3. ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA 3.1 Administração Pública em sentido amplo e em sentido estrito Administração Pública em sentido amplo abrange os órgãos de governo, que exercem função política, e também os órgãos e pessoas jurídicas que exercem função meramente administrativa. Deve-se entender por função política, neste contexto, o estabelecimento das diretrizes e programas de ação governamental, dos planos de atuação do Governo, a fixação das denominadas políticas públicas. De outra parte, função meramente administrativa resume-se à execução de políticas públicas formuladas no exercício da referida atividade política. Cumpre enfatizar que elaborar políticas públicas ou planos de governo não significa atuar ao arrepio da lei. (Deveras, a Administração Pública, mesmo tomada em sentido amplo, tem toda sua atuação subordinada à lei, isto é, à Constituição, às leis propriamente ditas e outros atos de natureza legislativa, enfim, o Direito como um todo). Entretanto, no que toca aos fins do Estado, o ordenamento jurídico estabelece normas genéricas, amplas, muitas vezes traduzidas em normas programáticas, indicando objetivos gerais a serem perseguidos pelo Poder Público. O “como fazer”, o estabelecimento das prioridades na execução, o detalhamento dos programas de ação, tudo isso é atividade administrativa em sentido amplo, vale dizer, atividade política, para o exercício da qual o Poder Público, embora subordinado à lei e ao Direito, dispõe de ampla discricionariedade. Administração Pública em sentido estrito só inclui os órgãos e pessoas jurídicas que exercem função meramente administrativa, de execução dos programas de governo. Ficam excluídos os órgãos políticos e as funções políticas, de elaboração das políticas públicas. Empregaremos a expressão “Administração Pública” no sentido estrito, próprio, limitado às funções meramente administrativas e aos órgãos e entidades que as desempenham. 3.2 Administração Pública em sentido formal, subjetivo ou orgânico Administração Pública em sentido formal, subjetivo, ou orgânico é o conjunto de órgãos, pessoas jurídicas e agentes que o nosso ordenamento jurídico identifica como Administração Pública, não importa a atividade que exerçam (como regra, evidentemente, esses órgãos, entidades e agentes desempenham função administrativa). O Brasil adota o critério formal de Administração Pública. Portanto, somente é Administração Pública, juridicamente, aquilo que nosso Direito assim considera, não importa a atividade que exerça. A Administração Pública, segundo nosso ordenamento jurídico é integrada exclusivamente: a) pelos órgãos integrantes da denominada Administração Direta (são os órgãos integrantes da estrutura de uma pessoa política que exerçam função administrativa) e; b) pelas entidades da Administração Indireta. Somente são entidades da Administração Indireta estas, nenhuma outra, não importa a atividade que exerçam: a) autarquias; b) fundações públicas (FP); c) empresas públicas (EP); d) sociedades de economia mista (SEM). Dessa forma, temos entidades formalmente integrantes da Administração Pública brasileira que não desempenham função administrativa, e sim, atividade econômica, como ocorre com a maioria das empresas públicas e sociedades de economia mista (CF art. 173). Por outro lado, há entidades privadas, não integrantes da Administração Pública formal, que exercem atividades identificadas como próprias da função administrativa, a exemplo das concessionárias de serviços públicos (que atuam por delegação) e das organizações sociais (que exercem atividades de utilidade pública, previstas em contrato de gestão celebrado com o Poder Público, mas que não são formalmente Administração Pública); não obstante a atividade exercida por essas entidades privadas cabe repetir, não integram a Administração Pública brasileira, justamente porque no Brasil é adotado o critério formal. Embora seja certo que a acepção formal ou subjetiva de Administração Pública não deva levar em conta a atividade realizada, são freqüentes os autores a essa se referirem. Tais autores costumam identificar Administração Pública, em sentido subjetivo, com a totalidade do aparelhamento de que dispõe o Estado para a execução das atividades compreendidas na função administrativa. Vejamos a definição de Maria Sylvia Di Pietro: “Desse modo, pode-se definir a Administração Pública, em sentido subjetivo, como o conjunto de órgãos e pessoas jurídicas aos quais a lei atribui o exercício da função administrativa do Estado.” É interessante que tais autores, depois de apresentarem definições similares à supra transcrita, afirma que a Administração Pública formal, no Brasil, compreende a Administração Direta e a Administração Indireta, apontando como componentes desta última as quatro categorias de entidades enumeradas acima. Ora, não há celeuma quanto às empresas públicas e sociedades de economia mista, inclusive as exploradoras de atividades econômicas, integrarem a Administração Indireta, que, por sua vez, é parte da Administração Pública formal. Logo, não é rigorosamente correto afirmar que a Administração Pública, em sentido subjetivo, corresponde ao aparelhamento do Estado destinado ao exercício da função administrativa, porque há entidades incontroversamente integrantes da Administração Pública formal que exercem atividade econômica em sentido estrito. Em síntese, como estamos tratando de uma acepção formal, subjetiva, deve-se perquirir tão-somente “quem” o ordenamento jurídico brasileiro considera Administração Pública e não “o que” (critério objetivo, matéria) é realizado. Assim, é inadequada a menção à atividade quando se propõe uma definição forma, subjetiva, de Administração Pública. A referência à atividade, conquanto seja corriqueira, torna o conceito intrinsecamente contraditório, ou leva a excluir indevidamente da Administração Pública formal as empresas públicas e sociedades de economia mista exploradoras de atividades econômicas. Por fim, cabe lembrar que temos Administração Pública formal em todos os entes federados e em todos os Poderes do Estado. Embora a quase totalidade da Administração Pública esteja concentrada no Poder Executivo, os Poderes Legislativo e Judiciário contêm, em sua estrutura, órgãos administrativos. Ademais, é possível, ao menos em tese, existirem entidades da Administração Indireta vinculadas aos Poderes Legislativo e Judiciário. 3.3 Administração Pública em sentido material, objetivo ou funcional Administração Pública em sentido material, objetivo ou funcional representa o conjunto de atividades que costumam ser consideradas próprias da função administrativa. O conceito adota como referência a atividade (o que é realizado) não obrigatoriamente quem a exerce. São usualmente apontadas como próprias da Administração Pública em sentido material as seguintes atividades: 1) serviço público (toda a atividade que a administração pública executa direta ou indiretamente, sob regime predominantemente público, para satisfação imediata de uma necessidade pública, ou que tenha utilidade pública); 2) polícia administrativa (restrições ou condicionamentos impostos ao exercício de atividades privadas em benefício do interesse público; exemplo típico de atividade de fiscalização); 3) fomento (incentivo à iniciativa privada de utilidade pública, por exemplo, mediante a concessão de benefícios ou incentivos fiscais); 4) intervenção (abrangendo toda a intervenção do Estado no setor privado, exceto a sua atuação direta como agente econômico; está incluída a intervenção na propriedade privada, a exemplo da desapropriação e do tombamento, e a intervenção no domínio econômico como agente normativo e regulador, por exemplo, mediante a atuação das agências reguladoras, a adoção de medidas de repressão a práticas tendentes à eliminação da concorrência, a formação de estoques reguladores etc.) Assim, as sociedades de economia mista que exercem atividade econômica em sentido estrito, como o Banco do Brasil S/A, ou a Petrobrás S/A, não são consideradas administração pública em sentido material. Por outro lado, as delegatárias de serviços públicos – pessoas privadas que prestam serviços públicos por delegação do Poder Público, como as concessionárias e permissionárias – são consideradas administração pública em sentido material. Abrimos um parêntese para registrar que alguns autores incluem a atuação direta do Estado na economia, exercida nos termos do artigo 173 da CF/88, também como atividade de administração pública em sentido material. Para esses autores, a atuação do Estado como agente econômico estaria incluída no grupo de atividades de administração em sentido material descrito como “intervenção”. Todavia, há autores que não adotam essa posição, somente considerando atividades administrativas – e, portanto, atividades de administração pública em sentido material – as atividades exercidas sob regime predominantemente de direito público. Quando o Estado atua como agente econômico, está sujeito predominantemente ao regime de direito privado, exercendo atividade econômica em sentido estrito. Se incluíssemos essas atividades econômicas em sentido estrito no conceito de atividades de administração pública em sentido material, estaríamos, na verdade, adotando uma concepção subjetiva, atribuindo relevância à pessoa que exerce a atividade (o Estado, geralmente por meio de empresas públicas e sociedades de economias mista exploradoras de atividades econômicas) e não a atividade em si mesma considerada. Em suma, incluir atividades econômicas no conceito de administração pública em sentido material implica uma contradição incontornável, porque se estará abandonando o critério objetivo (“o que” é realizado e conferindo primazia ao critério subjetivo (“quem” realiza) em uma acepção que, por definição, deveria ser objetiva.