMINA | Julho 2009 | vol 37 | nº 7 377 Fettback PBT, Domingues TS, Hassun Filho PA, Motta ELA, Serafini PC, Baracat EC Leituras suplementares 1. Somigliana E, Viganò P, Vignali M. Endometriosis and unexplained recurrent spontaneous abortion: pathological states resulting from aberrant modulation of natural killer cell function? Hum Reprod Update. 1999;5(1):40-51. 2. Raí R, Sacks G, Trew G. Natural killer cells and reprodutive failure: theory, practice and prejudice. Hum Reprod. 2005;20(5):1123-6 3. Gleisher N. Some thoughs on the reprodutive autoimmune Failure syndrome and Th-1 versus Th-2 immune responses. Am J Reprod Immunol. 2002; 48(4):252-4. 4. Zhang J, Croy BA, Tian Z. Uterine natural killer cells: their choices, their missions. 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