Artigo Original Diagnóstico nutricional de pacientes do serviço de cabeça e pescoço e sua relação com a disfagia em um hospital oncológico do Paraná Nutritional status of patients from the head and neck service and its relationship with dysphagia in a cancer hospital of Paraná Resumo Introdução: Pacientes com câncer de cabeça e pescoço apresentam comprometimento do estado nutricional que pode estar associado à disfagia. Objetivo: Avaliar o estado nutricional de pacientes casos novos admitidos pelo serviço de cabeça e pescoço e sua relação com a disfagia em um hospital oncológico do Paraná. Metodologia: Estudo transversal, quantitativo e prospectivo. Foram coletados dados como: sexo, idade, tabagismo, etilismo, diagnóstico médico, estadiamento tumoral, consistência alimentar consumida atualmente, presença de trismo, odinofagia e xerostomia, sinais clínicos sugestivos de disfagia, peso, altura, circunferência do braço (CB), circunferência muscular do braço (CMB) e prega cutânea triciptal (PCT). A disfagia foi classificada conforme capacidade de deglutição relatada pelo paciente. Resultados: Participaram do estudo 54 pacientes, 79,6% eram do sexo masculino. Dos pacientes que apresentaram perda de peso moderada e grave 86,8% encontravam-se com doença avançada (III e IV), (p< 0,01). A perda de peso esteve presente em 90,7% (49) dos pacientes, destes 77,5% alteraram a consistência da dieta e 79,5% citaram disfagia. Dentre os pacientes eutróficos, sobrepesos e obesos pelo IMC, 89,7% apresentaram perda ponderal leve à grave. A desnutrição conforme CB, PCT e CMB esteve associada à disfagia (p < 0,01). O diagnóstico de desnutrição pelo IMC não apresentou relação com a disfagia. Conclusão: A desnutrição está relacionada com a disfagia quando avaliado pelos métodos de CB, PCT e CMB. O IMC subestimou pacientes que estavam desnutridos e já apresentavam sinais de disfagia, não podendo ser utilizado como método isolado de avaliação nutricional destes pacientes. Renata Carolyne Chavoni 1 Patrícia Blasco Silva 2 Gyl Henrique Albrecht Ramos 3 Abstract Introduction: Patients with head and neck cancer have impairment nutritional status that may be associated with dysphagia. Objective: To evaluate the nutritional status of patients admitted being new cases of head and neck service and its relationship with dysphagia in a cancer hospital of Paraná. Methods: Cross-sectional study, quantitative and prospective. Data were collected as sex, age, smoking, alcohol consumption, medical diagnosis, tumor staging, currently consumed food consistency, presence of trismus, odynophagia and xerostomia, clinical signs of dysphagia, weight, height, arm circumference (AC), arm muscle circumference (AMC) and triceps skinfold thickness (TSF). Dysphagia was classified as swallowing capacity reported by the patient. Results: The study included 54 patients, 79.6% were male. Among patients with moderate weight loss and severe 86.8% had advanced disease (III and IV), (p <.01). The weight loss was present in 90.7% (49) patients and 77.5% of these changed the consistency of the diet and 79.5% reported dysphagia. Among eutrophic patients, overweight and obese by BMI, 89.7% presented severe weight loss. Malnutrition as CB, PCT and WBC was associated with dysphagia (p <.01). The diagnosis of malnutrition by BMI was not associated with dysphagia. Conclusion: Malnutrition is related to dysphagia when evaluated by CB, PCT and CMB methods. BMI underestimated patients who were malnourished and already presented signs of dysphagia, cannot being used as an isolated nutritional evaluation method of these patients. Key words: Nutritional Status, Head and Neck Neoplasms, Deglutition Disorders. Descritores: Estado Nutricional, Neoplasias de cabeça e pescoço, Transtornos de deglutição. INTRODUÇÃO No Brasil, estimativas para o ano de 2013 apontam a ocorrência de 30.870 casos novos de câncer de cabeça e pescoço (CCP), com maior incidência em câncer de cavidade oral (14.170)1. Os locais acometidos pelo câncer nesta região são localizados na face, fossas nasais, seios paranasais, boca, faringe, laringe, tireoide, glândulas salivares, dos tecidos moles do pescoço, da paratireoide e tumores do couro cabeludo2. 1)Nutricionista, Residente do Hospital Erasto Gaertner 2)Especialista em Nutrição Oncológica, Nutricionista Clínica do Hospital Erasto Gaertner 3)Doutor em cirurgia, Chefe do serviço de cabeça e pescoço do Hospital Erasto Gaertner Instituição: Hospital Erasto Gaertner. Curitiba / PR - Brasil. Correspondência: Renata Carolyne Chavoni - Rua Luiz Barreto Murat, 958, sobrado 4 - Bairro Alto - Curitiba / PR - Brasil - CEP 82820-160 - Telefone: (+55 41) 9270-0206 / (44) 9937-2661 - E-mail: [email protected] Artigo recebido em 19/02/2014; aceito para publicação em 26/03/2014; publicado online em 31/03/2014. Conflito de interesse: não há. Fonte de fomento: não há. Rev. Bras. Cir. Cabeça Pescoço, v.43, nº 1, p. 35-41, janeiro / fevereiro / março 2014 ––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––– 35 Diagnóstico nutricional de pacientes do serviço de cabeça e pescoço e sua relação com a disfagia em um hospital oncológico do Paraná. O diagnóstico do câncer de cabeça e pescoço (CCP) é tardio é comum e déficits nutricionais anteriormente à intervenção médica são frequentes, causados principalmente pela presença do tumor no trato alimentar superior que dificultam a ingestão alimentar adequada. Desta forma, a situação do paciente torna-se particularmente grave dificultando o tratamento3. A localização do tumor está relacionada com a anorexia apresentada pelo paciente oncológico, sendo esta multifatorial em pacientes com CCP, por apresentarem sintomas como disfagia, trismo (redução da abertura bucal), odinofagia (dor ao engolir) e xerostomia (excesso ou ausência de saliva), alterações de paladar e apetite3,4,5,6. Estes fatores impactam consideravelmente no tratamento de câncer, pois levam à desnutrição, ao aumento da morbimortalidade e, interferem na qualidade de vida4. A disfagia é caracterizada pela anormalidade anatômica ou funcional do paciente em conduzir os alimentos em qualquer fase do processo de deglutição e sua avaliação e detecção precoce é fundamental para minimizar ou mesmo evitar as intercorrências clínicas, como desidratação, desnutrição, asfixia, congestão pulmonar e infecções recorrentes do trato respiratório7,8. O diagnóstico é feito pelo fonoaudiólogo, entretanto existem sinais clínicos que advertem o profissional da saúde para a possibilidade da presença de disfagia9. Principalmente pelos sintomas apresentados, os pacientes disfágicos exibem baixos valores de Índice de Massa Corporal (IMC), ocasionados frequentemente pela baixa ingestão alimentar e inadequação da consistência dietética7. O paciente com dificuldade de deglutição necessita de orientação nutricional ao início do tratamento, devido a necessidade de adequar a quantidade calórica necessária à consistência da dieta tolerada pelo mesmo, evitando a perda ponderal comum a estes pacientes. Um acompanhamento nutricional é necessário para auxiliar na manutenção ou ganho de peso, principalmente, em situações em que o paciente será submetido a procedimento cirúrgico, quimioterápico e/ou radioterápico2,3. Portanto a nutrição assume papel importante na manutenção e recuperação do estado nutricional do paciente disfágico. A evidência clínica para diagnóstico de disfagia ainda no início do tratamento, possibilita o acompanhamento nutricional e intervenção precoce para adequação individualizada da dieta em nutrientes e consistência7, 8, 9,10. O objetivo do estudo foi avaliar o estado nutricional de pacientes casos novos admitidos pelo serviço de cabeça e pescoço e sua relação com a disfagia em um hospital oncológico do Paraná. CASUÍSTICA A pesquisa foi submetida ao comitê de ética da Liga Paranaense de Combate ao Câncer (LPCC), aprovada Chavoni et al. sob o número 2195/2012 e os pacientes autorizaram a participação no estudo por meio do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido. Tratou-se de um estudo transversal, quantitativo e prospectivo, compreendendo pacientes casos novos admitidos no serviço de cabeça e pescoço do Hospital Erasto Gaertner (HEG), durante os meses de maio a agosto de 2012. Foram incluídos neste trabalho pacientes casos novos do serviço de cabeça e pescoço, que não foram submetidos a tratamento oncológico prévio, de ambos os sexos e que aceitaram participar da pesquisa assinando o termo de consentimento livre e esclarecido. Os critérios de exclusão foram: pacientes menores que 18 anos e em uso de sonda para alimentação, paciente com tumor labial, da tireoide e benignos, por serem tumores que geralmente não afetam a capacidade de deglutição do paciente e o estado nutricional. Para cada paciente foram aplicadas perguntas em relação à hábitos de vida e caracterização do paciente, como sexo, idade, tabagismo, etilismo. O diagnóstico da doença e seu estadiamento foram preenchidos após o resultado de exames complementares solicitados pelo médico. O paciente foi questionado em relação a consistência da dieta consumida e esta foi anotada no formulário com classificação líquida, líquida pastosa, pastosa, branda e sólida. Foram investigados os sinais clínicos para detectar disfagia nos pacientes conforme relato dos sintomas, sendo: engasgos com alimentos, tempo de alimentação demorado (superior a 30/40 minutos), retorno do alimento para a boca, permanência de resíduos na boca, pigarro ou tosse após a refeição, dispneia ao alimentar-se e permanência de resíduos na boca9. Utilizou-se a tabela de Saeed et al.11 que classifica a disfagia segundo a capacidade de deglutição, conforme Quadro 1 a seguir. Os pacientes que referiram dificuldade de deglutição (classificação de 0 a 4) foram considerados com evidência de disfagia. A presença de trismo, odinofagia e xerostomia também foi considerada. As medidas antropométricas foram realizadas no momento da entrevista, coletadas por um único avaliador. Contemplou-se aferição de peso atual ou peso estimado atual em quilograma (Kg), estatura ou altura estimada em metros (m), peso habitual conforme Quadro 1. Classificação de disfagia - segundo Saeed et al. 0 Incapacidade de deglutir 1 Ingestão de líquido com dificuldade, não conseguindo ingerir sólidos. 2 Ingestão de líquido sem dificuldade, não consegue ingerir sólido. 3 Dificuldade ocasional apenas com sólido. 4 Dificuldade rara, apenas com sólido. 5 Deglutição normal. 36 R���������������������������������������������� Rev. Bras. Cir. Cabeça Pescoço, v.43, nº 1, p. 35-41, janeiro / fevereiro / março 2014 Diagnóstico nutricional de pacientes do serviço de cabeça e pescoço e sua relação com a disfagia em um hospital oncológico do Paraná. técnicas de mensuração descritas por Waitzberg & Ferrini12 e Chumlea et. al13, circunferência do braço (CB), e a prega cutânea tricipital (PCT) técnica descrita por Kamimura et.al.14, IMC, porcentagem de perda de peso (%PP), tempo de perda de peso. Para aferição do peso utilizou-se balança da marca Plenna®, com escala de 100g e capacidade 150Kg. A estatura foi aferida com estadiometro portátil da marca Sanny®. As circunferências foram obtidas com fita inelástica e a prega cutânea com plicômetro da marca Cescorf® O ponto de corte utilizado para classificação de desnutrição conforme IMC em adultos foi de <18,5Kg/m² e para idosos <22Kg/m² 15. A circunferência muscular do braço (CMB) foi calculada a partir dos valores de CB e PCT, utilizando a equação e classificação descrita conforme classificação em Frisancho14. Em relação ao estado nutricional conforme IMC e depleção de tecido adiposo e muscular segundo PCT, CB e CMB, os pacientes foram agrupados em desnutridos, eutróficos e sobrepeso/obesos, não sendo utilizado subdivisões. Foram avaliadas as perdas de peso em 6 meses e classificadas em graus: leve (<que 5%), moderada (entre 5 e 10%) e grave (>10%)16. Os dados foram quantificados e transpostos em planilha de banco de dados Microsoft Excel® com análise descritiva de porcentagem e frequência. As variáveis categóricas foram comparadas pelo teste de Qui-Quadrado do Pearson e quando este não pode ser aplicado foi utilizado o Teste Exato de Fisher. Adotouse nível de significância de 5%. O programa estatístico utilizado foi Statistical Package for the Social Sciences (SPSS), versão 12.0. Resultados A amostra do estudo foi composta por 54 pacientes. O estudo teve início com 75 pacientes, porém 21 pacientes foram excluídos por diagnóstico final compatível com os critérios de exclusão. Os pacientes eram em sua maioria do sexo masculino (79,6%), com uma relação entre homem/mulher de 3,9:1. A faixa etária foi de 36 a 90 anos, sendo que 83,4% dos pacientes tinham idade acima da quinta década de vida. Chavoni et al. As principais características estão apresentadas na Tabela 1. Em relação ao estado nutricional notou-se que a maior parte dos pacientes encontravam-se eutróficos pelo IMC, porém quando avaliadas depleções de tecido adiposo e muscular segundo PCT, CMB e CB houve predominância na classificação do estado nutricional como desnutridos. Na Tabela 2 podemos comparar o estado nutricional dos pacientes conforme faixa etária, IMC e depleção de tecido adiposo e muscular. Quando questionados em relação à perda de peso nos 6 últimos meses, encontramos que houve perda de peso grave em metade da amostra estudada 50% (27), 20,4%(11) apresentaram perda de peso moderada, 20,4% (11) perda de peso leve e apenas 9,2% (5) não tiveram perda de peso nos últimos meses. Os indivíduos que apresentaram perda ponderal moderada e grave totalizaram 38 pacientes e dentre eles, 86,8% (33) já possuíam doença em fase avançada, com estadiamento III e IV. (p< 0,01) Tabela 1. Caracterização da amostra. Características %N Idade < 60 anos > 60 anos Tabagista Etilista 61,1 38,9 68,5 31,5 33 21 37 17 Gênereo Masculino Feminino 79,6 20,4 43 11 Localização do Tumor Cavidade Oral 35,2 Faringe 35,2 Laringe 14,8 Glândulas Salivares 7,4 Cavidade Nasal e Seios paranasais5,6 Linfoma 1,9 19 19 8 4 3 1 Estadiamento do Tumor T1 T2 T3 T4 TX 4 7 10 30 3 7,4 13,0 18,5 55,6 5,5 Tabela 2. Classificação do estado nutricional segundo IMC, PCT, CMB e CB conforme faixa etária. Estado Nutricional Idosos N=21 Adultos N=33 Total dos Pacientes N=54 Classificação Desnutridos Eutróficos Sobrepesso/ Desnutridos Eutróficos Sobrepesso/ Desnutridos Eutróficos Sobrepesso/ ObesoObesoObeso IMC PCT CB CMB %%%%%%%%% 42,9%33,3%23,8%18,2%54,5%27,3%27,8%46,3%25,9% 57,1%4,8%38,0%66,7%9,1%24,2%63,0%7,4%29,6% 42,8%33,3%23,9%63,6%21,3%15,1%55,6%25,9%18,5% 33,3%57,1% 9,6% 57,6%30,3%12,1%48,1%40,8%11,1% Rev. Bras. Cir. Cabeça Pescoço, v.43, nº 1, p. 35-41, janeiro / fevereiro / março 2014 ––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––– 37 Diagnóstico nutricional de pacientes do serviço de cabeça e pescoço e sua relação com a disfagia em um hospital oncológico do Paraná. Foi comparada a perda ponderal dos pacientes que foram classificados conforme IMC como eutróficos, sobrepesos e obesos (39), e 48,7% apresentaram perda de peso grave, 23,0% perda de peso moderada e 20,5% perda de peso leve. Em relação à redução do tecido adiposo e muscular, conforme análise de PCT, CB e CMB, haviam pacientes classificados como desnutridos, representando um percentual de 48,5%, 25,7% e 42,8% respectivamente. Entre as consistências da dieta identificou-se que 74,1% (40) dos pacientes necessitavam de alteração da consistência alimentar, sendo o predomínio da consistência pastosa 29,6% (16), seguida por liquida pastosa 20,4% (11), branda 16,7% (9) e liquida 7,4% (4). Os demais relataram consumir alimentos de consistência sólida. Considerando a amostra total, dos pacientes que apresentaram peso de peso (49), houve alteração de consistência da dieta em 77,5%, sendo a divisão desta alteração em consistência pastosa 39,5%, liquida pastosa 28,9%, branda 21,1% e líquida 14,8%. O sinal clínico relacionado à disfagia mais prevalente foi o tempo para alimentar-se entre 30 a 40 minutos compreendendo 74,1%, seguido por engasgos com alimentos 57,4%, pigarro ou tosse após alimentar-se 40,4%, permanência de resíduos na boca após alimentação 37,0%, presença de dispneia ao alimentar-se 24,1%, retorno do alimento ingerido para a boca 20,4%. Os pacientes que não informaram nenhum sinal clínico relacionado à disfagia representaram 14,8%. Analisando os 18 pacientes que apresentaram perda ponderal grave e foram classificados como eutrofia, sobrepeso ou obesidade pelo IMC, 77,7% relataram 2 ou mais sinais clínicos relacionados à disfagia (p<0,05). Todos pacientes que não apresentaram perda ponderal (4) também não apresentaram sinais de disfagia. A Tabela 3 expõe a quantidade de sinais clínicos relacionados à disfagia e a perda de peso em pacientes eutróficos,sobrepesos e obesos. A classificação da disfagia segundo a capacidade de deglutição apresentada pelo paciente mostrou que 75,9% dos pacientes apresentavam dificuldade de deglutição dos alimentos, esses dados estão transpostos na Tabela 4. Na Tabela 5 obtém-se a relação do estado nutricional conforme IMC, CB, PCT e CMB com a presença da evidência de disfagia. Os pacientes que estavam desnutridos conforme CB, PCT e CMB tiveram maior associação com a evidência de disfagia em relação aos classificados como desnutridos pelo IMC (p<0,01, p<0,01 e p<0,01 respectivamente). Chavoni et al. Quando analisamos a evidência de disfagia relacionada com a perda de peso obtemos que 79,5% dos pacientes que apresentaram perda de peso tiveram evidência de disfagia. Este percentual aumenta para 85,1% quando analisamos apenas os pacientes com perda de peso grave. Considerando os 35 pacientes eutróficos, sobrepesos e obesos classificados conforme IMC, que apresentaram perda de peso e sua relação disfagia, encontramos que 80,0% apresentaram esta evidência, este dado sobe para 83,3% quando comparamos com perda de peso grave. Dos 38 pacientes que tiveram diagnósticos de CCP em região de cavidade oral e faringe, 81,5% apresentaram evidência de disfagia e todos apresentaram perda de peso (p<0,01). Em relação aos outros sintomas relacionados à dificuldade em alimentar-se citados pelos pacientes houve presença de odinofagia em 44,4% (n=24), 37% (n=20) xerostomia e 27,8% (n=15) trismo. Pacientes que não relataram esses sintomas foram 25,9% (n=14) da amostra. Os pacientes que referiram odinofagia apresentaram maior dificuldade em alimentar-se, referiram alteração no padrão da consistência da dieta e maior perda de peso (p<0,05 e p<0,05 respectivamente). Esta informação pode ser observada na Tabela 6. Tabela 3. Pacientes classificados como eutróficos, sobrepesos e obesos conforme IMC, sua relação com a quantidade de sinais clínicos apresentados e % de perda de peso em 6 meses. Perda de Peso Sinais Clínicos de Disfagia >10% 5-10% <5% d 2 3 4 e 5 8 3 4 3 7 6 00 11 1 1 Tabela 4. Classificação da disfagia conforme a capacidade de deglutição do paciente. Capacidade de Deglutição % Ingestão de líquido sem dificuldade, não consegue ingerir sólido 37,0% Ingestão de líquido com dificuldade, não conseguindo ingerir sólidos 16,7% Dificuldade ocasional apenas com sólidos 11,1% Incapacidade de deglutir 7,4% Dificuldade rara, apenas com sólidos 3,7% Deglutição normal 24,1% N 20 9 6 4 2 13 Tabela 5. Estado Nutricional conforme IMC, CB, PCT e CMB e sua relação com a disfagia. Estado Nutricional IMC Evidência de CB Evidência de PCT Evidência de CMB Evidência de (N)disfagia (%)(N)disfagia (%)(N)disfagia (%)(N)disfagia (%) Desnutrição 1457,13086,62979,32684,6 Eutrofia 25 84,0 14 71,4 4 25,0 22 77,2 Sobrepeso/Obesidade 1580,01050,01662,5 6 33,3 38 R���������������������������������������������� Rev. Bras. Cir. Cabeça Pescoço, v.43, nº 1, p. 35-41, janeiro / fevereiro / março 2014 Diagnóstico nutricional de pacientes do serviço de cabeça e pescoço e sua relação com a disfagia em um hospital oncológico do Paraná. Chavoni et al. Tabela 6. Relação da <resença de trismo, odinofagia e xerostomia com consistência alimentar, evidência de disfagia e perda de peso. Sintomas Trismo OdinofagiaXerostomia N=15N=24N=20 Consistência da dieta: Líquida, Líquida Pastosa ou Pastosa Evidência de disfagia Perda de peso grave, moderada e leve Discussão Homens acima de 40 anos apresentam maior incidência de CCP1. Os pacientes que participaram do estudo eram em sua maioria do sexo masculino (79,6%) com predominância de idade acima de 50 anos, este dado é semelhante à outros estudos3,17, entretanto na proporção homem/mulher esta casuística apresentou-se maior. O principal fator de risco para desenvolvimento do CCP é o tabaco, este torna-se potencializado quando associado ao álcool1.O risco para desnutrição em pacientes com CCP é aumentado, há contribuição para este aumento dos hábitos alimentares inadequados associados com a ingestão excessiva de álcool2. No estudo encontramos a presença de 68,5% tabagistas e 31,5% etilistas. Este dado pode ter sido subnotificado, uma vez que foi questionado se atualmente o paciente era tabagista ou etilista e não foi considerado o histórico deste hábito. Geralmente o CCP apresenta maior incidência na região de cavidade oral e orofaringe, em virtude do grande número de indivíduos expostos aos fatores de risco que estão relacionados com a etiologia destas patologias1,18. Com frequência o diagnóstico inicial da doença é feita em estádios mais avançados (III e IV), desta forma, há um aumento de pacientes com prognóstico reservado e com sequelas, reduzindo a qualidade de vida 3,18,19,20. Esta informação vem de encontro com nosso estudo, pois houve predomínio da localização do tumor em região cavidade oral e faringe com estágios avançados. Foi encontrado resultados semelhantes em outros estudos em relação à localização do tumor e estágios da doença3,18. A avaliação nutricional precoce é imprescindível para diagnosticar os pacientes que apresentam um diagnóstico nutricional comprometido evitando que ocorra agravamento do mesmo21. Pacientes com diagnóstico de CCP preocupam em relação ao estado nutricional, pois o câncer neste local afeta diretamente a ingestão oral podendo levar o paciente à desnutrição grave22. Conforme avaliação do IMC, analisando a amostra geral do estudo, houve predomínio dos pacientes com estado nutricional classificados como eutróficos, sobrepeso ou obesos. Quando analisamos separadamente, de acordo com a faixa etária, obtemos que este dado mantém-se apenas para pacientes 80,0% 93,0% 100,0% 75,0% 95,8% 95,8% 75,0% 85,0% 95,0% abaixo de 60 anos. A classificação para pacientes desnutridos conforme a OMS é IMC <18,5Kg/m² quando este apresenta idade inferior à 60 anos, este ponto de corte subestima o paciente pois é um valor baixo para pacientes com presença de câncer20. Isto pode ser um dos motivos pelo qual neste estudo tivemos a presença de desnutrição em maior proporção com pacientes idosos, sendo o ponto de corte neste caso com IMC <22Kg/m². O estudo de Ehrsson et al. 2012 avaliou 157 pacientes com CCP no momento do diagnóstico, e também houve predomínio de pacientes com eutrofia, sobrepeso e obesidade em relação aos pacientes desnutridos. Este estudo adotou como ponto de corte para pacientes desnutridos IMC com valores <20Kg/m² para pacientes até 70 anos e <22Kgm² para pacientes acima de 70 anos, justificando exatamente que o valor padrão para ponto de corte pode subestimar pacientes desnutridos. Como resultados obtiveram que 11,4% dos pacientes estavam desnutridos, considerando o IMC <18,5Kg/m² apenas 5% destes pacientes estariam desnutridos20. No estudo de Wittenaar et al. 2011, com uma amostra de 116 pacientes, avaliaram o estado nutricional de pacientes com CCP, obtendo 19% dos pacientes com diagnóstico de desnutrição (IMC<18,5Kg/m²) antes do início do tratamento23. Ambos estudos adotaram valores para diagnóstico de desnutrição diferentes deste estudo bem como a faixa etária para separar adultos e idosos, o que pode ter favorecido à um maior percentual encontrado no estudo em questão. Conforme avaliação de PCT, CB e CMB ressalta-se elevado percentual de desnutrição, sugerindo uma maior sensibilidade ao diagnóstico deste pacientes, uma vez que já havia depleção em tecido adiposo e muscular. Portanto o estudo revelou discrepância do diagnóstico nutricional entre os métodos. O IMC não foi um método sensível ao diagnóstico de desnutrição, pois o paciente pode apresentar valor de IMC atual na faixa de normalidade, ou mesmo acima da faixa normal, apesar de perda de peso significativa em relação ao peso corpóreo anterior, sugerindo que estes pacientes estejam desnutridos3. Diante deste contexto, o IMC deve ser utilizado concomitante à outros parâmetros, pois não distingue o tecido muscular e adiposo, pode não ser evidente para alterações clínicas, bioquímicas e alterações relacionadas com a alimentação24. A perda de peso esteve presente em 90,8% dos pacientes, sendo que destes 50,0% apresentaram Rev. Bras. Cir. Cabeça Pescoço, v.43, nº 1, p. 35-41, janeiro / fevereiro / março 2014 ––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––– 39 Diagnóstico nutricional de pacientes do serviço de cabeça e pescoço e sua relação com a disfagia em um hospital oncológico do Paraná. perda de peso grave. A perda ponderal esteve significativamente associada ao estádio da doença e a localização do tumor. Sabe-se que o processo de perda de peso, independentemente do peso habitual do paciente, considera-se um processo de desnutrição por si só, ainda que, após as alterações corporais o indivíduo permaneça dentro dos padrões normais6. O estudo de Jager et al. 2007 com 407 pacientes, avaliou a perda de peso crítica (≥5% em 1 mês ou ≥10% em 6 meses) em paciente com CCP antes do tratamento e encontraram a presença da mesma em 19% dos pacientes6. A perda de peso involuntária reflete uma desnutrição aguda e o baixo peso pelo IMC uma desnutrição crônica23. Na análise do estado nutricional conforme IMC, a maioria dos pacientes estavam nutridos, contudo com perda ponderal associada à depleção de tecido muscular e adiposo conforme PCT, CB e CMB, desta forma, o paciente apresentava em risco nutricional e o processo de desnutrição estava sendo instalado. A desnutrição e a baixa ingestão de nutrientes e energia podem ocorrer como resultado da inadequação dietética e da consistência alimentar25. Houve alteração da consistência alimentar por 74,1% dos pacientes. Pacientes com perda ponderal grave que alteraram a consistência da dieta foram 85,1%, mostrando que pode haver uma relação direta entre ambas variáveis, principalmente pelo fato que o paciente fará alteração da consistência mas não consegue adequá-la à necessidade energética diária. Portanto, o tratamento dietoterápico possui papel importante para melhorar o estado nutricional em pacientes com CCP, principalmente aqueles que precisam de alteração da consistência alimentar25, adequando quantitativamente e qualitativamente a alimentação do paciente. Os sinais clínicos relacionados com a disfagia traduzem a dificuldade de ingestão alimentar do paciente e alertam para a necessidade de adaptação da alimentação do paciente. Dentre os sinais clínicos mais relatados no presente estudo estão o aumento do tempo para alimentar-se e engasgos com alimentos. Observamos que quanto maior a perda de peso maior o número de pacientes com presença de sinais relacionados à disfagia. Com a presença destes sintomas a ingestão alimentar fica afetada e a perda de peso é uma consequência. Estes sintomas são comuns em pacientes com CCP, pela obstrução mecânica causando a dificuldade de deglutição9,23. Pacientes eutróficos, sobrepeso ou obesos conforme IMC, com perda ponderal grave apresentam associação significativa com a presença de 2 ou mais sintomas relacionados à disfagia e pacientes que não apresentaram perda ponderal não apresentaram sinais de disfagia. Com este dados podemos reafirmar que o IMC subestimou pacientes que estavam em risco nutricional. As causas para desnutrição em pacientes com câncer de cabeça e pescoço podem ser inúmeras, porém Chavoni et al. na instalação da patologia uma das principais causas é a baixa ingestão alimentar associada à obstrução da passagem de alimentos ou a dor causada pelo tumor, contribuindo para o aumento da morbi-mortalidade23. A presença de disfagia anterior à tratamentos (cirurgia, radioterapia e quimioterapia) é devido à obstrução do lúmen da faringe pelo próprio tumor ou por problemas neuromusculares causados por infiltração do tumor26. Neste estudo encontramos evidência de disfagia em 75,9% dos pacientes. O estudo de Villares et al. 2003, contendo 52 pacientes, encontrou presença de disfagia em CCP avançado, em 21,1% dos pacientes26. Essa variação entre o estudo atual e citado pode ter acontecido principalmente por ter sido aplicado diferentes ferramentas para avaliação da disfagia. A relação do estado nutricional e a evidência de disfagia se mostrou mais significativamente sensível com CB, PCT e CMB em relação ao método do IMC. Para reforçar esta relação, houve perda de peso relacionada com a evidência de disfagia com percentual expressivo. A relação de perda de peso e disfagia encontrada no presente estudo corrobora com o estudo de Jager et al. 20076. A relação entre a perda de peso em pacientes com câncer de cavidade oral e faringe e que apresentaram evidência de disfagia foi estatisticamente significante. Os pacientes com câncer de cavidade oral, faringe e laringe apresentam alta incidência de disfagia no momento do diagnóstico e a desnutrição torna-se uma consequência deste sintoma26. A odinofagia causa dificuldade de ingestão dos alimentos resultando em deficiências nutricionais e perda de peso6. Dentre os sintomas investigados relacionados com a dificuldade de alimentar-se a odinofagia mostrou-se mais expressiva e esteve estatisticamente relacionadas com a necessidade de alteração da consistência alimentar e a perda de peso consequentemente. Conclusão A incidência da alteração da consistência alimentar em pacientes com CCP é alta, muitas vezes pode não estar acompanhada de adequação energética, predispondo o paciente à perda de peso e consequentemente à desnutrição. Por este motivo, a identificação precoce de disfagia possibilita o nutricionista trabalhar assistencialmente com o paciente, reduzindo o impacto nutricional antes de iniciar o tratamento. Houve relação do estado nutricional com a disfagia, sendo mais sensível quando avaliado pelos métodos de CB, PCT e CMB, o que não foi encontrado em relação ao diagnóstico pelo IMC. A utilização do IMC para diagnóstico nutricional, deve ser feita concomitante à outros parâmetros de determinação do estado nutricional, principalmente em pacientes com câncer de cabeça e pescoço que apresentam perda ponderal associada a sintomas que afetam a ingestão alimentar já no início da doença, pois 40 R���������������������������������������������� Rev. Bras. Cir. Cabeça Pescoço, v.43, nº 1, p. 35-41, janeiro / fevereiro / março 2014 Diagnóstico nutricional de pacientes do serviço de cabeça e pescoço e sua relação com a disfagia em um hospital oncológico do Paraná. no estudo notamos que a avaliação nutricional pelo método do IMC subestimou pacientes que estavam desnutridos e já apresentavam sinais de disfagia. REFERÊNCIAS 1.Instituto Nacional de Câncer José Alencar Gomes da Silva. Estimativa 2012: incidência de câncer no Brasil. Rio de Janeiro: INCA; 2012. 2.Boligon CS, Huth A. O Impacto do uso de glutamina em pacientes com tumores de cabeça e pescoço em tratamento radioterápico e quimioterápico. Rev Bras de Cancerologia. 2011; 57(1):31-38. 3.Maio R, Berto JC, Corrêa CR, Campana AO, Paiva SAR. Estado nutricional e atividade inflamatória no pré-operatório em pacientes com cânceres de cavidade oral e orofaringe. Rev Bras de cancerologia. 2009;55(4):345-353. 4.Laviano A, Meguid MM, Rossi-Fanelli F. 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