Título: Linfoadenites por micobactérias atípicas em cabeça e pescoço nos pacientes pediátricos; História/Introdução: Hipócrates 400 AC - “Scrofula”; Relatou a evolução da doença enfatizando que os pacientes que cursavam com tosse produtiva de odor ruim associado à queda de cabelos e diarreia, tinham prognóstico ruim. 1951 Prissick & Masson apresentaram outras possíveis etiologias para “Scrofula”, além das causadas pela mycobacterium tuberculosis, trazendo o termo “non-tuberculous mycobacterial” (Mycobacterium scofulaceum; Mycobacterium avium); Micobactérias Atípicas: As micobactérias atípicas são encontradas naturalmente nos solos e nas águas do meio ambiente. Ao contrário da micobactéria tuberculosa, as micobactérias atípicas não são transmissíveis de humano para humano pelo contato aéreo. O principal órgão acometido por elas são os pulmões, especialmente em pacientes imunocomprometidos. Outras manifestações possíveis das micobactérias atípicas são as de pele, tais como nódulos subcutâneos, celulites e abcessos. Também podem afetar estruturas oculares. Fisiopatologia: Mycobacterium avium complex, primeiro ocorre aderência do microorganismo a mucosa (intestinal); Estes microorganismos são fagocitados por macrófagos teciduais, onde eles sobrevivem e se replicam dentro de um vacúolo celular. Caso o hospedeiro tenha uma imunidade precária, as células que continham os microorganismos rompem e espalham os organismos replicados, dando continuidade à proliferação da micobactéria. M. Avium é encontrado em secreções da cavidade oral e orofaringe podendo migrar para linfonodos cervicais, em especial os localizados na região submandibular. Crianças entre 2-5 anos de idade são as mais acometidas por linfoadenite cervical, visto que comumente levam objetos não esterilizados e contaminados do meio ambiente à boca, além disto, nesta fase estão iniciando a erupção dentária o que pode servir como porta de entrada para microorganismos. As infecções atípicas em pacientes pediátricos não costumam se disseminar para os pulmões. Epidemiologia: Linfadenite por micobactéria atípica em cabeça e pescoço é mais comum que linfadenite tuberculosa nos pacientes entre 1-12 anos de idade; Lai et al. Estudo retrospectivo (19721982), Boston/EUA, mostrou que micobactérias atípicas eram responsáveis por 55 casos dos 60 casos de linfadenite investigados nesta faixa etária. Porém, em pacientes acima dos 12 anos de idade, 147 casos de 154 de infecção por micobactéria foram por mycobacterium tuberculosis. Os principais patógenos responsáveis por linfadenite por micobactéria atípica são MAC (Mycobacterium avium complex) e Mycobacterium scrofulaceum. Atualmente estudos demostram uma prevalência do MAC como principal agente. Lindeboom et al. estudou 100 casos de linfadenite por micobactéria atípica, e encontrou o MAC em 71 dos 100 casos, e M. haumophilum em 22 casos. Apresentação Clínica: Usualmente se apresenta como uma massa cervical firme e indolor. Normalmente os pacientes são submetidos a um ou mais cursos de antibioticoterapia de forma empírica, e não obtém a resposta esperada. Esta massa pode evoluir aumentando de tamanho e tornando-se flutuante, adquirindo coloração violácea. Áreas da pele que recobre a lesão podem sofrer necrose apresentando descoloração. Podem evoluir com drenagem espontânea ou formação de fístulas. Região mais acometida é a submandibular seguida pela região pré-auricular e parótida. O diagnóstico muitas vezes é clínico sendo importante ter em mente os diagnósticos diferenciais para ajudar a elucidar a etiologia da massa cervical (Mycobactéria tuberculosa; Arranhadura do gato; Toxoplasmose; Citomegalovírus; Epstein Barr vírus; Infecções staphylo/streptococcus; Doença de Lyme; Brucelose; HIV; Linfoma; Doença Kawasaki; Massas congênitas). Investigação Laboratorial: Mantoux (PPD), maioria das crianças acometidas por infecções por micobactérias atípicas possuem o teste negativo ou pouco reator. Caso a tuberculose se torne suspeita após o teste, alguns autores sugerem complementação da investigação com raio-x de tórax. Mycobactérias são conhecidas por serem Bacilos Álcool-Ácido Resistentes (BAAR), e o método laboratorial de Ziehl-Neelson é o mais utilizado para identificar estes microorganismos. Culturas podem ser utilizadas como método diagnóstico adicional. Agars sólidos são os mais utilizados, sendo o mais comum o Lowestein-Jensen Medium. O espécime precisa de pelo menos 2 a 8 semanas de incubação para adquirir um crescimento adequado. Isto limita a utilização da cultura visto que os resultados normalmente serão obtidos após término do tratamento do paciente. Técnicas mais avançadas laboratoriais ainda surgem como opção para isolar o agente, como PCR (polymerous chain reaction), porém são mais dispendiosas. Estudo Radiológico: Quando falamos em crianças, o mínimo possível de exposição à radiação nestes pacientes é considerado. O Ultrassom é um bom método inicial de investigação por imagem nos dando ideia do tamanho e quantidade de linfonodos acometidos. Em pacientes em que a suspeita diagnóstica seja forte para linfoadenite por micobactérias atípicas, o raio-x de tórax não é recomendado; Porém, quando a infecção tuberculosa estiver entre os diagnósticos diferenciais, o raio-x de tórax é um bom exame para avaliação pulmonar. Tomografia Computadorizada expõe paciente a um volume maior de radiação, porém nos fornece bons detalhes em relação à anatomia/limites dos linfonodos afetados. Alguns achados na tomografia são muito sugestivos de patologias específicas; Nas linfadenites atípicas há o mínimo de comprometimento da gordura adjacente, ao contrário das linfadenites piogênicas onde há um maior comprometimento da gordura adjacente. Calcificações são sugestivas de doença tuberculosa. Terapia Medicamentosa: Terapia antibiótica deve ser utilizada nas linfadenites por micobactérias atípicas, porém ainda não existe um consenso de terapia padrão. Antibióticos tradicionais para tuberculose vêm sendo utilizados em alguns casos, porém geralmente não são oferecidos quando há uma suspeita forte de que o quadro seja secundário a uma micobactéria atípica. Entre eles podemos citar: Isoniazida (hepatotóxica, necessário acompanhar função hepática; piridoxina associada minimiza neurotoxicidade); Rifampicina e Rifabutina; Etambutol (principal efeito colateral: neurite óptica); Macrolídeos são as drogas de primeira escolha contra infecções pelo MAC (Mycobacterium avium complex) em adultos imunocomprometidos com envolvimento pulmonar. Claritromicina é comumente usada como tratamento, enquanto a Azitromicina é utilizada como profilaxia para infecções por MAC. Alguns autores sugerem combinações terapêuticas como: MAC - Claritromica + Etambutol, associado ou não à Rifabutina; M. scrofulaceum – Isoniazida + Rifampicina, associado ou não à Claritromicina; Hazra et al. usou Claritromicina+Etambutol+Rifampicina em 10 casos, obtendo sucesso terapêutico em 5; Fraser et al. usaram o mesmo esquema antibiótico em 4 pacientes, e obtiveram 100% de sucesso. Terapia Cirúrgica: Diferentes técnicas invasivas já foram tentadas no manejo da linfadenite por micobactéria atípica; *1975-1988 Alessia & Dudley: Punção aspirativa associada a terapia antibiótica. Trataram 9 pacientes com sucesso. *Drenagem foi tentada no passado, porém atualmente não é indicada nas linfadenites por micobactérias atípicas pelo alto risco de drenagem crônica local e formação de fístulas; * Linfonodos que evoluem com drenagem espontânea, a curetagem é recomendada. A curetagem também é recomendada nos casos em que houver necrose de pele, flutuação da massa e proximidade do processo infeccioso com ramo mandibular do nervo facial. * Atualmente a técnica mais utilizada é a excisão completa do linfonodo acometido; Como as áreas mais acometidas são a submandibular/pre-auricular, durante este procedimento deve-se ter os devidos cuidados com nervo facial. Estudos demonstraram que a incidência de cura com este procedimento é de 90% associado a um índice baixo de complicações. Intervenção cirúrgica tem se tornado o tratamento padrão nos casos de linfadenite por micobactérias atípicas por especialistas. Isto é recorrente aos resultados do tratamento cirúrgico contra o tratamento medicamentoso. Schaad et al. revisou 380 casos, e observou índice de cura com intervenção cirúrgica de 92%, contra apenas 10% de sucesso com terapia medicamentosa isolada. Relata ainda que quando a excisão cirúrgica é acompanhada de terapia antibiótica os índices de cura atingem 95%. Lindeboom et al. – estudo proscpectivo randomizado, 100 pacientes. 50 pacientes submetidos à excisão cirúrgica isolada – 96% índice de cura. 50 pacientes submetidos ao tratamento clínico com Claritromicina + Rifabutina por 12 semanas – 66% índice de cura, 34% restantes necessitaram de intervenção cirúrgica. Conclusões: 1) Região submandibular é a mais acometida nas linfadenites por micobactérias atípica cervicofacial na população pediátrica; 2) Acomete predominantemente crianças entre 1-5 anos de idade; 3) Diagnóstico usualmente é Clínico; 4) MAC (Mycobacterium avium complex) é o microorganismo mais comum, seguido pelo M. scrofulaceum e M. haemophilum. 5) Recomenda-se excisão cirúrgica de todos os linfonodos acometidos para melhor sucesso terapêutico; 6) Terapia antibiótica isolada possui índices de cura inferiores ao tratamento cirúrgico; 7) Drenagem não é recomenda pela alta chance de recidiva/cronicidade da infecção e pelos riscos de fístulas; 8) Antibiótico adjuvante ao tratamento cirúrgico não demonstrou alterações significativas no seguimento/tratamento dos pacientes.