Epilepsia e Suas Causas Epilepsia é palavra derivada do grego que significa “tomada” ou “dominação”, fazendo alusão a crenças antigas de que derivaria da possessão do corpo de um indivíduo por espíritos. Trata-se de distúrbio crônico, recorrente, onde há predisposição duradoura do cérebro a gerar crises epilépticas, com conseqüências neurobiológicas, cognitivas, psicológicas e sociais. É necessária a ocorrência de ao menos uma crise epiléptica para o diagnóstico. Do ponto de vista neurofisiologico, ocorrem descargas elétricas anormais e síncronas a partir de grupos de neurônios localizados ou envolvendo ambos hemisférios cerebrais, permanecendo em alguns casos restritas a uma região do cérebro, em outros casos havendo propagação. Estas descargas são traduzidas em atividades anormais captadas pelo eletroencefalograma realizado com eletrodos de superfície ou com eletrodos profundos. A conseqüência clínica destas descargas é o surgimento de comportamentos ou experiências não controlados pelo indivíduo: as crises epilépticas. Sua fenomenologia depende da(s) área(s) do cérebro acometidas. O diagnóstico das epilepsias se baseia em cinco eixos principais. A fenomenologia das crises, com efeito, constitui o primeiro eixo diagnóstico das Epilepsias. Trata-se do conjunto de sinais e sintomas que ocorrem durante a crise e no período pós-ictal. Por exemplo, podem ocorrer fenômenos motores: postura distônica ou tônica, versão da cabeça, espasmos, perda de tônus, clonias, mioclonias ou automatismos oroalimentares, gestuais, hipercinéticos, gelásticos, dacrísticos, vocais ou verbais. Fenômenos não motores incluem manifestações sensitivas elementares, tais como sensações táteis, visuais, auditivas, olfativas, gustatórias, epigástricas (abdominais), cefálicas, mas também experienciais, como memórias afetivas, alucinações, ilusões, prejuízo à atenção e funções executivas, e autonômicas, incluindo arritmias e vômitos. Fenômenos pós-ictais podem incluir paralisia do lado contralateral ao foco cerebral de início da crise (paralisia de Todd), psicose, sonolência, amnésia. A avaliação da fenomenologia das crises permite-nos chegar à classificação dos tipos de crise apresentados pelo paciente, o que consiste no segundo eixo diagnóstico das epilepsias. As crises são ditas focais ou parciais quando se iniciam numa porção delimitada do cérebro, identificável pela fenomenologia apresentada. Elas são classificadas como parciais simples quando não há comprometimento da consciência e como parciais complexas quando ocorre alteração da consciência (ruptura do contato). As crises generalizadas se iniciam em ambos hemisférios simultaneamente e provocam perda de consciência. Elas englobam as crises de ausência, crises mioclônicas e crises tônico-clônicas (estas comumente denominadas convulsões). A duração das crises é variável, podendo ser breves e com estado pós ictal quase inexistente, como nas crises parciais frontais, ou prolongadas com amnésia e sonolência pós-ictal como em crises originárias do lobo temporal. As crises podem ter fim espontâneo ou evoluir para estado epiléptico, definido como a persistência de qualquer tipo de crise por mais de 30 minutos, o que constitui uma emergência médica. O tipo de crise é um dos elementos fundamentais para o diagnóstico da síndrome epiléptica, o terceiro eixo diagnóstico das epilepsias. Alguns tipos de crises são característicos de uma síndrome, enquanto outros excluem o paciente de uma síndrome determinada. Além do tipo de crise, deve-se conhecer a idade de início, a presença ou não de encefalopatia progressiva subjacente, a existência de deficit neurológico ou neuropsicológico entre as crises, as características do traçado eletroencefalográfico ictal e interictal, a resposta farmacológica boa ou ruim aos diferentes medicamentos anticonvulsivantes, a presença ou não de lesão estrutural vista aos exames de imagem. O Comitê de Nomenclatura da Liga Internacional Contra a Epilepsia propõe a seguinte classificação para as síndromes epilépticas. I . Localização-relacionadas: A. Idiopáticas 1. Epilepsia benigna da infância com espículas centr-temporais 2. Epilepsia da infância com paroxismos occipitais 3. Epilepsia primária da leitura B. Local-relacionadas (criptogênicas) (definidas pelo tipo de crise, sintomas, dados anatômicos). C.Sintomáticas: 1.Epilepsia mesial temporal com esclerose do hipocampo 2.Epilepsia temporal autossômica dominate com fenômenos auditivos 3.Epilepsia frontal noturna autossômica dominante 4.Epilepsias focais sintomáticas não especificadas: a.Epilepsias de lobo temporal b.Epilepsias de lobo frontal c.Epilepsias de lobo parietal d.Epilepsias de lobo occipital 5.Epilepsia parcial contínua crônica da infância II.Generalizadas A. Idiopáticas 1.Convulsões neonatais familiares benignas 2.Convulsões neonatais benignas 3.Epilepsia mioclônica benigna da infância 4.Epilepsia ausência da Infância 5.Epilepsia ausência juvenil 6.Epilepsia mioclônica juvenil 7.Epilepsia com crises generalizada tônico-clônicas (discutível) 8.Epilepsia generalizada com convulsões febris mais 9.Outras epilepsias generalizadas idiopáticas B.(Criptogências) Provavelmete sintomáticas 1.Síndrome de West 2.Síndrome de Lennox-Gastaut 3.Epilepsia com crises miclônico-astáticas (Síndrome de Doose) 4.Epilepsia com ausências mioclônicas C.Sintomáticas 1.Etiologia não-específica a.Encefalopatia mioclônica precoce b.Encefalopatia precoce do lactente com surto-supressão c.Outras epilepsias generalizadas sintomáticas 1.Epilepsias mioclônicas progressivas 2.Síndromes específicas a.Crises epiléticas complicando doenças específicas III. Outras epilepsias: A. Com crises generalizadas e focais 1. Convulsões neonatais 2. Epilepsia grave mioclônica da infância (Síndrome de Dravet) 3. Epilepsia com pontas-onda lenta contínuas do sono 4. Síndrome de Landau-Kleffner (afasia epiléptica adquirida) B.Epilepsias sem características focais ou generalizadas inequívocas. IV.Situações com crises epilépticas que não requerem diagnóstico de epilepsia A. Crises provocadas pro situações determinadas: 1. Crises febris 2. Crises isoladas ou estado epiléptico isolado 3. Crises ocorrendo apenas diante de evento tóxico ou agudo. As síndromes epilépticas podem ser causadas por diversas etiologias, que são o quarto eixo diagnóstico das epilepsias. As etiologias podem ser defeitos genéticos, anomalias dos canais iônicos ou a lesões específicas do cérebro: anomalias do desenvolvimento cortical, esclerose hipocampal, tumores, trauma, doenças degenerativas, infecções, síndromes neurocutâneas, doenças vasculares, hipóxia, exposição tóxica. O quinto eixo diagnóstico se refere ao grau de limitação que a doença causa, seja ele motor, sensitivo, mental, linguístico, de inserção social, escolar ou no ambiente de trabalho. Nem sempre é possível caracterizar todos os eixos diagnósticos em um dado paciente, entretanto todo esforço deve ser realizado por um diagnóstico o mais completo possível, o que permitirá avaliar o prognóstico e traçar a conduta terapêutica (medicamentosa, cirúrgica ou outra) dentro do mais breve prazo, tentando preservar a inserção do indivíduo em seu meio. Bibliografia recomendada: .Engel JJ et al. Report of the ILAE Classification Core Group. Epilepsia, 2006, 47(9): 1558-1568. .Fisher RS et al. Epileptic seizures and epilepsy: definitions proposed by the InternationaLeague Against Epilepsy (ILAE) and the International Bureau for Epilepsy (IBE). Epilepsia 2005; 46(4):470-472. .Duron RM et al. Seizures of idiopathic generalized epilepsies. Epilepsia 2005; 46 (suppl 9):34-47. .Devinsky et al. Clinical and electroencephalographic features of simple partial seizures. Neurology 1998; 38:1347-1352.