DESPACHO DO RELATOR Agravo de Instrumento Número do Processo :0003227-24.2014.8.22.0000 Processo de Origem : 0005371-65.2014.8.22.0001 Agravante: José Soares da Silva Defensor Público: Defensoria Pública do Estado de Rondônia( ) Agravado: Estado de Rondônia Procurador: Procuradoria Geral do Estado de Rondônia( ) Relator:Des. Roosevelt Queiroz Costa Vistos. Trata-se de agravo de instrumento interposto contra decisão proferida pelo juízo da 1ª Vara da Fazenda Pública da Comarca de Porto Velho, nos autos de Ação de Obrigação de Fazer proposta por José Soares da Silva, indeferindo-lhe a antecipação de tutela para fornecimento do medicamento CINACALCET 30 mg (Mimpara 30 mg) para controlar a insuficiência renal crônica e hiperparatiroidismo, doença de que está acometido o agravante. Insurge-se o agravante contra a decisão, alegando que necessita fazer uso da medicação com urgência, uma vez que esse é o tratamento terapêutico que mais vem se adequando ao paciente, controlando a evolução da doença, a qual causa destruição dos ossos e depósito de cálcio em órgãos nobres e calcificações nas artérias coronárias e dos membros tanto superiores como inferiores, não possuindo condições financeiras de arcar com os custos do medicamento. A decisão agravada indeferiu o pedido de antecipação de tutela para fornecimento do medicamento pleiteado sob o fundamento de que ele não está dentre os constantes na Portaria Estadual n. 1554/2013, tendo sido comum o pleito de medicamentos que não se encontram padronizados para oferecimento pelo SUS, necessitando de cautela para o seu fornecimento bem como melhor esclarecimento pelo médico prescritor do fármaco sobre os motivos pelos quais o paciente não pode ser atendido com outro medicamento Documento assinado digitalmente em 04/04/2014 17:17:35 conforme MP nº 2.200-2/2001 de 24/06/2001. Signatário: ROOSEVELT QUEIROZ COSTA:1010298 Número Verificador: 2000.3227.2420.1482.2000-0305563 Pág. 1 de 6 constante da lista do SUS. É o relatório. Decido. A Constituição Federal estabelece a saúde como direito indisponível a ser concedido gratuitamente ao cidadão, sendo dever do Estado zelar pela vida destes, prestando assistência aos que dele necessitem, de forma universal e igualitária (art. 194, CF). O direito ao atendimento na saúde pública não é na essência direito subjetivo individual mas sim coletivo, partilhado em igualdade por todos os que necessitem de um mesmo tipo de atendimento e limitado pelas condicionantes dos interesses também concorrentes dos demais usuários no compartilhamento dos recursos que são destinados à política de saúde pública à disposição da própria Constituição Federal. Nessa senda, a concretização dos direitos sociais, por exigirem disponibilidade financeira do Estado, sujeita-se à denominada cláusula de reserva do financeiramente possível, o que significa que os direitos sociais assegurados na Constituição devem, sim, ser efetivados pelo poder público, contudo, na medida de suas possibilidades. Assim sendo, deve ser privilegiado o tratamento fornecido pelo SUS em detrimento de opção diversa escolhida pelo paciente (ou seu médico), sempre que não for comprovada a ineficácia ou a impropriedade da política de saúde existente. Essa conclusão não afasta, contudo, a possibilidade de o Poder Judiciário, ou de a própria administração, decidir que medida diferente da custeada pelo SUS deve ser fornecida a determinada pessoa que, por razões específicas do seu organismo, comprove que o tratamento fornecido não é eficaz no seu caso. Contudo, in casu, o receituário médico indicativo de que o tratamento deve ser realizado com a droga “Cinacalcet” foi produzido unilateralmente, sem o crivo do contraditório e não se mostra suficiente para comprovar que a resposta do paciente ao tratamento será melhor do que aquela Documento assinado digitalmente em 04/04/2014 17:17:35 conforme MP nº 2.200-2/2001 de 24/06/2001. Signatário: ROOSEVELT QUEIROZ COSTA:1010298 Número Verificador: 2000.3227.2420.1482.2000-0305563 Pág. 2 de 6 obtida com os medicamentos oferecidos pelo SUS. Neste sentido é a jurisprudência do e. STJ: ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. FORNECIMENTO DE MEDICAMENTO. PRETENSÃO MANDAMENTAL APOIADA EM LAUDO MÉDICO PARTICULAR. AUSÊNCIA DE DIREITO LÍQUIDO E CERTO. NECESSIDADE DA PROVA SER SUBMETIDA AO CONTRADITÓRIO PARA FINS DE COMPROVAÇÃO DA INEFICÁCIA OU IMPROPRIEDADE DO TRATAMENTO FORNECIDO PELO SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE. INADEQUAÇÃO DA VIA ELEITA. 1. Laudo médico particular não é indicativo de direito líquido e certo. Se não submetido ao crivo do contraditório, é apenas mais um elemento de prova, que pode ser ratificado, ou infirmado, por outras provas a serem produzidas no processo instrutório, dilação probatória incabível no mandado de segurança. 2. Nesse contexto, a impetrante deve procurar as vias ordinárias para o reconhecimento de seu alegado direito, já que o laudo médico que apresenta, atestado por profissional particular, sem o crivo do contraditório, não evidencia direito líquido e certo para o fim de impetração do mandado de segurança. Precedentes. 3. Recurso especial provido. (REsp 1115417/MG, Rel. Ministro CASTRO MEIRA, Segunda Turma, julgado em 25/06/2013, DJe 05/08/2013) Deste modo, sendo o medicamento pretendido de alto custo, não constante das portarias do Ministério da Saúde além de não se ter a certeza de sua melhor eficácia em relação àquele fornecido pela rede pública, a concessão em liminar pode criar uma situação de crise nas contas e na administração pública, o que recomenda então bastante prudência, sob pena de cometer-se injustiça ou discriminação de uma maioria da população que não teria acesso ao mesmo tratamento. Enfim, de nada adianta uma ordem judicial que não pode ser cumprida pela Administração por falta de recursos, a qual não poderá arcar com os custos de tratamento deste tipo para toda a população, sem falar que o pretendido ainda se encontra em fase liminar, decisão provisória. Documento assinado digitalmente em 04/04/2014 17:17:35 conforme MP nº 2.200-2/2001 de 24/06/2001. Signatário: ROOSEVELT QUEIROZ COSTA:1010298 Número Verificador: 2000.3227.2420.1482.2000-0305563 Pág. 3 de 6 À guisa de ilustração, trago jurisprudência do Tribunal da Cidadania: ADMINISTRATIVO - MOLÉSTIA GRAVE - FORNECIMENTO GRATUITO DE MEDICAMENTO - DIREITO À VIDA E À SAÚDE - DEVER DO ESTADO - MATÉRIA FÁTICA DEPENDENTE DE PROVA. 1. Esta Corte tem reconhecido aos portadores de moléstias graves, sem disponibilidade financeira para custear o seu tratamento, o direito de receber gratuitamente do Estado os medicamentos de comprovada necessidade. Precedentes. 2. O direito à percepção de tais medicamentos decorre de garantias previstas na Constituição Federal, que vela pelo direito à vida (art. 5º, caput) e à saúde (art. 6º), competindo à União, Estados, Distrito Federal e Municípios o seu cuidado (art. 23, II), bem como a organização da seguridade social, garantindo a "universalidade da cobertura e do atendimento" (art. 194, parágrafo único, I). 3. A Carta Magna também dispõe que "A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação" (art. 196), sendo que o "atendimento integral" é uma diretriz constitucional das ações e serviços públicos de saúde (art. 198). 4. O direito assim reconhecido não alcança a possibilidade de escolher o paciente o medicamento que mais se adeque ao seu tratamento. 5. In casu, oferecido pelo SUS uma segunda opção de medicamento substitutivo, pleiteia o impetrante fornecimento de medicamento de que não dispõe o SUS, sem descartar em prova circunstanciada a imprestabilidade da opção ofertada. 6. Recurso ordinário improvido. (STJ, RMS 28338 – MG, Rel. Min. Eliana Calmon, julgado em 2.6.09). PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. RECURSO ORDINÁRIO EM MANDANDO DE SEGURANÇA. FORNECIMENTO DE MEDICAMENTO DE ALTO CUSTO. AUSÊNCIA DE PROVA PRÉ-CONSTITUÍDA E Documento assinado digitalmente em 04/04/2014 17:17:35 conforme MP nº 2.200-2/2001 de 24/06/2001. Signatário: ROOSEVELT QUEIROZ COSTA:1010298 Número Verificador: 2000.3227.2420.1482.2000-0305563 Pág. 4 de 6 CONSEQUENTEMENTE DE DIREITO LÍQUIDO E CERTO. PRINCÍPIO DA RESERVA DO POSSÍVEL. […] 5. Apenas a título de argumento obter dictum, as ações ajuizadas contra os entes públicos com escopo de obrigar-lhes indiscriminadamente ao fornecimento de medicamento de alto custo devem ser analisadas com muita prudência. 6. O entendimento de que o Poder Público ostenta a condição de satisfazer todas as necessidades da coletividade ilimitadamente, seja na saúde ou em qualquer outro segmento, é utópico; pois o aparelhamento do Estado, ainda que satisfatório aos anseios da coletividade, não será capaz de suprir as infindáveis necessidades de todos os cidadãos. 7. Esse cenário, como já era de se esperar, gera inúmeros conflitos de interesse que vão parar no Poder Judiciário, a fim de que decida se, nesse ou naquele caso, o ente público deve ser compelido a satisfazer a pretensão do cidadão. E o Poder Judiciário, certo de que atua no cumprimento da lei, ao imiscuirse na esfera de alçada da Administração Pública, cria problemas de toda ordem, como desequilíbrio de contas públicas, o comprometimento de serviços públicos, dentre outros. 8. O art. 6º da Constituição Federal, que preconiza a saúde como direito social, deve ser analisado à luz do princípio da reserva do possível, ou seja, os pleitos deduzidos em face do Estado devem ser logicamente razoáveis e, acima de tudo, é necessário que existam condições financeiras para o cumprimento de obrigação. De nada adianta uma ordem judicial que não pode ser cumprida pela Administração por falta de recursos. 9. Recurso ordinário não provido. (RMS 28.962/MG, Rel. Ministro BENEDITO GONÇALVES, PRIMEIRA TURMA, julgado em 25/08/2009, DJe 03/09/2009 LEXSTJ vol. 242, p. 55). À luz dessas considerações, levando-se em conta a informação de que o medicamento é de alto custo e não constante da lista de medicamentos fornecidos pelo SUS, aliada à ausência de comprovação suficiente da sua real eficácia e a sua singularidade para o tratamento do interessado, apesar de sensível à necessidade do paciente, entendo presente a relevância do direito invocado e o perigo de dano ao erário público. Documento assinado digitalmente em 04/04/2014 17:17:35 conforme MP nº 2.200-2/2001 de 24/06/2001. Signatário: ROOSEVELT QUEIROZ COSTA:1010298 Número Verificador: 2000.3227.2420.1482.2000-0305563 Pág. 5 de 6 Em face do exposto, nego seguimento ao presente recurso, por ser manifestamente improcedente, o que faço monocraticamente nos termos do art. 557, caput, do CPC. Porto Velho, 3 de abril de 2014. Desembargador Roosevelt Queiroz Costa Relator Documento assinado digitalmente em 04/04/2014 17:17:35 conforme MP nº 2.200-2/2001 de 24/06/2001. Signatário: ROOSEVELT QUEIROZ COSTA:1010298 Número Verificador: 2000.3227.2420.1482.2000-0305563 Pág. 6 de 6